Todo dia a mesma cena repetia-se. O executivo, trajando ternos que não ultrajam a vestimenta social impecável, sempre adentrava o edifício comercial com o jornal do dia debaixo do braço e uma pasta preta lacrada com 04 números supostamente secretos.
A fila de espera era sugada pelos dois elevadores manuais a cada minuto. O homem era "cliente preferencial e diário" do elevador dos andares pares, que ficava à direita, apesar de trabalhar em uma das salas do 9º.
Os dentes reluziam-se rumo à "maquinista", que ficava sentada numa banqueta, apertando os botões pares e girando a manivela. Dele as palavras fluíam: "Bom dia minha flor! Vamos ao topo, no céu do último, do 10º andar... nota 10 pra você!"
Ela retribuía com um sorriso amarelo que quase esverdeava o reflexo do seu uniforme azul, repreendendo a antipatia, engolindo sua ira feminina.
A falta de argumentos era constantemente acompanhada de reles comentários meteorológicos ou elogios picantes, disfarçados de palavras de duplo sentido explícito.
O bom humor do cavalheiro nunca se esquecia de uma olhadela corporal, observando rapidamente a região dos seios. Ao sair, despedia-se com um piscar de olhos. Então, descia as escadas para chegar ao escritório, movido pela alegria do assobio.
No fim do expediente, completavam-se quatro, as entradas e saídas do executivo, enquanto a paciência da mulher esvaía-se proporcionalmente.
Contudo, a história teve um desfecho revoltado, quando o engravatado aproximou-se da porta, e com o sorriso estampado disse "muito bom dia!" A mulher o impediu: "O que há de bom? A partir de agora o senhor só vai entrar no outro elevador. Qualquer gracinha, piada, previsão ou descrição do tempo quente, os seus dentes não mais se apresentarão aos outros, nessa risada lerda!"
O homem saiu de fininho. Ela comentou com os transeuntes que entraram assustados: "TPM é muito ruim, mas dá uma coragem!"