Gostaria de tratar neste artigo dos modelos de imprensa do jornalismo brasileiro. Faz parte do discurso dos veículos de comunicação se dizerem “isentos”, “imparciais”. Cabe, então, verificarmos o lado positivo e o negativo dessa “imparcialidade”, se é que ela existe. Os estudos sociais atualmente consideram que todo ser humano é um ser parcial: todos temos posições. Desta forma, mentiriam aqueles que dizem não as ter, que se dizem isentos. Verifiquemos, pois, se este discurso da “imparcialidade jornalística” se opera de fato em dois dos maiores veículos de comunicação de massa do Brasil: a TV Globo e a revista Veja.
Comecemos, pois, pela TV Globo. O documentário da rede inglesa BBC denominado "Rede Globo além do Cidadão Kane", proibido no Brasil por "decreto" da emissora brasileira, enumera atuações manipuladoras da Rede em prol da elite de sempre, como quando, na véspera do segundo turno das eleições de 1989, o Jornal Nacional colocou que Collor era o melhor candidato e por isso deveria vencer Lula. Outros casos podem ser facilmente observados no próprio Jornal Nacional de nossos dias, que chama os sem-terra de "invasores", não de "ocupantes", demonstrando claramente que, como latifundiária das ondas, a Globo está a favor da concentração e da restrição das posses.
O nosso outro exemplo, a revista Veja, também esteve ao lado de Collor (em 23/05/1988, a capa da Veja trouxe a foto de Collor mais o slogan: "O caçador de marajás"), e voltou a repetir a dose lançando o "fenômeno" Roseana, a Sarney, cujo partido (PFL) e governo no Maranhão são exemplos de descompromisso para com uma política transformadora (para não falarmos do próprio oligopólio da imprensa do estado, forjado pela família Sarney e seus aliados).
Por meio destes exemplos, fica evidente que a visão de mundo destes veículos de comunicação, ainda quando fazem denúncias ou se demonstram "éticos", é a visão de mundo das elites que os forjaram: existe uma linha demarcatória que diz até que ponto estes veículos podem ser “críticos” sem perder os privilégios de que gozam. Sabemos que uma isenção real provocaria uma cobrança irrestrita por justiça, o que levaria a repensar a política de concessões e a própria atuação da imprensa tradicional no "calamento" dos sem-terra, dos sem-imprensa, dos sem-voz (o que não interessa aos donos do poder). Da mesma forma, as nossas leis, apesar de se pretender também isenta, não funciona bem assim. A imparcialmente sugerida pelo símbolo do Direito (a Deusa da Justiça, que, com os olhos vedados, traz à mão uma balança que pesa "sem saber" a quem) não trata ricos e pobres de maneira igual; basta lembrar que a quase totalidade do “peso” das cadeias públicas deve-se à classe baixa. Assim como a imprensa alternativa, o direito alternativo também propõe que a legislação penda positivamente para o lado mais fraco (seja parcial), haja vista que por quase toda a História sempre pendeu-se e pende-se em favor do mais forte.
Assim como o Direito Alternativo propõe uma “pendência” para o lado certo, existe a imprensa alternativa que tenta reequilibrar a informação. Se todos, no fundo, somos parciais, o que a imprensa alternativa deseja é ser da parte certa: estar ao lado daqueles que sofrem por decorrência dos desmandos e da ganância de uns poucos; e contra aqueles que se beneficiam muitas vezes ilicitamente de concessões de rádios e TVs e da corrupção para tomarem conta de estados, do país.
Concluímos, então, neste artigo, que dizer-se isento pode implicar em ser omisso, em coadunar-se com os donos do poder. O que temos atualmente, então, é uma "ideologia da imparcialidade", que emana da classe dominante, que pretende esvaziar os sujeitos de suas posições contra o que lhe é imposto pelas elites, como se este "imposto" fosse “natural” e “verdadeiro”.
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GREGORIO K.BARATTA
gregoriobarata@hotmail.com
Professor de História da Arte Latino-Americana na Universidad de Madrid, poeta, cronista e jornalista do Correo Madrileño, onde também assina coluna sobre a arte brasileira.
No Brasil, é colunista da Revista RES:
http://revistares.hpg.com.br/ www.moquinfo.hpg.com.br/
"Se tivesse de me definir, diria que sou um espanhol aficionado por MPB, que enxerga de fora e atordoado essa sociedade surreal que é a brasileira".