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Discursos-->AOS NOVOS ADVOGADOS -- 19/06/2000 - 19:13 (Deodato J. Ramalho Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DISCURSO PROFERIDO PELO CONSELHEIRO DEODATO JOSÉ RAMALHO JÚNIOR, SAUDANDO OS NOVOS ADVOGADOS E ADVOGADAS QUE INGRESSARAM NA OAB/CE EM 28 DE JUNHO DE 1999.


É de praxe, nesses momentos de acolhida de novos advogados e advogadas, ocasião em que a nossa sexagenária e sempre gloriosa Ordem dos Advogados recebe os seus mais novos associados, que um Conselheiro seja designado para, em nome do Conselho Secional, saudar os novéis colegas que aportam, cheios de sonhos e de esperança, nos umbrais da advocacia, iniciando o exercício da mais instigante das profissões.

Essa saudação, é verdade, via de regra, tem como fundamento básico traçar um aligeirado retrato do exercício profissional que, lá fora, nos foros, nos tribunais, no cotidiano da vida, está a espera desses novos operadores do Direito. A coincidência desta nossa sessão de hoje com o lançamento da Campanha Nacional encetada pelo Conselho Federal da OAB pela ética na advocacia estimula-me a eleger duas vertentes na minha fala que, assim penso, deve nortear a vida do profissional da advocacia: a ilibada conduta ética e o compromisso intrínseco que cada qual deve ter com a promoção do Direito, tendo como busca final a realização da Justiça.

No mundo contemporâneo isso não é pouco. Enormes são os desafios que se colocam diante de nós, enquanto cidadãos e, sobretudo, enquanto advogados e advogadas, inseridos que estamos em uma realidade que cada vez mais avilta a dignidade de milhões de seres humanos, mundo afora, e de brasileiros, em todos os campos da vida humana. A minha peroração, pois, tem como ponto nodal - sem prejuízo da manifestação de regozijo pelo recebimento de valorosos novos quadros que, sem dúvida, reforçarão a luta pela realização da Justiça, meta de todo verdadeiro profissional do direito -, uma reflexão em torno dos dois temas que elegi, como afirmei anteriormente, como mais relevantes para levar à consideração das mentes privilegiadas de quem, recém-saído dos bancos universitários, inicia a árdua caminhada na busca da realização profissional e que, assim espero, coloquem suas inteligências a serviço da plena materialização da Justiça, pois como ensina o mestre italiano Norberto Bobbio "uma coisa são os enunciados de direito, outra coisa a sua efetiva materialização." Propositadamente, falo da Justiça e não do Direito, porque este, numa sociedade marcadamente desigual como a nossa, ao longo do tempo, tem expressado a harmonização dos interesses egoístas de uma minoria, que se apoderou dos aparelhos de Estado para satisfação de seus próprios negócios em detrimento do bem comum.

Roberto Lyra Filho, Professor Emérito da Universidade de Brasília e Fundador da Nova Escola Jurídica Brasileira, leciona, em artigo publicado em coletânea intitulada O DIREITO ACHADO NA RUA, que “A MAIOR DIFICULDADE, NUMA APRESENTAÇÃO DO DIREITO, NÃO SERÁ MOSTRAR O QUE ELE É, MAS DISSOLVER AS IMAGENS FALSAS OU DISTORCIDAS QUE MUITA GENTE ACEITA COMO RETRATO REAL”.

Mais adiante, esclarece o renomado Jurista: “A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos meios de produção. (...) A identificação entre o Direito e lei pertence, aliás, ao repertório ideológico do Estado, pois na sua posição privilegiada ele desejaria convencer-nos de que cessaram as contradições, que o poder atende ao povo em geral e tudo o que vem dali é imaculadamente jurídico, não havendo Direito a procurar além ou acima das leis. (...) Uma exata concepção do Direito não poderá desprezar todos esses aspectos do processo histórico, em que o círculo da legalidade não coincide, sem mais, com o da legitimidade, como notava, entre outros, inclusive o grande jurista burguês Hermann Heller. Diríamos até que, se o Direito é reduzido à “pura” legalidade, já representa a dominação ilegítima, por força desta mesma suposta identidade; e este “Direito” passa, então, das normas estatais, castrado, morto e embalsamado, para o necrotério duma pseudociência, que os juristas conservadores, não à toa, chamam de “dogmática”. Uma ciência verdadeira, entretanto, não pode fundar-se em “dogmas”, que divinizam as normas do Estado (..)”.

Em um dos Mandamentos do Advogado Eduardo Couture define a essência da luta pela Justiça: "Tem fé no Direito, como o melhor instrumento para a convivência humana; na Justiça, como o destino normal do Direito; na Paz, como o substituto bondoso da Justiça; e, sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz."

Sobre o tema da ética na advocacia, tenho para mim que a recorrente alusão, em nosso meio, aos advogados como profissionais pouco afeitos a princípios éticos, muitas vezes elegendo-nos como a personificação da chamada lei de Gerson (a de levar vantagem em tudo), não é guarda similitude com a realidade. Nada é mais falso do que essa caricatura. As mazelas da advocacia, no pertinente a essas questões de natureza ética, são o retrato fidedigno das mazelas da crise moral que vem corroendo as entranhas da sociedade brasileira. Assim, mesmo sem desconhecer ou amenizar a contribuição que maus profissionais da advocacia dão para essa situação de desconforto, que estigmatiza o modus vivendi da gente brasileira, tenho para mim que, estatisticamente, pelo menos nesta Secional do Estado do Ceará, o número de profissionais que se desviam da conduta ética se situa em patamares suportáveis. Longe de querer minimizar o problema, essa constatação tem como objetivo situar o problema na sua real dimensão, para não se dá vazão ao discurso falacioso, reproduzido midiaticamente, de que os advogados são intrinsecamente maus, aéticos, isto porque, de verdade, o número de processos disciplinares existentes na OAB/Ceará, do qual boa parte apresenta indícios de manifesta improcedência, envolve um percentual que não chega a 10% (dez por cento) da categoria.

O Dr. Feliciano de Carvalho, ex-presidente deste Conselho Secional, e atual presidente do Tribunal de Ética e Disciplina, jurista de escol, padrão de advogado, tem afirmado, repetidas vezes, e com razão, que "o problema da advocacia não é fazer mau caráter, é que as vezes tem muito mau caráter que passou na Ordem", ou, por outra, emenda o ilustre advogado cearense, "Advogado que é inescrupuloso, desonesto, desleal, aliás a base da antiética é a deslealdade, já trazia essas características no DNA. Então eles se formam, fazem o exame da Ordem e vão cometer essas falcatruas com uma perícia extraordinária." A esse propósito, o escritor Coelho Neto, num livro didático que me recorda a infância interiorana, afirmava que "a ocasião faz o ladrão. Logo, deves evitá-la. Não é esse o caso. Na verdade, a ocasião apenas mostra o ladrão, porque este já existe, já está formado.

A OAB/CE, na atual quadra de sua vida institucional, também nesse tocante, tem contribuído para elevar o nível dos advogados cearenses, procurando, como tem feito, colocar-se como parceira da sociedade na resposta adequada que dar aos bons e aos maus profissionais. Àqueles proporcionando-lhes uma entidade de classe ciosa de suas prerrogativas, prestigiada pelo conjunto da sociedade cearense como a entidade mais acreditada, a quem o comum do povo a ela se dirige para pedir socorro, em suas mais diversas demandas de direitos (civis, sociais, políticos, econômicos) e aos últimos levando-os a responder processos disciplinares e punindo-os na forma Estatutária, escoimando de suas ações, nesse desiderato, qualquer atitude do mau corporativismo. Afinal, a OAB há muito deixou de ser uma simples entidade de classe, stricto sensu, dos advogados simplesmente, mas sim uma entidade da sociedade brasileira, guardiã do Estado de Direito, olhos e ouvidos da Nação. Tem sido ela, desde sua criação a entidade guia dos movimentos de defesa da democracia e da liberdade, ressoando sua voz, desassombranda, em defesa da sociedade civil muitas vezes encurralada pelo arbítrio e pela prepotência de governantes de plantão.

É esse prestígio que atrai para nós todos, os advogados e advogadas deste rincão do planeta, os olhares vigilantes do povo brasileiro. A cobrança que a nós é feita é proporcional ao prestígio da nossa profissão na sociedade. É essa sociedade que legitima o caráter constitucional da advocacia. Decerto, não é por acaso que preceito constitucional, inserido pelos constituintes de 1988, nos tem como indispensáveis à administração da Justiça. É a única profissão que mereceu essa salvaguarda constitucional, exatamente porque não é um mero labor profissional, individual, mas um serviço imprescindível à cidadania, à democracia e aos postulados universais dos direitos fundamentais do homem.

Felizmente, a categoria é formada por uma amplíssima maioria de profissionais corretos, cumpridores de seus misteres. A Ordem dos Advogados do Brasil se fez acreditar perante a sociedade brasileira como a entidade de classe de maior prestígio pela ação de seus membros, que são os advogados. Estes, em todas as fases da história do Brasil, se fizeram agentes de transformação, de luta pelas liberdades democráticas e pelos direitos humanos. Ontem, no combate às ditaduras; hoje, na denúncia do simulacro de democracia que vivemos, sob a égide das medidas provisórias que usurpam as funções do legislativo, de um governo que tem pautado as ações governamentais sob a marca da prepotência, do autoritarismo, ante um Poder Legislativo majoritariamente subserviente.

Nesse diapasão não poder-se-ia imaginar que ficasse de fora, dessa crise moral de que falamos linhas atrás, o Poder Judiciário, lugar para onde acorrem milhões de brasileiros, sob o nosso patrocínio, em busca da prestação jurisdicional do Estado. Nada mais cruel para uma sociedade, cuja marca é a do privilégio de alguns, do que não dispor de um Judiciário que seja capaz de lhe assegurar, a tempo, a resposta justa para seus reclamos. Nada mais desalentador para um jovem advogado ou advogada do que bater às portas do Estado/juiz, postulando em nome de seu cliente, e encontrar juízes relapsos, quando não juízes parciais. É verdade que o Judiciário brasileiro padece de graves defeituações, sobretudo por ser o poder mais distante do povo, cuja história nunca se harmonizou com o verdadeiro papel que lhe cabe na tripartição do poder elaborada por Montesquieu. É que desde suas origens, no Brasil, o Poder Judiciário guarda uma nociva proximidade com os outros poderes, o que sempre o colocou mais próximo do Estado do que da cidadania. Assim, esse momento de fratura exposta por que passa o Judiciário, no meu sentir, se apresenta como fundamental para o povo brasileiro. Não que se deva aplaudir os oportunistas ataques, ao poder da toga, dos que se cevaram nessa estrutura anticidadã. Não, longe disso. O momento é de depuração do judiciário que contemple, entre tantas e necessárias mudanças, a alteração da forma de composição dos tribunais e de nomeação de seus membros. A nomeação pela via da indicação política, que remonta ao tempo do império, não serve a um judiciário cidadão. Em suma, também faz parte dos desafios lançados aos advogados e advogadas brasileiros, e cearenses, entre os quais os colegas que hoje recebem a habilitação para a advocacia, a luta pela conquista desse judiciário, que seja grande o bastante para conter os poderosos e humilde o suficiente para compreender que, no regime democrático, o povo é o único soberano do poder. Lapidar a lição do professor Sérgio Bermudes, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: "Nunca lhe perguntei. Suponho, entretanto, que Oscar Niemeyer tenha projetado a Praça dos Três Poderes num plano inferior ao da cidade de Brasília para significar que os poderes são sempre menores do que o povo, do qual emanam."

Anos atrás, quando tive a honra de, em nome dos advogados cearenses, saudar o colega advogado Stênio Carvalho Lima, quando de sua recondução ao cargo de Juiz do Tribunal Regional Eleitoral, isso em 28 de novembro de 1994, referi-me aos graves desafios que estavam postos ao Judiciário brasileiro, que, diga-se, permanecem os mesmos, sem tirar nem pôr. “Quem nega uma evidência deve ser tratado como um cego, um tronco, que é incapaz de racionar” já sentenciava o filósofo grego Aristóteles, centenas de anos a.C.

Colegas Conselheiros, meus novos colegas advogados e advogadas,

disse eu no início desta humilde e despretensiosa oração, que meus sentimentos se voltavam, nesta noite, para a questão da ética na advocacia, que, na verdade, não apenas a esta se resume, mas sim a toda uma ação comportamental de vida em sociedade, e para o compromisso que cada qual deve ter com a promoção do Direito, tendo-se, este, como instrumento de realização da Justiça. Este segundo ponto da minha reflexão é o que realça o caráter social, da destinação coletiva, da nossa estimulante profissão de advogado e advogada. Evidentemente que cada um dos senhores e senhoras, que hoje inicia a luta pelo sucesso na profissão que abraçou, através desta buscará não apenas o reconhecimento público de bom profissional, mas, por igual, o sucesso econômico-financeiro. É natural. É humano.

Entretanto, ao lado disso - lembrando a lição da igreja católica de que sobre toda propriedade pesa uma hipoteca social - não se pode olvidar que também sobre todo profissional, das mais diversas áreas do saber humano, também pesa essa hipoteca. Imediatamente, porque, mesmo quando freqüentamos bancos escolares e universitários - mesmo quando do ensino privado -, toda a nossa formação é fruto de um esforço coletivo, da sociedade. Mediatamente, porque o saber humano não pode se fechar em torno de si mesmo. Ao contrário, tem ele de se espraiar de tal sorte que possa contribuir para mitigar as dores do gênero humano. Ao incitamento que nos faz a ordem estabelecida para manejarmos o nosso conhecimento em favor do status quo devemos prontamente responder com o exercício vigoroso da nossa função social, que nos impulsiona para o ministério público de que se reveste a profissão, porfiando pela transformação da sociedade, E, COMO ACABAIS DE JURAR: PELO APERFEIÇOAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS E PELOS DIREITOS HUMANOS.

Che Guevara, em um de seus escritos, menciona que a qualidade mais admirável num revolucionário é a sua capacidade de se indignar com qualquer injustiça que seja cometida contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Nada mais adequado para referir-se a um verdadeiro advogado. A pecúnia não pode ser, nunca, a premissa da atuação do advogado.

Registro que este Conselho Secional da OAB, ao lado do trabalho institucional vigoroso que vem realizando neste Estado, através de sua própria ação colegiada, e através de suas comissões, especialmente da Comissão de Direitos Humanos, que tenho a honra de presidir, da Comissão de Defesa do Consumidor, da OAB Mulher, não tem se descuidado do apoio ao advogado no seu labor diário, seja na defesa intransigente de suas prerrogativas constitucionais e legais, inclusive com ações judiciais que visam garantir o livre exercício profissional (como habeas corpus para trancamento de ações penais e representações por abuso de autoridade), seja na disponibilização de modernos instrumentos profissionais (biblioteca, videoteca, computadores, serviço de pesquisas, transporte), capazes de proporcionar a todos os advogados e advogadas do Estado do Ceará, sobretudo aos que estão em início de carreira, condições de inserção no mercado de trabalho, que, embora arduamente disputado, para todos tem lugar. Agora é com cada um dos senhores e das senhoras.

Como disse Rui Barbosa: "o poder irresponsável, o arbítrio, as autocracias, as autoritárias e as totalitárias, se sentem intranqüilas com a presença dos advogados."

Permito-me ainda fazer um último registro: o bom advogado é simples, mas sem pieguismo; é humilde, mas sem subserviência; é sincero, mas sem arrogância.

Tende todos boa sorte e muito sucesso na profissão.

Contai com a OAB de Todos Nós.

Disse.

Deodato J. Ramalho Júnior
Conselheiro
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