Escrevo estes "discursos" por absoluta vontade de esmiuçar seus personagens e também absoluta falta de tempo.
Minha intenção com eles é a de, ao mesmo tempo, chamar a atenção aos seus personagens, dar uma(s) dica(s) para aquele(s) que queira(m) estudá-lo(s) e estabelecer um juízo crítico a seu respeito, juízo esse o mais próximo possível do juízo que eu faria se nunca mais tivesse oportunidade para fazê-lo.
Por "discurso" entendo um conceito levemente distinto daquele expresso por Foucault em A Ordem do Discurso (tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio, Edições Loyola, 6a. edição, São Paulo, 9/2000). É preciso ler o livro para entender claramente aquilo que ele quis dizer. Eu tento me aproximar do conceito no discurso "Ao discurso".
Foucault atribuiu larga importância ao aspecto "de poder" do discurso. Meu entendimento difere um pouco do dele porque acredito que a melhor forma de afirmá-lo não é mais "revelando" seu aspecto "político", mas simplesmente encontrando meios de afirmar, da melhor forma, o maior número de discursos possível. Claro que esse é o MEU DISCURSO.
Quanto ao discurso por si mesmo, entendo que todo e qualquer discurso precise ter direção, alvo. No meu caso particular, meus alvos são esses para quem dirigi meus discursos. Reparem que eu me DIRIJO a eles, como se eles ainda existissem de fato, e isso porque, no meu interior, no que diz respeito ao MEU DISCURSO, eles EXISTEM DE FATO. Daí eu revelar o que penso a respeito DELES. DESSA FORMA é que MEU DISCURSO VEM À TONA.
Para mim, mais que um objeto de poder, o discurso é a forma por excelência pela qual todo sujeito vê o mundo e - mesmo que não o expresse de forma alguma - define sua posição (lugar) e vetor (ofensivo, defensivo etc.) a seu respeito. E quem vê, vê ALGO.
Discordo assim até certo ponto de Austin (para quem existe uma capacidade de enxergar sem que necessariamente exista algo a se enxergar) na medida em que, NO MUNDO, ao se enxergar ESCOLHE-SE aquilo que se enxerga, E MAIS, É PRECISO escolher. Para mim, mais importante que encontrar a verdade é EXPRESSAR VERDADES QUE AJUDEM A REVELAR NOSSO MUNDO.
Apreendo no ponto de vista de Austin um espaço necessário de indeterminação ao conhecimento humano - e concordo com ele, assim como compartilho do ceticismo de Vico quanto à impossibilidade de um conhecimento científico da história. Considero, porém, que é preciso determinar um limite à indeterminação, nem que seja em prol do bom senso ou da sanidade mental.
Apesar desse meu ponto de vista, defendo o status RELEVANTE do conhecimento das hoje ditas ciências humanas. Não é porque o discurso seja SUBJETIVO (na medida em que diga respeito ao SUJEITO) que ele deixa de ter valor de conhecimento. Mas este conhecimento é diverso - e, para mim, mais interessante.
Para Weber, a própria sociologia não era ciência (Economia e Sociedade). Weber estudava as causas das ações humanas enquanto coletivas. Já eu, se precisasse escolher entre o estudo do indivíduo e do coletivo, no atual momento não saberia para onde me dirigir. O estudo quantitativo das ações humanas descamba em números frios. Já o estudo qualitativo, por mais criterioso que seja, sempre conduz a decisões arbitrárias. Face o frio e o irrefreavelmente rico (o universo alheio), fico então, pragmaticamente, com o último.
Em poucas palavras - não queria me estender tanto -, o conhecimento sobre o homem me parece relevante na medida exata em que estabelece o seu lugar no mundo, e todos os homens estão EM RELAÇÃO A SI MESMOS.
Em exemplo singelo, o pensamento do próprio Weber, há muito falecido, continua relevante para nós na exata medida em que ELE O EXPÔS e outros (os funcionalistas como Wright Mills e Talcott Parsons) o recuperaram para a tradição (gratos somos a eles). Converso assim com Weber como se ele estivesse vivo. E eis que Economia e Sociedade está mesmo aqui, ao meu lado.
Adoraria nutrir uma utopia: todos os homens estarem AD INFINITUM em relação a si mesmos, SOBREPUJANDO ASSIM A HISTÓRIA. Reparem que a Internet permite, até certo ponto, que esse sonho possa tornar-se realidade. Mesmo eu morrendo, meus textos aqui devem permanecer à vista de todos - isso, claro, se o provedor o permitir e alguém pagar a conta da hospedagem. Caberá aos outros procurar valor nos escritos e - SE ACHAREM RELEVANTE - expor esse pretenso valor.
Para terminar, creio que sustentar ad nauseam um ponto de vista de indeterminação (como os fenomenólogos tipo Husserl e Merleau-Ponty) é tarefa para quem tomou a suprema decisão - legítima - de desistir do convívio real com os homens em nome do amor ao conhecimento. Bom, eis que voltamos então à Filosofia (o supremo amor ao conhecimento).