- Atira! Atira! - Eram três vozes a gritar em coro.
A arma estava encostada na cabeça.
- Nunca andei com um "presunto" no carro! - Festejou o que estava dirigindo.
- Mata logo! - Enfatizou.
Não, não aconteceu o disparo. Hoje fico pensando se não era um revólver de brinquedo.
Tinha uma faca no porta-luvas.
- Olha o que eu achei aqui! - Gritou o que estava no banco do carona que remexia em tudo para encontrar algo de interesse deles.
Era uma faca própria para churrasco, que meu irmão esquecera no carro. Havia ganhado de uma tia do interior.
- Pega! Corta a orelha dele. - Disse em gargalhada. Entregando a faca ao que estava com o revólver, este por sua vez devolveu a "máquina". Trocaram os meios de aterrorizar.
- Vou colocar num copo de cachaça e beber! - Novamente o da direção a contar bravatas.
O motorista era o líder. Pude observar que era o mais inteligente dos quatro e também o mais cruel.
A história prosseguiu noite adentro, com outros lances não menos terríveis, mas deixemos para lá. O que importa é que não houve o disparo, não cortaram minha orelha e deixaram-me. Apenas levaram o carro. Levei uma coronhada, que segundo o autor do fato, era para eu ficar mais esperto.
Há uma série de fatores que podem levar um homem a cometer barbáries como esta, e muito piores: miséria, ser vítima de exploração, ser traído pela sorte, estar fora da consciência, etc. Sempre haverá alguém tentando encontrar uma justificativa.
E o que justifica o absurdo ocorrido na UFRJ há alguns anos atrás. Alunos que certamente são inteligentes e de origem na classe média.
Torcedores de futebol quando aprontam - dizem - são ignorantes, vândalos, fanáticos, estão drogados, alcoolizados e tantos outras falas de efeitos.
E quando as barbáries são de origem de membros da elite e de pessoas ditas cultas: estudantes universitários; políticos (exemplo que já ocorreu até no senado); professores a apedrejarem um governador (o ex-governador Mário Covas: homem de mais de setenta anos na época - se é que a idade seja relevante - e ainda sabendo-se que este estava com câncer), etc.
Certamente há quem discurse por horas para tal defesa, pois enfim são talentosos e inteligentes. E convencerá a muitos, senão todos que os ouvir. E no mesmo discurso de escusas se condenarão os fanáticos da periferia.
"SUA VOZ" através de Pietro Ubaldi dá a melhor justificativa para tudo isto que acontece no nosso mundo: esse mundo da cibernética, mundo das comunicações, mundo da era espacial, mundo da genética, mundo do átomo.
Disse a Voz: a inteligência do homem está no século XX*, mas a moral ainda está na Idade Média. E é fácil vermos isto nos tantos suicídios morais do homem lobo do homem, que quer os fins (sempre egoístas) sem levar em consideração os meios.
Os suicídios (in)voluntários em massa pelo abuso das drogas, do álcool e de todos os excessos.
E o homem na supremacia da matéria a olhar os desafortunados, como sendo de outro mundo e não como irmãos.
E o desafortunado a amaldiçoar o mundo, Deus e sobretudo a amaldiçoar o "feliz" da Terra que aparentemente tudo possui.
A fraternidade ainda não passa de mero substantivo abstrato; longe ainda o dia de ser verbo regular.
Fala-se muito nas lágrimas que a Humanidade deixa fluir pelas dores que sente. Com certeza as lágrimas lavam as consciências, enfim: Bem aventurados os que sofrem.
Mas, quem não sofre nesta Terra? Até Jesus sofreu. A diferença está em saber sofrer.
Impossível à Humanidade compreender a dor, como o Cristo compreendeu. Porem, é imprescindível suportar os reveses com dignidade, com esperança nos limites das forças morais de cada um.
Se nós que somos "maus" temos de perdoar setenta vezes sete vezes, então Deus que é a Suprema Bondade, Misericórdia, Piedade, com certeza estendera sempre Suas Mãos para nos acolher. Jesus estará sempre aqui, bem do lado esperando o momento para que nós O convidemos: entre Mestre em meu misero coração.
Ele entrará! Mas não sem antes entrarmos na Estrada do Caminho, não sem antes, Ele ver em nossas lágrimas humildade e resignação.
Eis o porquê de sempre e sempre estarmos esperando pelo Cristo, sempre vivermos em nosso inferno.
Jesus nunca abandonou o mundo, é o mundo que nunca O aceitou. Ou melhor, há quem aparentemente O aceite - o mundo cristão -, mas somente O aceita na filosofia, porque na hora do exemplo realmente cristão os leões assuntam, e é melhor ficar da tribuna vendo o espetáculo.
É bem verdade que vivemos em um mundo onde quem faz uma palestra sobre Amor e Paz consegue muitos ouvintes, e quem faz um discurso sobre ódio e guerra consegue milhares de seguidores.
Mas já melhoramos muito.
Pois, há dois mil anos quem falasse de Amor e Paz era pregado na cruz. E hoje, já é até aceito.
Mas ainda falta muito: falta seguirmos e não sermos apenas ouvinte. Esta é a parte difícil: falar com exemplo.
E um dos mais difícil exemplo a seguir é o perdoar
Como dói o orgulho perdoar! Quanto é difícil aceitar as agressões físicas ou morais.
Por vezes ter de perdoar, até mesmo, atrocidades.
Perdoar uma palavra atravessada que afeta a vaidade perecível.
Perdoar a ofensa e ter de perdoar as críticas e os críticos por ter perdoado.
Ser forte de espírito e aceitar ser chamado de fraco, covarde, idiota, etc. por compreender nos fortes da Terra fracos de espíritos.
(Bendito seja quem é seguidor em Verdade!)
Disse Jesus:
"Sois deuses!";
"O espírito é forte".
Porém em grande maioria ainda não conseguimos colocar as verdades do espírito sobre o pó.
Pobres humanos: a carne ainda continua fraca. Fraca sim! No entanto, forte bastante para subjugar o espírito. Então, o que é realmente fraco no homem é o espírito. Eis, nosso lado demônio.
E o que é na verdade este lado demônio?
Este nada mais é que nosso egoísmo, nosso orgulho, nossa vaidade, nossa arrogância e principalmente os frutos destes. O que o homem fez e continua a fazer é personificar em outros seus próprios erros e a própria ignorância e nada mais. Eis então o demônio! Que certamente tem seu inferno particular: a consciência em chamas, a dor.
Bendita dor! Transforma "demônios" em homens e homens em santos.
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* As obras de Pietro Ubaldo foram escritas em meados do século passado, mas as afirmações são bem atuais e válidas.