A 17 de Outubro próximo, António Victor Ramos Rosa, poeta a tempo inteiro, fará 81 anos. Como vai fumando os seus cigarrinhos em casa, bem juntinho de sua amantíssima esposa, evita que segundos e terceiros também fumem por tabela e involuntariamente envenenem, entre o dióxido de carbono que inunda o compacto respirável das cidades, os seus preciosos pulmõezinhos.
Outrossim, como os pulmões do poeta devem estar muito mais pretos do que o alcatrão, ninguém lhe suporta pois os bafos e os desabafos. De resto, Ramos Rosa - presumo - frui o delicioso gosto de envenar-se sozinho, quiçá pedindo à companheira que tape boca e nariz logo que atira as fumaradas cá para fora. Tão pouco, salvo quando seja através do editor, polui ou se deixa poluir pelas palavras que andam a escorrer de inépcia mental por tudo quanto é canto.
No momento presente, Ramos Rosa vive em Lisboa e continua a dedicar-se à poesia... PARA AGRIPINA
(Agripina, mulher do poeta)
Talvez o anel prenda ainda a substância
que quer a liberdade, a
argila ardente
e aérea,
talvez o círculo se cerre ainda
sobre o corpo.
Mas a brisa de sombra
imediata
traz a leveza funda que
inebria e liberta
e um acorde branco de
intemporal frescura.
Tudo agora se diz com a
língua do silêncio.
16.11.87
António Ramos Rosa"Conheci a minha mulher em Faro quando ela foi de férias lá para me conhecer. Os meus amigos falavam que ela me queria conhecer; entre os quais a poetisa Luísa Neto Jorge. Foi o Zeca Afonso que me disse que estava uma rapariga que me queria conhecer; ela foi-me apresentada e foi uma coisa que se decidiu na altura. Eu vim com ela para Lisboa. Casámos seis meses depois de nos conhecermos."
... Poesia... Uma necessidade que orienta o seu dia-a-dia, em conjunto com os seus desenhos...
... Desenhos... Que faz quando não está a escrever. Se abordado por pessoas que conhecem a sua obra e dela gostam, porque conseguem compreender a sua mensagem, fica radiante por saber que o seu mundo, a sua maneira de o ver e a sua forma de vida têm sentida partilha intelectual. DELICIOSO AGRIPINO
António
Eu sequer silêncios
De língua tenho
Para partilhar
E ao cimo das escadas
Está sempre uma sombra
De indicador em riste
Apontando-me o retorno
Até à rua
Onde quase sempre
Me apetece gritar...
Como tu
Vou tendo uns cigarrinhos
Cada vez mais caros
E sou ostensivo a fumá-los
Sempre que me lembro
Ter já pago uma pipa de ouro
Para sustentar
Embaixadores pedófilos...
Sabes?!...
Se deixasse de fumar
Os jactos poluentes dos escapes
Já me teriam furado os pulmões
Pois... Enquanto os encho
Com o delicioso agripino
Não meto lá o terrível locusto
Do qual "admiravelmente"
Ninguém se queixa...
Praza que a 17 de Outubro
Eu possa voltar a escrever-te
Mais uma vez
E ambos fumemos
Vinte ou trinta
Benquistos cigarrinhos!...
António Torre da Guia |