CESÁRIO VERDE = 150 ANOS
Atente-se neste surpreendente pormenor: o poeta nasceu a 23 de Fevereiro de 1855 e finou-se a 19 de Julho de 1877, vivendo apenas 22 anos. Publicou os seus primeiros poemas, no Diário de Notícias, em 1873, com 18 anos idade. Deduz-se pois, sem muito investigar, que Cesário, quando muito, escreveu versos durante 7/8 anos tão-só.
A que fontes terá ido este notável artista da palavra beber tão sublime seiva intelectual? Aprecie-se este seu fragmento, elaborado no decurso do Verão de 1857, descrevendo, em brilhantes versos alexandrinos, o trágico irromper da febre amarela na sua cidade, flagelo que vitimou então milhares de lisboetas:
(...)
Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre
E o Cólera também andaram na cidade,
Que esta população, com um terror de lebre,
Fugiu da capital como da tempestade.
Ora meu pai, depois das nossas vidas salvas,
(Até então nós só tivéramos sarampo)
Tantos nos viu crescer entre uns montões de malvas
Que ele ganhou por isso um grande amor ao campo!
Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga:
O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos;
Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos
Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.
(...)
Sem canalizações, em muitos burgos ermos,
Secavam dejecções cobertas de mosqueiros.
E os médicos, ao pé dos padres e coveiros,
Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!
Uma iluminação a azeite de purgueira,
e noite, amarelava os prédios macilentos.
Barricas de alcatrão ardiam; de maneira
Que tinham tons d’inferno outros arruamentos.
(...)
E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!
(...)Cesário Verde veio à luz das liras portuguesas há exactamente 150 anos e desde logo, esta auspiciosa efeméride, faz-me interrogar: quantos como ele tratam hoje em dia, com tão exímia qualidade, o idioma português? Sequer me atrevo incluir na questão o seu esplendoroso dom poético. Esse era e ainda é inconfundivelmente só seu e não dá azo a qualquer espécie de especulação competitiva.
Bem havemos nós, por ti, ó para sempre benquisto e excepcional Cesário.
António Torre da Guia |