Tal como nasceu, de 7 para 8 de Dezembro de 1984, em Vila Viçosa, Florbela de Alma da Conceição, também de 7 de para 8 de Dezembro de 1930, dia do seu 36º. aniversário, em Matosinhos, adormeceu e não acordou mais. Por consequência, faz hoje 75 anos que a mais lídima e popular das poetisas da lira portuguesa se impediu de mais e mais além erguer seus magníficos versos.
Todavia, na obra poética que escreveu, legou à literatura lusíada uma harmoniosa tragédia poética e existencial sem par, o que, entre as algemas e grilhetas sociais da época que afrontou, mais revigora o excepcional conceito que logrou no coração das letras lusófonas.
Aprecie-se esta esplêndida oitava em versos decassílabos: Sonho que sou a poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade...
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo e que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade,
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita.Além da sua indiscutível arte-mestra no soneto, modelo estrófico clássico em que se edifica quase toda a sua obra, Florbela legou-nos também algumas excelentes trovas em redondilha-maior: Tenho por ti uma paixão
Tão forte, tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada.
* * *
Por que filtro embriagante
Me deste tu a beber?
Até me esqueço de mim
E não te posso esquecer...Naquele tempo, aos amantes da poesia, versos assim, a quem não solicitaria o uso da pena, como agora, me solicita e inspira a tecla a mim?... O amor, que sentimento,
Tão belo e tão fatal,
Acaba na lei do tempo,
Por nos fazer sempre mal...
Saudade, meu Deus, saudade,
São essas coisas sem fim
Que quanto mais são verdade
Mais caem dentro de mim...
E quando o amor passou
Tão perto do meu lugar
Quase ninguém reparou
Que a saudade ia a passar...
Quem teve amor e saudade
E depois tudo perdeu,
Pode sentir à vontade
Que do que tem... Nada é seu!Ainda bem, que até ao momento, os viscerais ímpetos das monarquias absolutas, das ditaduras republicanas ou democratas e das religiões sofismáticas ainda não macularam de corrupto cuspo a mais santa das pecadoras lusitanas.
Avé, Florbela Espanca.
António Torre da Guia |