Publicado no Correio Braziliense de 11 de fevereiro de 2007
Não há nenhuma razão política, legal ou moral que sirva de suporte à obsessiva articulação desencadeada por José Dirceu para se ver premiado com a anistia dos delitos que cometeu quando, licenciado da Câmara dos Deputados, ocupava a chefia da Casa Civil da Presidência da República. Foram violações à lei e aos cânones morais que o expuseram à perda do mandato parlamentar. Só na cabeça do próprio interessado mostra-se plausível a idéia da concessão de tamanha indulgência.
Na militância petista mais esclarecida e entre os personagens de maior estatura política do partido, a pretensão de Dirceu é vista como grave temeridade. São óbvios e relevantes os motivos de semelhante reação.
Não convém a reabertura no cenário político do clima traumatizante que levou o petismo ao centro do maior escândalo de corrupção ocorrido no país.
Eventual colheita de 1,5 milhão de assinaturas para respaldar o pedido de anistia ao Congresso, mediante projeto de iniciativa popular, submeteria o PT a novo e torturante debate nacional em torno de questão sujeita a intensa resistência moral. Até aqui, apenas, os catastróficos danos a um partido em busca de curar-se, pela renovação da conduta ética, do carcinoma moral que o corrói desde o escândalo do mensalão. Efeitos mais deletérios, porque resultantes de ação voluntária de acumpliciamento com a indecência, ocorreriam se a iniciativa se consubstanciasse em projeto de lei subscrito pela própria representação do partido no Congresso.
Mas, se não é conveniente ao PT tornar-se cúmplice da ambição desmedida de Dirceu, também não o é ao governo. A colocação do problema na pauta política resultaria em revolver os lances mais abjetos da CPI que investigou a distribuição, pelo PT, de propinas para a conquista de apoio parlamentar às propostas governamentais. E, como consta hoje de registro histórico, a conduta do presidente da República não esteve a salvo de severas reprimendas morais.
Com base nas dobras humanitárias da legislação penal é possível anistiar ou indultar quem pratica ação delitiva de escasso poder ofensivo à sociedade. Não é o caso de José Dirceu. Com fundamento nas conclusões e nas provas levantadas pela CPI, mas, sobretudo, nas peças probatórias acostadas ao inquérito realizado pela Polícia Federal, o procurador-geral da República , enquadrou-o nas hipóteses mais implacáveis do Código Penal. Denunciou-o ao Supremo Tribunal Federal (STF) como incurso nos crimes de corrupção ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e peculato. Não se trata, pois, de nenhum inocente injustiçado com a cassação do mandato parlamentar e suspensão dos direitos políticos por oito anos.
Seria converter o Brasil no reino da tolerância com o abuso dos agentes públicos se os punidos por atos ilegais, omissivos ou comissivos, ganhassem o privilégio do perdão. Afinal, a democracia é, antes tudo, o regime da lei. Se a submissão às convenções legais não for cumprida, mergulha-se na anarquia.