Frase do Presidente Lula, em 17 de fevereiro, sobre a questão da maioridade penal, durante uma inauguração, conforme transcrito em O Estado de São Paulo e outros jornais: “Eu fico imaginando que se a gente aceitar a diminuição da idade para puni-los, para 16 anos, amanhã estarão pedindo para 15, depois para 9, depois para 10, quem sabe algum dia queiram punir até um feto se já soubermos o que vai acontecer no futuro”. Transcrevo esse disparate porque, eu mesmo, tive que lê-lo três vezes para ver se estava lendo certo. Ainda em dúvida, fui buscar o texto na internet e ele está lá, em sites e agências de notícias.
Definitivamente, Lula e seus companheiros nos tomam por idiotas. São a favor do aborto e seus eufemismos – interrupção da gravidez e direitos reprodutivos –, sustentam, na mesma direção, os tais “direitos da mulher sobre o próprio corpo”, mas usam essa retórica de botequim para se opor à redução da maioridade penal? Me poupem!
Foram apresentados ao Congresso inúmeros projetos de lei favorecendo o aborto. Que eu saiba, apenas dois não de companheiros do presidente. O próprio governo dele, através da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), subordinada à Presidência, lançou, em dezembro de 2004, o “Plano Nacional de Políticas para as Mulheres”, em que a revisão da lei penal sobre o aborto era meta prioritária. Dias depois, o Ministro Humberto Costa editou a “Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento”, que favorece a impunidade do aborto. Saraiva Felipe, substituto de Costa no Ministério da Saúde, em setembro de 2005, assinou portaria contendo formulário-padrão para registro de gravidez decorrente de estupro e autorização para abortamento. Em setembro de 2005, a ministra Nilcéia Freire, da tal SPM, apresentou um anteprojeto de descriminalização do aborto que acabou virando substitutivo ao projeto 1135/91, consolidando um conjunto de propostas sobre o tema.
Em 12 de março de 2005, a ministra Nilcéia, em entrevista para O Estado de São Paulo, declarou: "O presidente encara o Plano Nacional de Política para as Mulheres como um programa do seu governo, não como um programa da secretaria. Digo isso com toda a tranqüilidade. Eu mesma fiz a ele a exposição de todas as ações previstas no plano, incluindo as relacionadas ao aborto, e o presidente se mostrou tão interessado que falou: ‘isso tem de ser divulgado em cadeia nacional e por você.’ Lá fui eu para a televisão e para o rádio, em rede. Nenhum outro presidente fez isso. Ficou claro para os ministros que o presidente está avalizando tudo”.
Em maio de 2005, o PT, durante seu 13º Encontro Nacional, elaborou um documento intitulado “Diretrizes para a Elaboração do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores”. Ali, se lê: “O segundo Governo deve consolidar e avançar na implementação de políticas afirmativas e de combate aos preconceitos, à discriminação, ao machismo, racismo e homofobia. As políticas de igualdade racial e de gênero e de promoção dos direitos e cidadania de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais receberão mais recursos. (...) O Governo Federal se empenhará na agenda legislativa que contemple as demandas desses segmentos da sociedade, como o Estatuto da Igualdade Racial, a descriminalização do aborto e a criminalização da homofobia”.
Durante a campanha eleitoral de 2006, foram lançados diversos cadernos temáticos contendo diretrizes e propostas para setores específicos. No documento intitulado “Compromisso com as mulheres”, o presidente afirma que os direitos das mulheres não podem ser pautados por crença ou religião. E, lá pelas tantas, manda brasa: "O Estado e a legislação brasileira devem garantir o direito de decisão das mulheres sobre suas vidas e seus corpos. Para isso, é essencial promover as condições para o exercício da autonomia com garantia dos direitos sexuais e reprodutivos".
“São coisas do partido ou do presidente?”, talvez se indague o leitor. Pois é. Vejamos o que diz Lula, em entrevista transcrita no livro “Lula – Luís Inácio da Silva: entrevistas e discursos”, lançado pela editora O Repórter de Guarulhos, em 1981. Na página 238: “Eu sou a favor do aborto. Primeiro porque eu acho que a pessoa pode cometer um erro. Às vezes, nascer a criança é muito mais prejudicial do que praticar o aborto. O que não adianta é a coisa ficar na clandestinidade e acontecerem milhões de casos. Muitas vezes as pessoas perdem a vida arriscando-se a tomar remédios inadequados, arriscando-se a se tratar com pessoas incapacitadas. Então, seria muito melhor legalizar isso, sabe, dar condição de salvar pelo menos a vida da mãe. Para evitar que as mulheres tomem remédios feitos em casa, tentem ir atrás de feiticeiros, de chá de cobra, de enfermeiros, de parteiros, sei lá. O ideal seria que não precisasse ninguém abortar, mas, como existe essa necessidade, o aborto deveria ser legalizado."
Vale lembrar, ainda, o episódio ocorrido durante a eleição de 1988, na qual Miriam Cordeiro, mãe de Lurian, filha de Lula, apresentou-se a um programa de TV afirmando que Lula, quando soube da gravidez, lhe propôs que fizesse aborto. O episódio entrou para a história das baixarias na política brasileira, mas não houve evidência cabal de que a proposta não tenha ocorrido como Miriam descreveu. Lula não seria o primeiro nem o milionésimo irresponsável a propor isso em circunstâncias semelhantes. E mais, quem se dispõe a aceitar a mera alegação tardia de estupro sem autor como justificava para um aborto certamente deve também acolher aquele como verídico aquele tardio depoimento feminino.
Portanto, após toda essa longa militância em favor do aborto, ou seja, do assassinato de fetos, atinge as raias do cinismo usar uma suposta punição aos fetos como limite máximo a que poderiam chegar os defensores da redução da maioridade penal. Pergunto: não são exatamente Lula e os seus companheiros que os estão sentenciando à morte, aos milhares, com as portarias já em vigor e com seus projetos de liberação do aborto? Não saíram de suas cacholas os tais direitos reprodutivos, as interrupções de gravidez, os formulários de estupro que autorizam aborto sem qualquer prova, meses depois do “fato”? Com que coragem ousam falar em fetos como seres titulares de direitos? Isso somos nós que afirmamos!