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Discursos-->O câncer da próstata -- 16/04/2007 - 11:25 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O câncer da próstata

MIGUEL SROUGI (*)

Revendo meus antigos escritos, infelizmente cada vez mais numerosos, deparei-me com um texto sobre o câncer da próstata publicado nesta Folha. Dizia que o problema só atingia homens idosos e apregoava virtudes ilimitadas do toque da próstata e do exame de PSA. Ademais, conclamava todos os homens a realizar exames preventivos, porque em 70% deles o câncer já era descoberto em fases avançadas.

Resolvi escrever de novo sobre o assunto, para reparar tantas imprecisões. A bem da verdade, aproveito-me de um momento bastante oportuno. Até câncer da próstata torna-se um assunto ameno diante do noticiário que recheia nossos jornais nos últimos tempos.

A próstata é uma glândula com a dimensão de uma noz, localizada na saída da bexiga. Com o passar dos anos, quase todos os homens apresentam um crescimento benigno da glândula, sem maior gravidade, mas que em um terço dos casos dificulta a expulsão da urina. Além do crescimento benigno, a próstata pode também dar origem a um tumor maligno, que, de longe, é o mais freqüente no homem.

Cálculos realizados pela American Cancer Society indicam que 18% dos norte-americanos irão desenvolver câncer da próstata. A bem da verdade, todo homem nasce programado para ter a doença, o número de casos aumenta com a idade e ninguém será poupado se viver até os cem anos. Por motivos ainda não bem compreendidos, o câncer da próstata passou a envolver homens mais jovens. Na década de 80, apenas 0,8% dos pacientes atingidos pelo mal tinham menos do que 55 anos de idade -atualmente 5% dos casos são identificados nesse grupo.

Nos países do Extremo Oriente, como China e Japão, a ocorrência do câncer da próstata é sete vezes menor do que nos Estados Unidos. De forma interessante, estudo realizado em 1991 demonstrou que japoneses que migram para os Estados Unidos passam a apresentar a doença com a mesma freqüência que os norte-americanos. Portanto, ao contrário do que se pensava, são fatores ambientais os principais reguladores do aparecimento desse câncer. Isso explica pesquisa feita pela Unifesp com membros da tribo parkategê, que vive no sul do Pará.

Os índios nativos tinham baixa incidência de câncer da próstata e, quando foram colonizados pelos brancos, assumindo seus hábitos, tornaram-se obesos e passaram a apresentar a doença com a mesma freqüência que seus colonizadores. Num concerto em que as populações indígenas passaram a ser chamadas de ""evoluídas"!

As causas do câncer da próstata são ainda ignoradas, mas sabe-se que alguns homens têm maior risco de desenvolver o problema. A chance de a doença ocorrer é maior quando existem casos familiares e aumenta duas vezes se um parente de 1º grau (pai ou irmão) é atingido pelo tumor, três vezes quando dois parentes de 1º grau são portadores do problema, e cinco vezes quando três parentes têm a doença. Negros têm o dobro da incidência de câncer da próstata, e neles o tumor costuma ceifar mais vidas. Conquanto a transmissão hereditária de genes mais agressivos possa explicar essa propensão, estudos recentes patrocinados pela American Cancer Society sugerem que esse comportamento também está relacionado com marginalização social e menor acesso aos tratamentos curativos e aos programas de diagnóstico precoce. Fenômeno perverso, que talvez se repita numa sociedade desigual como a nossa.

Obesidade, vasectomia e excesso de atividade sexual, lembrados como possíveis causadores do câncer da próstata, não parecem ter qualquer vínculo com a origem da doença. Contudo, homens obesos atingidos pelo tumor costumam evoluir de forma mais desfavorável.

Por outro lado, maior freqüência de atividade sexual talvez até iniba o aparecimento do câncer da próstata. Estudo realizado nos Estados Unidos, com cerca de 29 mil homens, revelou que a incidência desse câncer é 33% menor nos indivíduos que ejaculam mais do que cinco vezes por semana, quando comparados aos que o fazem apenas uma vez por semana. Alegro-me ao relatar esse estudo, enfim uma boa notícia no meio de um texto tão árduo. Lembrando que, ao se exercitar bastante, também se evita a obesidade, atenuando a gravidade da doença, se ela insistir em aparecer.

O câncer da próstata é curável em 70% a 90% dos pacientes quando identificado em fases iniciais, ainda confinado à glândula. Contrariamente, o câncer só é controlado em 30% a 40% dos pacientes quando se expande e atinge os tecidos vizinhos ou se alastra pelo organismo. Isso explica todos os esforços dos especialistas para identificar precocemente a doença. Nesse sentido, todo homem com mais de 50 anos (ou mais de 40 anos, quando existem casos familiares) deve realizar anualmente o toque da próstata e a dosagem no sangue do chamado antígeno prostático específico, o PSA. A presença de câncer da próstata deve ser cogitada quando o toque revela áreas endurecidas na glândula ou quando os níveis de PSA são superiores a 4 ng/ml. Para obter uma maior eficiência, ambos os testes devem ser executados conjuntamente, pois o toque falha em 40% a 50% dos pacientes, as medidas de PSA falham em 20% a 25% deles, e a utilização combinada dos dois exames deixa de identificar o câncer em apenas 9% dos casos.

De forma inesperada, observou-se recentemente que muitos homens com toque prostático normal e com níveis de PSA inferiores a 4 ng/ml já podem estar acometidos pela doença. O mais desconcertante desses estudos foi publicado em 2004 por um grupo de sete instituições norte-americanas. Biópsias prostáticas realizadas em 2.950 voluntários que apresentavam toque e níveis de PSA normais evidenciaram a presença de câncer em 15% deles, incluindo homens que exibiam taxas de PSA próximas a zero. A conclusão obvia é que medidas de PSA superiores a 4 ng/ml podem indicar a existência de câncer na próstata, mas níveis normais dessa proteína não descartam a presença da doença. Por causa dessas observações, os especialistas passaram a solicitar biópsias de próstata quando os níveis de PSA ultrapassam a faixa de 2,0 a 2,5 ng/ml, com a ressalva de que valores elevados podem ser tolerados se o paciente é mais idoso, se tem um histórico de infecções prostáticas, se tem a glândula muito volumosa ou se os valores de PSA no sangue, apesar de alterados, mantêm-se estáveis. E, como sempre, se tiver um médico atento ao seu lado. Quando a realização do toque é rejeitada de forma intransigente (e, certamente, descabida), biópsias prostáticas devem ser realizadas se os níveis de PSA forem superiores a 2,5 ng/ml.

Um outro dado igualmente desconcertante emergiu de estudo desenvolvido em nosso meio. Foram analisados 890 pacientes com câncer da próstata, tratados com cirurgia radical e acompanhados por pelo menos cinco anos pelo grupo da Unifesp. Nesses doentes as chances de cura foram mais consistentes, situando-se acima de 90%, quando os níveis de PSA iniciais eram menores do que 4 ng/ml, ou seja, normais.

Vistas globalmente, essas novas observações indicam que o câncer da próstata é mais comum do que se imaginava, que o exame de PSA é mais imperfeito do que parecia e que os portadores do mal são tratados com mais eficiência quando o toque prostático e as dosagens de PSA são normais, ou seja, na fase em que o câncer é dificilmente identificado. Essas informações têm sido vistas pelos especialistas de dois ângulos. Os mais pessimistas prevêem que em pouco tempo todos os homens maduros deverão realizar biópsias anuais da próstata, em vez de toque e medidas do PSA no sangue. Os mais otimistas vislumbram, em curto tempo, a descoberta de novos testes não-invasivos que permitirão o diagnóstico precoce do câncer da próstata.
Ao planejar o tratamento dos casos de câncer da próstata, os especialistas levam principalmente em conta a extensão da doença. Pacientes com tumores restritos à glândula são tratados com cirurgia (prostatectomia radical) ou com radioterapia (externa ou braquiterapia) e, quando o tumor estende-se para os tecidos vizinhos ou para outros órgãos, costuma-se indicar o tratamento hormonal. A terapêutica hormonal é também utilizada em casos mais simples, quando se deseja poupar o paciente de procedimentos mais agressivos. Felizmente, a maior conscientização dos homens (e de suas esposas!!) e a generalização dos exames preventivos produziram uma mudança auspiciosa no perfil de apresentação da doença. Até 1980, cerca de 70% dos casos eram descobertos em fases avançadas e, portanto, de difícil controle. Atualmente, de 70% a 90% dos pacientes atingidos têm o câncer confinado à glândula e, com isso, podem vislumbrar horizontes menos assombrosos.
Cerca de 15% dos homens com câncer de próstata apresentam um tumor indolente, que não progride e não precisa ser tratado. Indivíduos nessa situação morrem com o câncer, mas não pelo câncer, e os especialistas dispõem de recursos para reconhecer tais casos. Informados desse fenômeno, muitos pacientes rejeitam o tratamento curativo do câncer da próstata, e, embora essa opção não seja totalmente descabida, ela carrega riscos que não são desprezíveis. Na Suécia, cerca de 35% dos pacientes com câncer da próstata não recebem tratamento curativo e 56% deles morrem pela doença. Conversamente, nos Estados Unidos apenas 8% dos casos deixam de ser tratados e nesse país apenas 29% dos pacientes atingidos vão a óbito pelo câncer.

Igualmente complexa é a discussão entre os especialistas sobre a melhor forma de tratar os casos de câncer inicial da próstata. Cirurgiões e radioterapeutas proclamam, respectivamente, que a cirurgia radical e a radioterapia representam a forma mais eficiente de tratamento. Pedindo que fosse levada em conta minha posição suspeita de cirurgião, gostaria de dizer que a maioria dos estudos a respeito indica que a cirurgia cura entre 15% e 20% a mais de pacientes. Com uma pequena vantagem adicional: se houver retorno da doença na região da próstata, um número significativo de pacientes submetidos à cirurgia livra-se novamente da doença com aplicações de radioterapia. O inverso não é verdadeiro, já que cirurgia é executada de forma precária após a falência da radioterapia. Provavelmente, por tais motivos é que levantamento realizado nos Estados Unidos demonstrou que a maioria dos portadores de câncer da próstata opta pelo tratamento cirúrgico logo após a descoberta da doença. Também explica os resultados da pesquisa publicada em 2000 pela Universidade de Harvard.

Quando inquiridos sobre o método de tratamento que escolheriam para si próprios se fossem portadores de câncer da próstata, 93% dos urologistas dariam preferência para a cirurgia radical e apenas 3% dos radioterapeutas optariam, de início, pela radioterapia.
As discussões sobre a eficiência dessas modalidades de tratamento não se restringem a questões puramente numéricas. Incluem, também, riscos e inconvenientes que não podem ser desprezados. Impotência sexual, com perda das ereções penianas, atinge entre 15% e 90% dos homens submetidos à cirurgia e cerca de 40% daqueles tratados com radioterapia.. Esse processo resulta da lesão dos chamados nervos cavernosos, que transitam ao lado da próstata e podem ser danificados pela manipulação cirúrgica ou pelos feixes de radioterapia.

Incontinência urinária, ou incapacidade para conter a urina, ocorre em de 3% a 35% dos pacientes operados, índices que variam em razão da experiência da equipe cirúrgica. Finalmente, a radioterapia pode produzir queimaduras no intestino grosso, no ânus e na bexiga, com grande desconforto aos pacientes.

Os cirurgiões têm se esmerado na execução da prostatectomia radical, e dados disponíveis mostram que a incidência de complicações pós-operatórias cai em quase 50% quando o especialista realiza mais de 40 intervenções por ano. Ademais, nervos removidos da perna ou dos músculos do abdômen do próprio doente têm sido aplicados na área cirúrgica para substituir os nervos cavernosos danificados durante a remoção da próstata. Resultados preliminares indicam a recuperação das ereções penianas em cerca de 50% dos pacientes, que de outro modo teriam evoluído para impotência sexual após a cirurgia. Os radioterapeutas, por sua vez, aperfeiçoaram as técnicas de radioterapia, introduzindo o método conformado e de IMRT. Com isso, o tratamento tem sido feito com maior eficácia e menos complicações.

Apesar desses esforços, os homens atingidos pelo câncer da próstata ainda pagam um preço alto para se livrar do mal. Por isso, a ciência médica tem se empenhado para identificar meios de prevenir a doença e para diagnosticá-la nos seus primórdios, quando o tratamento é menos agressivo.

Esses esforços, embora incipientes, não deixam de ser alentadores. Proteínas reconhecidas por siglas enigmáticas como uPM3, EPCA, AMACAR, PCADM-3 e pro-PSA, encontram-se presentes em quantidades anormais nos portadores de câncer da próstata e talvez permitam a descoberta do mal antes de ele se tornar aparente. Um novo equipamento, que emite ondas de ultra-som de alta freqüência (HIFU), está sendo desenvolvido para destruir tumores da próstata a partir de uma fonte localizada fora do organismo, sem exigir nenhuma intervenção local. Vacinas que estimulam o organismo a reagir contra o câncer foram testadas com sucesso em animais e agora estão sendo experimentadas em seres humanos. Uma dessas vacinas, que desencadeia um ataque imunológico contra as células que produzem o PSA, foi empregada em dois estudos patrocinados pelo National Cancer Institute e pelo Eastern Cooperative Oncology Group, dos Estados Unidos.
Em, respectivamente, 58% e 78% dos pacientes com câncer da próstata agressivo, observou-se a paralisação da doença, que insistia em progredir apesar do tratamento convencional.

Finalmente, várias estratégias têm sido exploradas com o objetivo de impedir o aparecimento do câncer da próstata. Além de ações com eficiência já reconhecida, como a ingestão de vitamina E, outros agentes vêm sendo investigados, incluindo o indol-3-carbinol, presente na couve, no repolho e no brócolis, os análogos da vitamina D, como o RO 26-9114 e o EB-1089, a baicaleína, isolada em ervas chinesas, os inibidores da 5 -redutase ou o resveratrol e a quercetina, presentes no vinho tinto. Essas medidas têm efeitos ainda indefinidos, de modo que a busca disciplinada do diagnóstico precoce da doença continua sendo ainda a melhor forma de preservar a existência dos homens.

Nesse texto fica claro que em torno do câncer da próstata existem boas e más notícias, números decifráveis e estatísticas emblemáticas. Mais do que isso, em torno do câncer da próstata existem seres humanos inseguros com o porvir. Com aflições exacerbadas pela incerteza dos tratamentos, que curam um grande número de pacientes mas podem comprometer profundamente a qualidade de vida desses indivíduos.

Nesse cenário povoado por dúvidas, tomam parte dois atores insubstituíveis: pacientes e seus médicos. Dos pacientes espera-se que exerçam seu direito de opção, aceitando os tratamentos mais radicais e eficientes quando o desejo é de estender a vida e métodos menos agressivos quando o sentimento é de expandir a existência, no seu caráter multidimensional. Dos médicos espera-se que, além de aliviar o sofrimento físico, recorram a três poções mágicas de efeitos quase sublimes: ouvir sem julgar, expressar-se numa dimensão superior e estar continuamente ao lado do paciente. Enfim, postar-se como leal companheiro de viagem nessa incomparável experiência de viver.


(*) Miguel Srougi, 58, médico, é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP e autor do livro "Próstata: Isso É com Você" (Publifolha).



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