Luís José Gomes Machado Guerreiro Pacheco nasceu em Lisboa a 7 de Maio de 1925. Trata-se de um escritor, editor, polemista, epistológrafo e crítico de literatura portuguesa.
Desde cedo manifestou talentosa propensão para a escrita. Chegou a frequentar o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa, mas devido a dificuldades financeiras teve de abandonar os estudos. A partir de 1946 trabalhou como agente fiscal da Inspecção Geral dos Espectáculos, acabando em dada altura por se demitir dessas funções por se ter cansado do emprego. Desde então teve uma existência atribulada. Sem ter com que sustentar a família que crescia, chegou por vezes a viver na maior das misérias, submetido a esmolas e donativos, vendo-se obrigado a hospedar-se em quartos alugados ou albergues. Esse período difícil da vida inspirou-lhe o conto «Comunidade», considerado por muitos a sua melhor obra.
Começou a publicar a partir de 1945 diversos artigos em variadíssimos jornais e revistas, tal como «O Globo», «Bloco», «Afinidades», «O Volante», «Diário Ilustrado», «Diário Popular» e «Seara Nova». Em 1950, decidiu-se a fundar uma editora, a «Contraponto», onde editou escritores de gabarito como Raul Leal, José Cardoso Pires, Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Natália Correia, Herberto Hélder, Vergílio Ferreira, etc., tendo sido amigo de muitos deles.
Dedicou-se especialmente à crítica literária e cultural, tornando-se muito conhecido, e por aí temido também, pelas seus escritos sarcásticos, irreverentes, assaz mordazes e polémicos. Denunciou a desonestidade intelectual e a censura imposta pelo regime salazarista. A sua obra literária tem um forte pendor autobiográfico e libertino, inserindo-se naquilo a que ele próprio chamou de corrente «neo-abjeccionista». Debilitado fisicamente, mas ainda capaz de dar entrevistas para jornais, vive num lar no Príncipe Real em Lisboa. 2002 = PALAVRA PUXA PALAVRA
«Há gajos que só querem ser ídolos!»
«Não se vende prosa a granel...»
A actual situação de Luiz Pacheco, face à lucidez que apresenta, comove, revolta, decepciona e sobretudo assusta. Todavia, também enleva e inspira a urgente procura de soluções colectivas que satisfaçam uma velhice digna que valha a pena fruir.
Na história da literatura portuguesa Luiz Pacheco ficará entre os mais controversos escritores. Trata-se de um autor-editor maldizente e cronista feroz, aquele que subscreveu alguns dos textos incisivamente malditos. Tem hoje 77 anos e vive "rodeado de fantasmas" num exíguo quarto da Liga dos Amigos dos Hospitais, no Jardim do Príncipe Real, em Lisboa.
Alguns dias após a reedição da brochura «Os doutores, a salvação e o Menino Jesus», foi agradável e estimulante passar uma tarde em convívio com um homem que não teme a morte após uma vida passada a «dar porrada em muita gente». Em discurso directo, aqui se apresenta a interessante transcrição possível das suas impressões no decurso de uma muito animada conversação.
Como se sente neste lar? Feliz...
Isto aqui é outro mundo. É só patarecos. Um gajo não cria alegria. Já estou nesta merda dos lares há quase dez anos. Já nem vou lá fora. Tenho aqui a minha companhia: a rádio! Há pouco estava ali a ver uma merda qualquer na televisão, mas nem sei o que era aquilo. Pelo menos, aqui, há assistência dia e noite. Há uns anos atrás, fiquei um bocado chateado com estas casas, mas agora já consigo ver que não há outra solução. Já não há casas para velhos. É tudo T1 e T2 para casais com filhos que não querem ter velhos em casa. E há velhos que não podem ficar sozinhos. Aqui há um sistema de protecção e vigilância. Mas isto não dá para relações. Naquela sala ali ao lado (a de TV), só há fantasmas. Há gajos que nem sequer saem dos quartos. Eu também não vou lá. Para quê?
Bem, porventura poderia arranjar uma namorada...
Nem penses! Com a minha idade?!...
E qual é o problema? Vá, diga lá: há quanto tempo é que não...
O quê?!...
| | Enfim, há quanto tempo não tem relações com uma mulher?...
Isso é como uma bicicleta, não é? Mas espera aí: a função sexual?! Há gajos que a levam longe. Há um cabrão de um amigo meu, que tem mais dois anos que eu, que se gaba de foder todos os dias. Porra! Ele era um grande fodilhão, de facto, lá isso era. Mas será que isso agora é importante? Não faço ideia. As pessoas têm o seu tempo. Não estou muito preocupado com isso. Já tive os meus dezoito anos. Que idade tens?
Sessenta e três...
Oh... Estás quase a chegar ao meu estado mas a tua efervescência é um pouco melhor do que a dum gajo com a minha idade. Tens de aproveitar as últimas chances...
Se bem se traduz da sua biografia, o Luiz era muito efervescente...
Oh pá, o que calhou, calhou! Tive oito filhos, uu melhor, tiveram elas. Mas os meus filhos não costumam aparecer aqui. Não podem. Têm outra vida. Mulheres, filhos, trabalho. Os filhos são como os pássaros: ganham asas e voam sozinhos. Mas essa biografia é um bocado aldrabona. Nunca mais vi a rapariga que a escreveu. Ela é um bocado passada da mona. A primeira vez que a vi foi na televisão, no programa da Paula Moura Pinheiro, aquela que tinha a franjinha. Havia um programa dedicado à luxúria. Apareceu lá uma rapariga muito desinibida e vivaça a dizer: "Cá comigo é assim". Eu fixei-a. Uns tempos depois apareceu lá em Setúbal. Ela era muito trabalhadora. Para fazer essa cronologia foi aos arquivos da PIDE. Só que depois começou a querer mandar em mim, armada em minha mandona e eu mandei-a à merda. Não tenho feitio para aturar mulheres a mandar. Essa gaja era demais.
Mudando de assunto: tem escrito ultimamente? Alguma vez usou computador?
Nem vê-los. Já nem à máquina escrevo. Consigo ver as teclas mas não vejo as letras no papel. Mas não é só isso. Um tipo já está fora do seu tempo. Um gajo tem uma fase de mocidade e curiosidade, e aí quer conhecer o mundo. Depois tem a fase da maturidade, que é a fase criativa por excelência. Só que mais tarde vai-se vendo mal, ouvindo mal, pá. Bolas, o que é que esperas quando chegares aqui aonde eu estou?
Assim como deu «porrada» a muita gente, a escrever, também levou «porrada»?
Dei porrada a muita gente e dei porrada com gosto. Um gajo tem um fundo malévolo, maldizente, e enquanto estiver para ali a mandar vir, anda todo satisfeito. De repente um gajo pegava num livro e via que aquilo era uma merda, mas os gajos julgavam sempre que eram génios ou supra-sumos. Então não dava vontade de dar porrada? É um acto de justiça. Há uma série de gajos que nunca mais se esquecerão de mim. Conheces o Agualusa? Ele publicou um livro, «Nação Crioula», e o Sepúlveda fez um grande elogio ao gajo. Eu li aquilo, aproveitei e dei porrada nos dois. Esses gajos devem ter-me mesmo pó.
Você também chegou a ter uma série de problemas com as autoridades...
Tive problemas com a PIDE por causa do «Libertino» e também por causa da antologia erótica da Natália Correia. Duma vez até éramos oito réus: eu, o Ary dos Santos, a Natália, o Ribeiro de Mello, Francisco Esteves, Melo e Castro e outro gajo que já morreu. Com o «Marquês de Sade» e a «Filosofia de Alcova», apanhei uma grande porrada por ter ofendido o juiz...
Em sua opinião, avaliando a obra toda, qual é o seu grande texto?
Não é «A Comunidade». Talvez «O Teodolito»...
Perfil:
De literário a libertino, de marginal a alcoólico, não há consenso na adjectivação que o designe. Há cinco décadas que Luiz Pacheco deixa um rasto de controvérsia e atentados aos bons costumes. Pelo meio, ficam edições, prisões, desatinos e alguns dos textos mais geniais do século XX, como "O Teodolito" ou "O Libertino Passeia em Braga". Um escritor onde os termos "gajo", "merda" e outros que tais saem sem óbice, como se fossem moscas ao redor de um poio, algo que revela no fundo um completo desprezo que um quase octagenário sente pela vida que o cerca. É o fim que sabe e reconhece tranquílo que tudo acabou! |