O ‘etnonacionalismo’, o Brasil e a crise boliviana
24 September, 2008 18:07
Editoria de Alerta em Rede
17/set/2008 (Alerta em Rede) - Uma vez mais, a despeito do desfecho da reunião de emergência dos presidentes da União das Nações Sul-americanas (Unasul) em Santiago, a liderança do Brasil no processo de integração da América do Sul se vê comprometida pela inércia de Brasília diante da crise na Bolívia. Em lugar de atuar como bombeiros diante de um incêndio com potencial para assumir dimensões devastadoras, o Governo Lula poderia - e deveria - estar atuando de forma pró-ativa e preventiva, para ajudar o titubeante Evo Morales a reconstruir o seu país de uma maneira verdadeiramente inclusiva e satisfatória para todos os segmentos da população boliviana.
Por exemplo, uma atitude mais assertiva já poderia ter definido de forma concreta projetos de infra-estrutura fundamentais, não só para a integração física regional, como, mais ainda, para "azeitar" as relações bilaterais, como a usina hidrelétrica binacional de Ribeirão, no rio Guaporé, parte do projeto do Complexo do Rio Madeira. Se tal compromisso já estivesse devidamente selado, haveria pouco espaço para os radicais ideológicos do Governo Morales protestarem contra a construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira e, menos ainda, para entregar a construção da usina de Cachoeira Esperança, no rio Beni, a um consórcio canadense, como anunciado há pouco por La Paz.
O grande problema de Brasília é a simpatia ideológica de muitos integrantes do governo com o projeto "etnonacionalista" de Morales & cia., refletida na própria política indigenista brasileira, baseada na consolidação do conceito de uma identidade básica de caráter étnico para os indígenas, em lugar de considerá-los primordialmente como brasileiros de origem indígena e de uma política de integração gradativa dos povos indígenas ao conjunto da sociedade. Não por acaso, o País aderiu à Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas das Nações Unidas, que menciona ostensivamente a concessão de "autonomia" aos povos indígenas e já foi acriticamente aprovada pela Câmara dos Deputados (espera-se que o Senado, onde encontra-se em discussão, a refute sumariamente). A mesma motivação está na raiz do empenho de Brasília na demarcação em área contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que deverá ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos meses - um caso emblemático, que definirá vários outros casos pendentes do contencioso indigenista.
Igualmente, o projeto ‘etnonacionalista’ representa uma preocupante ameaça estratégica em outras regiões de fronteira como, por exemplo, a questão das demarcações de reservas para os índios guarani-kaiowás no Mato Grosso do Sul.
Em suma: enquanto o ranço ideológico não for extirpado das políticas de Estado, dificilmente, o País poderá qualificar-se como um interlocutor neutro e de boa-fé, capaz de contribuir efetivamente para a pacificação dos ânimos na vizinhança, além do que as sua política indigenista poderá alterar a própria paz interna e a segurança publica no País. Portanto, que a Bolívia sirva de aprendizado para se deixar de brincar com o destino da nação, exacerbando irresponsavelmente a cobiça de indígenas que imaginam poder vir a ser donos de grandes áreas ricas em recursos naturais.