Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante almoço de confraternização com oficiais-generais das Forças Armadas
Brasília-DF, 08 de dezembro de 2008
Meu caro Nelson Jobim, ministro da Defesa,
Meu caro Jorge Armando Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional,
Almirante Júlio Soares de Moura Neto, comandante da Marinha,
General Enzo Martins Peri, comandante do Exército,
Brigadeiro Junito Saito, comandante da Aeronáutica,
Senhores oficiais-generais,
Amigos e amigas presentes neste sexto almoço, no meu mandato, com os oficiais-generais do nosso país.
O ministro Nelson Jobim falou do projeto estratégico em que está trabalhando e que no próximo dia 11 vamos apresentá-lo ao Conselho Nacional de Defesa para, a partir de então, fazer com que a sociedade brasileira debata, com muita força, o que nós queremos para o nosso país em nível de defesa.
O Plano norteará a reestruturação e o reequipamento das Forças Armadas e ele deve muito ao empenho pessoal do ministro Jobim, ao apoio do ministro Mangabeira Unger e, por que não dizer, aos três comandantes, da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Vocês sabem que isso só foi possível ser feito agora porque, primeiro, era necessário criar as condições para que o Brasil desse um salto de qualidade. Eu tenho certeza de que vocês, como eu, aprenderam desde pequenos que em casa que não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão. Os tempos difíceis que nós passamos em 2003, 2004 e 2005, onde os recursos da União funcionavam como se fossem um cobertor curto – quando a gente cobria a cabeça, os pés ficavam descobertos, e quando cobríamos os pés, a cabeça ficava descoberta – esse período passou. O Brasil se transformou numa nação economicamente mais justa, o Brasil se transformou, politicamente, num país mais respeitado. A nossa economia cresce, a distribuição de renda acontece, e isso nos permitiu poder, no dia de hoje, dizer para os senhores que nós estamos, mais seriamente do que nunca, pensando na reestruturação daquilo que é a garantia do nosso país, que são as Forças Armadas.
Teve um tempo em que eu falava na reconstrução das indústrias bélicas brasileiras, e hoje nós falamos na indústria de defesa, uma indústria de defesa que me deixou muito orgulhoso quando o ministro Jobim apresentou o nosso projeto. Esse projeto vai permitir que o conjunto do governo veja as Forças Armadas não apenas como uma coisa de responsabilidade do Ministro da Defesa ou do Presidente da República, mas que veja as Forças Armadas como uma peça extremamente importante para que o Brasil continue sendo um exemplo de paz, um exemplo de concórdia e um exemplo de País em desenvolvimento aqui na nossa querida América do Sul.
Vocês acompanharam, certamente, pela imprensa ou pelas falas dos seus comandantes, que nós estamos vivendo um momento extremamente especial na América do Sul. Conseguimos unanimidade para construir um Conselho de Defesa na América do Sul, estamos trabalhando seriamente para criarmos uma unidade na América do Sul através da Unasul, e estamos trabalhando como nunca trabalhamos para que o Brasil jogue o seu papel como maior economia, como maior nação da América do Sul na política de solidariedade para ajudar os países vizinhos a se desenvolverem.
Hoje, quando nós olhamos o mundo, percebemos que nessa crise econômica que estamos vivendo – e não é o Presidente da República que está dizendo, são todos os analistas que pensam e analisam a crise – é de que o Brasil é hoje um dos países mais preparados para enfrentar a crise econômica, que não nasceu, desta vez, em nenhum país periférico, nasceu exatamente no coração do mundo desenvolvido, a começar pelos Estados Unidos da América do Norte, depois a Europa, depois o Japão. Vocês estão acompanhando o noticiário e estão notando que o governo tem feito todo o esforço, tomado todas as medidas para que a gente evite que essa crise chegue aqui do tamanho que ela já está nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. É exatamente nesse momento de crise que nós temos que ter inteligência, maturidade e paciência, para não tomarmos nenhuma medida precipitada e tomarmos a medida para que a economia brasileira continue a crescer e que a gente não sofra a recessão que já está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos.
Os senhores se lembram daquela famosa crise dos anos 90 que envolveu, primeiro a crise russa, depois a crise asiática, depois a crise mexicana, toda aquela crise envolveu um montante de US$ 200 bilhões. Essa crise de hoje já ultrapassou os US$ 4 trilhões e ainda não sabemos o tamanho que essa crise vai ter nos países em desenvolvimento.
No caso do Brasil eu tenho mostrado, com a maior sinceridade, as coisas em que eu acredito. Quando eu digo que a situação do Brasil é melhor é porque, primeiro, o Brasil teve a sabedoria de diversificar as suas relações comerciais. O Brasil sempre teve na sua balança comercial uma participação muito grande dos Estados Unidos, uma participação muito grande da Europa e uma participação muito pequena de outros países. Hoje nós temos 14% da nossa balança comercial com os Estados Unidos – já foi de quase 30% – hoje nós temos com a Europa aproximadamente 16% - também já foi de quase 30%. Não é que diminuiu, veio crescendo 20% ao ano, é que o Brasil cresceu muito com a América do Sul, o Brasil cresceu muito com a Ásia, o Brasil cresceu muito com o Oriente Médio. Isso permitiu que o Brasil tivesse uma certa tranqüilidade, maior do que muitos países que dependem quase exclusivamente de um ou de outro país.
Uma outra coisa que nos dá garantia é saber que em alguns países importantes, como a China, o PIB deles depende 40% da sua balança comercial, ou seja, as exportações significam 40% do PIB chinês. No caso do Brasil, as exportações representam 13% do PIB. Então, as condições estão muito, mas muito bem orientadas para que o Brasil não sofra a crise no mesmo volume que alguns países estão sofrendo.
Vocês viram, recentemente, o presidente eleito Obama dizer que vai fazer um programa para que até 2011 ele possa gerar 2,5 milhões de empregos. Este ano, no Brasil, até novembro nós criamos 2 milhões e 149 mil empregos com carteira profissional assinada. Isso é um feito inusitado para ao Brasil, que passou praticamente 20 anos vendo a sua economia definhar. E junto com o definhamento da economia, definhava nossa indústria, definhava o poder aquisitivo da sociedade e, por que não dizer, definhava o poder de recuperação e de reequipamento das nossas Forças Armadas.
Pois bem, nós temos 2009 um ano extremamente importante, e que iremos tomar todas as medidas em função de termos um mercado interno altamente novo, uma sociedade que não tinha poder de compra e que agora começa a ter poder de compra. Nós estamos trabalhando muito para fortalecer o nosso mercado interno. Tomamos algumas decisões importantes: primeiro, permitir que a indústria automobilística continue produzindo e vendendo, na medida em que a indústria automobilística representa 24% do PIB industrial; permitir que a construção civil continue construindo, na medida em que ela gera muitos empregos no Brasil e permitindo capital de giro para as pequenas e médias empresas brasileiras, porque elas são responsáveis por 60% dos empregos.
Mas um fato novo aconteceu: o dinheiro sumiu. Não existe dinheiro para crédito. E, também, um outro fato novo é que se criou um pânico na sociedade. Eu dizia ao Saito, na hora que vinha entrando aqui: tem uma crise verdadeira, uma crise que atingiu profundamente os países ricos e que, portanto, vai mexer com os países que exportam muito para eles, mas tem também uma crise, um pouco de pânico, ou seja, aquela crise da pessoa que mesmo tendo recursos não quer comprar porque ouviu dizer que tem uma crise. E eu dizia para o Saito: É como se a gente fosse pegar um avião e ouvíssemos dois pilotos comentando “olha, esse avião está com o motor enguiçado, é bom não subir”, ou seja, certamente nós iríamos devolver o boleto e não iríamos subir no avião.
Ora, ninguém está dando conselho para quem tem dívida fazer mais dívida. Quem tem dívida, paga a que tem e vamos tentar zerar para fazer outra. O que nós estamos querendo dizer é que o Brasil tem um potencial de crescimento que outros países não têm. E, por isso, além das decisões de atacar os setores econômicos mais vulneráveis, nós não iremos deixar parar uma obra da Petrobras. Todos vocês sabem que a Petrobras tem que fazer investimentos, até 2012, de 112 bilhões de dólares. O que ela vai ter que comprar de sondas, de plataformas, de navios, é uma coisa extraordinária e que nós não vamos parar nenhuma obra da Petrobras.
Podem estar certos que também não pararemos nenhuma obra do PAC. Pode ficar tranqüilo, General Enzo, que o Exército vai continuar fazendo as nossas rodovias, as nossas pontes, porque nós não temos nenhum interesse de parar nenhuma, e não vamos parar.
Porque desta vez essa crise pegou o Brasil mais preparado. Nós temos reserva de US$ 207 bilhões, coisa que nunca tivemos; nós temos quase 290 bilhões de compulsório, já colocamos mais de 100 no mercado, para irrigar o crédito, e vamos tomar outras medidas, se for necessário, para colocar mais dinheiro. Porque nós aprendemos, depois de vinte e poucos anos sem a economia crescer, aprendemos o gosto do crescimento, aprendemos o gosto da geração de empregos. Foram quase 11 milhões de empregos nesses seis anos de governo.
Fomos a Pernambuco, são 12 estados que já completaram o Programa Luz para Todos, ou seja, nós poderemos ser a geração a passar para a história como a geração que apagou os candeeiros neste país. Ainda tem muita coisa para fazer, nós temos o dinheiro e programa para fazer.
Portanto, esta é uma festa de Natal, eu diria, talvez de todas que eu participei com os senhores, melhor, porque a economia está crescendo, tem uma crise que se apresenta pela frente, que nós saberemos cuidar dessa crise para não causar os prejuízos que alguns torcem para causar no País, e que nós vamos trabalhar para não acontecer. Nós vamos fortalecer o mercado interno, vamos fazer com que a indústria nacional seja fortalecida.
Quando eu fui no ITA, que eu vi que o ITA produziu a sua primeira turbina, e o Brasil passa a ser o 5º país do mundo a produzir uma turbina, daqui a pouco nós vamos estar atendendo a Petrobras que, só para atender o pré-sal, vai precisar de 100 turbinas, certamente maiores e mais modernas do que a nossa, porque precisa produzir 25 megawatts cada uma, a nossa está produzindo 1 megawatt, mas quem faz de um faz de 25 também, Saito, é só colocar mais ferro e mais engenheiros para trabalhar que nós chegaremos lá.
E eu acho que esse é um momento de muita reflexão. É importante que vocês acompanhem as coisas que vão acontecer no Brasil, porque eu estou convencido que desta vez o Brasil sairá dessa crise mais fortalecido.
Eu tenho dito para todo mundo que essa crise para nós é uma oportunidade, é uma oportunidade de fazermos aquilo que o Brasil deixou de fazer durante muito tempo. Nós vamos combinar a seriedade fiscal com a responsabilidade de gerenciar o desenvolvimento deste país. Vamos fazer com que as indústrias que produzam e que geram empregos tenham o crédito necessário para que a gente possa vencer essa batalha. E eu estou convencido que a partir de 2010 esta crise já será coisa do passado aqui e em outros países. Até porque nenhum presidente vai agüentar mais de um ano com uma crise nas costas, gerando desemprego, como está nos Estados Unidos, gerando abandono de residência, como está nos Estados Unidos.
Eu tive, agora há pouco, uma reunião com os bancos brasileiros – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal –, com o Ministro da Fazenda, o financiamento nos nossos bancos continua batendo recorde todo mês. Certamente, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica irão fazer apresentações, mas nós precisamos fazer muito mais, porque tem uma parte da sociedade que está assustada e não quer comprar sequer as coisas elementares, que em qualquer outro momento a gente compraria, sobretudo em se tratando de bens duráveis. Portanto, eu quero que vocês acompanhem com carinho, não apenas a crise, mas acompanhem também as medidas que o governo brasileiro tem tomado para debelar essa crise.
Quero dizer para vocês que eu sou muito grato ao comportamento de vocês, à demonstração de solidariedade no apoio humanitário, logístico e de pessoal à Defesa Civil do estado de Santa Catarina, nessa recente catástrofe que houve naquele estado. Posso dizer para vocês, como presidente da República, mas poderia dizer como simples brasileiro, que as Forças Armadas brasileiras viraram motivo de orgulho pela atuação brilhante e extraordinária que tiveram, salvando vidas, levando ajuda, levando comida, levando roupa, levando remédio, e é uma mobilização que envolveu Aeronáutica, Marinha e Exército.
Outras ações que merecem ser relembradas aqui neste almoço de confraternização. Não é só na enchente que as Forças Armadas sabem trabalhar, Jobim. Na seca do Nordeste, a Operação Pipa, desenvolvida pelo Exército nas regiões atingidas pela seca, tem dado uma contribuição extraordinária àquelas pessoas que estão com falta d’água. Se Deus quiser, quando terminar o canal da transposição, nós iremos ter esse problema resolvido.
Apoio às operações de combate à dengue em diversos estados da Federação. Apoio com médicos e hospitais ao governo de Pernambuco durante aquela greve do setor da saúde. Apoio logístico e de reforço à segurança, prestado ao TSE nas eleições municipais. Apoio humanitário prestado ao governo da Bolívia nas últimas enchentes que assolaram as regiões do país. Ali, meu caro Saito, o presidente Evo Morales me ligou, na época em que as Forças Armadas estavam lá, para agradecer às Forças Armadas brasileiras, porque ele dizia que se não fossem as Forças Armadas brasileiras, certamente muita gente teria morrido naquela enchente da Bolívia.
Transporte de alimentos e remédios pela Marinha e Aeronáutica para o Haiti, Jamaica e Cuba após os furacões. Ajuda permanente do nosso querido recuperado Correio Aéreo Nacional na região Amazônica, levando desenvolvimento, solidariedade e cidadania às comunidades isoladas. Presença humanitária dos navios-hospitais da Marinha, conhecidos como navios da esperança, ao longo dos rios da Amazônia.
Participação da engenharia do Exército nas obras do PAC, tais como rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, canais, pontes e viadutos. Aí é um orgulho. Quando terminar a rodovia que o Exército está construindo, eu tenho certeza, Enzo, de que o povo que passar naquela ponte, vai falar: “A estrada feita pelo Exército, certamente, é melhor do que as outras estradas”, porque é um trabalho extraordinário. Acho que o Enzo deveria convocar todos os oficiais para conhecer, porque quando nós chegamos ao governo, em 2003, o Exército não tinha sequer uma máquina para prestar um trabalho desses, porque estava tudo sucateado. Hoje o Exército se reequipou, o nosso Batalhão de Engenharia tem prestado um trabalho extraordinário, e eu penso que é assim que a gente vai criando uma irmandade entre Forças Armadas e sociedade, e sociedade e Forças Armadas.