Entrevista: Henrique Meirelles, Presidente do Banco Central
Na Capital para dois eventos, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, participou ontem de um jantar em sua homenagem, organizado pelo amigo Ricardo Malcon, no qual estiveram presentes a governadora Yeda Crusius e empresários. Hoje, faz palestras em almoço na Federasul e na posse da diretoria da Associação dos Bancos do Estado, à noite.
Antes de deixar Brasília, Meirelles respondeu por e-mail à seguinte entrevista.
Zero Hora – A crise financeira internacional já superou a fase mais aguda? Quais os indicadores que sustentam essa avaliação?
Henrique Meirelles – O governo americano já está executando o plano de recuperação do sistema financeiro, das montadoras de automóveis e outros programas. Os dados da economia real são ainda fracos, mas já existem sinais de estabilização. Os mercados de capitais, que procuram antecipar o que ocorrerá, apostam que o pior já passou. Os bancos centrais têm como dever de ofício ser prudentes, e, portanto, mantêm uma posição de cautela, alertando contra excessos de euforia.
ZH – Qual o fato decorrente da crise que mais o surpreendeu?
Meirelles – Surpreendeu a todos a decisão das autoridades norte- americanas de permitirem a falência de uma instituição sistemicamente importante, como Lehman Brothers. Isso gerou uma paralisação do crédito internacional e trouxe a crise aos emergentes, inclusive ao Brasil.
ZH – A crise alterou o eixo do poder econômico global?
Meirelles – Os emergentes sairão da crise mais fortes econômica e politicamente.
ZH – Haverá mudanças na regulação do sistema financeiro mundial em razão da crise?
Meirelles – Sim. A regulação determinará maior transparência e simplicidade nas instituições e nos produtos financeiros, além de menor risco. Todas as instituições financeiras deverão ser reguladas e supervisionadas, como já ocorre no Brasil.
ZH – A crise proporciona alguma lição ética ao sistema financeiro?
Meirelles – Sim, os dirigentes não devem assumir riscos excessivos para assegurar ganhos de curto prazo, aumentando de forma inaceitável os riscos de médio e longo prazos.
ZH – A atuação do governo Barack Obama para enfrentar a crise está respondendo às expectativas existentes antes da posse?
Meirelles – Sim. A crise começou a desacelerar a partir do anúncio das medidas do governo Obama. O pacote de recuperação dos bancos é um mecanismo trabalhoso e um pouco demorado, porém tem a vantagem de preservar a estrutura das instituições e seu caráter competitivo. Além do mais, a participação do governo no capital dos bancos se dará apenas na medida do necessário, e o controle será assumido apenas em última instância. A intervenção na Chrysler parece que atendeu às expectativas do governo americano e o processo na GM está sendo bem conduzido, apesar dos resultados ainda incertos.
ZH – Ainda há sinais de fragilidade no país, como a inadimplência, enquanto a bolsa acumula alta de 40% no ano. Com esses indicadores, como ler a atual situação do Brasil?
Meirelles – Claramente existe uma aposta dos investidores de que o Brasil já está em um processo de recuperação e que sairá mais forte desta crise e antes da maioria dos países. Temos, no entanto, alertado sobre os riscos da euforia e do exagero.
ZH – O Brasil crescerá este ano?
Meirelles – O Banco Central divulgará sua previsão atualizada no final de junho. A última previsão foi de crescimento positivo.
ZH – Há risco de o grande fluxo de capital externo prejudicar a economia, sobretudo as exportações e os empregos delas dependentes?
Meirelles – Um fato importante é que o dólar depreciou-se contra todas as principais moedas. Outro ponto importante é que o Brasil é um dos grandes exportadores de commodities e, em consequência, o real tende a correlacionar-se com o preço das commodities. O fluxo de capitais é parte importante do financiamento para o Brasil crescer de forma sustentada. Como em qualquer fato econômico, existem custos e benefícios, e o governo está alerta para o custo aos exportadores.
ZH – Por que os juros brasileiros continuam altos?
Meirelles – Quando assumimos, a taxa de 360 dias no mercado a termo, a que mais influencia a atividade econômica, estava em cerca de 30% ao ano, enquanto hoje está um pouco acima de 9%. Além disso, pela primeira vez em décadas, o BC pode baixar os juros na crise. Finalmente, cabe notar que o país não está na mesma situação dos países no centro da crise, que estão com previsão de contração elevada do PIB este ano e de crescimento muito baixo nos próximos dois anos. E, o mais importante, é que o Brasil tem espaço para crescer, como resultado do aumento dos investimentos nos últimos anos, viabilizado pela estabilidade.
ZH – Qual é hoje a maior tentação de um presidente do Banco Central?
Meirelles – Um presidente de BC não pode preocupar-se com tentações. A responsabilidade é enorme e cada decisão tomada produz efeitos por um longo prazo. É necessário muita análise, pesquisa, sabedoria e cabeça no lugar.
ZH – O senhor está disposto a cumprir um terceiro mandato na presidência do BC?
Meirelles – Não. Dois mandatos são uma boa medida para qualquer presidente de Banco Central em qualquer país do mundo.
ZH – Uma candidatura nas próximas eleições está no seu horizonte em 2010?
Meirelles – No momento, não deixo que planos futuros intervenham no trabalho no BC. Meu foco absoluto é ajudar a tirar o Brasil da crise. Tudo vem a seu tempo. No próximo ano vou pensar no futuro.