O incrível discurso do [coronel do Exército] Lício feito na Câmara em 2005
O Sr LÍCIO AUGUSTO - Sr Presidente, Srs Congressistas, demais autoridades presentes, minhas senhoras, meus senhores, não é preciso dizer da minha emoção por ter encontrado aqui velhos companheiros de luta, que ainda a estão levando à frente.
Como participante dos acontecimentos que passo a relatar, fiz um resumo dos itens mais perguntados; apenas como itens porque a dissertação será a rememoração dos fatos. Para isso, tirei os óculos, a fim de que aqueles que vou citar me olhem bem no fundo dos olhos e tenham suficiente coragem de afirmar, se for preciso, que tudo o que foi dito aqui é a pura verdade. Se bem que não há necessidade, porque eles mesmos já confirmaram em outras ocasiões.
O primeiro item selecionado se refere à razão da minha escolha para a missão de descobrir o local da guerrilha, que hoje se diz Guerrilha do Araguaia.
Em 1969, após a morte do terrorista Mariguella, em São Paulo, em seus documentos foram feitas várias citações sobre o local da grande área: grande área de treinamento de guerrilha.
Eu estava chegando a Brasília em 1968, já pela segunda vez. No meu passado, em 1954, fiz o curso de pára-quedista e, em seguida, o curso de Forças Especiais da Divisão de Pára-Quedistas, e especializei-me na modalidade guerra na selva. Posteriormente, o curso de operações especiais foi desenvolvido com outras modalidades e, em seguida, foi criado o Centro de Instrução de Guerra na Selva, CIGS.
Detentor do curso de Forças Especiais e considerado, à época, o elemento com credenciais para desenvolver as operações de selva, percorri milhares de vezes a rodovia Belém-Brasília, de Brasília a Belém, estrada pioneira de barro. Eu e minha equipe, de 3 ou 4 homens, chegamos à conclusão, por indícios, de que a Guerrilha do Araguaia estava naquela área, entre o Bico do Papagaio, Xambioá, Marabá, Tocantinópolis e Porto Franco.
O fato, porém, que nos permitiu chegar à área foi a prisão, em Fortaleza, do guerrilheiro Pedro Albuquerque. Naturalmente, ele está olhando para mim, e eu estou olhando para a câmera, para que olhe no fundo dos meus olhos e confirme que o que eu estou dizendo é verdade. Pedro Albuquerque foi preso quando tentava tirar documentos em Fortaleza. Recolhido ao xadrez, ele tentou suicídio cortando os pulsos. A sentinela, por acaso, passou, viu, deu o alarme e ele foi levado para um hospital da guarnição.
Recuperado o documento de que ele falou, o documento resultante das declarações de Pedro Albuquerque foi enviado diretamente de Fortaleza para Brasília e chegou às mãos do General Bandeira, que imediatamente mandou buscar o preso. Enquanto eu preparava a equipe, o preso chegou, foi incluído na minha equipe, e partimos, junto com Pedro, para o local onde ele dizia que era o inicial: Xambioá.
Chegamos ao Rio Araguaia, pegamos uma canoa grande, com motor de popa, fomos até ao local de Pará da Lama. Pedro deve lembrar muito dele: era uma picada ao longo da floresta no sentido do Xingu. Andamos o dia inteiro. Chegamos ao anoitecer na casa do último morador, com o Pedro sendo levado por nós, livre. Não estava algemado, amarrado ou coisa assim. Ele foi acompanhando nossa equipe. Há várias testemunhas desse episódio aqui presentes, as quais não vou citar, que fizeram parte da minha equipe.
Chegamos à casa de Antônio Pereira, pernoitamos no campo, nos telheiros e, no dia seguinte, às 4h, prosseguimos em direção ao local onde Pedro Albuquerque indicou. Ao chegarmos lá, avistamos três homens, isto é, três elementos, sendo uma mulher, descansando para almoço, presumo.
Aproximamo-nos do local só para conversar com eles, para saber o que eles estavam fazendo lá. Eram três e, no nosso grupo, havia seis; então, não tinha problema. Eles fugiram. Chegamos ao local. Fiquei inteiramente abismado com o estoque de comida, de material cirúrgico; havia até oficina de rádio; 60 mochilas de lona, costuradas no local em máquina industrial grande, que tive o prazer de jogar no meio do açude. Tocamos fogo em tudo e voltei sem fazer prisioneiro.
Ora, em qualquer situação, teríamos atirado naqueles homens. Estávamos a 80 metros, um tiro de fuzil os atingiria facilmente. Eles estavam sentados. Mas nosso objetivo não era matar, não era trucidar. Nosso objetivo era saber o que eles estavam fazendo lá. De acordo com Pedro Albuquerque, eram guerrilheiros. Estavam na área indicada por Pedro Albuquerque, que viu toda a operação.
Como disse, destruímos todos os seus aparelhos; metralhamos uma grande quantidade de frutas - melancia, jerimum e muitas outras coisas. Ficamos inteiramente impressionados com a quantidade de comida que havia lá, várias sacas de arroz; havia até oficina de rádio com equipamentos sofisticados. Era uma oficina rústica, não era como bancada de laboratório da cidade, mas funcionava. O gerador, lá atrás, também funcionava.
Voltamos. Deixamos o pessoal fugir, claro. E o Pedro Albuquerque retornou com dois companheiros nossos e foi recolhido ao xadrez de Xambioá.
Continuamos nossa missão. Como os três elementos fugitivos avisaram para o resto do grupo do Destacamento C, mais ao sul, em frente a São Geraldo do Araguaia, que estávamos indo para lá, ao chegar lá nós os vimos fugindo com muita carga, até violão levavam. Eles estavam se retirando do Destacamento C, do Antônio da Dina e do Pedro Albuquerque.
Pedro Albuquerque nos levou até o Destacamento C, onde havia estado. Ele fugiu porque os bandidos exigiram que ele fizesse um aborto em sua mulher, que estava grávida. Eles não se conformaram com a ordem, principalmente porque outra guerrilheira grávida tinha sido mandada para São Paulo para ter o filho nas mordomias daquela cidade. Ela era casada com o filho do chefe militar da guerrilha, Maurício Grabois.
Pedro, você está me escutando? Você deve-se lembrar de que declarou isso: que você fugiu porque obrigaram sua mulher a fazer um aborto.
Nós estávamos perseguindo esse grupo e estávamos avançando. Embora chovesse bastante, estávamos nos aproximando. Eles resolveram soltar a carga que estavam levando, e o guia, morador da área, me disse: "Agora, nós não vamos pegar eles porque estão fugindo para a gameleira".
E demos uma meia parada, nessa destruição do equipamento deles, quando pressentimos a vinda de alguém na trilha. Nós estávamos andando no meio da mata e esse elemento vinha pela trilha. Nós nos agachamos e, nisso, veio aquele elemento forte, com chapéu de couro, mochila nas costas e facão na cintura. Então, quando ele chegou no meio do nosso grupo, eu dei a ordem: Prendam esse cara!
Não sei, não posso me lembrar, se foi o Cid ou se foi o Cabo Marra que pegou o Genoino. Esse elemento era o Geraldo, posteriormente identificado como Genoino - que naturalmente está me olhando agora. E eu tirei os óculos justamente para ele me reconhecer, porque da minha cara ninguém esquece, principalmente com aquela cara que eu estava na mata, depois de vários dias passando fome e sede, sujo, cheio de barba. Mas é a mesma cara. É o mesmo olhar da hora em que eu encarei ele e disse:
"Seu mentiroso! Confesse! Você não tem mais alternativa".
Por que eu descobri que o Genoino era guerrilheiro? Ele se dizia Geraldo e se dizia morador da área. Claro: elemento na área, suspeito, eu mandei deter. Mesmo algemado e com tudo nas costas, uma mochila pesada e grande, ele fugiu. O Cabo Marra deu três tiros de advertência, e ele parou. Mas não parou por causa da advertência, parou porque se emaranhou no cipoal, e o pessoal foi pegá-lo.
Eu perguntei:
Por que você está fugindo? Nós apenas estamos querendo conversar com você. Para você não fugir, vamos ter de algemá-lo.
"Eu sou morador" - disse ele.
Eu deixei o pessoal especializado em inquirição conversando com o Genoino, até então Geraldo.
O pessoal - inclusive está presente um desses companheiros, o Cid - conversou bastante tempo com o Genoino, quando o Cid veio a mim e disse: "Comandante, não tem nada, não".
Está bom - respondi. Como eu já estava há muito tempo no mato, já tinha resolvido, intimamente, levar o Genoino preso para Xambioá, mas não disse que essa era minha determinação. Peguei a mochila dele.
Havia um elemento na minha equipe que era especialista em falar com o pessoal da área - já falecido -, um elemento excepcionalmente bom. Rendo minhas homenagens a João Pedro do Rêgo. (Palmas.) O João Pedro, apelidado por nós de Jota Peter ou Javali Solitário, onde estiver estará escutando. João Pedro era um homem que falava com o matuto, com o pessoal da área, porque eu, na minha linguagem urbana, não era entendido nem entendia o que eles falavam.
O Javali veio a mim e disse:
"Ele não tem nada. É morador da área". E disse-me o que tinha lhe dito.
Eu, como homem de selva, peguei a mochila do Geraldo e comecei a abri-la. Tirei pulôver, rede e um bocado de bagulho da mochila do Geraldo, quando encontrei um tubo de remédio no fundo da mochila. Ao pegar aquele tubo e olhar para o Genoino, vi que ele estava lívido, pálido. Eu ainda lhe disse:
Companheiro, fique tranqüilo porque nós não vamos fazer nada com você, você é morador da área. E abri o tubo. Lá encontrei material típico de sobrevivência - linha de pesca fina, anzóis. Era material típico de sobrevivência. Como eu havia feito um curso e só sabia teoricamente sobre o assunto, interessei-me por aquele exemplo prático, em um local de difícil acesso na selva amazônica. À medida que eu ia puxando aquelas linhas, o Genoíno - aliás, o Geraldo - ia ficando mais desesperado. E quando eu tirei o tubo, olhei para ele, e ele estava branco como papel. E lá no fundo eu vi um papel pautado, de caderneta, dessas que todo dono de bodega na área anotava as suas vendas. Cortei uma talisca do meu lado, puxei o papel e lá estava a mensagem do Comandante do Grupamento B da Gameleira, o Osvaldão, para o Comandante do Grupamento C, Antônio da Dina. Estava lá a mensagem que o Genoino transportava para o Antônio da Dina. Era uma mensagem tão curta que ele, como bom escoteiro que era, poderia ter decorado, porque até hoje, mais de 30 anos passados, eu me lembro do que dizia essa mensagem, mas eu quero que ele mesmo diga o que constava nessa mensagem. Era uma dúzia de palavras em linguajar militar, de próprio punho do Osvaldão, que era o Comandante do Grupamento B da Gameleira, o grupamento mais perigoso da guerrilha, como constatamos no desenrolar das lutas. Foi o grupo que matou o primeiro militar na área. Antes de qualquer pessoa morrer, o grupo do Osvaldão matou o Cabo Rosa, Odílio Cruz Rosa. Depois de esse Odílio Cruz Rosa ser morto, eles mataram mais 2 sargentos e fizeram muito mal aos militares que nada sabiam até então. Só quem sabia era o pessoal de informações. E eu era da área de informações, embora eu operasse à paisana.
Então, o Genoino foi mandado para Xambioá preso. A essa altura ele já deixou de ser detido para ser preso, e disse tudo sobre a área. Quando eu olhei para ele e disse:
Você não tem mais alternativa porque aqui está a mensagem.
Ele disse: "Eu falo".
Eu disse:
É bom você falar. Genoino, olhe no meu olho, você está me vendo. Eu prendi você na mata e não toquei num fio de cabelo seu. Não lhe demos uma facãozada, não lhe demos uma bolacha - coisa de que me arrependo hoje. (Palmas.)
Um elemento da minha equipe, fumador inveterado, abriu um pacote de cigarro, aproveitou aquele papel branco do verso, pegou um toco de lápis não sei de onde, e o João Pedro começou a anotar o que o Genoino falava fluentemente - nervoso como estava, começou a falar.
Eu me levantei do chão, fui até um córrego próximo beber um pouco d`água. Voltei, o papel estava cheio, com toda a composição da Guerrilha - nomes, locais, Grupo C, ao sul; Grupo B, da Gameleira, perto de Santa Isabel; e Grupo A, perto de Marabá. Eram esses os 3 grupos efetivos, em que se presumiam 30 homens por grupamento, além de um grupo militar comandado por Maurício Grabois.
Peguei aquele papel e ainda comentei com ele:
Pô, meu amigo, tu és um cara importante desse negócio aí, hein? E mandei o Geraldo para Xambioá. Ele foi recolhido ao xadrez, posteriormente enviado a Brasília; em seguida, 3 ou 4 dias depois, não me lembro, veio o veredicto da identificação: o guerrilheiro Geraldo era o José Genoino Neto, presente em frente ao vídeo, olhando para os meus olhos - eu sempre tive olhos arregalados; não foi só lá na mata, não. Os meus olhos sempre foram arregalados, principalmente em combate.
Triste notícia veio depois. O grupo do Genoino prendeu um filho do Antônio Pereira, aquele senhor humilde, que morava nos confins da picada de Pará da Lama, a 100 quilômetros de São Geraldo. O filho dele era um garoto de 17 anos, que eu não queria levar como guia, porque ao olhar para ele me lembrei do meu filho que tinha a mesma idade. Então, eu disse ao João: Não quero levar o seu filho. Eu sabia das implicações, ou já desconfiava.
O pobre coitado do rapaz nos seguiu durante uma manhã, das 5h até o meio-dia, quando encontramos os três nos aguardando para almoçar. Pois bem. Depois que nos retiramos, os companheiros do José Genoino pegaram o rapaz e o esquartejaram.
Genoino, aquele rapaz foi esquartejado! Toda a Xambioá sabe disso, todos os moradores de Xambioá sabem da vida do pobre coitado do Antônio Pereira, pai do João Pereira, e vocês nunca tiveram a coragem de pedir pelo menos uma desculpa por terem esquartejado o rapaz! Cortaram primeiro uma orelha, na frente da família, no pátio da casa do Antônio Pereira; cortaram a segunda orelha; o rapaz urrava de dor; a mãe desmaiou. Eles continuaram, cortaram os dedos, as mãos, e no final deram a facada que matou João Pereira.
Esse relatório está no Centro de Instrução Especializada - CIE, porque foi escrito por mim, e eles não abrem para os historiadores com medo de que o relato apareça.
Pois bem. Eles fizeram isso porque o rapaz nos acompanhou durante 6 horas, para servir de exemplo aos outros moradores, de forma que não tivessem contato com o pessoal do Exército, das Forças Armadas.
Foi o crime mais hediondo de que eu soube. Nem na Guerra da Coréia e na do Vietnã fizeram isso. Algo parecido só encontrei quando trucidaram o Tenente Alberto Mendes Júnior. O Tenente se apresentou voluntariamente para substituir dois companheiros que estavam feridos. A turma do Lamarca pegou o rapaz, trucidou-o, castrou-o e o obrigou a engolir os órgãos genitais. O crime contra o João Pereira foi muito mais grave, muito mais horrendo. E eles sabem disso.
Peçam desculpas ao Antônio Pereira, se ele estiver vivo! Tenham a coragem de reconhecer que toda a Xambioá sabe disso! Genoino preso e identificado, a Guerrilha prossegue. Depois de matar o João Pereira, eles mataram o Cabo Odílio Cruz Rosa; depois do Rosa, eles mataram dois sargentos; depois dos dois sargentos, eles atiraram no Tenente Álvaro, que deve contar a história. Como estou contando a história aqui, Álvaro, conte a sua história.
Na minha versão, o Álvaro deu voz de prisão ao bandido, eles atiram. Outro que estava atrás atirou nas costas do Álvaro, arrancando-lhe a omoplata. Depois desse ferido, houve vários feridos, e finalmente eu fui ferido e tive que sair da área.
Porém, antes, as tropas do Exército saíram da área, vendo que aquele era um movimento mais grave, mais planejado - planejado em Cuba, com as mentes que todos estamos vendo. Sabemos como funciona a mente de um comunista. Um comunista tranqüilo, sem arma na mão, tudo bem. Aquilo é o que ele pensa, e a nossa democracia permite isso. Mas aquele que pega em arma tem de ser trucidado.
Um homem que entra numa mata para combater em nome de um regime de Fidel Castro, esse cara tem que ser morto! (Palmas.)
A Operação Sucuri fez um levantamento de informações: de que se tratava, qual o valor do inimigo, onde ele estava, enfim, todos os itens necessários para que fosse elaborada uma ordem de operações para o combate da Guerrilha. Isso durou 5 ou 6 meses. Já existe literatura muito boa a respeito.
Elementos militares descaracterizados, à paisana, foram postos dentro da mata, desarmados, com identidade falsa, ao lado dos bandidos. Qualquer um de nós, em sã consciência, reconhece que esses homens são uns heróis. Se me derem uma arma eu vou lá caçá-los de novo hoje. Mas, naquela época, se me tirassem as armas e me botassem na mata, não sei não. No ímpeto da juventude, talvez eu fosse, como eles foram. Eram capitães, tenentes e sargentos.
Terminada a Operação Sucuri, já sabíamos de que se tratava, confirmadas todas ou quase todas as informações que o Genoino tinha dado. Três grupos, comando militar e a chefia em São Paulo, sob o comando de João Amazonas - que fugiu da área ao primeiro tiro. Grande valentia! Herói, João Amazonas! João Amazonas fugiu da área ao primeiro tiro, junto com Elza Monnerat. Deixou lá garotos, estudantes e os fanáticos comunistas, tipo Maurício Grabois, que influenciou seu filho, André Grabois, o personagem central do evento que vou relatar agora.
O combate contra o grupo militar da Guerrilha foi comandado por André Grabois. E a esposa dele, a Criméia, que talvez esteja me olhando, diz que houve uma emboscada. Não houve emboscada. Como o Exército saiu da área para fazer operação de informações, a Operação Sucuri, eles cantaram vitória: "Seu Exército é de fritar bolinho". Muito bem, fritamos bolinho.
Já estava na área e recebi a seguinte ordem: "Vá à região de São Domingos a pé, porque de viatura não se chega lá. Eles destruíram uma ponte na Transamazônica."
Eu peguei a minha equipe e fui para São Domingos. Atravessei o rio. A ponte estava destruída, mas atravessei a vau. Cheguei a São Domingos, o quartel estava incendiado. Ao alvorecer daquele dia - se não me engano, 10 de outubro de 1973 -, eles destruíram e incendiaram o quartel. Deixaram todos os militares nus, inclusive o tenente comandante do destacamento, e pegaram todo o armamento, toda a munição, todo o fardamento. Entraram na mata e deixaram um recado: "Não ousem nos seguir, porque o pau vai quebrar".
Infelizmente, Criméia, seu marido morreu por isso.
Pude ver as suas pegadas bem nítidas, porque eles estavam carregados com cunhetes de munição, fuzis da PM, revólveres, e foi fácil seguir o grupo.
No terceiro dia, para resumir, houve um encontro. Eles estavam tão certos de que o Exército não iria lá que estavam caçando porcos. Às 6 da manhã, eu escutei o primeiro tiro e o grito dos porcos. Às 15 horas houve o combate. Vejam bem o espaço de tempo: de 6 da manhã às 15 horas.
Eu estava a menos de 10 metros do primeiro homem, que era o comandante do grupo, André Grabois, filho de Maurício Grabois. Ele estava sentado, com o gorro da PM que tomou do tenente na cabeça, e vi que tinha a arma na mão. Olhei para os meus companheiros, que vinham rastejando, e perguntei: Será que vamos encontrar um bando de PMs aí? Olhei, eles entraram em posição, e eu me levantei. Quase encostei o cano da minha arma em André Grabois: Solte a arma. Ele deu aquele pulo, e a arma já estava na minha direção. Não deu outra. Os meus companheiros, que chegavam, acertariam o André, caso eu tivesse errado, o que era muito difícil, pois estava a um metro e meio, dois metros dele.
Foi destruído o grupo militar da Guerrilha. Todos eram formados na China, em Pequim, em Cuba. Não me lembro do nome de todos, mas citarei alguns: André Grabois; o pai, Maurício Grabois, que mandou o filho fazer curso em Cuba; o Calatroni, o Nunes. O João Araguaia se entrincheirou atrás de um tronco de árvore e não se mexeu, depois do tiroteio, saiu correndo, sem arma. Ninguém atirou no João Araguaia porque ele estava sem arma. O Nunes estava gravemente ferido, mal falava e, quando o fazia, o sangue corria pela boca, mas ele conseguiu dizer a importância do grupo e citou os nomes - não sei se nome ou codinome - de todos eles: o Zequinha, ele disse: esse é o André Grabois. Estava morto.
Esse foi o primeiro combate de valor contra os guerrilheiros, mas foram desmoralizados. Eles diziam para os soldados não entrarem na mata porque os oficiais não entravam. Ora, o próprio acampamento dos militares ficava no meio da selva. Em seguida, ocorreu o incidente do dia 23 de outubro, 10 dias depois.
Continuando na perseguição ao bando, encontramos pegadas nítidas no chão de um grupo numeroso. Esse grupo do Zé Carlos era do Grupamento A. Fomos encontrar as batidas, depois, soubemos que era do Grupamento B, do Osvaldão. Então, eu já estava a menos de 100 metros do grupo. O guia já estava saindo para a retaguarda. O guia era morador. Ele não tinha nada com a guerra. Ele estava lá auxiliando o Exército a pegar os "paulistas", que era como eles chamavam os guerrilheiros. Quando o guia começou a retrair, vi que a coisa estava feia, e continuei. Nisso, um dos guerrilheiros retorna, volta inesperadamente, e deu de cara comigo. Eu agachado e ele olhando para mim. Foi quando dei ordem de prisão para ele: Mãos na cabeça. Ele levantou uma mão, e foi quando vi que era uma mulher. Ela levantou uma mão fazendo sinal de... para eu ficar olhando para a mão enquanto ela desamarrava o coldre. Dei 3 ordens de prisão, mas ela não obedeceu. Quando eu vi que ela estava desamarrando o coldre ainda dei 3 ordens para ela - Não faça isso - gritando, pois sempre falei alto, meu tom de voz é esse. Quando ela sacou a arma vi que não tinha jeito e atirei. Acertei a perna dela e ela caiu, caiu feio. Ela não caiu, desmoronou. Ela deu um salto como se tivesse recebido uma patada de elefante. Ela caiu uns 3 metros depois, tal o impacto. Eu corri, ela não estava mais com a arma, estava nos estertores da dor, chorando e gritando. Eu disse: Fica calma que vamos te salvar. Olhei a arma, a selva muito cheia de folhas, não achei a arma. Meu erro: não deixei um sentinela com ela. Éramos poucos, eles eram vinte, eu precisava de gente.
Continuamos a perseguição do grupo, e eles atravessaram o córrego. Resolvi voltar, já estava escurecendo. Quando me agachei ela me atirou à queima roupa. Ela me deu um tiro na mão e acertou na face, que atravessou o véu palatino e se encaixou atrás da coluna, e eu caí. O outro tiro que ela deu acertou o braço do Capitão Curió, Subcomandante da minha equipe. O restante da minha equipe revidou, claro, encerrada a carreira de bandido da Sônia, nome da guerrilheira. Fui carregado em uma rede e transportado na mata.
Altas horas da noite, os soldados que estavam me carregando passaram os seus fuzis para o outro do lado. E o que ia levando 2 fuzis, um fuzil batendo no outro, fazia muito barulho na mata. E era um barulho que se propagava muito a longa distância. Eles armaram uma emboscada, teria sido o fim. Mas, aquele companheiro, com o qual eu brigava tanto pedindo que deixasse de fumar, nos salvou. Ele, que assumiu o comando da equipe, pediu para parar para dar uma pitada. Isso, a uns 50 metros da emboscada. Paramos e ficou aquele silêncio. Eu fui estendido no chão, dentro da rede, sangrava muito, quase desacordado.
Eles, então, achando que havíamos pressentido a emboscada, aqueles valentes guerrilheiros, fugiram. Claro que eles teriam matado todos nós. Não tenham dúvida. Nós estávamos completamente sem atenção. A minha equipe estava levando o seu comandante quase morto para o primeiro local onde a ambulância poderia alcançar. Na localidade de São José, eles pediram uma ambulância para levar um ferido. De São José, a ambulância me levou para Bacaba, de lá para Marabá e de Marabá para Belém, onde passei uns dias para me restabelecer e ter condições de viajar. Depois fui levado para Brasília onde fui operado. A operação se revestia de cuidados especiais, porque, do contrário, eu ficaria paraplégico para o resto de minha vida. Graças a Deus, as seqüelas foram muito menores e hoje eu estou falando aos senhores aqui, com muita honra.
É muito difícil falarmos em conclusões de uma luta de 4 anos. Citarei apenas 2 itens das conclusões. Permitam-me que os leia. Por isso, coloquei os óculos. Não há mais necessidade de os bandidos me olharem no fundo dos olhos. Estou à disposição deles, a qualquer momento. Quem quiser confirmar comigo o que disse, o meu endereço está na Internet. Terei muita satisfação em olhar no fundo dos olhos deles e repetir tudo o que acabei de dizer aos senhores: nada temos a esconder.
Primeira conclusão: tenho imenso orgulho de ter participado dessa luta, por ter agido positivamente para evitar que os guerrilheiros do PCdoB implantassem no País um regime comunista igual ao de Cuba, com paredão e tudo - e esse risco não acabou.
Segunda conclusão: além de prestar homenagem às bravas esposas dos militares, tanto daquela época quanto da atual, estendo aos membros da minha valorosa equipe a honra de que estou sendo alvo presentemente.