O Jornal Nacional exibe trechos da primeira entrevista do Papa Francisco a um jornalista desde sua eleição no Vaticano em março deste ano. Ele recebeu o repórter Gerson Camarotti, da Globonews, e falou no domingo (28) para o Fantástico sobre os escândalos no Vaticano, os protestos no Brasil, a perda de fiéis da Igreja Católica e sobre o exemplo de simplicidade que prega para o clero.
Os esforços para conseguir a primeira entrevista do pontificado de Francisco começaram em Roma, ainda durante a cobertura do conclave. Uma entrevista com um papa é rara, pode-se contar nos dedos. Sabíamos que o Vaticano evita privilegiar um correspondente do seu comitê de imprensa - uma etiqueta seguida à risca. A estratégia foi, então, correr por fora.
Foram meses de encontros e entrevistas com integrantes da Igreja para tentar furar o bloqueio do Vaticano e chegar até o Papa. A resposta só veio na semana passada. Quinta-feira, o dia da entrevista. Eu, o jornalista Fellipe Awi e o repórter cinematográfico Fernando Calixto fomos recebidos pontualmente às 15h, na residência onde o Papa estava hospedado.
Foram 45 minutos diante de um homem simples e de muito carisma. Bem humorado, repetiu a brincadeira sobre antiga rivalidade entre brasileiros e argentinos.
"O povo brasileiro tem um grande coração. Quanto à rivalidade, creio que já está totalmente superada, porque negociamos bem: o Papa é argentino e Deus é brasileiro", brincou.
O Papa Francisco falou sobre a simplicidade que escolheu como forma de vida. Explicou algumas decisões, como, por exemplo, o carro popular para se locomover no Brasil, de forma clara e direta.
"O povo sente seu coração magoado quando as pessoas consagradas são apegadas a dinheiro. Isso é ruim. Acredito que Deus está nos pedindo, neste momento, mais simplicidade. É algo de dentro, que alegra o espírito", disse.
Sobre a falha na segurança, logo na chegada ao Brasil, o papa disse que em nenhum momento se sentiu ameaçado.
"Eu não sinto medo. Sou inconsciente, mas não sinto medo. Sei que ninguém morre de véspera. Quando acontecer, o que Deus permitir, será. Eu não poderia vir ver este povo que tem um coração tão grande, protegido por uma caixa de vidro. E no automóvel, quando ando pela rua, baixo o vidro. Para poder estender a mão, saudar as pessoas. Ambas as seguranças trabalharam muito bem. Mas ambas sabem que sou um indisciplinado nesse aspecto. Mas não por agir como um menino levado, não. E sim porque vim visitar pessoas, e quero tratá-las como tal. Tocando-as", afirmou.
Perguntado sobre a perda de fiéis para outras igrejas cristãs, o Papa fez um diagnóstico sobre a perda de fiéis.
"Não conheço a vida do Brasil o suficiente para dar uma resposta. Para mim, é fundamental a proximidade da Igreja. Porque a Igreja é mãe, e nem você nem eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe dá carinho, toca, beija, ama. Quando a igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta Não sei se foi isso o que aconteceu no Brasil. Não sei, mas sei que em alguns lugares da Argentina que conheço isso aconteceu.", comentou.
Camarotti: Quando o senhor foi escolhido no conclave, a cúria romana era alvo de críticas, inclusive críticas internas, de vários cardeais. O sentimento dos cardeais com quem eu conversei era de mudança. Esse sentimento está correto?
Papa Francisco: Eu diria isto: na cúria romana há muitos santos. Cardeais santos, bispos santos, sacerdotes, religiosos, leigos. Gente de Deus, que ama a Igreja. Se ouvem os ruídos dos escândalos. Agora mesmo temos um. Escândalo de transferência de 10 ou 20 milhões de dólares de monsenhor. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é? Mas é preciso reconhecer que ele agiu mal, e a Igreja tem que dar a ele a punição que merece, pois agiu mal. Há casos desse tipo. A Igreja sempre precisa ser reformada. Para não ficar para trás. Então isto é importante não só pelos escândalos do Vatileaks, conhecidos em todo o mundo, mas porque a Igreja sempre precisa ser reformada. Há coisas que serviam no século passado, para outras épocas, outros pontos de vista, que agora não servem mais, e é preciso reorganizar.
O Papa disse que não conhece profundamente os motivos que levaram milhares de jovens às ruas no Brasil, e fez um alerta para o risco de manipulações, mas disse que é preciso deixar o jovem livre para se expressar.
'Com toda a franqueza lhe digo: não sei bem por que os jovens estão protestando. Este é um primeiro ponto. Segundo ponto: um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre negativa. A utopia é respirar e olhar adiante.
O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! Isso é algo comum a todos os jovens. Então eu diria que, de uma forma geral, é preciso ouvir os jovens, dar-lhes lugares para se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados.", disse.
E deixou uma mensagem final sobre a importância do diálogo entre as religiões.
"Creio que é preciso estimular uma cultura do encontro, em todo o mundo. No mundo todo. De modo que cada um sinta a necessidade de dar à humanidade os valores éticos de que a humanidade necessita. Cada religião tem suas crenças. Mas, dentro dos valores de sua própria fé, trabalhar pelo próximo. E nos encontrarmos todos para trabalhar pelos outros. Se há uma criança que tem fome, que não tem educação, o que deve nos mobilizar é que ela deixe de ter fome e tenha educação. Se essa educação virá dos católicos, dos protestantes, dos ortodoxos ou dos judeus, não importa. O que me importa é que a eduquem e saciem a sua fome", declarou.