Discurso da Sessão solene de posse da cadeira de número 5 da Academia Maçônica de Artes Ciência e Letras de São Paulo
Brasil, 07 de Julho de 2001.
Exmo. Sr. Presidente da AMACLE de SP,
Ilustres Acadêmicos,
Prezados Familiares, Amigos e Convidados,
Esta noite é para mim um momento raro e especial.
Estou concretizando hoje mais um sonho, desses que se sonha na infância e se pensa na adolecência, que se trabalha na juventude e que somente amadurece na vida adulta.
Quero agradecer a todos as manifestações de carinho e apreço dos parentes, amigos e convidados.
É um prazer estar aqui com vocês e gostaria de falar um pouco sobre o ofício de um escritor.
Vocês já perceberam que escritor não é “profissão”, nem tem emprego de escritor, nem mesmo se diz “atividade de escritor”? Só existe no imposto de renda... A nomenclatura que encaixa melhor é dizer: ofício de escritor. A palavra latina ofício provém de opus (obra) e facere (fazer).
Um profissional, por exemplo, é alguém que passou pela sala de aula, que recebeu um título, alguém que ensina: profissional e professor.
Mas um escritor não tem título, muitas vezes nunca aprendeu nada e ensina muito pouco. Um escritor é um ser sem profissão, sem atividade e muitas vezes sem emprego, que simplesmente opus facere: faz obras.
E não se enganem acreditando que um escritor, tem, então, pelo menos, um “ofício”. Um carpinteiro, um marceneiro ou um pedreiro têm um ofício, um escritor nem isso tem. E ppor vários motivos:
Para começar, um escritor não conhece o seu ofício.
Um pedreiro, para ser admitido numa guilda medieval, mesmo com vocação, era obrigado a passar por um longo aprendizado. Além disso, para alcançar um nível ou grau superior, devia executar vários trabalhos e uma série de obras que merecessem a aceitação dos antigos mestres mais velhos. Isso valia para um pedreiro, para um ferreiro, carpinteiro, gravador, vidraceiro, tintureiro ou embusteiro.
E notem que em todos estes casos, cada um faz exatamente aquilo que sabe fazer. Quem sabe levantar paredes, levanta paredes; quem sabe construir pontes, constrói; quem sabe polir, pule.
E quem não sabe nada, o que faz... escreve.
O escritor então é um ser sem conhecimento de seu ofício, que se dedica a colocar todo o seu empenho em fazer aquilo que... não sabe fazer! E se soubesse, deixaria de ser escritor..
Se um escritor soubesse o que existe além da página em branco, seria um computador, uma máquina ou um autônomo.
Um pedreiro, a cada tijolo que coloca, aprimora ainda mais o seu ofício. Um escritor, após terminar sua obra, descobre que de nada lhe servirá tudo o que escreveu, para sua obra seguinte.
Um pedreiro, que aprende a colocar tijolos, depois, já sabe colocar tijolos. O escritor, toda vez que escreve uma nova obra, deve esquecer completamente a anterior, eliminá-la de sua cabeça, entrando novamente na câmara escura da dúvida, da página em branco, no labirinto das idéias e das palavras.
Um mestre de obras não projeta uma capela que acaba se transformando numa catedral. Já um escritor é um ser que muitas vezes começa pela fim, se perde completamente no meio e termina onde tudo começou: na mesa do bar, tomando cerveja com os amigos.
Um pedreiro conhece os limites de sua obra. Já um escritor, vive, trabalha e cria além de seu limites e dos limites do concebível.
Os pais costumam desejar que seus filhos sigam sua trajetória, carreira, profissão ou negócio: advogados, médicos, engenheiros, banqueiros, comerciantes, políticos. Nenhum pai quer que o filho seja escritor, afinal eles querem que o filho tenha uma profissão, que eles saibam o que vão fazer.
Um escritor até parece ser uma pessoa normal e diz para todos que ele é normal. Muitas vezes, até ele mesmo passa a acreditar que é normal. Tenta até falar e conversar que coisas normais: como carros, futebol, mulheres. Mas logo está escrevendo um conto sobre carros, declamando um poema sobre futebol e chorando uma novela sobre as mulheres.
Imaginem um escritor que acaba de conhecer um mulher interessante e resolve tentar namorá-la. Até que ela pergunta: “O que você faz?”, Ele diz, orgulhoso: “Sou escritor”, e ela “Ah, você não trabalha não?”
Alguns até conseguem casar, aí vivem brigando com a esposa: “Me deixa sozinho, preciso escrever!”. Escritores não suportam ninguém, e é por isso que escrevem. Aí vivem revoltados e escrevem mal e depois ninguém suporta ler o que escreveram.
De tanto viverem isolados, as vezes acabam se encontrando, num biblioteca, numa livraria ou num desses sebos mofados e bolorentos. Um olha para o outro, com aquelas roupas meio amassadas, camisa fora da calça, óculos sujos e falam: “Você é escritor, não é?”. É nem precisa de toques, sinais ou palavras secretas. Um escritor logo identifica o outro. Quando se juntam muitos num mesmo lugar, um sempre acaba tendo uma idéia brilhante: “Vamos entrar para uma Academia de Artes Ciências e Letras, pelo menos a gente poderá jantar descentemente uma vez ou outra”. Aí outro responde, “mas tem que ser de letras também? Vamos ter que escrever alguma coisa descente?”. “Não, não precisa, marcamos um jantar, dizemos que tem sorteio de brindes, e os amigos e parentes vão lá nos ouvir falar, e assim nem precisamos escrever”.
Mas ser escritor tem suas vantagens. Por exemplo: não precisa acordar cedo para trabalhar; não tem que se preocupar com o chefe; não existe nenhum problema em fumar ou beber enquanto trabalha, inclusive ajuda; pode falar mal de quem quiser, é só trocar o nome e dizer que qualquer semelhança é mera coincidência.
Analisando essa classe de seres a parte, verificamos um certo grau de autodidatismo em todos eles, pois não existe uma universidade ou carreira para escritores. Pois a melhor forma de aprender a escrever é ler muito e escrever mais ainda.
Se um escritor não acaba sendo um ser normal, poderá um ser normal ser escritor? Como descrever um envenenamento em detalhes sem nunca envenenar ninguém? Sim, um escritor é um ser que vive esperiências no papel que nunca viveu na realidade, na maior parte das vezes. E a psicologia chama isso de esquisofrenia ou loucura, não de literatura.
A história conta que o escritor e filósofo Nietzche escreveu versos com nove anos. Mas após uma longa pesquisa achei um brasileiro ainda mais precoce: Joãozinho, o terrível da Vila Carrão.
“Comeram a Rainha. Meus Deus! Quem será que foi?
Dos oito escritores americanos galardoados com o prêmio Nobel cinco eram alcoólatras. Conclusão: beber faz bem a literatura. Um tremia tanto que não escrevia mais: usava um gravador.
Vamos analisar a inspiração e os diferentes estímulos que geram o processo criativo nos escritores. O primeiro é o estímulo do tipo literário (revista playboy); 2) o estímulo do tipo verbal (mulher gostosa); 3) estímulo do tipo visual (outra mulher ainda mais gostosa); 4) estímulo do tipo auditivo (a voz de uma mulher de telemarketing); 5) estímulo olfativo (perfume); 6) estímulo gustativo (beijo); 7) estímulo tátil (apertar); 8) estímulo paisagístico (ilha deserta); 9) estímulo onírico (sonho); 10) estímulo da memória involuntária (lembranças que afloram); 11) estímulos emotivos (mulher...) 12) estímulos puramente físicos (mulher).
Cada escritor tem um estilo próprio e quase único, normalmente derivado de sua personalidade. Eu por exemplo, sou muito sério e nem um pouco irreverente e detesto o cinismo.
E qual será o melhor lugar para escrever? Se a maioria das pessoas lê no banheiro, é de se supor que a maioria dos escritores provavelmente escreve no banheiro. É um lugar de profunda intimidade e concentração. E é só ler o que há por aí para se ter certeza que foi escrito no banheiro.
Mas o que nós escritores realmente queremos é algo muito simples: escrever, publicar livros, participar de coquetéis e recepções magníficas, sair nos jornais, revistas e na TV, receber prêmios, sentar numa cadeira da Academia, receber elogios dos colegas e da crítica, receber cheques gordos dos editores, ter o livro escolhido para virar filme, e andar na companhia de mulher lindas. Um vida simples.
Sendo poético, o escritor é capaz de assumir e compreender a solidão ou a alegria ou o sofrimento que os outros não compreenderm nem assumem. O escritor entende o que sente a mulher que nunca foi amada e também o que sente a mulher amada.
Nós escritores, somos capazes de inventar castelos para viver neles, nem que por uma breve estória. Temos a capacidade de criar tramas e dramas maiores que os nossos próprios, talvez buscando resolver nossas próprias angústias, frustrações e desilusões.
Émile Zola escreveu: “nós os romancistas somos os juízes de instrução dos homens e de suas paixões”.
O escritor é portanto o artezão das letras. Somos felizes apenas quando escrevemos e nos tornamos tristes ao final de cada obra. Pois é só o que sabemos fazer: opus facere.
Senhores, foi um prazer!
Muito Obrigado a todos e aproveitem a noite.