Os recentes cativeiros de seqüestros em bairros residenciais mostraram uma das coisas mais absurdas que o progresso, a urbanização excessiva, a TV e, por que não, o egoísmo, trouxeram: não há mais vizinhos na classe média alta, baixa e versões superiores. Ninguém sabe quem mora ao lado; se é grego ou troiano, engenheiro ou arquiteto, ativo ou passivo.
Nem que as paredes sejam geminadas, nem que o cãozinho do 51 namore a cadelinha do 52, nem assim os vizinhos se falam. É a plena apatia, indiferença.
Dizem que é o medo o causador dessa debandada geral, mas isso é lorota - a não ser que o seu vizinho ande com dois Colt 45 na cintura, chapéu de cowboy, e esporas no tênis - e seja mais rápido que o Billy, the kid. Mas talvez a esposa dele faça deliciosas tortas de morango, e vocês duas possam ser amigas de receitas e tricô. Como? Você não sabe fazer tricô? Nem crochê, nem bolinhos de chuva?
Bem, as pessoas se isolaram, trancaram-se, adotaram definitivamente a máxima, ou mínima, de Sartre, ao pregar que o inferno são os outros. Claro, o marmanjo aí não precisa me lembrar da grande atenção dispensada à vizinha do prédio em frente - aquela que usa calcinhas da Valisére, sempre pretas, e tem uma tatuagem gótica no terceiro quadrante do bumbum. Não é desse tipo de vizinhos, ou melhor, vizinhas, que estamos ora tratando.
Falamos daqueles vizinhos legítimos. Aqueles que vêm em casa pedir uma xícara de farinha para a patroa, ou pedir seu espeto favorito emprestado para o churrasco - e chega com uma latinha gelada, claro.
Trata-se daquele pessoal, cujo pimpolho já quebrou sua vidraça num chute certeiro, de trivela; da sogra dele, já velhinha, que fica morrendo de pena ao ver você se contorcendo de ressaca na varanda e logo aparece com um chazinho de ervas finas colhidas no quintal para aliviar seu sofrimento angustiante. Como? Não tem varanda, nem quintal, nem velhinha com chá? Ah, eu me esqueci que você é da média. Calma! Eu sei que é média alta, não baixa, mas à noite todas as classes são pardas, nem sempre eminentes. Não se apoquente com meu daltonismo noturno.
Você prefere chegar em casa, tomar uma ducha, vestir um robe de chambre, ler um bom livro ou ver TV? Ora, deixe de boiolice! Vai me dizer que nunca curtiu chegar na casa do seu vizinho pela porta da cozinha aberta, com uma garrafa de Brahma mais suada que a Monique Evans num Rio 40 graus, e se sentarem os dois a contar causos da roça, ou do escritório mesmo? E assistir a um bom jogo, jogar truco, pôquer, canastra que seja, enquanto as patroas acertam os ponteiros das tertúlias e depois vêm se juntar a nós numa conversa fiada e afetuosa. Debulhar os problemas aos ouvidos atentos do companheiro de endereço e receber uns bons conselhos, ou umas piabas, que só saem de corações que gostam da gente.
A madame nunca foi até a casa da vizinha, e comadre, que batizou a filha, para desabafar as mágoas porque a massa do bolo não cresceu? Ah, a senhoura não aprecia as prendas domésticas, nem gosta de fazer bolo. Trabalha fora e não tem tempo para essas coisas. É a vida moderna, pois não?
Talvez essas coisas só foram possíveis antes de surgir o tal mundo competitivo. Afinal de contas, vai que o nosso vizinho seja exatamente um dos que competem conosco pelo pão de cada dia. Vai que ele seja da firma de auditoria que vai verificar o requebrado do balanço que você fez lá na empresa - um traidor morando ao lado! E se o vazamento da torneira do lavabo dele for o responsável pelo escorregão que você levou na sala e derrubou as pipocas do futebol bem na cabeça do seu sogro? Vai saber, nunca se sabe!
De qualquer forma, eu tenho saudades do tempo em que via uma vizinha levar um bolo até a casa da outra vizinha, ou quando alguma delas ficava de cama e as vizinhas iam fazer comida, limpar a casa, lavar as roupas. E meu pai convidando os vizinhos para a festa de Santo Antonio, que era no nosso quintal; e dias depois íamos todos ao quintal adjacente, na festa da fogueira que o vizinho João fazia no quintal dele. A de São Pedro era na casa do tio xará do santo, que tinha até novena e muita coisa boa de comer, o baile do chapéu, as primas, pular fogueira, soltar rojão, ficar no sereno da noite até bater o sono. Então era só ir para casa, ali ao lado, e sonhar com aquela infância gostosa.
O que falta no mundo de hoje que tínhamos há não tantos anos atrás? Mais sorriso entre as pessoas? Falência das fábricas de TV? Se você souber de alguma simpatia que faça voltar as visitas, as boas amizades entre vizinhos, mande um mail. Mas faça um grande espalhafato, um spam geral!