Quando dei por mim, nada mais havia a fazer. Ele entrava em casa e logo o cheiro forte do seu corpo denunciava sua presença. Cheiro do fumo que não fumava - cheiro adocicado do charuto no corpo, com mais intensidade nas mãos. Tinha aprendido cedo, com o pai, o ofício de enrolar as folhas do charuto. No começo, me enjoava, agora o cheiro está impregnado em meus cabelos, meu corpo.
O conheci em uma tarde no mercado, vendendo charutos na loja da família. Olhei-o distraída, ele me olhou fixamente. Senti seus olhos me percorrerem e, quando dei por mim, nada mais havia a fazer. Perdi o prumo, o rumo. Tomei outra estrada: destino.
Corpo marcado, não mais do amor urgente. Hoje o cheiro adocicado do corpo moreno traz também o cheiro da vingança, traz o desassossego de quem se sente traído.
O outro chegou um tarde, desconhecido de outras terras, á procura de trabalho na colheita do fumo. Impressionou-me o sotaque, não era da região. Sua silhueta ao sol, suas pernas separadas apoiando o corpo como os homens fazem, o chapéu rodando nas mãos, me hipnotizando.
Entrou a meu pedido, abaixou a cabeça, era muito alto e o gesto de segurar os cabelos desalinhados, não passou desapercebido.
- Meu marido não está, só chega á noite, volta mais tarde (fica até mais tarde).
De certo, as palavras não foram pronunciadas, não precisava mais.
O cheiro do café fresco já tomada conta do ar, embriagando, denunciando. Os olhos dele já passeavam nos meus cabelos, registrava meus olhos, minha boca, meus seios por baixo das flores miúdas. O coração disparado, mãos úmidas. O calor do café reavivando a cor da boca, seus olhos passeando sem pressa para a conquista. Não tenho mais força par distraí-lo deste exercício. Deixo seu cabelo tão negro deslizar em minhas mãos, seus dentes prenderem minha orelha, seus beijos passearem em meu pescoço, tua língua se esconder em minha boca. Penso que é o cheiro e o calor do café o causador de tudo.
Estou em posição de vigília, esperando o cheiro adocicado do fumo entrar ela casa adentro. Ele vai reconhecer meu medo, meu olhar perdido, a cama desfeita, a xícara, a casa com outro cheiro, meu corpo com outro cheiro.
Ele não há de perdoar, nunca.
Agora é o meu senhor, meu dono. Padeço do castigo das lembranças daquela tarde. Sei que aquele corpo com cheiro adocicado de fumo anda a rolar com outras mulheres.
Me agride com palavras obsenas, me faz sentir o peso de sua mão na falta do carinho. Espero o tempo trazer alguma cura. O cheiro do café embriaga minhas tardes solitárias e quentes. Fecho os olhos e espero.