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Ensaios-->Nietzsche, Bourdieu, a arte e o mundo da vida -- 31/01/2000 - 15:49 (gilberto luis lima barral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Nietzsche, Bourdieu, a arte e o mundo da vida.


Friedrich Nietzsche- “Humain, trop humain I”. Paris: Gallimard, 1968.


Cap. IV - Da alma dos artistas e escritores
146- o sentido da verdade no artista

Para Nietzsche o campo artístico com seus códigos próprios, com suas honras e com sua luta para elevar a dignidade e o valor do homem desconhece qualquer outra verdade que não a sua. E esta sua verdade difere no sentido de o artista buscar compreender os objetos e o mundo pelas suas possibilidades numa verdade do o que deve ser, e não uma verdade do que é, como é o caso da Ciência que postula uma verdade polarizada na discussão verdadeiro ou falso que muitas vezes não abre alternativas ao possível pois engessa uma realidade a um conceito. A verdade do artista precisa de outras possibilidades, de outras lógicas de afirmação. O artista busca em última instância uma arte pela arte, uma arte que diga pela sua forma, pela beleza, enfim pela estética, e neste sentido resiste quase implacavelmente às explicações científicas.
Nesta disputa pôr sua afirmação a arte inicia e eterniza seu campo de autonomia em relação à Ciência através da criação de práticas próprias que são desenvolvidas e apreendidas pêlos participantes desse campo e nesse sentido é pertinente que ele reivindique um tipo de compreensão pôr dentro que somente é possível para os que conhecem esse campo. Um campo diferenciado, com suas leis próprias e que possui, então , um sentido da verdade radicalmente diferente da verdade na concepção científica. Mas para esse autor é preciso distinguir a arte bem feita, precisa, de uma arte, digamos, popular, ligeira.

155. Crença na inspiração.

A pura inspiração não produz arte. É o trabalho árduo do artista baseado nas regras do campo artístico (sua história, seus recursos técnicos, a questão da estética, da beleza, o estilo, o processo criativo para reinterpretar temas clássicos, a percepção Tc) que distingue a boa arte da arte de má qualidade. Essa hierarquização que faz Nietzsche parece mostrar que dentro do campo artístico existe o bom e o mal artista, mas de qualquer modo os dois tipos produzem arte, ou seja, na sua perspectiva, talvez, não possamos falar que um objeto seja ou não arte, mas que ele seria de boa ou má qualidade enquanto produto artístico. O autor distingue o bom artista do ruim, mas não os retira do mesmo campo da arte. Esse tipo de discussão tem se mostrado atualíssimo e sem uma perspectiva de solução.
A pouco dias, discutindo a questão da música, de se os pagodes ou Axé music ou outro compartimento dessa música ligeira poderia ser enquadrado como pertencente ao campo da música, levantou-se a possibilidade de que para ser considerada música, num pretenso sentido estrito, clássico era preciso que essas “composições” espelhasse um equilíbrio entre quatro elementos determinantes da música ( harmonia, rítmo, textura e timbre). Um erro tácito, pois sabemos que historicamente e culturalmente há músicas que podem privilegiar o rítmo, ou a harmonia e assim pôr diante, pôr exemplo, Beethoven trabalha muito mais com a noção de tensão do que com a noção de equilíbrio. Ou a música atonal ( serialismo, dodecafonismo, minimalismo) que pode trabalhar com apenas a repetição de uma nota, ou uma sequência de notas que não se repete, etc.
Portanto, ainda nessa perspectiva de Nietzsche, que não retira do campo artístico os dois tipos de produção artística, mas que as hierarquiza, haveria a possibilidade de se discutir não se determinado modo de arte seria arte, mas já recortada dentro de um campo poderíamos apenas distinguir se uma música seria boa ou má neste nosso exemplo.

166. O público.

No item 166, Nietzsche que antes havia juntado, no item 155, os pensadores à categoria dos artistas, analisando a relação entre a tragédia, os artista e o público constrói uma noção de campo artístico que isola dele outros elementos que não apenas o artista e esse público . Isto quer dizer que os críticos, os leitores competentes da obra de arte que são validados como pertencentes aos mundos artísticos na perspectiva, pôr exemplo, dos estudo de P. Bourdieu, não se dá do mesmo modo para o filósofo.
No entanto é nesse contexto dos mundos artísticos que se forma o gosto pela obras de arte. Para Nietzsche o gosto do público é pela carga emocional que o evento possa produzir, a “quantidade de lágrimas que ele arranca”. E para o gosto dos artistas é a qualidade, as inovações e rupturas que o espetáculo trazem. Então parece que o artista aqui faz o papel de criador e crítico da sua criação. É como se o mundo da tragédia fosse um locus onde o artista, fazendo a arte pela arte, não tivesse uma ligação ou um referencial no mundo que pudesse ser explicado pelo conhecimento dos estratos médios entre a multidão e o artista.
A estrutura de Bourdieu para a noção de campos artísticos ao abarcar mais pessoas, ou mais dimensões na questão da formação dos gostos, situado num mundo onde os gostos são mais diversificados, possibilita essa janela para um interpretação sociológica, feita para e pôr outros além da multidão e do artista, dos produtos artísticos.

168. O artista e seu séquito.

Nietzsche quando vai tratar da relação do artista com o público ele dá uma receita de bolo: para que o artista não veja a sua mensagem não sendo entendida pelo público ele deve construí-la e transformá-la sempre no sentido de uma produção sempre em consonância com o gosto do público, e num rítmo lento para que não haja a ruptura. Se tomamos essa receita o artista fica como que amarrado a uma estrutura de produção. Então de onde viria a obra de arte genial ? Fugindo dessa discussão e tomando a filosofia nietzschiana para responder ele diria que não existem esses ídolos máximos e que a produção artística, penso eu, estaria vinculada àquela idéia do item 155, de uma arte construída aos poucos, em “esboços múltiplos”, que deve ser apreendida lentamente, mas onde, enfim o séquito conduz o artista.

170. Ambição de artista.

O artista perfeito para Nietzsche é aquele, contraditoriamente à sua receita que dizia que o artista não podia se isolar, que cria uma obra que deve ser entendida nos termos que o seu criador a concebeu. O público, talvez, não precise nem mesmo compreender, basta ele colocar os holofotes sobre o artista e o aplaudir. O reconhecimento público, que é o alvo da ambição do artista, pode se dar pela vaidade ou pelo orgulho.
Bourdieu acrescenta a esses fatores de ordem psicológica de busca de reconhecimento a questão das honras e privilégios que são oferecidos para os que aspiram um lugar entre os criadores dos objetos artísticos, pelas academias, pêlos poderes econômicos, etc, que dão ainda mais asas às ambições dos artistas. Um outro filósofo, Foucault, que já vinha pensando também nesta questão das honrarias que se promovem em torno da Ciência e dos seus discursos a respeito do conhecimento e que aqui pode se estender aos artistas, tem um artigo brilhante proferido em 1970 numa aula inaugural no College de France onde agradecendo a sua chegada ali faz uma crítica feroz aos donos de um determinado tipo de discurso.




181. Duas espécies de desconhecimento.

Para atingir o público então é necessário uma criação que seja mediana , no sentido que não deve ser nem muito óbvia nem muito obscura, que deve ser uma mensagem que possa ser entendida pelo público que é o alvo pretendido, e que sendo esse público quem da validade à obra esta “depende da interpretação do observador para existir como fenômeno cultural e sua história é a história das suas interpretações”(Noronha, 1999, p. 70). Tomando a idéia de regras para se jogar o jogo, diríamos que se o artista radicaliza a sua linguagem ele estaria quebrando as regras do jogo e poderia pôr isto ser colocado fora do campo. E se, pôr outro lado, ele não produzir nenhum movimento dentro do jogo ele não terá serventia e pode ser anulado. De qualquer modo conclui-se que somente o público (o meio) pode validar a mensagem ( criação artística). E quando o público não reconhece a mensagem ocorre o isolamento do artista e de sua arte que foi o que produziu o seu desconhecimento.

208. O livro quase tornado homem.

Existem as criações artísticas que se tornam “impessoais” e são tomadas como um patrimônio da humanidade. São o que poderíamos chamar de os clássicos, ou as produções ímpares, ou os referenciais teóricos na história, que “são aquelas obras que sobrevivem a todos os caprichos da moda, a todos os erros da ignorância e da inveja”, que, “sempre enquanto o mundo durar, conservarão sua autoridade sobre os espíritos humanos” ( hume, David, Os Pensadores, 1973). A idéia de Nietzsche de é que a arte se elaborada a partir de uma idéia de encadeamento pode resultar numa compreensão mais abrangente das ações humanas e nesse sentido a obra do autor pode se desgarrar dele e ganhar vida própria. Essas obras que tem o poder de dizer pôr si só, “que acende a vida, inspira a alegria, o terror, engendra novas obras, torna-se alma de alguns desenhos, de alguns atos” é que são as possíveis de se tornarem clássicas. E a receita de Nietzsche parece ir no sentido de que é o artista ligado em seu tempo, nas coisas de sua época, é que pode produzir essa obra monumental, portanto não apenas uma arte pela arte, mas uma arte como resultado de uma construção embasada no movimento da história. Pôr isso a idéia de construção lenta e encadeada da criação artística que deve levar em conta as mudanças, os novos gostos, os novos estilos esta na base de sua argumentação. Principalmente quando pensamos isto dentro da sua teoria do “eterno retorno”. Mas encontramos aí uma contradição: como pode um artista ultrapassar o seu tempo e se tornar um imortal se a sua obra não deve, como ele havia colocado, estar em dissonância com o gosto do público. Existiria um gosto clássico ? Ou , é a obra de arte “média” a única possível de se tornar modelo, produto de uma época que deve ser preservada como patrimônio da humanidade ?

223. O crepúsculo da arte.
Quando pensamos em arte temos como referência primeira os gregos. São eles os exemplos mais absolutos de um mundo onde as artes falam pôr si só. Na Grécia o artista era uma excelência, e a sua arte era realizada de maneira a engrandecer o homem e seus símbolos. Os gregos faziam uma arte que primava pela beleza dos homens, pêlos seus corpos belos e pêlos ideais humanos de justiça, de equilíbrio e de saber. A arte era um campo emblemático de poder, de sedução sobre os homens. A poesia, a retórica, as esculturas e todas as criações artísticas eram elevadas a um cume próximo ao Olimpo, “eram elevadas a um grau supremo de perfeição”. E para Nietzsche estaríamos agora num momento de crepúsculo da arte. Mas seguindo a sua receita e enxergando pôr sobre os seus ombros podemos entender que, sendo a arte construída sobre um processo em movimento pode ser que hoje algo que não seja reconhecido como arte amanhã pode vir a receber esse reconhecimento. Então contrariamente ao que ele propõe pode ser que a arte para ser assimilada precise não apenas do reconhecimento do meio que recebe a mensagem, mas também de como essa arte, esse objeto de comunicação do autor com o público se articula. O certo é que se tomamos a filosofia nietzschiana, novamente, para explicar esse item 223 vemos nela uma contradição com seus postulados de eterno retorno, de evolução cíclica, ou seja, se a arte esta morrendo como ela pode vir a renascer ? Se é verdade. pôr uma lógica, que somente pode renascer alguma coisa que morre, então como poderia alguma coisa renascer de algo que não morre, posto que esta sempre em movimento ?
Gilberto Barral.











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