estou de uma só vez onde existo e onde me imagino;
só falto onde me percebo. se abrir os olhos, adormeço.
(C.R.)
O poeta Cândido Rolim (1965) é cearense de Várzea Alegre e reside há vários anos em Porto Alegre. Tem publicados Rios de Mim (Secretaria de Cultura, Fortaleza, 1982) e Arauto (Edições Dubolso, Sabará, 1988/1989), além de poemas e textos esparsos em diversos refúgios de literatura. Desta feita, vem a lume com os seus Exemplos Alados, segundo título da coleção cadernos de panaplo, editado em Fortaleza, pela Letra & Música Comunicação, cujo número inaugural foi neverness – amor te nego, deste escriba.
Escorregando a sua insustentável calvície sob as marquises, o poeta é também advogado com agendas cheias de tudo, “coisas que me pedem força, ânimo”, mas que agora, sente-se perseguido pela vibração desse novo trabalho, extrato de uma longa antologia de textos curtos, poemas em prosa, delineado pela ilusão da memória, aliado à ficção de artifícios da curtida realidade.
Em Exemplos Alados, o tempo é esponjoso, avoluma-se ao contato da imaginação do leitor, a visão do mundo é fragmentária, porém contundente, e os personagens aleatórios são fantasmas que teimam em reformular esse tempo de memórias e solidões.
No primeiro texto, ninho, o poeta acende esse lampião afirmando que “estamos detrás do nada. as coisas não se criaram ainda (...) por enquanto o mundo é só a grande desistência de um deus.” E o que/quem é esse deus? O leitor, o poeta, o flagelo da memória?
Cândido Rolim, ao longo de seu procedimento de busca poética, acena para o comprometimento do leitor, aquele que deve ser cúmplice do texto. Ao mesmo tempo em que cita Paul Veyne, quando diz que ”o poeta não escreve o que quer, mas o que pode...”, Rolim sabe que não pode fugir do seu ninho, deixado para trás em troca de um vôo em busca de outras esferas, sejam geográficas, ficcionais ou sentimentais. Assim, a marca do seus textos reproduz um comportamento de moderna parábola, em que a moral fica relevada a segundo plano, o leitor que se alinhe com qualquer sombra dessa perspectiva. Algo também nascente da realidade de um Bachelard que acentua: “compreendemos tão depressa que nos esquecemos de imaginar”.
Em seus textos enxutos até a última gota, repetição de um ritual bem definido em verso antigo do poeta, “só volume a gota espera forma de cair”, pode parecer que Cândido Rolim sofre uma vida miserável, de cão chapliniano ou quasímodo, como um deserdado em longo exílio. Em essência, existe o afastamento voluntário de sua origem, o que talvez tenha provocado em seu texto latente, o enraizamento em réstias, mapas omissos e dramas incompletos.
O poema credenciais tanto pode servir de biografia ou impulso da memória ante seus fantasmas, ou, quem sabe?, a reflexão para o leitor perdido entre o estresse e a ilusão: “o andar envolvivo com o chão, o mal uso constante das lágrimas e uma oblíqua vocação para íngua; toda essa palidez de inconformado, deve-se ao fato de ter andado a infância inteira no dorso de um eclipse.”
É plausível registrar: a poesia de Cândido Rolim, anunciada nestes cadernos de panaplo tem em conta um valor profundo, tão pouco contemplado na novíssima poesia brasileira. É uma poesia livre, aberta, porém disciplinada, tanto quanto deva ser o fenômeno poético, algo escolado em Raymond Queneau, citado por Ítalo Calvino: o clássico que escreve sua tragédia observando certo número de regras que conhece é mais livre que o poeta que escreve o que lhe passa pela cabeça e é escravo de outras regras que ignora”.
A teoria cabe na prática e vice-versa. O que não se adequa ao movimento de sonho e realidade é a reprodução inconsciente do demônio de um poeta em transe de inferno e criatividade. No poema derradeiro, pórticos, Cândido Rolim alimenta o vazio desse nada, do qual está por trás: “aceitarão estes homens que a realidade não se deixa apreender nem de tão longe nem de tão perto; que as coisas ficam a meio caminho do palpável e do imaginado; e que a língua é uma teia frágil demais para fixar o inútil esvaziamento de um mistério?
Feita a indagação, o mundo não fica melhor nem pior. Ele ausenta-se, encanta-se. Diria que partiu para panaplo, esse lugar terrível de desejos e fugas. Mas, todos devem imaginar e aprender que poesia se faz assim, com exemplos. E somente poetas com asas sabem disso.