ativos descobridores da panacéia literária, ou delas cobaias, o aprendizado pela palavra é a busca eterna e infinda da perfeição.
criadores e criaturas somos os seres mais imperfeitos.
relato essas insinuações, apenas para fragmentar o mais-que-imperfeito
...e escrevemos sempre em miúdo por que miúdas são as origens. mas, sobretudo, porque assim é em panaplo
poesia não é só uma tragédia
poeta é quem engole luz e se bronha
estamos na idade do fragmento. era nociva ou denunciante. isso é um recomeço
é saboroso não chegar ao fim. de onde vem o começo? aonde leva o fim?
se as estruturas são rígidas ou frouxas como na aleatoriedade da vida, cabe a cada um escolher a sua forma de (im)perfeição.
realidade e virtualidade simbolizam apenas: que é mais real, o homem ou a sua representação? que é mais virtual, a perfeição ou a impureza de ser?
a literatura é a disciplina comum de todas as coisas. e a melhor maneira de esfregar o nosso cérebro é sofrê-lo no dos outros...
e palavra, por mais especial que seja, é sempre um punhal que nos busca o coração como alvo, enquanto somos cúmplices
pergunto. em qual pássaro vôo azul; a noite é um cão rosnando; das janelas, os edifícios estão em seus quadradinhos abafados; o céu enegrecido abocanha estrelas; e a vida é um osso ancestral prestes a romper?
em saudade legítima, isso são presságios de guerra e sabedoria.
mas em rosto de tristeza não cabe só um dilúvio.
há outras certezas.
digo. meu medo é o de escolher um paraíso falsificado. se descobrir, algum dia, certamente terei vencido a melancolia dos espaços vazios.
'as mínimas coisas do universo podem ser segredos das maiores'
(thomas de quincey)
acalentamos o sacrifício por uma dose de clarividência. o que buscamos é a novidade? a intromissão da glória? uma estética? o espírito que nos emudece se derrete em chumbos...
possivelmente, desconfiamos de quaisquer parâmetros cartesianos na (i)lógica poética. e, de outra forma, mesmo abstraindo-nos de todas as convenções, sequer alcançamos o teor sagrado do espírito que borbulha, que ousa ramificar nervosamente a servidão da nossa mente.
a natureza humana é pródiga na incerteza. esse é o precipício da escritura. e a razão desse escrutínio de entranhas se estabelece muito anteriormente à própria ação. o que se passa em certas linhas invisíveis, só alguns percebem. porque não há mais que uns a resistir nesse universo milimétrico do imaginário. outros, são apenas os que descobrem os instintos, as obviedades, os anelídeos do jardim...
a vocação do pássaro não está na gênese do vôo, mas no bicar da casca do ovo.
'onde estamos? em nenhuma parte, nas palavras. e ainda aí estamos no exílio'
(stefaan van den bremt)
há que se considerar o fragmento como o aperitivo que precede as grandes transpirações.
insólito, o fragmento aniquila a unidade comum apropriada pelo senso. em contrapartida, elastece o imaginário, e as concepções se desvinculam da cadeia formal do pensamento.
a liberdade é uma frase mantida em sua própria consistência. essa abertura de infinito é que pode/deve negar, ou não, as estruturas de uma vida.
o fragmento, pois, é a unidade simbólica do processo da inteligência, onde vivemos exilados.
o que se escreve é um contra-senso diante de uma tumultuada ilusão. isto garante uma efemeridade ou o desabrigo da imortalidade.
um relato, talvez. ou a ausência de palavras que se despedaçam oníricas.
bendito é o lugar onde não somos...
'pois o que sei e fiz trouxe da ausência
e refazer é meu melhor invento'
(sérgio campos)
jamais haveria agonia poética, caso a natureza humana fosse exemplarmente reconhecida pelo poder memorial de seus escolhidos.
conhecer e recriar sem limites o óbvio é a melhor forma de descobrir o ninho dos dragões ou de perpetuar o estreluzir após seu auto-apocalipse ou de repassar a sagração dos antigos sinos da catedral de todas as emoções universais.
escolher a fortuna da poesia é debulhar o acaso. é nessa esfera que a ausência invalida a exatidão. por isso mesmo é que investir nos segredos é perpetuar a própria vida naquilo que se repete cotidianamente. revelar é reinventar a natureza e suas obviedades...
'...então o papel é uma rede? e mais: o pensamento
pescado tem que ser um peixe morto?
(lezama lima)
o destino reconhece que o homem vive suas circunstâncias entre o afogamento neurótico da busca e o deslumbramento delirante da lua sob os pés. em ambos os casos, os motivos são paradoxalmente suficientes para transformarem qualquer vida em resquícios. o meio-termo de uma existência apenas transpira em eventualidades.
atento, ponho-me no equilíbrio de um salto. e o que represento ou admito representar é o júbilo do pretérito; é o misterioso segredo do acaso; a corda de náilon azul do insucesso; a pedra milenar...
as visões que escolho são as possibilidades de vôo diante do abismo perseguido.
'considera-se racional quem se comporta de acordo com a teoria'
(m. h. simonsen)
porque ninguém foi chamado a entender da criação; porque ninguém deve se desesperar ante a causa aflita da incompreensão do mundo e de suas idiossincrasias; porque tudo estará resolvido independentemente do programado apocalipse...
porque desconhecer é a prática viva da descoberta, a tarefa de nosso tempo é abusar da linguagem, é lançar a enigmática garrafa de sos no oceano igual ao azul e à profundeza, é desordenar o senso comum, em benefício de todas as dúvidas.
diante de uma hecatombe, o compromisso de babel.
a intenção de um arauto, antes de gargalhar frente à vítima arrependida. é esconder a lâmina da arma na carne do anjo-da-guarda.
assim seja o irracional!
relato. entre a vida e a morte, o fragmento do tempo.
uma folha dá-se ao mormaço da solidão em alvoroço. este sacrifício contínuo de palavras e imagens regam pomares de acaso.
relato: o grande tempo... até que a oscilação do pêndulo dê-se ao enguiço das engrenagens...
'...até que a tesoura de deus nos corta da vida como nos cortam o cordão umbilical ao nascer.'
(carlos de oliveira)
quando será que todos os segredos se proclamarão? quando um oceano aliviar a sede? desistir o deserto de suas miragens? fugir o fogo das águas?
ser eterno é muito longo, sem repouso. convém aos cucos emudecerem.
...pois a vida se calibra com a morte.
uma linha a mais nas mãos de cada dia, enquanto a noite não destoa de suas estrelas. mesmo com esse palco desarmado, a vida é uma vítima sublime. quem desconhece o lugar? quem não é uma frenética aparição com dúvidas eternas?
a marca desses poderes é uma pedra verde. não somos mais que humanos. há kryptonitas em nossas algemas. apesar de tudo.
a reflexão é a empresa do mistério. a algaravia do silêncio. a esperança é o corte no primeiro umbigo. o modelo especular da divindade ante a descrença e a possibilidade do vôo diante do abismo. como corromper a ordem das divindades? a minha gana é de silêncio enfeitado como um duende nômade e perverso... a tua presença me desfaz de árvores. o que pode acontecer quando a mortalha do corpo se despede e acorda a imortalidade do espírito.
essa melodia do diabo amoroso... de eras o refúgio no torso do vácuo... o espelho de olhos obtusos: o amor selva dos galhos e mar onde se findam os afetos de fato...
na hora do eterno a confissão do réu por supor o abcesso ou decerto o segredo.
'quanto mais claro eu me torno por dentro, mais obscuro se torna o mundo e o dia dentro dele'
(campos de carvalho)
não existe conflito: o belo é um diamante perdido. se há ilusão de encontrá-lo, o desejo representa a verdade mais íntima. o que está inscrito na caverna mais abissal.