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Ensaios-->Escravidão negra no Brasil -- 07/09/2000 - 22:15 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Examinando o inventário de meu trisavô Manoel Rodrigues Pessoa - falecido em 5 de outubro de 1886 na sua Fazenda da Boa Sorte, em Angustura, Município de Além Paraíba (MG) -, ali encontrei uma relação de 2-JUL-1886 com os seguintes dados sobre 41 escravos de propriedade daquele parente (4 africanos e 37 brasileiros):
a) número de ordem da matrícula;
b) número de ordem da matrícula anterior;
c) número de ordem na relação;
d) nome;
e) sexo;
f) cor;
g) idade;
h) estado civil;
i) naturalidade;
j) filiação;
l) profissão;
m) valor dado conforme tabela (por extenso);
n) observações.
Pela leitura do documento, vê-se que o preço de cada escravo variava de 150 mil a 900 mil réis e as profissões por eles exercidas eram: trabalhador de roça, costureira, matador de formigas, engomadeira, cozinheira, tropeiro, roceiro, carreiro e lavadeira.
Quatro dos escravos relacionados encontravam-se fugidos desde 24-ABR-1883: Calisto (cor: mista; idade: 38 anos; estado civil: solteiro; naturalidade: Minas Gerais; filiação: filho de Maria; profissão: trabalhador de roça; valor: 800 mil réis), Horácio (preto, 31 anos de idade, solteiro, natural de Minas Gerais, filho de Inês, trabalhador de roça, avaliado em 800 mil réis), Luís (preto, 37 anos, solteiro, natural de Pernambuco, filiação desconhecida, trabalhador de roça, avaliado em 800 mil réis) e Antônio (pardo, 41 anos, cearense, filiação desconhecida, trabalhador de roça, avaliado em 600 mil réis).
A fuga de escravos era comum, retratando o clima de revolta disseminado entre a população escrava. A edição de 7-NOV-1880 do jornal 'O Leopoldinense', editado em Leopoldina (MG), traz um anúncio, a seguir transcrito, que mostra como a imprensa era usada para a captura dos fugitivos:

'Escravo Fugitivo. Fugiu da Fazenda da Santa Cruz, sito em Santa Bárbara do Rio Novo, pertencente a Araújo Maia & Irmão, o escravo Antônio, de estatura regular, de 20 anos, muito esperto, bem preto. Tem bonita figura, olhos vivos, pés pequenos, sinais de cicatriz no calcanhar do pé direito, peito largo e orelhas pequenas. Levou japona nova e roupa com o nº 42. É natural de Pernambuco e pertenceu a Ernesto José Felipe Santiago. Consta que foi visto perto da Estação de Bicas no dia 18. Gratifica-se a quem o prender e levar à Rua Municipal nº 17 ou à referida Fazenda'.

A mesma edição do 'O Leopoldinense' contém dois outros anúncios que revelam a forma hedionda como eram tratados seres humanos reduzidos à escravidão, há pouco mais de um século:

'Aluga-se uma negrinha de 10 anos de idade, com princípios de copeira e mais serviços domésticos, muito própria para mucama de crianças, por ser muito carinhosa e ativa. Informações nesta tipografia'.

'Escravos à venda. Acha-se um comboio na Cidade de Leopoldina, no rancho do Sr. João Lourenço, com gente toda moça, homens e mulheres, idade de 12 a 20 anos. Os preços são pelo menos que puder ser, não deixando prejuízo ao negociante'.
Como curiosidade, segue o teor de certidão de escritura de venda de uma escrava por meu tio-avô Capdeville Baptista, efetuada em 3 de setembro de 1883, obtida em Angustura (MG):
'Jáiro de Sousa Barbosa, Tabelião Interino do Distrito de Angustura, Município e Comarca de Além Paraíba, Estado de Minas Gerais, etc... Certifico que à fl. nº 1 e verso, do Livro nº 13 especial de escrituras envolvendo escravos, deste Cartório a meu cargo, acha-se lavrada a do seguinte teor: Saibam quantos este público instrumento virem, que no ano de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil oitocentos e oitenta e três, aos três dias do mês de setembro, nesta Freguesia da Madre Dios de Angu, Termo e Comarca de Leopoldina, Minas Gerais, em meu Cartório, perante mim compareceu como Outorgante Vendedor Capdeville Baptista e como Outorgado Comprador Antônio Feliciano da Silva, todos residentes nesta Freguesia e reconhecidos pelos próprios, por mim e pelas testemunhas abaixo assinadas, do que dou fé, perante as quais pelo Outorgante foi dito que é senhor e possuidor da escrava de nome Joana, preta de doze anos mais ou menos, crioula, solteira, de serviço da lavoura, matriculada na União Piauí a quatorze de julho de
mil oitocentos e oitenta e dois, sob o nº setecentos e vinte e nove da Matrícula Geral e quatro da relação, e averbada às folhas 141 do livro dez das averbações dos escravos em 22 de janeiro de mil oitocentos e oitenta e um, na Coletoria da Cidade de Leopoldina pelo Coletor Martins de Barros e Escrivão Faria, pelo mesmo vendedor, cuja escrava vende e como de fato vendido tem de hoje para sempre ao Outorgado pelo preço de quatrocentos e cinqüenta mil réis, dinheiro já recebido em moeda corrente do que dá ao Outorgado Comprador plena e geral quitação, e lhe transfere com a Cláusula Constituti toda posse, domínio e ação que na referida escrava tinha e se obriga a todo tempo a fazer boa e firme a presente venda. E pelo Outorgado foi dito que acatava a presente escritura na forma em que se acha lavrada. A mim apresentou o talão que pagou a quantia de vinte e cinco mil e quinhentos réis de novos e velhos direitos. Coletoria Municipal de São José de Além Paraíba, 16 de julho de 1883. O Coletor Ag. Melo, Substituto. O Escrivão Cordovil. Assim contratadas as partes me pediram este instrumento que lhes fiz, li, aceitam e assinam com as testemunhas, e por dizer o Outorgado comprador que não sabia assinar, assina a seu rogo João Francisco dos Santos, perante mim Joaquim Manoel Pereira, Escrivão que o escrevi e assino. Capdeville Baptista, João Francisco dos Santos, Luís Zeferino Filho, Francisco Manoel Pereira e Joaquim Manoel Pereira. Era o que continha a folha e livro já mencionados, aos quais bem e fielmente respeitei. Eu, Jáiro de Sousa Barbosa, Tabelião Interino a datilografei e assino'.

Só recentemente o Governo Brasileiro passou a reconhecer, oficialmente, a importância dos escravos no desenvolvimento econômico do País.
Pode-se dizer, ainda, que poucos são os brasileiros de muitas gerações que não possuem negros entre os seus antepassados.
Grande dificuldade encontramos na elaboração de nossa árvore genealógica quando encontramos um ascendente escravo africano, uma vez que eles, geralmente, não possuíam quaisquer registros de seus antepassados e, na maioria das vezes, não utilizavam sobrenomes que os identificassem com clareza.
No caso dos escravos nascidos no Brasil, havia possibilidade de alguma informação a respeito, uma vez que a Genealogia era utilizada para esclarecer a sua situação. Caso não fosse conhecida a filiação, havia a presunção do direito à liberdade. A propósito, a Relação da Corte, que funcionava como última instância dos processos judiciais do Brasil Colônia, ensinava, em acórdão de 16 de outubro de 1852, que, na dúvida, a sentença só poderia ser contra a escravidão.
Entretanto, o Ministro da Fazenda, Dr. Rui Barbosa, em Resolução de 14 de dezembro de 1890, recomendou a requisição, para queima e destruição imediata na casa de máquina da Alfândega do Rio de Janeiro, de todos os papéis, livros e documentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda, relativos ao elemento servil, matrícula dos escravos, dos ingênuos, filhos livres de mulher escrava e libertos sexagenários. Com isto, passamos a ter maior dificuldade no levantamento de informações sobre os nossos antepassados escravos, apesar da boa intenção do grande brasileiro de apagar de nossa história sinais da nódoa social que era a escravidão.
João Camilo de Oliveira Torres, em seu livro 'O Homem e a Montanha', menciona o receio de muitos membros de importantes famílias em levantar sua genealogia e nela encontrar raízes na África. Segundo o historiador, a determinação de Rui Barbosa no sentido de que fossem queimados os arquivos da escravidão deve ter tranqüilizado muita gente ilustre, que não queria ter antepassados entrando no País pelo Valongo.
Cabe registro, no entanto, o entendimento de vários historiadores de que a destruição dos livros de registro de matrícula dos escravos deveu-se, principalmente, ao desejo do Governo de evitar indenizações aos proprietários de escravos com base na documentação existente.
No estudo da escravidão no Brasil não é possível deixar de citar, além das fugas referidas em itens anteriores, a criação de quilombos a partir do final do Século XVI, entre os quais se destacou o de Palmares, em Pernambuco, que teve Zumbi como seu principal líder. Expedições holandesas e portuguesas, apesar de provocarem muitas mortes, não conseguiram destruir o grande quilombo, o que ocorreu apenas em 1694, quando atacado por tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho.
Os primeiros passos contra a escravidão negra no Brasil, iniciada com Martim Afonso de Sousa em 1568, foram dados, sem qualquer dúvida, pela Igreja Católica, podendo ser considerado seu precursor o Padre Manoel Ribeiro da Rocha, jurisconsulto nascido em Lisboa, com a publicação, em 1758, de seu livro 'Etíope resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído e libertado'. Muitos outros elementos de destaque da Igreja colaboraram na grande obra.
Após várias medidas visando à proteção do escravo, Dom João, em 1818, assinou alvará declarando libertos os escravos encontrados a bordo de navio que se entregasse ilicitamente ao resgate e compra de negros da África, ao Norte do Equador.
Precursores da idéia da Abolição foram, também, José Bonifácio, que elaborou importante estudo sobre a extinção gradual da escravidão negra, e Antônio Carlos, que na Constituinte de 1823 propôs o prazo de 3 anos para sua completa eliminação.
Na Guerra do Paraguai foram libertados os combatentes negros que voltavam da luta condecorados e livres.
Uma grande conquista foi a 'Lei Rio Branco' ou 'Lei do Ventre Livre', assinada em 28 de setembro de 1871 pela Princesa Isabel, considerando livres todos os filhos de escravos.
Logo depois foram libertados todos os escravos pertencentes ao patrimônio do Estado e da Família Imperial Brasileira.
Em 1885, foi assinada a 'Lei Antônio Prado', ou 'Lei dos Sexagenários', que deu alforria aos sexagenários.
Finalmente, a Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, assinou a Lei Áurea, que declarou extinta a escravidão no Brasil, sem restrições e compromissos de indenizações ou compensações futuras.
Digna de nota a preocupação dos ex-escravos com o retorno da situação anterior, após 1888, o que levou alguns deles a tramarem o assassinato de Silva Jardim, em Angustura (MG), envolvidos por boato espalhado por monarquistas de que o líder republicano pretendia o retorno da escravidão.
Cabe registrar, finalmente, o fato de que a Lei Áurea não impediu que muitos dos libertos continuassem a viver, por algum tempo, de forma subumana, totalmente submissos aos antigos proprietários, como se escravos ainda fossem.
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