“A identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza” (página 9). Esse pensamento do crítico cultural Kobena Mercer parece sintetizar “A identidade cultural na pós-modernidade” , obra onde o sociólogo Stuart Hall analisa a crise das velhas identidades que centravam o sujeito e hoje, segundo o autor, fragmentam o homem pós-moderno.
O objetivo desta resenha é indicar , tomando como base o ensaio em questão, as causas e conseqüências dessa fragmentação, bem como destacar os pontos fortes e as lacunas do livro.
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O mundo acabou! As pessoas não sabem o que fazer ou como agir. Quem somos? Para onde vamos? A crise existencial toma conta da sociedade. É o APOCALÍPSE? Não, “apenas” um ensaio de Stuart Hall sobre o sujeito na pós-modernidade...
Bastante dramático, fazendo uso de uma linguagem acessível, muitos questionamentos e poucas certezas, o estudioso inicia seu livro avaliando a evolução dos conceitos de identidade. Primeiro ponto de análise, o “sujeito do Iluminismo”( centrado e unificado), é baseado na visão cartesiana - “penso logo existo”- do ser, segundo a qual o homem teria uma essência inata e imutável. Essa visão dá lugar ao “sujeito sociológico”, detentor de um núcleo(essência), mas que se forma e modifica pelo contato com os “mundos exteriores”, sendo muitas vezes determinado pela coerção social. Finalmente chega-se ao “sujeito pós-moderno”, o qual, sem identidade fixa, assume diferentes papéis nas conturbadas e antagônicas situações do mundo atual. Esse é justamente o pré-suposto de “A identidade cultural na pós-modernidade” – as identidades modernas estão sendo descentradas; os conceitos de raça, nação, gênero... então em constante confronto, e a outrora aclamada “essência” parece não se encaixar na nova realidade.
Segundo o autor “no mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural” (página 47 ). Stuart está certo: pelo fato da nação ser uma comunidade simbólica, ela consegue gerar sentimentos de identificação e fidelidade. O simbolismo que envolve a cultura nacional e suas expressões influencia totalmente o sujeito: as tradições, os mitos, a idéia de perpetuação bem como a própria definição de povo. O que se diz é que a identidade nacional unificaria as diferenças de classe, gênero, raça ; mas o próprio estudioso contrapõe – no que concordo inteiramente- , questionando – ou afirmando...- se ao invés de unificar, anular e subordinar a diferença cultural, as identidades nacionais não estariam sujeitas aos “jogos políticos”, com contradições internas e sobreposição de diferenças.
Independentemente das identidades nacionais não serem tão unificadas e “autênticas” quanto se pensava, o fato é que elas dominaram a modernidade como principal fonte de identificação cultural. Surge então outro ponto de destaque na obra: a globalização. Esse processo, que traz tanto temor e fascínio, vem modificando a constituição das identidades nacionais: elas são desintegradas pela homogeneização de padrões, reafirmadas pelo temor da perda das raízes culturais ou ainda transformadas, originando novas identidades – híbridas. Nesse aspecto, Stuart mostrou-se menos crítico, mais enumerando acontecimentos – como o “revival da etnia” e a imposição de padrões - que criticando-os – o que me pareceu uma insegurança do autor, pois vejo claramente a padronização cultural como o grande produto da “globalização”, sendo o revival étnico e o hibridismo secundários nesse processo; ou talvez pelo autor ser inglês, sua visão sobre globalização seja diferente da de alguém em um país em desenvolvimento e ainda “colônia cultural”.