'Quando terminou o colégio e começou a estudar Direito na Universidade Nacional de Bogotá, a poesia continuava sendo o que mais lhe interessava na vida. Em vez de códigos, lia versos. Versos, versos e versos, diria hoje. (...) Seu interesse pelo romance começou na noite em que leu Metamorfose, de Kafka. Hoje se lembra como chegou à pobre pensão de estudantes onde morava, no centro da cidade, com aquele livro que um colega acabava de lhe emprestar. Tirou o paletó e os sapatos, deitou-se na cama, abriu o livro e leu: 'Quando Gregor Samsa acordou certa manhã, após um sonho intranqüilo, viu-se transformado num monstruoso inseto.' Gabriel fechou o livro, tremendo. 'Merda', pensou, 'então se pode fazer isso'. No dia seguinte escreveu o seu primeiro conto . E se esqueceu dos estudos.'
O trecho acima foi extraído do livro 'Cheiro de Goiaba', decorrente do registro das conversas de Garcia Márquez com seu amigo de juventude Plinio Apuleyo de Mendoza. (Editora Record - tradução de Eliane Zagury)
Tenho me surpreendido, não apenas no campo artístico ou literário, como o autor, mas também na vivência político-existencial, com a auto-indagação freqüente: '- Ué!... Mas isso pode?'
A questão acarreta uma sensação tão generosa de liberdade, ainda que não se opte por desfrutar todas as permissibilidades, que me decidi a compartilhá-la com os demais usineiros.
Numa entrevista recente concedida pelo escritor colombiano (eu a assisti pela televisão, desculpem-me a falta de mais registros), escutei-o complementando o fato narrado no livro. Dizia: 'Ah, isso pode? Então quero ser escritor!'
Agora completo eu, meu prudente mineirismo lançado desafiadoramente ao medo que o criou. Se quase tudo é possível, meus amigos, quero é viver com fervor!...