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Ensaios-->ESTRANGEIRISMOS: UMA FACA DE DOIS GUMES -- 27/08/2001 - 17:29 (Aparecido Donizete Rossi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Immota labascunt et quae perpetuo sunt agitata, manent.
(As coisas imóveis cedem e aquelas que são agitadas perpetuamente, permanecem.)
[expressão latina divulgada por James Boswell (1740-1795)]



O mundo inteiro falava a mesma língua, com as mesmas palavras. Ao emigrar do oriente, os homens encontraram uma planície no país de Sanaar, e aí se estabeleceram. E disseram uns aos outros: “Vamos fazer tijolos e cozê-los no fogo!” Utilizaram tijolos em vez de pedras, e piche no lugar de argamassa. Disseram: “Vamos construir uma cidade e uma torre que chegue até o céu, para ficarmos famosos e não nos dispersarmos pela superfície da terra.
Então Javé desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo (...) e disse: (...) Vamos descer e confundir a língua deles, para que um não entenda a língua do outro.
Javé os espalhou daí por toda a superfície da terra, e eles pararam de construir a cidade. Por isso, a cidade recebeu o nome de Babel, pois foi aí que Javé confundiu a língua de todos os habitantes da terra (...).
[Gênesis XI, 1-9]






Recentemente, o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B, SP) levantou uma verdadeira polêmica nacional em relação à língua portuguesa. O eminente político é autor de um projeto que prevê a proibição do uso de palavras estrangeiras na comunicação oral ou escrita. Mais uma vez uma questão lingüística é levantada dentro da política (logicamente que com segundas intenções), e uma questão bastante pertinente, pois de fato merece muita atenção, não apenas de lingüistas, mas da sociedade em geral. Contudo, o grande problema de se levantar uma querela desse tipo em torno da língua é o mesmo encontrado em qualquer problema relacionado ao ser humano: haverá sempre um lado que discordará ou que tentará se beneficiar daquilo. É como uma faca de dois gumes. No caso do projeto do deputado Aldo Rebelo, temos uma questão lingüística versus uma política, e ambas se tornando questões sociais.
É muito importante termos em mente os dois lados da polêmica para podermos contrapor as opiniões e começarmos a pensar nesse grande problema que é o que, tecnicamente, chamamos de empréstimo lingüístico na língua portuguesa do Brasil, ou simplesmente estrangeirismo. Aliás, não se trata exatamente de um problema, mas de um fato que ocorre com qualquer língua. A questão é que, só depois da proposta do deputado Rebelo, a sociedade brasileira começou a se dar conta de uma questão lingüística óbvia: a de que uma língua jamais se congela no tempo, pois está sempre em perpétua mudança, assim como o próprio ser humano. Em um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo de 25/03/2001 intitulado “Guerras em torno da língua”, o lingüista Carlos Alberto Faraco chama-nos a atenção justamente para isso: diz ele que, depois de 40 anos de sua introdução oficial nas universidades brasileiras, a lingüística permanece invisível e inaudível para a sociedade em geral e, para a sociedade brasileira, não há propriamente uma questão lingüística, pois o modo científico de dizer a realidade lingüística nacional não conseguiu ainda se fazer ouvir a ponto de colocá-la como uma questão concreta sobre a mesa. Apesar de todos os problemas lingüísticos que nos afetam, os discursos tradicionais, e apenas eles, parecem bastar à sociedade.
Pelo que podemos notar, não se tem dado a devida atenção às questões relacionadas à língua portuguesa no Brasil. E isso é um fato intimamente ligado ao social, pois como se sabe, o Brasil é considerado “um país em desenvolvimento”. A nova denominação, logicamente que para mascarar todas as implicações semânticas e sociais que traziam a antiga expressão “país de terceiro mundo”, é fruto da última moda do capitalismo: a globalização. Todavia, essa é a nossa realidade: somos considerados pertencentes a uma nação pobre, e isso desde que fomos “descobertos”. Portanto, sendo a língua um fator cultural, típico de cada povo, algo extremamente particular que carrega tudo que caracteriza uma sociedade enquanto sociedade, e isso incluindo a situação econômica e social, não é novidade para ninguém que nossa situação social, econômica, política e cultural é das piores possíveis.
Desde que fomos “descobertos”, servimos unicamente de colônia penal ou mina de riquezas para nações desenvolvidas. A partir desse fato, nunca conseguimos nos desenvolver enquanto nação que tem uma cultura, uma economia e uma política completamente independente de qualquer outra. O Brasil sempre dependeu, de uma forma ou de outra, das outras nações para estas coisas, e é assim até hoje: estamos cada vez mais nos afundando em empréstimos internacionais, em concessões a empresas estrangeiras, etc. O custo de tudo isso é uma sociedade totalmente deixada ao léu por seus governantes, apresentando altos níveis de desemprego, miséria e analfabetismo. Obviamente que todos estes problemas refletem na maneira como o brasileiro encara sua língua: para este, habituado de tal maneira a ser dependente de outras nações (muitas vezes sem se dar conta dessa dependência), o empréstimo de palavras estrangeiras de outras línguas, muito especialmente o inglês (atualmente), é algo que se torna não só comum como até necessário, pois de acordo com um artigo do administrador Celso Alexandre Mendonça (“O latim de hoje”, outubro/2000), sem inglês, nos dias atuais, as chances de se encontrar um bom emprego no Brasil são mínimas.
Não são algo recente estas constatações. Celso Cunha, um dos mais importantes gramáticos da língua portuguesa no Brasil, num artigo publicado em 1968, já dizia:
Na realidade, o problema do empréstimo lingüístico não se resolve com atitudes reacionárias, com estabelecer barreiras ou cordões de isolamento à entrada de palavras e expressões de outros idiomas. Resolve-se com o dinamismo cultural, com o gênio inventivo do povo. Povo que não forja cultura dispensa-se de criar palavras com energia irradiadora e tem de conformar-se, queiram ou não queiram os seus gramáticos, à condição de mero usuário de criações alheias.
De fato, um povo que não tem uma cultura tão expressiva mundialmente, como é o caso do Brasil, acaba conformando-se à condição de usuário de criações alheias, e isso não pelo fato do povo ser alienado, mas por seus governantes não criarem condições favoráveis ao desenvolvimento sócio-cultural, dando muito mais atenção às questões econômicas e políticas que favorecem uns poucos conglomerados industriais e políticos, normalmente multinacionais.
Tendo em mente estas consideração, retomemos a questão inicial da proibição do uso de palavras estrangeiras na língua portuguesa do Brasil. Visto dessa forma, o projeto do deputado Aldo Rebelo até que seria de grande importância, pois trata-se de uma tentativa, ainda que frívola, de resgatar um pouco de uma das pouquíssimas manifestações que nos diferenciam do resto do mundo globalizado: a língua portuguesa. De acordo com o projeto do deputado, A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua (Rebelo, 1999). E isso, se levarmos em consideração nossa situação desde a chegada de Pedro Álvares Cabral até os dias atuais, veremos que não estamos longe desse tipo de dominação. Contudo, o projeto é frívolo por duas razões: uma política e outra lingüística, e agora tomando Lingüística como uma ciência do conhecimento humano.
A frivolidade política está simplesmente no fato de, como dissemos no início, haverem segundas intenções por trás do projeto: trata-se de mais uma estratégia política para tapar os olhos do povo aos desmandos e à corrupção que assolam o poder legislativo nacional. É também uma maneira de o próprio deputado tentar cair nas graças do povo no caso de uma eventual candidatura à presidência ou a algum cargo público de status. Diante dessa concepção, um pouco marxista concordamos, alguém poderia dizer que não há provas concretas que a sustentam. Concordamos plenamente, porém, nas condições atuais que se encontram a Câmara dos Deputados e o Senado depois dos casos de desvio de dinheiro público e de alterações em painéis de votação, a credibilidade dessas duas instituições nacionais, e conseqüentemente de seus componentes, está completamente abalada e portanto discutível. Dessa forma, como indivíduos conscientes pertencentes à nação brasileira, não podemos acreditar num discurso ideológico como o apresentado por Aldo Rebelo em seu projeto, pois além de apelativo, não é embasado em comprovações científicas que demonstrem sua credibilidade.
Com relação à frivolidade lingüística, nossa argumentação se baseará em observações científicas já bastante solidificadas que só servirão para comprovar o quanto o deputado Aldo Rebelo e aqueles que lhe são concordes estão enganados em alguns pontos de vista (ou em todos).
Comecemos pelo cerne do projeto: os estrangeirismos que ele diz comprometerem a comunicação oral e escrita em língua portuguesa (Rebelo, 1999) são todos advindos do inglês. Já nesse ponto poderíamos perguntar sobre as palavras advindas do italiano, do grego, do francês, do russo, etc. Não seriam elas estrangeirismos também? Bem, mas continuemos. Atualmente, o inglês é para nós, povo brasileiro, como já mencionado acima, questão de sobrevivência, e não é só para nós: muitos outros povos, ou melhor, o mundo todo, é obrigado a usar o inglês diariamente para se comunicar. A causa disso, como também já mencionamos, é a globalização. Entretanto, pensemos lingüisticamente: num artigo de John Robert Schmitz, professor da UNICAMP, intitulado “Língua pasteurizada”, é mencionado que o inglês é o latim do século 21. Isso ao mesmo tempo pode ou não ser verdade. Façamos uma analogia com o que ocorreu com o latim. Quando o Império Romano tornou-se o dominador de praticamente todos os países conhecidos na Europa e Ásia da época, obviamente o latim tornou-se a língua franca, por assim dizer, de todos os dominados. Indubitavelmente, cada povo dominado também tinha sua própria língua mas, por pertencer ao Império Romano, foi obrigado a falar latim por uma questão de sobrevivência. O inglês encontra-se exatamente nesse ponto nos nossos dias. Entretanto, a História nos ensina que, em finais do quinto século da era cristã, o Império Romano entrou em decadência e, como não poderia deixar de ser, a língua latina também.
Séculos depois da decadência do Império Romano e do latim, o que temos hoje? Várias línguas originadas daquela mistura imposta pelos romanos, sendo o português uma delas (não nos esqueçamos também de que praticamente todas as palavras da língua portuguesa são empréstimos do latim que sofreram transformações no decorrer do tempo). E o latim? Hoje, é classificado como uma língua “em suspensão”, ou seja, existente apenas em textos antigos, já que não há falantes nativos, numa grande ironia do destino. Com o inglês não podemos, em hipótese alguma, afirmar que se dará da mesma forma, mas é algo que fica para pensarmos: no final, quem acabará dominado: o inglês ou as línguas que hoje são, de uma forma ou de outra, obrigadas a tomar palavras emprestadas de seu léxico?
Vejamos um exemplo concreto que pode nos ajudar em nossas reflexões: em um artigo escrito por João Paulo Soares intitulado “Vigilantes da língua” (s/d), o primeiro parágrafo menciona uma grande quantidade de estrangeirismos advindos do inglês que são usados por executivos e por outros nichos específicos da sociedade. Aliás, a maioria dos estrangeirismos de língua inglesa presentes na língua portuguesa do Brasil estão restringidos a nichos específicos da sociedade, como as áreas de computação, administração de empresas, esportes, etc; e mesmo dentro desses nichos, já há casos de alerta, como o artigo do sociólogo e administrador Benedito Milioni, quanto aos perigos do uso indiscriminado de estrangeirismos na área de recursos humanos (“Neologismos em RH e seus perigos”, fev/2000). O alerta de Milioni diz respeito a uma questão básica da língua: se nós não tomarmos os devidos cuidados no uso de estrangeirismos e neologismos, corremos o risco de não sermos entendidos.
Mas retomemos o artigo de João Paulo Soares: dentre os estrangeirismos nele citados (juntamente com uma opinião favorável ao projeto do deputado Aldo Rebelo), dois parecem chamar muito a atenção: trata-se das palavras startou e printou. Façamos um exercício de morfologia aplicada da língua portuguesa: diante dessas duas palavras, a primeira noção que, num raciocínio mais atento, vem à mente de um falante nativo portador de relativa cultura lingüística, é que trata-se de duas palavras que indicam uma ação ocorrida no passado. Lingüisticamente e gramaticalmente, estas palavras são denominadas verbos, pois podem indicar ação, dentre outras coisas, e têm a particularidade de carregar a noção de modo e tempo e de número e pessoa. De acordo com as normas morfológicas da língua portuguesa, o verbo é composto por um radical, uma vogal temática e dois morfemas flexionais: um modo-temporal e outro número-pessoal. Vejamos se estes dois verbos correspondem a estas constatações morfológicas (baseamo-nos em Câmara Jr., 1970: 104-110): startou = start + o + Æ + u, printou = print + o + Æ + u. Analisando: start- e print- são os radicais, o é resultado da elisão fonológica da vogal temática átona de primeira conjugação (-a-) que cai em contato com a vogal tônica da desinência (-u), Æ (morfema zero) é a desinência modo-temporal dos verbos conjugados no pretérito perfeito do modo indicativo, e -u é a desinência número-pessoal que caracteriza a terceira pessoa do singular dos verbos de primeira conjugação conjugados no pretérito perfeito do indicativo.
Com esta análise morfológica elementar, pretendemos mostrar que estas duas palavras seguem a risca a formação de todos os verbos da língua portuguesa. Entretanto, seus radicais são palavras inglesas (!): start e print são os verbos to start (iniciar) e to print (imprimir). Observe-se que, na língua inglesa, estas duas palavras podem ser tanto o infinitivo do verbo (que é caracterizado pela partícula to acrescentada anteriormente a este) quanto sua conjugação na 1.ª e 2.ª pessoas do singular e 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do plural do presente do indicativo (em inglês, Simple Present). Dessa forma, temos dois empréstimos da língua inglesa que, do ponto de vista morfológico da Lingüística, podem ser considerados palavras da língua portuguesa, pois seguem todos os mecanismos de formação encontrados nessa língua. Diante desses pressupostos, caberia-nos ainda perguntar ao deputado Aldo Rebelo se estas duas palavras (startou e printou) podem ser consideradas estrangeirismos. Ele poderia rebater a pergunta com outra: por acaso estas duas palavras constam no Dicionário Aurélio? Ao que poderíamos responder com uma terceira pergunta: não, mas como é que se explica que o povo, quem determina verdadeiramente como é ou não uma língua, esteja utilizando palavras que, comprovado cientificamente, têm um processo de formação totalmente português, ainda que seus radicais sejam estrangeiros?
Para finalizar nossa discussão, mencionamos aqui três artigos que nos pareceram esclarecedores: um, intitulado “O bom senso está on sale”, de João Gabriel de Lima, publicado na revista Veja de 30/08/2000; outro intitulado “Tecnologia leva inglês dos EUA a Londres”, de Charles Arthur, publicado no jornal Folha de São Paulo de 21/11/1999; e o outro intitulado “O fim do português”, de Steven Fischer, publicado na revista Veja de 05/04/2000.
O artigo de João Gabriel de Lima é uma crítica ao projeto do deputado Aldo Rebelo e faz algumas observações muito importantes para a questão dos estrangeirismos: diz ele que algo parecido com a tentativa do deputado já foi feito por um latinista carioca chamado Antônio de Castro Lopes no final do século XIX. Lopes propunha substituir futebol por ludopédio e abajur por lucivelo. Para nós, falantes modernos do português, a simples possibilidade dessas duas trocas já soa extremamente ridícula. Imaginemos agora se o projeto de Aldo Rebelo fosse aprovado e implantado nos dias de hoje: João Gabriel de Lima diz que teríamos trocas do tipo computador por ordenador, rap por canto metralhado e trekking por caminhada no mato, todas traduções literais destas palavras inglesas para o português. Conclusão: tão ridículo quanto o projeto do latinista carioca do final do século XIX.
Uma outra constatação de João Gabriel de Lima diz respeito ao fato de algumas lojas utilizarem em suas vitrines as palavras inglesas sale e 50% off no lugar de liquidação e 50% de desconto. Diz o jornalistas sobre estes casos: No entanto, multar um lojista [o projeto de Aldo Rebelo prevê multa para lojistas que utilizarem esses estrangeirismos em suas vitrines] por uma caipirice que depõe unicamente contra ele próprio é um exagero. Seria mais ou menos como cobrar uma pena pecuniária (gostou dessa, Rebelo?) de pagodeiros a cada erro de gramática que cometem. De fato, lojistas que utilizam estas palavras em suas vitrines correm o risco de ter suas vendas prejudicadas, uma vez que grande parte dos consumidores não vai entender o que eles estão anunciando. Assim, é evidente que se trata uma caipirice, assim como é evidente que pagodeiros promovem erros gramaticais que fazem Celso Cunha remexer-se em sua tumba e Pasquale Cipro Neto quase ser acometido de infartos na TV.
O último ponto que chama a atenção no artigo de João Gabriel de Lima é o que o jornalista diz sobre o partido de Aldo Rebelo (PC do B): após um levantamento de palavras estrangeiras que fazem parte do uso popular da nossa língua, uma delas chama-lhe a atenção: o Comunista da sigla PC do B (Partido Comunista do Brasil). Diz ele: “comunista” vem de “comuna”, palavra que Antenor Nascentes [todas as palavras que o jornalista levanta foram tomadas do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, do professor e lingüista Antenor Nascentes] relaciona como galicismo. Espera-se que, em nome da coerência, Rebelo concorde também em mudar o nome do partido pelo qual milita. Uma dedução óbvia.
Com relação ao artigo de Charles Arthur, “Tecnologia leva inglês dos EUA a Londres”, mencionamos como uma ilustração do outro lado da moeda: se Aldo Rebelo preocupa-se com a morte do português devido ao grande número de empréstimo do inglês, o povo inglês (do Reino Unido) já começou a se preocupar com a morte de sua própria língua causada, veja-se a imensa ironia, pela invasão de palavras do inglês norte-americano!!! Nesse artigo, o jornalista diz que a cultura americana, exportada pela TV e pela Internet, está dominando o inglês britânico num ritmo tão acelerado que já podemos perguntar se as grafias e expressões coloquiais britânicas serão relegadas a segundo plano e quando isso vai acontecer. Como se sabe, algumas grafias e expressões britânicas são diferentes das grafias e expressões norte-americanas [exemplos: travelling (britânico) e traveling (americano), pavement (calçada, britânico) e sidewalk (calçada, americano)] e isto, segundo o artigo, provocou sérias reclamações quando a empresa Apple Computer, fabricante do sistema operacional OS9, resolveu mudar o nome de alguns ícones do programa vendido no Reino Unido, trocando palavras britânicas por norte-americanas: wastebasket (lata de lixo, em inglês britânico) por trash (a mesma coisa, em inglês norte-americano), por exemplo. Nos interessaria muito a opinião do deputado Aldo Rebelo sobre esta questão shakespeariana: to be British English or not to be British English? That’s the question...
Finalmente, mencionamos o artigo de Steven Fischer, “O fim do português”, como uma alternativa absurda, que demonstra um conhecimento da questão lingüística brasileira ainda menor do que o do deputado Aldo Rebelo e, o que é pior, vindo de um lingüista. Steven Fischer tornou-se famoso ao conseguir desvendar os inscritos da Ilha de Páscoa (Chile) e, numa entrevista à revista Veja, foi convidado a dar sua opinião sobre o futuro da língua portuguesa no Brasil. Em meio a idéias pertinentes, como a resposta à pergunta sobre se o Brasil deveria seguir a França e tomar medidas para evitar o uso de palavras estrangeiras:
Não. Idiomas não são pedras, mas esponjas. Não se deve tentar impedir o enriquecimento do idioma. É assim que as línguas sobrevivem, mudando continuamente. As transformações sofridas pelo português brasileiro são um prova de sua força, não da sua fraqueza. No decorrer do tempo, as línguas que não inovaram fora substituídas por outras. Se você pegar as 10.000 palavras mais usadas em inglês, por exemplo, verá que 32% delas têm origem anglo-saxã e 45% francesa, sem falar no latim. Jazz e boogie-woogie, por exemplo, são termos de origem africana.
Em meio a idéias como essa, encontram-se idéias absurdas e incoerentes como, ao ser questionado se a língua falada pelos brasileiros vai desaparecer, Steven Fischer respondeu: Sim. Em 300 anos, o Brasil estará falando um idioma muito diferente do atual. Devido à enorme influencia do espanhol, é bastante provável que surja uma espécie de portunhol. A primeira questão que podemos levantar sobre esta resposta é o fator tempo: em 300 anos apenas, o português será muito diferente do atual. Se compararmos com o latim, verificaremos que trata-se de uma idéia completamente discutível, pois mesmo após todas as misturas lingüísticas ocorridas durante os anos de ocupação romana na Europa e Ásia e depois das invasões bárbaras, a língua latina falada demorou ainda nove séculos para tornar-se tão diferente a ponto de não mais ser reconhecida. Portanto, acreditamos que 300 anos é um prazo curto demais.
Outra questão que podemos levantar a respeito da afirmação de Steven Fischer é com relação à língua que ele acredita que dominará o português e o descaracterizará: o espanhol. É certo que estamos rodeados de países que falam o espanhol como língua oficial, entretanto, isso ocorre há já quinhentos anos e nosso idioma continua regido pelas mesmas regras de formação de palavras e mesmo de pronúncia fonológica da língua portuguesa, e não da espanhola (de acordo com o artigo “Falamos a língua de Cabral?”, publicado na revista Superinteressante de abril/2000, sabe-se que Pedro Álvares Cabral dividia as sílabas faladas como nós, brasileiros). Além disso, a quantidade de palavras no português do Brasil que têm origem no espanhol é bastante reduzida (pandeiro é a única apontada no artigo de João Gabriel de Lima). Portanto, sincronicamente poderíamos considerar esta idéia absurda e completamente questionável. Diacronicamente, é impossível saber. Aliás, uma curiosidade (que talvez agrade bastante o deputado Aldo Rebelo): segundo um artigo de Cassiano Elek Machado publicado no jornal Folha de São Paulo em 21/12/2000 e intitulado “O silêncio dos idiomas”, David Crystal, um dos mais renomados lingüistas britânicos, informa que, nos Estados Unidos, existem cerca de 35 milhões de falantes do espanhol (mais de 10% da população) e arisca uma previsão: em menos de 20 anos, o presidente norte-americano será de língua hispânica. George W. Bush, atual presidente dos Estados Unidos, nasceu no estado do Texas, que faz fronteira com o México (país cuja língua falada é o espanhol).
Numa tentativa de conclusão, o que é muito discutível em se tratando de língua, a única e frustrante dedução que podemos tirar de tudo que foi apresentado é que somente o tempo poderá dizer, e mostrar, o que vai acontecer com a língua portuguesa falada no Brasil. Projetos como o do deputado Aldo Rebelo são tentativas que já nascem desacreditadas, pois demonstram nada mais do que um total desconhecimento da realidade lingüística de nossa nação, além de ser mais uma tentativa de desviar a atenção dos verdadeiros problemas que os brasileiros enfrentam. Dessa forma, é importante retomarmos as idéias do lingüista Carlos Alberto Faraco, no artigo comentado no início deste trabalho: as questões em torno da língua em nosso país, e portanto em nossa sociedade, são praticamente inexistentes, então faz-se necessária a conscientização do povo para estas questões, as quais envolvem sua própria cultura. Mas daí a extremismos como o projeto de Aldo Rebelo ou as elucubrações de Steven Fischer, já é algo inaceitável mesmo para uma sociedade em que as questões lingüísticas estão longe de saírem dos portões das universidades.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARACO, Carlos Alberto. Guerras em Torno da Língua. Folha de São Paulo, São Paulo,
25/03/2001, Mais!, p. 30-31.
MACHADO, Cassiano Elek. O Silêncio dos Idiomas. Folha de São Paulo, São Paulo, 21/12/2000,
Folha Ilustrada, p. E1.
MENDONÇA, Celso Alexandre. O Latim de Hoje. Profissional & Negócios, n.º 36, ano III, out/2000.
LIMA, João Gabriel de. O Bom Senso Está On Sale. Veja, n.º 35, ed. 1664, ano 33, 30/08/2000.
SOARES, João Paulo. Vigilantes da Língua. 18/06/2000 (sem demais referências no xerox consultado)
FISCHER, Steven Roger. O Fim do Português. Veja, ed. 1643, 05/04/2000.
BURGIERMAN, Denis Russo. Falamos a Língua de Cabral? Superinteressante, n.º 4, ano 14, abril/00.
MILIONI, Benedito. Neologismos em RH e seus Perigos. Profissionais & Negócios, n.º 28, p. A9,
ano 3, Fevereiro/2000.
ARTHUR, Charles. Tecnologia Leva Inglês dos EUA a Londres. Folha de São Paulo, São Paulo,
21/11/1999, Mundo.
REBELO, Aldo. Fragmento do projeto do deputado Aldo Rebelo utilizado no vestibular da FUVEST,
1999 (sem demais referências no xerox consultado).
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970.
SCHMITZ, John Robert. Língua Pasteurizada (sem nenhuma referência no xerox consultado).
LATIN DICTIONARY. Disponível via WWW.URL: http://www.lysy2.archives.nd.edu/cgi-bin/words.exe?labasco

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

GRANDE Enciclopédia Ilustrada Larousse Cultural, São Paulo: Círculo do Livro, 1993.
v. 21, p. 5207-5218
ILARI, Rodolfo. Lingüística Românica. 3.ª ed., São Paulo: Ática, 2000 (Série Fundamentos).
KEHDI, Valter. Morfemas do Português, São Paulo: Ática, 1990.
MONTEIRO, José Lemos. Morfologia Portuguesa, Campinas: Pontes, 1991.
PERINI, Mário A. Gramática Descritiva do Português, São Paulo: Ática, 1995.

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