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FLORBELA ESPANCA
a mulher e a poesia
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CAMÕES
poeta do tempo lusitano
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JOSÉ DE ALENCAR
O eterno Sr. Ig das preocupações brasileiras
entre o Realismo e o Romantismo.
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MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
variações em torno de um homem em busca
do eu na curva do ser e do não-ser
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SIDÔNIO MURALHA
o poeta da vida
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SARAMAGO
O vero ato d’escrever, pá!
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CAMILO PESSANHA
A voz dos náufragos que somos
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ENTRE MONTEZUMA E SENA UM PESSOA
Poeticamente Panfletário
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O TROPICAL JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS
ou, a arte do grande e universal espaço cultural
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A CULTURA ENTRE O DRAMA DO SER
de um Machado de Assis a um Fernando Pessoa
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REPENSANDO A HISTÓRIA COM AS MENSAGENS SOCRÁTICA E JUSUSIANA
na leitura de Manuel Reis
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João Barcellos
FLORBELA ESPANCA
a mulher e a poesia
“ - numa mulher, a chama
da bondade não se apaga facilmente”
Katherine Mansfield
(in Aula de Canto)
No simples e feérico toque que é o olhar de uma Mulher que se ergue em Paixão, e percorre os caminhos que constróem o Amor, foi já o Mundo um espaço de Justiça. O matriarcal Existir de há milhares de anos atrás - a Bondade das comunidades onde o Pão saía de um forno para todos e o Homem estava integrado à Teia Humana e não à ânsia do Poder - terminou quando a Religião (cristã, budista ou muçulmana) decretou ser a Mulher um ente inferior e sem direito sequer a mostrar o rosto! A revolta do Universo Feminino foi calada socialmente, de preconceito em preconceito - mas, mesmo assim, a Mulher soube mostrar-se sempre, ou através do Amor ou através da Arte... Por isso, citar Katherine Mansfield quando falo de Florbela Espanca é pôr em evidência esse Universo Feminino. E hoje, através da Sociedade (que as comunicações tornaram) Global, cada vez mais torna-se impossível prescindir da convivência com aquela “metade do céu” , como da Mulher dizem os sábios chineses.
É neste ritual de envolvimento humano, de emancipação, e sobretudo de busca do Amor face à violência social e sexual imposta pelo Universo Patriarcal, que observo a Vida desse ente lírico chamado Florbela Espanca.
Fruto de uma ligação extra-conjugal do pai, João Maria Espanca, Florbela nasceu a 8 de Dezembro de 1895 e foi batizada como Florbela D’Alma da Conceição Espanca... Começava aí a sua cruz!
Anos mais tarde, no soneto Eu, e questionando-se profunda e impacientemente, haveria de cantar
Sou talvez a visão que alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
mostrando do seu Todo um Sentimento de busca louca e bondosa e terna espera. Tragada pelos preconceitos de uma Sociedade castradora de sonhos e de liberdades, ela sentiu-se, primeiro, a estação de um Amor-que-virá, segundo, a estrada nova da descoberta desse Amor. Ouçamos o seu cântico:
O mundo? O que é o mundo, ó meu amor?
- O jardim dos meus versos todo em flor...
A seara dos teus beijos, pão bendito...
Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
- São os teus abraços dentro dos meus braços,
Via láctea fechando o infinito.
Esta vivência (esta dicotomia Amor-Dor, porque aquela busca foi um difícil exercício de Cidadania da Mulher que quer ser um Ser Humano e apenas lhe é permitido um Estar precário - Estar, como flor de estufa; Estar e jamais Ser!...) levou-a aos limites íntimos: por que Viver se o Amor não é a essência desse Viver? Aqueles “...braços dentro dos meus braços”, aquele Amor tão poeticamente cantado não estava ao seu alcance. Havia ali a “...doida ânsia/ de quem mais quer/ e mais se pune/ (...) com o caos tamanho/ de até a alma sugar” - como canta Lília A. Pereira da Silva no seu Elegia Aos Amados Suicidas (Edit. Pannartz-SP, 1974). E havia, o que era mais importante, aquilo que Dalila Teles Veras soube captar e nos canta
A poesia me procura
- carga por demais pesada
por saber “como estão tristes e sós/ as mulheres” (in Elementos Em Fúria, Academia Piauense de Letras, Brasil). E, nessa Solidão, o grito angustiado de Florbela Espanca foi um só:
Eu quero amar, amar, perdidamente
como se o ancestral Universo Feminino lhe ditasse um Destino de guerreira naquele presente fatalmente anti-Mulher. Talvez por isso, o seu soneto Caravelas é um testemunho vivo:
Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de mafalda!
Se eu sempre fui assim este mar morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!
Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!
A bela flor da lírica portuguesa tentou aquilo que Raquel Klepacz lembra no seu Poemarte (Edit. Scortecci-SP, 1991): “Em busca de mim/ Encontrei você/ Mas como tenho você/ Dentro de mim/ Então encontrei o que buscava”. Sim. ela tentou, mas não encontrou em dois casamentos. A sua cruz tornou-se pesada de mais...
E, sabemos, como escreve(u) Helena Noronha (in África, Adeus - Ed. da Autora, SC-Brasil, 1989), que Florbela queria apenas
...um rosto / um olhar / um sorriso / uma palavra solta
Queria ser capaz da Saudade de um ente amado, mas os homens que a julgaram ter/possuir não a tornaram usina-d’Amor, não souberam provar-lhe a Bondade, não a fizeram sentir-se mais-Mulher! E, Mulher era o que ela mais queria Ser, porque Estar ela estava como qualquer humano. Queria ser o Ser-Aí tão apregoado pela quotidianidade filosófica de Martin Heidegger, mas... Ser-estando, Ser-vivendo-o-Amor. Neste desgaste emocional de um viver-sem-o-Amor ela não poderia competir com a mesmice do dia a dia. Nem poderia, nunca. Florbela Espanca foi um sonho-em-Vida que o Homem não soube conquistar.
O toque de olhar dessa flor lírica não alcançou - ou criou distâncias sem se dar conta... - a Poesia de um Homem, e não soube da pele arrepiada, desse despertar telúrico e espiritual que é a química dos corpos-em-Amor, das seivas provadas em doces beijos que levam à Saudade gostosa de todos os instantes..., como escrevi no Poema d’Amor (Salamanca, Esp. - 1973).
Cecília Meireles, na sua 15ª Canção (in Távola Redonda, Lisboa-Port.), a propósito, foi literariamente muito feliz: “Respiro teu nome./ Que brisa tão pura/ súbito circula/ no meu coração!”. Era tudo, tudo isso o que Florbela Espanca ansiava:
Eu quero amar, amar, perdidamente
Ela sabia estar no zênite de uma vivência de angústias e de abandonos, por isso a sua revolta ao cantar Aqueles que me têm muito amor/ Não sabem o que sinto e o que sou... Este canto diz-nos das barreiras psicológicas que ela mesma criou no amplexo de uma perspectiva pré-estabelecida pelo não-encontro com o caminho do Universo Masculino que lhe poderia compartilhar a Vida-em-Amor. Ou mesmo, o carinho-entre-Mulheres... nessa época, tal caminho era já uma alternância social e de relações amorosas, mesmo que política, social e religosamente policiadas!
Eis que o Amor foi para Florbela o sonho e a cruz que lhe dilaceraram a Alma.
Aos 36 anos, jovem e bela, a poeta da Paixão que não conseguiu viver-o-Amor deixou d’Estar. Corria o ano de 1930, e seu corpo foi para as entranhas da Terra no dia do próprio aniversário! Foi-se, presume-se, por suicídio. Ora, o indício é claro: a poeta não tinha forças para uma Vida sem o calor do Amor... Não bastou a Florbela, como canta(ria) Cecília Meireles, “tecer frases de amor, uma por uma”, ela queria o Amor! E os seus sonhos d’Amor - recordo aqui Rosalía de Castro (in Poesias, Edit. Brasiliense) - “Partiram/ Como o barco perdido/ Que para sempre abandonou o porto”.
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Florbela Espanca (in Fanatismo)
Florbela Espanca adoeceu na sua busca do Outro. Tornou-se fanática na angústia de Estar sem o Ser. Ela escrevia de si para si colocando a imagem do ente talvez amado. Era o protesto mais alto a que ela poderia recorrer. E nele ambientou a sua partida para outra dimensão fazendo da noite a sua alvorada definitiva, mas deixando a todos nós um legado impressionante na sua psicologia de Mulher que não se conteve nos limites intelectuais impostos pela postura do Homem em sua violência sacrossanta. E no entanto, a sua Poesia não é um libelo acusatório, o auto anti-Patriarquismo. Nada disso. É somente a prova literária de um pensamento profundo, angustiado, diante do Homem impotente no campo do Amor conjugado com Carinho...
Se no âmbito das Letras portuguesas, e mesmo lusófonas, a produção intelectual de Florbela Espanca repercutiu como uma canção de protesto, ela é, hoje, um fascínio e uma amada imortal que os e as poetas cantam em todos os lugares que esta Língua alcança!
É interessante verificar que a Poesia foi uma das estradas da Liberdade em todos os tempos, e que a Poesia, face à perda das liberdades da Mulher no universo tosco e violento do Homem velho, tornou-se a Resistência que vem restituindo a Bondade neste chão que dá o Pão e dá a Vida!
Percorremos, às vezes - e nem todos nascem sob a bandeira desse Fado -, um longo caminho até encontrarmos a alma gêmea, esse sonho-de-Vida que nos agita a essência do Ser e nos eleva à condição única do Existir-em-carinho.
É sobretudo a Mulher-Poeta (e Poeta o é também aquela que sabe da Razão do seu brilho na revelação do Amor, pois, o seu olhar é já a Poesia...) que consegue pacificar o violento Universo Masculino e transforma o famigerado ato-de-posse em gesto de Amor. É esta vertente social e sexual que a poética do Universo Feminino tem trazido ao mundo derrubando muitas das barreiras ancestrais que o impedem de fomentar aquele pão comunitário. E se isto pode ser visto como mais uma Utopia, até pela Mulher, o fato é que aquela Bondade de que fala(va) Katherine Mansfield está cada vez mais latente na Sociedade, tanto que o Homem escreve Poesia não mais para a Natureza como sua única fonte, ele escreve Poesia para a Mulher sabendo que só ela - a Mulher, tem o dom de saber escutar esse cântico quando carinhosamente transcrito do Sentimento profundo e puro.
E era tão castradora, e era tão mesquinha, aquela Sociedade dos Anos 30 do Segundo Milênio dito “cristão”, que o puro lirismo de uma Mulher bonita e charmosa como Florbela Espanca não almejou alcançar a sua alma gêmea, daí que em seu sonho-d’Amor a guerreira-poeta tivesse cantado
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
é ser mendigo e dar como quem seja
Rei do reino de aquém e além dor!
É ter mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede do infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Sentados no jardim do Sonho, a Mulher e a Poesia lograram dar em Vida uma Arte maior que a História social e literária não pode(rá) esquecer. Florbela Espanca é o exemplo grandioso da luta por uma Humanidade onde o Amor coexista com a Esperança e o Sonho em meio àquele toque-d’olhares que faz vibrar as peles, que sacode os esqueletos, e torna o Existir uma química de poéticas florais, sublimes fragrâncias tão caras (mas preciosas) à Humanidade que cada um(a) de nós é capaz de transportar e de libertar...
O que é Mulher? É o cotidiano sob a doçura de um Universo que é a fonte do Todo humano! Ora, o fato de vermos a Mulher produzindo a Arte que é comum dizermos do-Homem é mais uma prova dos equívocos religiosos em torno da Mulher e mostra, uma vez mais, que o cotidiano está sendo reescrito sob o olhar do Universo Feminino. E isto incomoda...
Isto fez de Florbela não só a poeta da busca, mas a Mulher em revolta por não poder viver o seu próprio universo; a Escrita dela - e a de Rosalía de Castro, e a de Katherine Mansfield, e a de Cecília Meireles e tantas outras - foi e é o espelho possível para dizer estou-Mulher. Também, dizer de si-mesma, do seu sentir e, de certa maneira, declarar o seu estado de Mulher-Amor... Aqui, a Poesia torna-se divinamente espiritual, dimensão à qual a poeta chega separando-se da natureza ordinária dos humanos e vivenciando a sua capacidade de sentir a beleza e a doçura que é o Amor, mesmo quando não compartilhado (ainda) pelo Outro, ou a Outra, que há de vir... Florbela fez da relação inter-pessoal Eu-Tu a expressão lírica e erótica de uma fantasia onde a Criação artística era o seu Todo e era o seu Nada!
Quando olhamos nos olhos de quem queremos, de quem amamos na loucura da Felicidade que logo nos exige a Saudade, sabemos que estamos completando o nosso Eu com o Outro - mas, para Florbela Espanca, o Outro foi a Criação poética, a Criação de uma poética maior que a tornou Mulher diante de tudo e de todos, e que contrariou os profetas da desgraça alheia ao colocar-se como deusa e como oráculo do Universo Feminino na demanda da emancipação social e sexual!
Observemos estes versos:
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho!
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Porque eu sou eu e porque eu sou alguém!
e ela sabia que era Alguém, sim. Ah, como sabia... E também sabia que era uma doce promessa d’Amor que não chegou a a conhecer a primavera!
A leitura feita por ela sobre o Mundo e sobre Si-mesma foi a leitura do possível e do impossível - e, sem um limiar claro (para ela tudo era “Princípio e fim!”) nessa vivência que foi apenas vivificadora enquanto Arte, só lhe restou aquele gritar tão profundamente doce e feminino
Eu quero amar, amar, perdidamente
um gritar ao qual são apenas sensíveis aqueles e aquelas que vivem a Poesia amorosa em cada instante desse supremo e espiritual Existir!
E se o Amor é o diálogo das químicas visíveis - e, às vezes, nem tão visíveis assim! -, o tempo sugerido nesse diálogo é o da observância que dá Vida à íntima Luz. Porque o Amor é isso: uma Luz. Uma espiritual luminosidade que o Destino sugere ao Ser humano. A ser vivida essa química que o seja por uma Paixão que vá além da Ocasião, esse momento que aguarda os apaixonados na espera de um Tempo que, neles, urge.
Quando se fala, ou escreve, Das Coisas Do Amor, não se deve deixar de salientar que ele, o Amor, não pode ser aparente, ou fará das paixões elos insensíveis sujeitos à perda dessa vivência.
Somos todos náufragos de uma massa de desejos, mas quando a Ocasião apresenta a densidade delicada da Paixão já o Tempo é um Espaço novíssimo que nos faz reviver ou reiniciar a Vida no seu deleite físico e espiritual. No êxtase do Amor salvam-se aqueles e aquelas que vivem a ilha do possível, mesmo que esse possível seja a destruição de um ontem de ligações aparentes em que se confundia Gostar com Amar... O ator Fernando Muralha, irmão do poeta Sidônio, diz que o Ser-português é sempre-um-apaixonado. Sim. O universo lusitano é de uma criatividade romântica que não conhece fronteiras: basta lembrar aqui Agustina Bessa-Luís, assim como Natália Correia e Lídia Jorge, só para pôr de um lado a leitura barroca e de outro as leituras surrealista e épica (esta, de cunho moderno) - e, é claro, a lírica transbordante, mesmo que às vezes acadêmica pelo imediatismo, de Florbela Espanca.
Veja-se que em Florbela o apetite pelo sacrifício lembra a perenidade, isto é, a Vida temporal deixa de ter importância dando lugar à Vida espiritual insuflada na Arte pela filosófica sugestão grega do monumento erigido em-Vida (como o fez Mário de Sá-Carneiro). Tanto assim era que ela diria dos “Gestos” - essas ...palavras sem nenhum condão, mostrando-se náufraga na ânsia da dádiva, da Bondade transbordante. Sim, ela foi a Ocasião e a perda da Ocasião por não ter conquistado os espaços da alternativa para o Amor; e no entanto, ela era a a Poesia - a “Poiesis”, como canta Dalila Teles Veras em
Lúcida
até onde a loucura o permite
Demente
até onde a lucidez alcançar
Recordo, a propósito, a artista plástica e poeta Lúcia Fleury no seu cântico (Passoespaço, Kempf Edit., SP-1984):
a gente se ama
abrindo portas do ser
a gente se ama
mergulhando cascatas
penetrando o núcleo infinito
de saber-se espiral
ascendente cintilante
asteróide louco
girando
gerando
germinando
a gente
esse fabuloso germinar que Florbela Espanca não foi capaz de Ser no seu Estar absoluto de embriaguês pelo Eu, e não somente pela cegueira do Universo Masculino que passeou por seus braços e abraços de ternura...
O seu Amor foi um Livro aberto. O Nosso Livro, escreveu ela. Como dizem todos os amorosos que através de um poema sabem libertar toda a essência que faz um Homem, que faz uma Mulher!
Ouçamos o seu respirar amoroso neste soneto:
Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.
Olha que outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios com que feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!
Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sóis!
Ah! meu amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
- “Versos só nossos, só de nós os dois!...”
O seu respirar era um jardim d’Amor. E nenhum Homem, ou nenhuma Mulher, lhe viveu a fragrância única...
As vivências aparentes, as íntimas relações, a fantástica proximidade com o irmão (que viria a morrer em acidente aéreo, e o que ela sentiu profundamente), deixaram-na também à mercê de um Destino que não mais lhe alimentava plenamente o Eu e, por isso, passou a escrever em nome da Mulher amada, carinhosamente querida por Alguém, como nos versos
O livro que me deste é meu, e salma
As orações que choro e rio e canto!...
Da existência de Florbela Espanca e da Poesia que emana do Universo Feminino, que todos saibam tirar as (sempre) urgentes lições d’Humanidade!
Camões
Poeta Do Tempo Lusitano
1
O virar da ampulheta, naquele momento, e depois de ter conhecido o precioso rendado que comemora (01) os feitos e os efeitos d Aljubarrota, levou o jovem a pensar que o último quarto da noite (02) o faria
viver a Humanidade entre os heróis
que tanto lhe incendiaram a Alma entre as páginas e páginas da biblioteca (03) que Frei Bento (04) lhe dera a conhecer.
Ele tinha n Alma o odor da terra (05) dos poetas, não era preciso a chuva para que o jovem vibrasse de lirismo ante o esplendor dos versos antigos - e no entanto, queria mais do que isso: aquela bela arquitetura normando-gótica do mosteiro avivara-lhe no Espírito a peculariedade guerreira dos celtiberos preferindo esta (embora não lhe repugnasse a outra) à típica quietude conservadora e poética dos galegos. Tal aliança intelectual, ou poético-guerreira, fê-lo surgir nos altos cenários lisboetas d então como algo novo e, ao mesmo tempo, como um perigo para os vates acomodados em torno das delícias palacianas.
E como a Poesia não se faz - ela é um dom que a Espiritualidade dos bafejados apenas interpreta numa simbiose de criatividades orais e escritas, tratando das coisas do umbigo próprio e do alheio, e do Tempo, como ele muito bem entendeu... -, deleitou-se com as belezas de uma Lisboa que conhecia próspera, rica e poderosa; porém, entre os encantos naturais e os das naturalmente belas damas logo conheceu, também, os obstáculos do ódio e do ciúme, que o levaram a ver e a ouvir o Tejo atrás das grades nas masmorras imperiais.
Que boa era a vida de Lisboa..., escreveram alguns cronistas: essa que ele conheceu não como simples poeta-da-corte, mas como Poeta já vivenciando as realidades que a Seista Idade (06) quintocentenária impunha à Escrita e em que se esboçava um tipo de profissionalismo: o Escritor.
Se outros, antes dele, já andavam por essa estrada, ele soube empreender uma viagem na Literatura que desassossegou muito vagabundo dito artista-de-letras-para-adocicar-as-damas, mas, mesmo assim, ainda o triste artista-vivendo-d esmola. Com ele, um Espírito imbuído da exuberância de uma Lisboa moderna e de portas abertas, como que renasce um mecenato que atribui às Letras uma importância que vai além do simples poetar sob o sorriso dos amantes na corte ociosa, uma importância que igualava as Letras às Armas. Com esse seu jeito de impôr-se para levar avante o seu querer
viver a Humanidade entre os heróis
o jovem vate tornou-se um intelectual requisitado a ponto de ser apresentado a El-Rei D. Sebastião
Pera servir-vos, braço às armas feito
como se ali estivesse o intérprete natural da Vontade portuguesa para lembrar ao menino que era rei que a História tinha de prosseguir, porque a Nação já o era! Esta atitude poética e guerreira foi o assumir de uma Vontade própria alcançada naquele quarto da noite, que da Alva o era. Por outro lado,
o peito de um alguém que vivera numa biblioteca as epopéias
e as lendas ditas de uma Antiguidade que lhe era próxima
e, também, de um alguém tocado pela volátil seta do Cupido e que, assim, registrava em Si mesmo como
a Poesia era coisa e Ciência de poucos eleitos!
Aí, o Espírito do poeta encheu-de de uma Energia que espelhava não só o Todo português d então como a fragrância terna d Amor - quiçã, entre isso, também a Sorte (07) de testemunhar n Além-Mar o seu ego belicista. Nele cresceu mais ainda aquele querer
viver a Humanidade entre os heróis.
2
Com pouco mais de vinte anos de idade instruíra-se com um Saber vário que a sua geração nem procurava. A sua apurada memória, aliada a uma inteligência sempre trabalhada para o colocar no cerne de um cenáculo poético-social tão desejado, deixou-o à frente daqueles que, com a sua idade, eram já ociosos matulões palacianos ou monges, marujos, cavaleiros de salteo, bandeirantes..., todos querendo ser o que jamais seriam!
Não queria para si os olhos galegos (herdados da família) que apenas viam o Tempo, ele queria o Espaço d Aventura contra a estupidez ociosa da Ignorância que o rodeava: era
o ousar Ser
com e apesar dos outros para descobrir no mundo os mundos que um Infante, em Sagres, ouvira cantar nas ondas quebradas do Mar.
Para ele, não adiantaria fazer o Caminho de Santiago, não lhe interessava viver o Estar como peregrino do que sabia ser o óbvio mas, sim, que os seus olhos vissem no Mar de Longo, ou nas Terras d África ou d Oriente, com quantas ondas ou quantos grãos d areia se faziam os Heróis que sustentavam a Coroa e o Império dilatando a Fé...
De tertúlia em tertúlia, sempre sob um mecenato fidalgo que o socorria, de deslumbramento em deslumbramento, ele caíu também em borrascas, umas ciladas outras não, até que o desterraram para a lezíria ribatejana e, depois, em degrêdo, a cumprir serviço militar como soldado na praça de Ceuta.
Dir-se-ía que o ainda jovem poeta estava a pagar bem caro as suas leituras de Coimbra, pois cumpria uma Sorte que já vislumbrara antes; só que a tal epopéia particular ele mesclava, pouca a pouco, a grandiosidade dos feitos lusíadas nos mares nunca antes navegados, e antes os dos cavaleiros que na antiga Lusitânia ergueram, a golpes d azeite fervido, a cavalgadas intermináveis e notáveis espadeiradas, o reino de Portugal. Do simples, sem deixar de ser altivo o suficiente, e jovem poeta que deslumbrara já o rei mas deixára atrás de si uma corte d imbecis invejosos e vingativos, nascia
Luis Vaz de Camões
o poeta do Tempo lusitano... quando a Ilusão ainda era chama que alumiava a Nação e a Poesia disso era canção!, aquele que além de ser de Portugal foi também chamado de
principe de los poetas de españa
em uma edição madrilena (08) de seus escritos épicos, em 1639, sob os auspícios de Al-Rey N. Señor Felipe Quarto, e depois que as guitarras haviam silenciado nas Terras d África sob uma bandeira muçulmana (09).
3
A aferição do gênio intelectual não precisa ser feita na epopéia com que ele celebraria Portugal, basta saber como ele se apresentou publicamente na audiência real concedida por aquele que seria insuflado de ventos d Ilusão ao ouvi-lo cantar
Nem me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.
numa lírica de tal desassombro social que um monarca mais vivido poderia fazê-lo padecer por tanta altivez. A astúcia do poeta poderá ter a ver com o seu aprendizado nas boêmias de Coimbra e de Lisboa, mas foi mais o efeito clamoroso de uma causa que lhe atacava o Espírito, lhe formigava o Corpo, uma foz 'onde a turbulência da vida que sonha / sem mesmo sentir a sua voz' (10)...
A apetência do poeta em servir-se da História e n Ela entrar fê-lo encarar D. Sebastião como se fosse, logo ele, filho de fidalgos pobres!, ali o Oráculo urgente de onde o menino que era rei poderia retirar os ensinamentos para a continuação da História - essa, que ao poeta obsidiava literariamente e, no mesmo gesto altivo, deixava no ar a doce sedução das 'Causas que juntas se acham raramente'. Para um monarca sem quaisquer tipos de vivência social e política, portanto, sem Autoridade cívica e fora das realidades do Estado, o discurso poético e mundano de Camões deve ter soado como um cântico d exaltação, o que jamais alguém fizera nos salões da Corte com tanta autoridade e profecia, apesar da presença solene e letrada de homens como Sá de Miranda. Sem pressentir a Voz que fluía, o Sonho que sustentava o poeta influía nos outros os ares de uma jactância que não combinava com a dos conselheiros reais, ou a dos poetinhas de rima adornável, pois, aquela jactância tinha no gênio intelectual o Espaço fértil de uma autodefesa que colocou Camões como a pedra preciosa que, burilada aos poucos, ía refletindo os diálogos sociais e políticos do Império. Mas isso não fez com que as portas palacianas se abrissem tão amiúde para o poeta...
Não é de estranhar que esse engenho o distanciasse de todos os da sua geração - até por que, se algum salteo ele queria levar avante esse só poderia ser d Amor, e só d Amor. Longe dele estava a intenção de fazer o menino que era rei cair em seu laço, escravizá-lo por uma musicalidade poética superior, mas o monarca, insuflado (e também iludido e traído), quis ser o imperador de um Império que desejava maior e maior - por isso, deve ter-se lembrado do engenho cantado por aquele poeta na apresentação que lhe fizera. Tudo o vento levava, menos a Palavra gravada n Alma de um alguém hiante e que era Rei e, em prol do engenho de o ser, quis prová-lo mandando armar uma bandeira que foi a Alcácer-Quibir enfrentar os Infiéis, que isto de ser Rei e ter Engenho são, eram para ele,
Cousas que juntas se acham raramente,
como a História no-lo demonstra na derrota da bandeira e no choro das mil e tantas guitarras que o pó d África sepultou...
Eis como o gênio intelectual do poeta pode ser buscado e trabalhado dentro daquilo que não é a sua Obra maior. Aliás, se n Os Lusíadas (11)
a celebração de Portugal
assenta arraiais poéticos numa Escrita que mistura a essência cavaleiresca com a caraveleira e bebe nos Mitos uma luz que não é estranha ao umbigo camoniano ilustrado na biblioteca e na vivência coimbrã, é porque ele não viveu o apogéu da jactância imoral que alimentou (por falta d Engenho e d Inteligência e mais por falta de Maturidade) o Sonho de um menino rei que quis ser maior que a História; se ele tivesse, ele - Luis Vaz de Camões, vivido essa página negra, talvez Os Lusíadas fosse impregnado, no seu bojo, entre o Todo que é a Obra, a dinâmica da falência das instituições que faziam confundir Rei com Deus, e vice-versa: aí, o poeta dar-nos-ía a epopéia de uma Política diplomática e palaciana que, ociosa entre riquezas fartas colhidas na Escravidão, esqueceu de olhar para o Futuro, deixando-nos nús apesar do golpe astuto de Tordesilhas... Aquele verso cantado diante do menino que era rei e dizendo-nos (ainda hoje, quinhentos anos depois) das
Cousas que juntas se acham raramente
foi uma profecia que ele, regressado da praça de Ceuta sem um olho, pressentíu: era algo que estava para acontecer com ele e com a Pátria que tanto amava, pois
A piedade humana me faltava,
A gente amiga já contraria via,
--------------------------------------
E faltava-me em fim o tempo e o mundo
assim cantava ele (em 1550, e quando a Insulla Brazil não era mais insulla mas um vasto território) ao partir para Goa depois de ter sido encarcerado outra vez por uma estúpida e vã arruaça.
Aos poucos, conhecendo a Humanidade tal como ela se lhe dispunha, o poeta sentia cumprir-se a Sorte - a sua, que a da Pátria ía definhando. Regressou ao Tejo nos Anos 60 daquele Quinhentos e com o manuscrito d Os Lusíadas a salvo, depois de uma epopéia em que ele vestíu finalmente o manto d Herói e que o levou até a participar de um outro salteo (12) nas Terras d Índia. Tanto assim foi que El-Rei D. Sebastião mandou-lhe entregar um subsídio trienal em honra da edição d Os Lusíadas, embora lhe tenha recusado audiência... E então, a Pátria, com o menino que era rei, mergulharia por inteiro no desastre bélico d Alcácer-Quibir. Ao poeta restou assistir. A profecia, ditada pelo seu gênio intelectual e o seu complexo ver nas pessoas a reação à sedução da Palavra, estava ali...
a desgraça da Pátria amada foi a Sorte que lhe coube, também, apesar da Glória de ter visto o seu livro traçar novos rumos para as Letras portuguesas!
4
A práxis intelectual do poeta da gesta que tão ternamente celebra Portugal pode ser tomada como uma autêntica
bandeira cultural
ao fixar na nova Literatura tudo isso e, também, a dramaturgia de um Tempo flagrado na psicologia e na ciência nascentes; e lembro, aqui, a ode que Camões compôs para servir de apresentação a 'Diálogo Dos Simples e Drogas', livro do pesquisador e amigo Garcia da Horta, ou a sua referência ao aparelho da representação dos movimentos celestes de Leonello, para sabermos da sua ligação às novidades da Química e da Astrologia. E, também, para sabermos que ele, o épico que cantou a Odisséia do Gama, soube, pelo livro de Horta, que o Brasil não era uma “ilha” – pois, o que o impediu de celebrar a Insulla Brazil numa mais vasta escrita além daquela “...quarta parte nova” indiciada no Canto X de Os Lusiadas ? Ora, enquanto ele havia bebido entre os orientais, mais precisamente na Cultura chinesa, uma outra práxis de Ser e Estar politicamente na Ordem das coisas e da Humanidade, muito diferente da Ocidental, esta continua(va) implacavelmente sitiada no Culto da personalidade... Camões não pôde expressar na Odisséia do Gama a Luz que encontrára no Oriente; por outro lado, não sendo a Insulla Brazil parte diplomática (...?!) dessa odisséia, e sim a de um condestável feito marujo, optou – talvez isso... – por indiciar somente a “quarta parte” e não se confrontar com o Culto da personalidade (que já havia retirado da ‘crônica brasileira’ nomes importantes como o do astrólogo e diplomata Duarte Pacheco Pereira..., e isso, apesar de o poeta ser tido como um trinca-fortes, sempre! A sua situação de sobrevivência poderia ficar pior. E, como ele mesmo canta(va): “...os meus pensamentos, que são meios/ Para enganar a própria natureza”, na sua Canção X, era preciso cuidar, diplomaticamente da vivência. Um lírico batalhador que, contra um Mal social, fez-se bandeira do Bem por achar que em todos a Vida deve(ria) estar presente – a Vida e as Coisas: como a Insulla Brazil.
Luis de Camões, lírico, épico e dramaturgo, desenvolveu em sua práxis intelectual uma ciranda de criações que o colocaram a par de Virgílio, Ariosto e Homero, entre outros, sendo no entanto um caso particularíssimo... por fixar, enquanto Escritor, os pilares de uma Pátria novíssima e pequena mas que alcançou na Distância marítima um Império fantástico. A importância do autor d Os Lusíadas nas correntes literárias clássicas foi tal que passou a ser, paralelamente, a referência da força psicológica do Ser português nos quatro cantos do mundo - isto é: a sua práxis intelectual foi a
bandeira cultural
que não precisando de golpes de salteo fez fluir, em quietude, o universalismo de um povo único ao cantar-lhe o espírito peregrino.
Podemos observar esta questão por outro vector: quando os castelhanos, com Felipe I, assumiram a Coroa portuguesa, tornaram-se a Nação mais poderosa do mundo d então, e o último da Dinastia Felipina - Felipe IV d Espanha e III de Portugal, mandou publicar no Ano 36 do Seiscentos uma edição especial d Os Lusíadas... esperavam, com isso, comprar a Intelectualidade lusa colocando-a sob tutela de um vil mecenato político; mas, esse Felipe fez imprimir na capa um 'elogio' a Camões: principe de los poetas de España. E então, virou-se o feitiço contra o feiticeiro: a Nacionalidade portuguesa não o era somente pela Coroa, também, e principalmente, por uma Cultura já bem expressa mundo fora pela odisséia caraveleira. Os usurpadores castelhanos, na sua ânsia de limparem o velho Caso d Aljubarrota da História, foram longe... E o Povo e a Burguesia, como um todo, entenderam aquela edição madrilena d Os Lusíadas como a afronta maior feita à Alma magoada de uma Nação ainda em farrapos... Começava aí a resistência do Ser português contra os usurpadores. Também, um novo Tempo que, quer se queira ou não queira, estava embasado no engenho de Camões e na sua sábia
bandeira cultural!
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O relacionamento do poeta entre o seus e a magnífica e esférica e bela Gaia, o 'palco da maravilha e da miséria da vida' (na interpretação de Hesíodo - poeta grego, Séc. VIII aC), teve momentos de sublime alegria quando reconheceu no Amor o caminho mais curto para a Felicidade e a desesperante loucura da Saudade, ou, quando alegando seus conhecimentos sobre a Modernidade científica - ele, que foi conhecer de perto o Cruzeiro do Sul -, fala-nos do Globo que
...que se ergue ou se abaxa e hum mesmo rosto
Por toda a parte tem, e em toda a parte
Começa e acaba
levando aos ainda incrédulos a novidade certa de que a Gaia não era só e que até tinha movimentos próprios, apesar da Igreja!
Essa vivência d embarcadiço e militar iniciou-e no ambiente que era da Maravilha e era da Miséria, como deveria saber d Hesíodo, e que ele mesmo já havia provado em África, acabando por enxergar de novo quando foi combater os turcos no cabo de Guardafu impedir-lhes a galopante mercadância. Ali ele sentiu a vera poesia d Hesíodo. Ali ele percebeu o quanto a Gaia, na já adiantada Seista Idade e percorrida de pólo a pólo depois de Magalhães e El Cano, não passava de uma paisagem onde tudo poderia acontecer a propósito das filosofias engajadas ao jeito vário do ser humano. E então, montando guarda para que a Fé do cristão não sofresse com a mercadância do Infiel, e com ele não desaguasse o Império, também este feito da vil mercadância, pôde ver definitivamente como
os (...) pensamentos, (...) são meios
Para enganar a própria natureza
cantando isso numa das suas poesias de mais alto valor psicológico e literário (a Canção X), mas sem conseguir, ainda assim, atingir o social do cantar bocagiano (13) sobre o mesmo tema - quiçã, porque em Camões o classicismo levou-o a entender, como de resto encontramos nos Portugueses de sempre!, um relacionamento superiormente humano sobre e com a Gaia, e sem pensar jamais que a Humanidade o é em função das naturezas que esse chão lhe oferece, daí, a poesia e a visão d Hesíodo, como a de Bocage, considerar a Vida sobre um palco natural que deve ser respeitado. Para o vivido Camões importou somente o risco da Maravilha sem se dar conta da Miséria imperial da Nação dilatada entre estragos sociais que irrompiam, também, à sua volta, e, com eles, a destruição da Gaia enquanto eco-sistema. E foram os aspectos sociais aqueles que ele sentíu no Espírito e o levaram a considerar a História de Portugal não como um simples quadro épico, mas como um Todo sentimental, principalmente quando no cabo Guardafu deu-se conta da importância da Vida socialmente vivida contra a podridão bélica em que estava embasado e embarcado, lembrando que
As estrelas e o fado sempre fero,
Com meu perpetuo damno se recreiam;
Mostrando-se potentes e indignados
Contra um corpo terreno,
Bicho da terra vil e tão pequeno
como se a Gaia tivesse culpa de o ser e estar e tivesse de suportar-lhe a indignação algo tardia que viera com a Saudade pátria e um romance lá deixado. À incompreensão do vate por tudo quanto passara sobrevivera um instinto que não desenvolvera: o da sobrevivência animal. Ao lírico que vivera uma Vida incontrolada por paixões amorosas e feitos bélicos, restava, então, a recordação das leituras de Coimbra que o tio Frei Bento lhe proporcionara e, com isso, a partir dessa recordação, a sua Escrita épica ganha uma dimensão psicológica que iria enquadrar a gesta lusitana intimamente vivenciada numa dramaturgia imortal e na qual põe o Império exatamente como é: um rol de peças mercantis fabulosamente trabalhado entre povos outros na Distância para crédito do ibérico umbigo e dos bispos do não menos mercantil Vaticano que desse crédito levavam uma boa parte em nome da Cruz. Foi talvez isto que o impedíu de mostrar n Os Lusíadas mitos e gentes e deuses sem grandes dimensões psicológicas, como se pode ler e sentir em
Inda outra muita terra se te esconde,
Até que venha o tempo de mostrar-se;
Mas não deixes no mar as ilhas onde
A Natureza quis mais afamar-se.
Esta, meia escondida, que responde
De longe é China, d onde vem buscar-se,
He Japão, onde nasce a prata fina,
Que ilustrada será co a Lei divina
Olha cá pelos mares do Oriente
As infinitas ilhas espalhadas:
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As árvores verás de cravo ardente
Co sangue Português inda compradas.
Aqui ha as aureas aves que não decem
Nunca a terra e só mortas aparecem.
- e, nessa dimensão épica estava aquele Camões que, definitivamente, via na Gaia o chão e o paraíso possíveis, e começava a
viver a Humanidade entre os Heróis
dos quais, ele era já parte integrante. Também, o triunfo da maturidade enchendo um peito de poeta e soldado, aquele para quem
o ousar Ser
triunfava na infinita e vera Distância portuguesa alcançada com o mesmo brio com que a Nação fôra fundada.
A lição d Hesíodo pairou no Pensamento camoniano como uma sentença determinada pela própria Vida!
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A amostragem da Nação que se diz ser Portugal d Além-Mar, através da Cultura lusófona, já tinha um curriculum de leituras nos Livros de Viagens (14) que, certo modo, coloriam a imagética da Nobreza e do Clero ávidos de mais e maior Poder
(aqui, o Povo e grande parte da Burguesia nascente, não passavam de um detalhe que não poderia subir à luxuriosidade da Coroa e sua mui ilustre Fidalguia)
- pois, faltava então um instrumento literário capaz de galvanizar o Todo monárquico; um instrumento ao mesmo tempo Obra portuguesa e européia (como convinha à Linhagem que unia as Coroas).
Compreendendo tal necessidade, e sujeitando-se a um regresso às noções elementares da Escrita Cavaleiresca, Camões adotou em sua épica um conjunto de criações mitológicas balizadas n Antiguidade e desdobrando, aí, o Ser português-fidalgo (fundamentalmente, eis aqui o quê da falta de personalidade em muitas dessas criações!...) para fazer
a celebração de Portugal
que, muitos séculos depois, seria re-elaborada magistralmente, porque espiritual e psicologicamente tratada, por Fernando Pessoa (15), admitindo este
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
-----------------------------------------
Quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
(16)
re-integrando nessa novíssima celebração o Todo português.
Por que isto? Porque a épica d Os Lusíadas esteve para o luso Império como a borrasca de taverna para o Povo suado e sangrado, sendo que este não existíu no exercício épico-poético de Camões!
E se nessa épica majestosa não houve, ou não coube, o Tempo popular, Tempo e Espírito que o poeta bem conhecia como boêmio e soldado de entre as ruas e cais e tavernas do mundo descoberto!, ficou de um modo geral o Espírito universalista e aventureiro do Ser-português que, entre suores e sangues fez da Vida de peonagem e de marinhagem
a celebração de Portugal
mais farta e mais real que uma Pátria pode(ria) almejar em sua História. E no mais (como em tudo!), foi o Povo cantado pela Escrita Pessoana que foi ao cais, que fez navegar as caravelas, que foi aos mundos da Terra, que fez a odisséia na Insulla Brazil - aquela odisséia que Camões equeceu por ser, à época, coisa d Estado nas vozes miúdas, e de pouca monta para a Coroa à qual só Ouro e Diamantes e Especiarias já sabidas mereciam atenção; foi o Povo (e basta lembrar Aljubarrota e a Restauração, esta, apenas 60 anos depois d Alcácer-Quibir e sob domínio castelhano) que sempre soube resistir às adversidades para não deixar cair o Ser-português...
A lírica e a épica de Fernando Pessoa, assim como, antes dele, o coreto popular e desenraizado de Bocage, derrubaram tal pre-conceito de Camões... que não era apenas social mas também histório, fundamentalmente histórico e não ideológico! Ora, n Os Lusíadas não se vislumbram nem as resistências populares que seguraram Portugal nem a saga marujo-bandeirante na Insulla Brazil.
O que estava em causa (e isso era peculiar na época e da Cultura feudalista, ainda) era a ideológica lealdade à Coroa, daí que entre aos livros ilustrativos do Portugal d Além-Mar viria a juntar-se uma Obra literariamente majestosa que, por um lado, seria o historial do mercantilismo lusitano e, por outro, o tributo das Letras e da Erudição à Casa Real. É injusto afirmar que essa Obra esqueceu deliberadamente o Povo. Nada seria mais falso! É que à época
falar d El-Rei era falar de Deus e era falar do Povo
mas Camões pecou: não teve sensibilidade para retribuir ao Povo as glórias de Portugal, essa nação d alma grande (17) que espelhava, afinal, o Querer e a Vontade populares. Esta sombra que pairou, e paira, sobre Os Lusíadas, é um sombra que é, também, um detalhe de observação que não ofusca de maneira alguma a nação d alma grande que Camões quis e soube captar com erudição, nem tampouco prejudica a Obra que é produto de um classicismo acabado e inovador - direi mesmo: à imagem daquele fabuloso rendado normando-gótio que tanto impressionara o poeta...
Quando, naquele último quarto da noite, entre Coimbra e Lisboa, o jovem Luis Vaz de Camões sentíu-se atraído para o
viver a Humanidade entre os Heróis
não esperava que teria de passar e viver pelo Tempo popular e de lhe compartilhar o Espaço (na masmorra, na taverna, na alegria e no ódio, na doença e na miséria, no desterro, na glória da peonagem e da marinhagem)... Mais tarde, ao dar-se conta dessa outra realidade chamada Povo, já Os Lusíadas era livro publicado!, Camões cantou o umbigo dilacerado numa lírica romântica em que os vestígios da existência de um Povo se fixeram sentir, como um reflexo tardio na mente do poeta-herói. O seu sofrimento, no isolado cabo Guardafu e nos salteos contra o Infiel turco, não era mais que
o sofrimento de um Povo ousado mas esquecido na Distância alcançada
(o que acontece até hoje no que à Diáspora lusa se refere)! Não poderia ele ser indiferente àqueles com quem partilhou o universal ser-Portugal, porque ninguém se faz Portugal no acaso, e sim pela Saudade própria de estar Portugal em qualquer lugar, porque
.. se é partida e fuga
(...) sempre deixamos alguém à espera
(18)
fazendo-se sentir o fero sentimento da Saudade. E aí, a heroicidade do militar era já irmã gêmea da heroicidade do poeta... Também, porque
Os cais tocados pela lusa ousadia
são Espaço e são Tempo de um futuro vivido: o Espírito
d Eternidade que alia
o Todo exterior ao dizer íntimo do querer vivido!
(como declarei em palestra sobre o assunto). E interessa explicar, se tal é preciso..., que a repugnância camoniana em aceitar o Povo como chave da Independência e da Expansão lusas não impedíu que a Burguesia e o próprio Povo tomassem Camões como poeta seu, e que uma indignação geral se tenha apoderado de todos quando os usurpadores castelhanos publicaram aquele 'principe de los poetas de España' - sim, que no caso estava em jogo o Ser-português! E estava provado, assim, que uma Obra cultural, como a camoniana, poderia transformar-se na vitrine de uma Nação por inteiro e a partir da matriz, mesmo que tendo a Expansão imperial como enredo principal.
E então, já não era um livro de paisagens do Portugal d Além-Mar, ou das Cruzadas, ou do Mercantilismo: a epopéia d Os Lusíadas passou a ser a Embaixada natural da Língua e da Nação portuguesa, e até a República viria a adotar a Obra como sua...
7
Esta leitura sobre Os Lusíadas e o gênio intelectual camoniano levanta algumas interrogações, não ao nível da
bandeira cultural
que tão criativamente o poeta levou adiante, mas no que ao interesse social e histórico diz respeito.
Luis Vaz de Camões
tem sido lido e interpretado à luz de um interesse crítico que não lhe levanta o jeito d Estar na Vida, sendo que uma Obra literária é indissociável do Autor e dos seus passos no dia a dia -, por isso, Fernando Pessoa sentíu-se, depois de o ler e interpretar, na obrigação pátria de dar aos portugueses aquilo que de direito lhes pertence, como Povo e como História!
E nada mais salutar na Literatura que o Espírito crítico construtivo para dimensionar aquilo que fomos e somos, no individual e no coletivo. A Escrita épica e lírica d Hoje continua a d Ontem com o mesmo Espírito lusíada, mas não estamos mais sob a tutela de uma Política absoleta e ociosa, o que, também (entenda-se...), não nos faz mais portugueses que os d Ontem! E no entanto, os portugueses que vivem Portugal na Distância continuam tão isolados quanto a solidão madrasta que Camões viveu!
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Tornando ao esquecimento camoniano em torno da questão-Brasil, também o luso-flamengo Pero de Magalhães Gândavo (19), ao que se sabe, amigo do poeta, e que conheceu a Insulla Brazil e suas gentes, não foi além de uma Escrita sobre o mercantilismo e a geografia - aliás, os nativos são por ele arrolados como mero produto de venda e troca. Este exemplo da (absurda e estúpida) superioridade do Letrado e do Fidalgo (e este, na maioria não era Letrado!) - superioridade em relação à mão-d obra, dá-nos o traço forte de uma época em que tudo era tido como e para a Coroa, visão cavaleiresca e mística que apenas produzíu miséria sob a benção do Papado quando o relacionamos com o Humanismo que irradiaria por toda a Europa, e que haveria de levar as gentes e os emigrantes na Insulla Brazil, dita já Sancta Cruz e Brasil, a tratarem-se como Brasileiros sob o ideal da Independência e abrindo outros caminhos. Entretanto, como nos informa Alfredo Bosi (20), ainda por nesse Tempo de fascínio pela Coroa e sua ociosidade à custa do Povo, o emigrante e vereador (na Câmara da Bahia) Gabriel Soares de Sousa (1540-1591) escreveu um 'Tratado Descritivo do Brasil' no qual o Povo assumia finalmente uma dimensão cultural e religiosa. Era o início de algo que iria mudar tudo e até a Literatura. E então, o esquecimento de Camões teve mesmo a ver com as peripécias políticas e religiosas de Tordesilhas e com o 'achamento' da terra do pau-brasil (que as Coroas lusa e castelhana já conheciam muito bem) - mas, naquele instante, o que interessava a Portugal era a Índia e não outra coisa. Era o bem já conhecido que movia os interesses da Coroa portuguesa sob os investimentos financeiros dos judeus de Antuérpia, que também se utilizaram do pavilhão da Ordem de Cristo.
Ao tomar a vida sócio-militar do Gama como peça fundamental do enredo da sua Escrita épica, Camões não poderia, formalmente, encostar aí a questão cabralina, mesmo tendo conhecimento das cartas de Caminha e do Mestre João sobre o assunto. Era um caso diplomático de raiz profundamente econômica! N Os Lusíadas não foi achado espaço para a questão cabralina, ou brasileira, essa odisséia lusa na insulla distante mas localizada já em mapas do quatrocentistas. Foi um erro cultural, humano e político, que pôs Os Lusíadas não como peça do Portugal d Além-Mar mas como Obra de importância relativa no estudo da Língua e da Cultura portuguesa na Insulla que viria ser a Nação brasileira! Era já o estertôr do Império luso. E se Camões viveu a primeira fase desse declínio, soube ainda reconhcer a importância mercantil e paisagística de uma Sancta Cruz que Gândavo lhe dera a observar e a que ele dedicaria uns parcos versos de apreentação formal.
As razões que levaram ao esquecimento da questão brasileira estão, e podem ser observadas em síntese, na estética e na práxis intelectual que fez de Camões um clássico inovador - no entanto, e infelizmente, sem a grandeza do Humanismo que só tardiamente reconheceria e nos daria em sua Escrita lírica. Dilacerar o Infiel turco e dilatar a Fé cristã era o propósito ideológico da época, e todos contribuíam para esse fim. Ora, estava a Insulla Brazil muito longe de tal contenda religiosa-mercantil, e sendo o povoréu arrolado nas entrelinhas da Epopéia geral, nada mais poderia acontecer que o esquecimento...
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E isto dá-me força para, ao falar da celebração de Portugal (e sob a êgide da Casa Real, respeitando aqui o Tempo histórico), considerar e fazer justiça a
Camões - o poeta do Tempo lusitano
pois, ninguém mais do que ele (porque vivenciou a época como soldado e como intelectual) soube interpretar a saga lusíada com um joelho no chão pátrio e o olhar no rei, que ali era Deus e era Povo!
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A astúcia do Escritor, vivendo a essência quinhentista da Seista Idade e embrenhado que estava numa Filosofia religiosa ainda atrofiadora do Indivíduo, fê-lo aproveitar as oportunidades e as amizades (como as dos Condes de Linhares, que o levaram à Corte) para tornar-se
um nome falado, embora mais odiado que amado!
E enquanto Camões exaltava em D. Sebastião a febre imperial e cavaleiresca, outros, como Pedro da Costa Perestrelo (também um épico e autor de uma 'Carta a D. Sebastião'), aconselhavam-no a não entrar em aventuras precipitadas em terras d Infiéis.
Portanto, não se pense que o ato de ajoelhar ante o monarca impedia um intelectual de o criticar construtivamente, de o fazer ver e sentir a Razão. Mas o poeta Camões vivia outra dimensão, menos realista: a poesia d Antiguidade, os feitos e as visões dos velhos que haviam fundado Portugal e alargado para lá da Terra conquistada os seus limites, incendiaram a Vontade camoniana. Que margens poderiam conter esse rio que encaminhava-se para a maresia épica? Nada. Nada iria corromper esse posicionamento e a bandeira cultural que o jovem tinha traçado para si mesmo naquele Alvor que lhe emergia de uma Modôrra onde o descanso não fôra!
A atitude de Camões visava viver uma Humanidade que só existia no espectro heróico-belicista, e o seu querer
viver a Humanidade entre os Heróis
condenou-o desde logo a uma Existência precária, turbulenta, à qual só resistíu mercê dessa astúcia e desse gênio intelectual muito superior ao daqueles que o rodeavam, amigos e inimigos. Sem dúvida, a Ilusão fez o Escritor épico, aquele que mexeu em tudo e todos para sustentar-se entre as fantasias que eram, afinal, a ostentação do seu Tempo: o Quinhentos. Vivenciando a miserabilidade mas não a tomando como sua, ou vendo a opulência e dela não tirando proveitos críticos, Luis Vaz de Camões veio a se conhecer humanista quando Portugal era Nada sob o pó d África e era d Espanha... quando, já consagrado autor d Os Lusíadas, se foi amortalhado na miserabilidade de um ambiente dengoso e egoísta mas no qual ainda (e por isso mesmo...) bebia a celebração de Portugal!
01- Mosteiro da Batalha
02- Em 1500, a Noite dividia-se em 3 Quartos: Vigia, Modôrra e Alva. Cada Quarto compreendia 8 Relógios (ou
Ampulhetas) de 1/2 Hora
03- Universidade de Coimbra
04- FREI BENTO - Frei Bento de Camões, tio do poeta e bibliotecário da UC
05- VAZ DE CAMÕES, Simão - pai do poeta, era originário de uma família fidalga da Galiza (norte de Espanha)
06- A Idade do mundo após o nascimento de Jesus e que vai até o final dos tempos (se outra não fôr inventada)
07- Na época, combater pelo Rei (fosse qual fosse o motivo) era uma Honra suprema
08- OS LUSÍADAS - edição comentada por Manuel de Faria e Sousa (Madrid, 1639)
09- BARCELLOS, João - in SONHO, poema escrito em Casablanca, 1973, e publicado na OFICINA - 1989)
10- BARCELLOS, João - in FOZ, poema escrito em Coimbra, 1975, editado na mesma revista
11- OS LUSÍADAS - 1º Ediç., Lisboa-1572
12- Camões participou de expedições militares (salteos) em Goa, Malabar, Mar Vermelho, Golfo Pérsico, Macau
13- BOCAGE - Manoel L Hendroux Barbosa du (1765-1805)
14- Roteiro de Viagem de Vasco da Gama, de Álvaro Velho; Carta de Caminha; A Verdadeira Informação Do
Preste João Das Índias (1540), de Pe Francisco Álvares; Corografia (1561), de Gaspar Barreiros, e outros
15- PESSOA, Fernando - (1888-1935)
16- MENSAGEM - poema épico/espiritual de Fernando Pessoa (1934, Lisboa -poema Mar Português)
17- BARCELLOS, João - in Os Descobrimentos.... (Prêmio Pedro Álvares Cabral, ensaio – Br., 1990)
18- VERAS, Dalila Teles - in Madeira - Do Vinho À Saudade (Cadernos Ilha N º3, Madeira/1989)
19- in História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente chamamos Brasil (Lisboa, 1576)
20- in História Concisa da Literatura Brasileira (3ª Ediç., Cultrix, 1987)
JOSÉ DE ALENCAR
O eterno Sr. Ig das preocupações brasileiras
entre o Realismo e o Romantismo.
1 A Questão Alencariana
A pujança social e cultural do Séc. 19, no Brasil, teve no Romance nacional o seu apogeu. Os diversos ismos da Cultura ocidental, com ‘epicentro’ na luzidia Paris e na musical Berlim, geraram contradições e ambiguidades na Europa, e, com uma Literatura em formação, o Brasil operacionalizou uma gama de concepções literárias entre os ismos da Realidade concreta e do emocional Romântico.
Um dos principais representantes da variante que, em palestra em Buenos Aires (Fevereiro de 1994), defini como estética da contradição, foi o oitocentista José de Alencar.
Antes de abordar a Questão Alencariana, observo que os ismos lítero-sociais aqui em pauta sugestiona(ra)m a extrapolação daquilo que tecnicamente têm como fronteiras: o Realismo concebe, desde a Idade Média, uma doutrina onde o Real é uma práxis cotidiana, pelo que o Ser o É no seu concreto Estar, enquanto o Romantismo oferece o Mundo não uma doutrina propriamente dita mas uma estética de vivências balizada no Sentimento e na Imaginação, tanto que o seu desenvolvimento, com maior ênfase literária no Séc. 18, alastrou-se à Sociedade como um todo gerando um Pensamento aberto para a introdução de políticas mais próximas à própria Humanidade e às raizes populares. É nestes parâmetros lítero-sociais que encontro a Obra Alencariana enquanto paradigma da Cultura Brasileira Sob Língua Portuguesa...
José de Alencar, lembrando aqui a excelente análise do professor e poeta Francisco Igreja, no seu livro A Semana Regionalista De 22 (Ed. Edicon, SP-1991, ediç. esg.; também título da tese que defendeu diante de Afrânio Coutinho, no Rio de Janeiro), trouxe para o campo literário o Realismo pujante da ‘selva’ humana chamada Brasil, em toda a sua vivência colonial e post-colonial, mas não deixou de fazer o mesmo quando tratou da ‘sociedade urbana’. E, entre os épicos O Guarani e Iracema, de tratamento linguístico sob o impacto do Realismo, encontro, por exemplo, Senhora, o típico romance palaciano que para muitos pode ser o apogeu do romantismo alencariano mas que, a meu ver e enquanto leitor, declara universalmente e mais uma vez o Realismo daquilo que é e representa o Poder econômico.
A Questão Alencariana oferece-nos, pelas contradições de Romantismo que a Obra tem como recheio, uma ampla gama de casos que (nos) leva a um estudo cada vez mais profundo. Estudar os quês da escrita de José de Alencar é um desafio cultural!
Apreciar o épico e o romântico José de Alencar à luz dos ismos culturais ocidentais é, de fato, uma aventura fabulosa.
Antes dele estudei (como caso brasileiro na Língua portuguesa), nos Anos 70, em Santiago de Compostela e em Vigo, à luz de estudos minho-galaicos, um outro escritor brasileiro a propósito de dois livros: O Vil Metal, um romance, e Os Bandeirantes, um poema épico, trabalhos do paulista Baptista Cepellos na vera significação da estética humanística. Enquanto – ora, permito-me um brevíssimo estudo comparado – a obra cepelliana, que continua desconhecida dos brasileiros apesar da recomendação de críticos como Olavo Bilac, expunha o Poder econômico como ‘arma’ da Razão contra o Sentimento (da qual ele mesmo foi uma vítima no célebre Caso Gomide...), a obra alencariana fica ‘em cima do muro’ para interpretar não o drama brasileiro, como faz exemplarmente Baptista Cepellos, mas a contradição de um Romantismo prenhe de uma práxis de Realismo pouco sutil.
Interessa notar – aqui, talvez seja melhor anotar – que a obra alencariana inicia-se na Imprensa, sob o pseudônimo de Ig, com farpas, flechadas, facadas e tudo o mais, em artigos contra o poema épico A Confederação De Tamoios, escrita em 1856 por Gonçalves de Magalhães...
Homem de leis, jornalista, deputado e quase Ministro da Justiça, José de Alencar ‘viu’ na épica do médico Gonçalves de Magalhães a possível estratégia de um algo contra o Brasil, enquanto questão nacionalista. E o Sr. Ig, diga-se José de Alencar, alimentou o seu viver-em-contradição desde esse evento político e lítero-social. Mas esse Sr. Ig também passeou pela escrita de notáveis como Menotti del Picchia, Monteiro Lobato, Antero de Quental (este, um paradigma em Portugal, assim como António Ferro), Manuel Bandeira, etc e etc, porque muitos escritores buscaram e buscam no Romantismo uma linguagem que lhes permita diluir a ‘pedra no meio do caminho’ que é o Realismo autêntico, ou, pelo menos, dar ‘outra cara’...
Ele, que nasceu cearense, em 1829, e morreu carioquíssimo, em 1870, pôs toda a sua dinâmica sociopolítica na Cultura, histórica e literária, que passou para a Sociedade brasileira: era, antes de tudo, um homem de e no Poder , ora, o Romantismo que vestia na aventura romanesca, por ex., em Senhora, exprimia mais as realidades de raiz primária em razão, como observa muito bem Antônio Cândido (in Formação Da Literatura Brasileira, Vol. I, Ed. Itatiaia, RJ-1997), do “nacionalismo infuso” que em uns prejudica(va) o corte criativo e recriativo e, em outros, acrescento, ajuda(va) a mascarar outros conceitos. Quando o próprio imperador brasileiro D. Pedro II, como também o mesmo Antônio Cândido nos lembra (op. cit., Vol. II), saiu a campo sob o pseudônimo “Outro amigo do Poeta” para defender o épico Gonçalves de Magalhães, ficou claro e público que a crítica selvagem ao poema A Confederação de Tamoios não era um mero e vero exercício de crítica literária, mesmo sendo, de fato, aquela peça poética um trabalho ‘menor’ se se levar em conta outras obras e outros autores da mesma área. No entanto, os artigos publicados na Imprensa carioca notabilizaram o estilo alencariano de ver, sentir e mandar ver...
E à parte esta questão, recordo a oportuna e serena observação de Massaud Moisés (in A Literatura Brasileira Através Dos Textos, Ed. Cultrix, SP-1980), acerca d’ O Guarani, quando menciona as diversas variações ficcionais que a obra oferece – i.e., a vertente romântico-realista que já aí a postura literária alencariana assumia como peculiaríssima estética de contradição.
Na conferência que proferi, em Maio de 1996, para professores de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira, e nas aulas que orientei em 1997, em São Paulo, sob o tema A Importância Das Tensões Sociopolíticas No Enquadramento De Uma Literatura Nacional, sublinhei (como já o fizera em 1991, em palestras na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, e na Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo, a propósito de Pessoa e de Machado), que
“(...) o princípio da contradição romântico-realista
desenvolvido por José de Alencar
teve alicerces mais em preocupações estritamente pessoais
relacionadas ao Poder do que em relação à Literatura... mas, serviu ainda para ajudar no implemento de uma genuina Cultura nacional(ista) que, logo, a obra machadoniana iria enriquecer, não contra a Língua Portuguesa mas desenvolvendo uma Literatura Brasileira escrita e falada em português desenvolvido na miscigenização étnico-cultural fecundada no Colonialismo (...)”.
Tenho, para mim, que José de Alencar alimentou a sua obra literária cm a sua própria ascensão ao Poder sociopolítico e econômico e, aí, produziu essa peculiar estética de contradição que o tornou paradigma da Cultura Brasileira.
2 O IG DAS NOSSAS PREOCUPAÇÕES
Do estudo e da representação, em alta recriação cultural, daquilo que, como defendia Almeida Garrett, era o Brasil da realidade cotidiana, fosse pela épica poética ou romanesca, fosse pelo romântico tratamento estético, resultou o que convencionou-se (a meu ver erradamente) chamar de Indianismo.
Se lembrarmos que Luis de Camões, no Séc. 16, cantou os feitos de Vasco da Gama no épico Os Lusíadas e tendo em conta uma linha de favorecimento ao Poder econômico personalizado na Coroa Portuguesa, já Fernando Pessoa cantou o mesmo tema no Séc. 20 indo além da escrita politicamente correta quinhentista na sua Mensagem, eis que Os Escravos, de Castro Alves, assim como O Mulato, de Aluizio Azevedo, abriram as portas para uma
épica brasileira
tendo a Questão Nativa como eixo
do desenvolvimento literário entre o Real e o Romântico,
portanto, Brasilidade e não ‘Indianismo’...!
Estava, pois, declarada a linha da estética de contradição – estética essa que não se encontra na sua totalidade no já referido e polêmico (para uns) A Confederação De Tamoios, mas encontramo-la em todos os escritos de José de Alencar e, por vezes, no próprio Olavo Bilac.
A aceitação geral da manifestação garrettiana pelos escritores brasileiros levou, mais tarde, Machado de Assis a transformar-se na ‘fonte de recursos’ da Cultura literária brasileira. A ‘descoberta’, tomada, miscigenização e branqueamento da Insulla Brasil deixou um traço vário soiciocultural que impregnou historiadores de todo o Mundo já no Séc. 17, mas seria no Séc. 19, que
José de Alencar incorporaria
o espírito de corpo contraditório
tão presente na luso-brasilidade,
principalmente entre as pessoas fidalgas
e grudadas no Poder,
como diria o notável D. Luiz António – o Morgado de Matheus
que moralizou politicamente a Capitania de São Paulo
no Sé. 18 (1765-1775)...
e, por aí, apercebeu-se o gênio alencariano que o Brasil cultural deveria produzir e consumir o seu próprio ismo!
Do tratamento sociocultural e político da Questão Nativa surgiu, como lembrou e bem o poeta e professor Francisco Igreja (op. cit.), o Regionalismo cultural que, em 1922, serviria como ‘núcleo duro’ de sustentação à Semana Moderna... A regionalidade cultural estruturou-se nos vários aspectos da obra de colonização política e religiosa e, súbito, a Intelectualidade nascente apercebeu-se de um País que não era o ‘contraditório’ Portugal além-mar, sim, uma região que caminhava estruturalmente para ser um novo País e onde o Realismo era tão concreto quanto o Romantismo que lhe dava forma e novas fontes, que a criatividade alencariana tomou para si.
Na vera percepção do seu trabalho literário, social, jurídico e político, José de Alencar foi um realista por inteiro, a contradição só aparecia quando no épico urgia a universalidade do romântico, mas tal estética, se o levou à notoriedade nacional, impediu-o de concretizar (...lá vem aquele ‘algo’ real do cotidiano fulanizado) um sonho maior: ser ministro do Império brasileiro! Se mais não existisse para provar a contradição tensionada lítero-socialmente e imposta a si-mesmo, a derrota do homem público (em função dos textos do Ig) prova(-nos) o quanto de Realismo era feito o pensamento e a práxis do sutil mas eficiente Romantismo alencariano.
E aqui, também, a realidade vivenciada pelo Sr. Ig no universo brasileiro.
Afinal, a genialidade alencariana dera à luz um protótipo de peculiaridade sociopolítica nacional: a contradição romântica vestindo as dificuldades da Razão no seu apego ao Poder. Sim, que o que às vezes é verde por fora é vermelho por dentro. Ou, a camaleônica essência do Sr. Ig consubstanciada na nata disponibilidade para o Poder mesmo esbracejando ‘em cima do muro’, como (nos) ensina a histórica Luso-Brasilidade que fez o Brasil-Nação. A questão aprofunda-se quando esse tal de Ig alencariano transpõe a sua estética sociopolítica para o campo literário... Existe, na estética de contradição tão buscada e tão alimentada por José de Alencar, a essência do Ser que o É porque se sabe Estar adequadamente no dia a dia entre um pé-de-valsa e uma pesquisa de mitos nativos! Daí a sua facilidade em tratar assuntos políticos, econômicos e sociais, psicologicamente traumáticos, e particularmente os do universo feminino, como em O Guarani ou em Senhora.
Eis-nos, então, diante do escritor e político José de Alencar, e do Ig-ele-mesmo, como operador(es) de uma linguística romântico-realista dos grandes temas brasileiros à luz da História e da Sociedade.
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
variações em torno de um homem em busca
do eu na curva do ser e do não-ser
1- Introdução (do Autor)
2- Mário de Sá-Carneiro (variações em torno de um homem
em busca do eu na curva do ser e do não-ser)
3- Apêndices 3.1 Mário de Sá-Carneiro - Hoje, Cem Anos Depois;
3.2 Hoje, Que É 1990, Que Viva Mário de Sá-Carneiro)
3.3 Mário de Sá-Carneiro Revisitado Pela
Escrita de João Barcellos, por Marc Cédron.
INTRODUÇÃO
I
não sei até onde há limites
naquilo que somos
nem sei como é o sobre-viver além deste
corpo que nos transporta ou transportamos
talvez como parte de uma missão
mas sei que tenho o poder e o direito de ter tal poder
para uma decisão limiar quanto a mim
quanto ao eu em que se espelham o amanhã que foi ontem
porque hoje o é
na realidade o espírito que sou neste eu
pode ser um ou vários e se me cansar do corpo
que os carrega mando-o para a fogueira
pedindo aos que ficam o favor de lançarem
as cinzas nos ventos próximos d águas do mar ou do rio
e creio que foi o que sentiu o poeta sá-carneiro
ação que fernando pessoa perspectivou ao divulgar
aquele que ao mesmo tempo era por um lado o português
iluminado e por outro o português não correspondido
pela nação que também queria pouco à alma pessoana
II
quando me convidaram para falar sobre mário de sá-carneiro
olhei dentro de mim e consultei o velho oráculo
os céus não caem nem o mar te vai galgar
e aí decidi que a vida sá-carneiriana foi muito da vida lusa
nos quatro pontos da terra e um cântico à memória
desse mesmo ser-português
III
não sei se interpretei o poeta na sua poética
e na sua vivência coreográfica
mas sei que me senti muito bem
sendo assim o outro portugal
joão barcellos
1
Nascer para depois não acreditar na Missão Humana que o corpo transporta parece ser, para alguns, o estigma maior da nossa Existência.
Enquanto uns entregam-se à dimensão espacial do corpo aguardando a possibilidade de outra estética existencial, transcendente, outros só conseguem esse êxtase do corte quotidiano ainda na penumbra da Criatividade.
Será que o não acreditar no Ser em si, no corpo como instrumento de Vida e de Mensagem materializada, pode ser considerado um fator de decadência?, ou um sublime momento de endeusamento do Pensamento contrariando as filosofias quotidianas?
A marcha da Humanidade no Tempo pode não ser aquele 'Cavo num palmo de terra dos fundos a sua cova' (1), mas é, na maioria das vezes, um relógio cujo mecanismo nos faz crer que, a cada Espaço tomado, vamos retirando um grão da Terra que nos há de cobrir... Esta questão surge quando relacionamos os nossos passos com os da súbita Morte de um bicho d estimação: no palmo de Terra que lhe destinamos abre-se a perspectiva da nossa própria Morte; e, quando isto penetra a figuração cênica que somos no quotidiano, (podemos) conceber aí que o Pensamento é a nossa única saída - ele, o Pensamento, é o Deus único que nos enche de Criatividade, faz-nos Vida e Morte. E então, se podemos agasalhar um bicho d estimação com um palmo da Terra do quintal, também podemos equacionar a parada do relógio-que-somos perspectivando a saída da cena como parte da quotidianidade - i.e., determinar o nosso Tempo através do ato de Criação e pensando n Ele como ato final do corpo e não do Espírito-que-é-Memória. Ao pôr o Pensamento além do mecanismo celular, como Deus único, e até como agente do Cosmo que nos cerca, um Ser percebe que nasceu como uma bomba que um dia vai implodir e, por isso, uns determinam que assim não será: eles dirão da sua Hora!
Ouve-se dizer, entre especialistas de psicanálise e curandeiros (entre o sofisticado que tenta curar e o naturalista das florestas que faz o mesmo ainda não descobri diferenças...), que o Suicídio pode ser o vértice do desespero e, também, o clímax de uma personalidade múltipla cujas máscaras psicológicas lhe atribuem o ato final como expressão do Todo humano realizado, espiritualmente, em corpo sofrido (lembrando aqui o ato camiliano).
Teria sido este Todo Humano realizado que levou Mário de Sá-Carneiro a praticar o Suicídio?, ou os Outros que o habitavam precipitaram-no quando a Glória era chegada?... pondo, aqui, um pouco da luz que o gênio pessoano via lá no fundo d alma sá-carneiriana...
A solidão, em Mário de Sá-Carneiro, está realçada na sua obsessão pela primeira pessoa: encontramos o narciso em flor, perdido na curva do Ser e do não-Ser, e nas divagações, possíveis e impossíveis, de textos escritos sob tortura metafísica, porque de um Espírito que quis (assim parece pela leitura das cartas endereçadas a Fernando Pessoa...) identificar-se, entre seus pares, como mártir-criador de uma Vida - e que, para ser ele-mesmo, ao atingir o climax da Obra humana poderia considerar-se um algo supremo, um Deus decidindo a tragédia e a heroicidade. Da sua solidão e quotidianidade ao conceito de ser-entre-criadores, pode crer-se que Mário de Sá-Carneiro entrou na especulação deixando-se afogar nos líquidos da farsa dramática para encontrar-se com o Espírito-que-É através da Memória - aquela que mantém o herói em cena no Tempo depois que deixou de ser Espaço. Na realidade: o Sacrifício. Bem no jeito dos antigos gregos e egípcios e celtas. Ora, sabemos que na Antiguidade grega, que bebeu tal exercício espiritual do xamanismo de tibetanos e de celtas, os heróis eram tidos como personalidades únicas e capazes de conservar a Memória pela realização de um ato exemplar no Tempo de vivência do Espaço que é o corpo (3) - i.e., o Saber era passado como um ritual de geração em geração mas sem registro escrito: um poder espiritual. Imbuído deste Saber que fez a Antiguidade e que se espalhou por todo o mundo através, mais especificamente, da diáspora céltica, o espírito sá-carneiriano vivenciou-o intensamente.
Rolo em mim por
uma escada abaixo...
(4)
O complexo viver um estar com e entre os outros mortais é, para um alguém cuja sensibilidade o leva a escrever coisas como
Entre os amigos com quem ando às vezes
-----------------------------------------------------
Que escrevem, mas têm partido político
(5)
é, continuo, uma fórmula da qual pode projetar aspectos do seu Espectro aumentando, aí, a fortuna crítica que lhe enche já o baú psicológico (para usar uma expressão do psiquiatra e amigo Marc Cédron).
Teria sido isto um dado adquirido e de tal maneira interiorizado que levou o solitário (mas imenso) Mário de Sá-Carneiro a mergulhar escada abaixo e, em si, encenar o espetáculo final do Espaço das máscaras? Sim, eu creio que sim... Ele fez da liquidação do seu Espaço visível/palpável a glorificação de um Eu que entendeu as misérias materialistas e anti-poéticas do universo humano das futilidades. Nessa encenação da Morte anunciada, ele pedia batam em latas, porque era a festa folclórica e íntima que exaltava: o Eu exercendo as amplas liberdades de decisão sobre Si mesmo.
Exercendo sobre si mesmo as amplas liberdades de decisão, que o Saber antigo ainda nos transmite, para transformar-se em imortal, o poeta que nasceu poucos dias antes do ato final camiliano, chamava a si a análise de um Eu sublime e poderoso dando conta d o baú psicológico em que mergulhara - aí, era já o Deus decidindo... Ao considerar-se um artista-herói no auge das possibilidades oníricas e transcendentais, o poeta participava a si mesmo e aos seus pares (e mais a Fernando Pessoa que a outros) a decisão una de encontrar-se para lá da curva do Espaço visível. Talvez estivesse perdido na sua relação com as vãs filosofias e políticas que o rodeavam, mas estava, e ele no-lo demonstra eficazmente!, bem certo do caminho espiritual que teria de percorrer.
Intelectual entre permutas equacionais constantes, Mário de Sá-Carneiro personalizou, com espírito agudo e radical, aquilo que quase todos os intelectuais exercitam no dia a dia da Criatividade exterior e interior: a Psicologia. As máscaras (que todos possuímos, compreendidas ou não) eram, para o espírito sá-carneiriano, as variantes do seu gênio socialmente afastado dessa quotidianidade filosoficamente vazia.
Para o seu grande amigo e, também, seu muro de lamentações existenciais - Fernando Pessoa - , as máscaras geraram um outro mundo literário e ideológico para lá do próprio espírito pessoano; este outro poeta, também nascido em Lisboa, criou um universo pátrio e literário (imbuído de um espírito druídico que, hoje, revela-se a todo o instante entre as novas gerações atentas à pátria culturalmente assumida em todos os quadrantes da lusofonia!) que fez levantar a neblina da solidão que bloqueava Portugal - sim, Fernando Pessoa é o poeta e a nação: o Portugal e Tudo. Ao contrário, Mário de Sá-Carneiro foi o poeta e o Ser vivendo a exata dimensão, a única, a que lhe permitia equacionar não o que era como ser-português mas o Ser-em-si, e indo ao espírito pessoano com suas confissões e sua subversão psicológica.
Se para um as máscaras suportavam um peso histórico e faziam da História portuguesa o anfiteatro de uma Magia onde a Simbologia vária era mais o Pensamento face ao instante em-descoberta, para o outro, o que estava em causa dizia respeito somente à sua grandeza de Ser perdido no emaranhado da travessia humana no Espaço que lhe era intelectualmente desfavorável mas que tomou como Tempo seu para dele se libertar em-Consciência. Vêmo-lo como herói de um Tempo na sua expressão material, e o poeta como Memória de um universo já revisitado. A mistura dos dois tempos foi, creio, a pré-visão que permitiu ao poeta sentir o clímax da Imortalidade. Assim, se atendermos a que '...a idéia de um outro mundo, ideal, como a idéia de Deus, atentam contra a Vida, negam a vontade de viver livremente, de aceitar a Existência' (6), como manifestam alguns, também podemos colocar o espírito sá-carneiriano como desmascaramento da Vida, tentativa de busca de Identidade para lá dos novos (que muitos querem 'velhos') conceitos ocidentais, mesmo considerando-se que indo escada abaixo ele queria conhecer/ser suas próprias máscaras. Daí, o espírito sá-carneiriano foi a anti-máscara, o Pensamento absoluto desmultiplicando as conexões numa dialética de sobre-vivência após a precária travessia. O poeta não tinha uma tela, como Picasso, ou uma câmara de filmar, como Einstein ou Oliveira, mas soube traduzir uma plástica onde
Somos todos álcool
- álcool que nos esvai em lume
que nos arde
(7)
a luxuosa e rara interpretação dos campos espectrais e voláteis que somos. Só é estúpido quem quer ser estúpido - i.e., só fica entre duas margens indefinidamente o bárbaro ignorante (e, por mais paradoxo que possa parecer, esse bárbaro ignorante também o encontramos entre muita gente que se diz 'sábia e poderosa')!
O poeta, ébrio das mundanas luzes parisienses, definiu-se, nessa experiência, como Ser e como psicólogo contra as defesas artificiais da Ocidentalidade. Eis o artista que preferiu a Vida-em-solidão (e nisso é um irmão pessoano) para se achar como Ser até ao limite que as farsas - do drama que somos - lhe permitiram.
A intimidade com o espírito pessoano fê-lo notável, mas a notoriedade propriamente dita só chegou quando o universo das Letras provou aquele Lume que nos arde e viu que ele era um amigo e um criador, não mais um heterônimo pessoano; e que ele, poeta de qualidades insuspeitas, não só não foi na onda espectral das máscaras como, unidade individual, despertou nas Letras um sentimento de totalidade psicologicamente livre e embrionária dos Deuses que carreamos.
A problemática de deus, em Mário de Sá-Carneiro, emerge lenta, qual sombra, e tão logo tocamos esse sentir espectral que o levou ao ato infalível do Ser volátil, podemos recordar aquele Sobre os telhados,/ Nosso Senhor, com alamares de ouro / tocou magistralmente os sinofones (8). A evidência da religiosidade no poeta lisboeta e mundano pode até ser encontrada num, à primeira vista, simples verso, como este que nos diz d A obsessão débil dum sorriso (in Manucure), ou naquele outro em que nos diz Por onde eu sinto a minh alma a divagar (idem)..., e esta essência completa-se nas sombras que o poeta criou para o cercarem eternamente, como que a dizer-nos que o mistério da Vida não era só coisa dele, que a linha metafísica é comum a todos. E veja-se que esta aparente complexidade emerge logo na apresentação da Tábua Biográfica que o amigo, ou o Oráculo pessoano, fez para ele: aí, o mestre heteronímico já mencionava o fato, diante da produção literária que conhecia e daquela que recebera de Paris, que não há público, propriamente dito, para ela. Sagaz, o amigo e mestre percebeu que a literatura e a personalidade sá-carneirianas só poderiam ganhar a praça pública quando a mentalidade pequeno-burguesa dos grandes centros urbanos encontrasse, nessa produção cultural, um espelho próprio... o que, realmente, tardou um pouco (o que aconteceu, também, em relação ao gênio literário do próprio Fernando Pessoa). É que a mentalidade ocidental acha-se prisioneira dos dogmas druídicos (Estado Político=Poder Espiritual) embora defenda, quantas vezes paradoxalmente..., um deus libertador na sua base social. Para o intelectual livre a divindade é a sua própria arte de Criar, de Ser e de Estar. Não encontrando isto entre as rezas dos comuns mortais o poeta Mário de Sá-Carneiro, que não quis dividir-se, foi em busca do Eu único não-ocidental: o íntimo deus.
A linha psico-analítica que tomou (e toma) conta de parte da pequena-burguesia urbana européia, e mais propriamente a portuguesa!, veio a encontrar, finalmente, na máscara heróica da poética sá-carneiriana o drama dela mesma. A perplexidade ante os jogos culturais visíveis que tornaram a ocidentalidade, por um lado, um campo de futilidades mesmo a nível de religiosidade, e por outro, um campo fértil às indagações entre o Material e o Imaterial - i.e., o Ser e o não-Ser carreando todo um mundo interior: aquele que o poeta, afinal, já testemunhara e vivenciara exaustivamente (quanto mais não fosse pelo seu contato com o espírito pessoano). O encontro tardio desse público com a produção intelectual e literária de Mário de Sá-Carneiro deu-se em um momento em que a perplexidade das descobertas revestíu-se da ousadia e a pequena-burguesia, no seu todo social e âvida de uma Identidade cultural fora do eixo religioso-policialesco da política fascista-salazarista, iniciava a sua peregrinação rumo ao algo-religioso-não-dogmático, aquele algo em que
o Ser pode surpreender-se como Deus único em função do Pensamento livre!
Isto levou Mário de Sá-Carneiro ao desgaste mas, em compensação, permitiu-lhe ir escada abaixo na aventura e na ousadia de Ser-ele-mesmo; por outro lado, mas na mesma moeda criativa, isto também tornou o seu público um rio inesgotável - águas onde o Ser e o Mito, a Aventura e o Mistério de mãos dadas rumo a um mesmo mar:
o oceano do Deus que transportamos n Alma!
É aqui que eu considero a percepção pessoana, em seu Oráculo, e em relação ao Ser sá-carneiriano, algo de extraordinário. É como se um Amanhã que Pessoa visitou para saber de um Ontem onde sabia encontrar o Hoje, que é a chave do Todo no caso sá-carneiriano!
Ao colocar-se como intérprete da nova visão de uma História antiga, aqui, a portuguesa e a européia, e tendo solicitado para si-mesmo uma Identidade cultural vária no sentido de melhor atingir seus propósitos de intelectual entre o narrável, a ficção, o esoterismo e a possível verdade política, Fernando Pessoa pôde estudar, paralelamente, a ascensão daquele amigo e escritor. A famosa Tábua Biográfica é disso um testemunho. E, praticamente, iniciou-lhe o percurso que haveria de colocá-lo como 'ponto' referencial para uma parte da geração intelectual do pós-Anos 40, quando a pequena-burguesia urbana quis ter a sua própria projeção mesmo que debaixo de uma Ditadura inquisitorial.
Pode-se considerar que a percepção pessoana, no caso do poeta de Paris, funcionou como barômetro e fado de uma Sociedade de políticas precárias, onde não se admitiam os contrários com facilidade - e, daí, também aquela melancolia de Manucure em que a poética sá-carneiriana definia os amigos Que escrevem, mas têm partido político... Fernando Pessoa captou-lhe a essência e, mais do isso, o porquê da Amizade, do confessionismo, das contradições diversas: estádios que, entrelaçados, eram a demonstração de uma Intelectualidade em ascensão na Sociedade pequeno-burguesa que emergia do sufoco fascizante.
A interligação de Fernando Pessoa no mundo de Mário de Sá-Carneiro foi tal que só ele teve o 'material' suficiente para estudar e logo entender os quês que levariam o poeta de Paris ao Suicídio.
E então, apesar de ter sido o psicólogo e o analista de si-mesmo, Mário de Sá-Carneiro ainda fez de uma Amizade a extensão do seu baú de rendados interiores. Só um alguém como o espírito pessoano poderia dar abrigo e apoio dedicado a um poeta-em-definição-ideológica!
2
Só se deve morrer
de puro amor...
(9)
Ao lermos algo como (...) Quando da recente tragédia do Titanic, chorei vendo nos jornais o retrato (...) - uma linda mulher na força da vida (...) que nas horas terríveis do agonizar da embarcação salvou mulheres e crianças - deixando-se ficar a bordo para morrer, ela a salvadora de tantas vidas. Eu chorei... (in Princípio, contos), logo notamos a vertente romântica e solitariamente solidária de quem escreveu o texto. Precisamente ele, Mário de Sá-Carneiro, em plena dramatização social pela queda de um monumento da engenharia naval em meio ao Amor logo re-tratado novelisticamente.
Mário de Sá-Carneiro, como caixa acústica de uma determinada massa social, soava por si só ao percutir as razões existenciais: era, talvez seja melhor definir assim, um idiófono. Caixa acústica ou espelho, o certo é que ele soube viver e vivificar o Tempo que tornou-se Memória dos corpos esventrados no movimento dos íntimos contrastes. E no entanto, não quis continuar a iluminar esse campo de batalha com o Corpo ao qual o Espírito anima com Inteligência: achou o poeta que já havia contribuído com a sua parte e que estava em desgaste; que vivera um puro amor , e aí era o instante do Cosmo absorvê-lo para Espectro Espiritual.
Buscou, então, um processo de pós-Criação, ébrio e absoluto.
'O limar das arestas dentro de um processo existencialista (e quando há uma filosofia cujo horizonte está no limiar da obsessão) leva, inevitavelmente, à ruptura decisiva. São poucos os intelectuais que não vivem ou não viveram este processo: uns, porque acomodados, outros, porque têm como único investimento a sua Arte - e, ainda uns pouquíssimos que não conseguem ajustar-se entre os cortes psicológicos da Criação artística e o ambiente de raiz social. Mário de Sá-Carneiro (...) foi um intelectual que arriscou uma Vida cultural correndo o risco de chegar/penetrar no limiar da obsessão (...), contudo, ele não se limitou a observar, qual narciso artisticamente impotente, esse Espaço-Tempo: ele viveu-o! A aventura do lisboeta e mundano 'poeta de Paris' criou um caminho (neste caso, o melhor é dizer um atalho) que, se para uns tinha/tem retorno, com ele funcionou como indiciamento da Glória máxima naturalista: nascer, crescer e criar o fim deixando raízes'. Aliás, um processo muito igual ao de Baptista Cepellos (o poeta brasileiro d A Derrubada), que utilizou a Antiguidade e a Natureza em todo o seu processo criativo. 'Este corte psicológico do intelectual capaz de assimilar a angústia da Existência como tentativa de atingir o ponto c (=ponto crucial= a Arte da Vida, no palavreado técnico-psiquiátrico de Marc Cédron), pode levar à sedução do abismo, mesmo quando não considerado como Extermínio/Sacrifício-em-si, uma vez que perdura a Obra. Muitos foram aqueles que, vivendo o limiar da obsessão, não criaram mecanismos interiores de defesa, ou rejeitaram-nos naturalmente... porque humanos. No caso do intelectual Mário de Sá-Carneiro (...) deixaram de existir instrumentos de defesa humanamente automáticos, ele sentiu-se um Eu cuja volição criativa vivia o Belo na plenitude; e, limando algumas arestas, a dinâmica do existir no fascinante processo do pós-Criação apontou-lhe' na convergência dos Outros, suas máscaras, 'a ruptura decisiva. Achara seu próprio Corpo/Espaço, percebera seu perfume, e resolveu (entendendo-se desenquadrado das futilidades sociais) criar o espetáculo do Sacrifício que põe fim à inutilidade da dor física: a flor da Criação caiu largando sementes que cresceram além das fronteiras sociais e ideológicas - i.e., a sua estrutura espectral vingou', tal como antes apercebera-se Fernando Pessoa. 'Um intelectual tem uma Existência quase sempre ambígua e obsessiva, porém, quando atinge o ponto crítico dos cortes psicológicos que a Vida propõe (quando exaustivamente vivida como fonte d Arte), ele age como instrumento de ruptura própria eis aqui os casos sá-carneiriano, cepelliano e hemingwaiano), ou permite-se procurar outras vias dentro do processo de Criação' (10). Apesar de o fim da curva apresentar-se como fase terminal de uma experiência humana, vejo que o poeta sentiu-se iluminado proporcionando-se ao espetáculo do Sacrifício físico encenado entre o Ser e o não-Ser... qual apresentação de credenciais ao Cosmo.
O poeta estava possuído, ébrio de Si. Sentia a Eternidade... Cantava a sua própria Criação chocalhando no Corpo inútil um Pensamento exaltado entre sombras e altares, que dizia do Eu. Era um Todo porque estava ébrio d Espiritualidade: conquistara-se e queria conquistar o Cosmo.
O mexicano Octávio Paz diz-nos que 'A algaravia humana é o vento que se sabe vento, a linguagem que se sabe linguagem e pela qual o animal humano sabe que está vivo e, ao sabê-lo, aprende a morrer' (11). Esta (para muitos incautos) estranha correspondência responde, em parte, àquilo que poderá ter sido o ponto de partida, a questão que seduziu o Pensamento sá-carneiriano, pois, o Ser Humano é matéria que se corrói.
Por que, então, cair na miséria material?
Constituir-se um farrapo humano estava longe do Pensamento do poeta, até porque a perturbação que o dominava em relação ao material era já obsidiante:
olhei para o espelho do guarda-vestidos e não me vi
reflectido nele! (...) via tudo quanto me cercava
projectado no espelho. Só não via a minha imagem
(12)
Da mesma maneira que aquela narrativa poética de Octávio Paz consegue dissolver-se originando outro universo literário pela sua experimentação, também o existencialismo de Mário de Sá-Carneiro provou ser capaz de não se enlamear na mediocridade mas de produzir uma proposta de concordância imaginária, porque poética (como naquele texto sobre o Titanic). Ao corte psicológico e físico com o quotidiano ele ligou o Eu absoluto entre a angústia e a liberdade de ser-estar Ele-mesmo: aí, o artista, o herói e o deus, que vislumbrara na cena do espelho. Na sua forma de escrita e no seu jeito de Ser e de Estar encontro a dialética possível. E, também, o berço de uma religiosidade nem sempre visível.
3
A problemática de um Homem em busca do Eu entre o Ser e o não-Ser não significa descontrole de personalidade.
Não é preciso ir a Freud ou ao Druidismo para se determinar uma característica comum a alguns intelectuais: a imensidão cósmica do cérebro.
Um cérebro em ação permanentemente intelectual, magnética, enquanto instrumento/fonte de Criação, não admite fronteiras que o possam bloquear...
E um Ser nesse estágio supremo já entendeu perfeitamente a Espiritualidade antropofágica do seu caminhar, o seu Fado.
4
Quando fala-se da homossexualidade pessoana, em função deste ou daquele heterônimo - ou máscara dotada de um universo livre -, é fácil encaminharmo-nos para o espírito sá-carneiriano puxando essa vertente das entrelinhas d A Confissão de Lúcio. Ora, o poeta das luzes parisienses, atento aos fenômenos psico-sociais que marcavam aquele quotidiano das elites artísticas, então obsessivamente sediadas na capital da França, haveria de viver um contato estreito com as sexualidades ali abertas à provação.
E esse contato influenciou o poeta?, colocou-o em alerta ante a perspectiva de ser-estar aquela personalidade?, aquilo que ao revelar-se, e sendo ele um jovem voltado para o mundo
interior, bloqueou-lhe a ação?... A hipótese mais satisfatória parece-me ser esta última: ao descobrir-se como campo de sexualidades e não como sexo definido, a carga emocional tornou-se fio de lâmina diante de uma Esfinge perplexa. A ação, enquanto Corpo, não lhe interessou mais: só a ação cerebral, porque Espírito em volição em meio à futilidade das meias-verdades de uma Política social que não o atingiam!
O poeta re-nascia na Memória.
Era a incubação daquele sonho d Antiguidade mágica: depois do ato heróico vem a Memória para testemunhar o Ontem aos de Amanhã. Geração após geração o Espírito re-vela-se com esteio dos quês da Quotidianidade e aos quais o Corpo não tem como dar resposta...
Mesmo admitindo em-Si uma possível rejeição àquela re-velação, o poeta não pôde deixar de o manifestar sutilmente em sua produção artística. O poeta-contista estava a narrar, particularmente n A Confição de Lúcio, o seu contato com a sofisticada sociedade e usando essa vivência como vector de re-Criação. Em ambos os casos, lá está o eixo Ser e não-Ser e seus naturais atritos psicológicos. Aquele jovem que vivia a e na luxuosa e luxuriosa Paris entregou-se a uma viagem que, bem o sabia!, só teria retorno pela Memória. Mais do que o seu amigo heteronímico, ele utilizou os símbolos naturais, e aqueles da quotidianidade, para ser, não um múltiplo, mas a entidade entre dois mundos cuja fronteira sentia e vivia como uma luz fascinante.
O jovem estava perdido? Talvez. Perdido em Si-mesmo mas não descontrolado: demonstra-o a sua ação criadora em busca da totalidade do Eu.
Mário de Sá-Carneiro exprimiu uma rebelião terminal psicológica (ao contrário da política, que verificar-se-ia em Garcia Lorca, por exemplo) ao desejar, livre das influências ocidentais do comportamento tido como 'normal' (mas umbilicalmente ligado a características simbólicas e históricas), uma Vida unicamente intelectual, o que só a Memória (através das ações culturais dos Outros) lhe daria. E sabia que não seria o primeiro nem o último intelectual a se exprimir cerebralmente contra as vicissitudes materiais da aldeia humana. Ou esta rebelião foi uma ação gratuita?
Creio que, ao saber de uma dualidade sexual, mesmo que vivendo-a unicamente na Literatura que produzia, ou por influência disso vivê-la de fato, pode ter sido um dos grandes problemas sociais daqueles tempos parisienses de Luz e de Criação.
Considerar que Mário de Sá-Carneiro foi um covarde está fora de questão: quem decide da Vida, como ele decidiu da sua, não é covarde, é um alguém imbuído de interpretações diversas e dialéticas enquanto especulação filosófica sob o Espectro Espiritual. Viver como ele viveu entre o Ser e o não-Ser, expressando isso, ora abertamente ora sutilmente, preparando-se para um Ato Terminal Continuista, mostra-nos que a violência, aqui, foi uma violência de cérebro em ação de libertação. E com uma condição curiosa: libertar o Corpo, memorizar a Intelectualidade. E para quê? Eis o grande passo do poeta: para, como o fez Fernando Pessoa, avisar espiritualmente o cérebro do mundo novo que se adivinhava em embrião nas sociedades em meio à corrupção materialista que atingia também as igrejas.
Quando, para ele, chegou o 'momento do discurso niilista e do cinismo no atuar e do desrespeito organizado para todas as normas de convivência' e sabendo nós que 'O discurso niilista (...) neste estágio tende então a baixar o nível da comunicação até submergir-se nos caos da inferioridade' (13), obtemos um resultado muito interessante: em vez de cair no lamaçal de inferioridade imposto pelas misérias materiais, o poeta partiu para um estágio de intenso labor literário afirmando-se como
poeta d alma cheia.
Consciente, não montou uma estrutura artificial, entregou-se, sim, à dimensão cerebral aguardando o toque com a espiritual. Mas, realmente, ele não aguardou: ciente da Obra que já deixava atrás de si, fez implodir por mil luzes o Corpo para se apresentar diante de nós; e, agora, sabemos que o jovem intelectual português não era simplesmente um homem em busca do Eu na curva do Ser e do não-Ser, ele era a imagem da Sociedade pequeno-burguesa e urbana em conflito entre o Material e o Imaterial.
Se 'o Pensamento humano permanece frequentemente enlaçado por muitas maneiras à unidade psico-somática do Conhecimento sensível (e, por isso mesmo, à Matéria e ao Inconsciente), tanto nos atos de apreensão como nos atos de tomar decisão, os conteúdos de nossos conceitos procedem quase todos da experiência sensível' (14) o que, aplicado ao Caso Sá-Carneiriano reforça a idéia de que ele jamais jogou no artifício, mas, situando-se numa especulação filosófica,
traçou a ferro e fogo e veneno o seu perfil espiritual.
Na sua interessante e discutida História Filosófica Do Gênero Humano, o francês Antoine Fabre D Olivet diz-nos que 'a Providência nunca oferece mais do que os princípios das coisas. Cabe à Vontade do Homem o seu cultivo, sob a influência do Destino'. Uma lição que é bom ter sempre presente quando nos deparamos com situações de ruptura existencial. E, a Vontade do poeta, aqui, sobrepôs-se à influência do Destino: qual relógio auto-afinado, determinou como e onde definir o seu estágio humano.
'quero deixá-los e ficar só./
(...) Na bússola rasgada e submersa'
Assim mesmo, como na famosa canção de Federico Garcia Lorca. Tudo é Vontade de Ser e de Estar em Consciência.
Eia! Eia! (...) Eu próprio sinto-me ir transmitido pelo ar... Gritou-nos o poeta d Apoteose. Neste seu poema futurista, culturalmente situado e não politicamente, como bem alude João Alves das Neves (15), o poeta deixou o eco do seu mundo interior, um mundo dilacerado por tantas lutas de uma guerra gigantesca que o pôs diante das novas gerações como um Alguém cujos mistérios poderiam ser penetrados pelas Palavras em liberdade..., aquelas ditas e escritas então, mas hoje revisitadas com a força de uma Intelectualidade que não se cansa de pretender ir além de meras conjunturas sócio-culturais e políticas. Ir escada abaixo ao encontro da Memória sá-carneiriana é enfrentar a base psicológica do Ser-português não dogmaticamente religioso, e constatar que uma viagem ao interior da Literatura deixada como semente intelectual por esse escritor pode ser um exercício de pura re-Criação espiritual.
01- DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos - in O Observador No Escritório, p.45, Ed. Record/RJ-1985
02- CASTELO BRANCO, Camilo - o escritor português suicidou-se com um tiro de revólver em 1890 (ao saber
que não recuperaria a visão)
03- FARJANI, António - in Édipo Claudicante (do mito ao complexo), Ed. Edicon / SP-1987
04- SÁ-CARNEIRO, Mário de - in Apoteose, poema de 1915
05- Idem - in Manucure, poema de 1915
06- CARVALHO, J. Jorge de - in Nietzsche e Xangô: dois mitos do ceticismo e do desmascaramento,
Ed. Edicon / SP-1989
07- SÁ-CARNEIRO, Mário de - in A Confissão de Lúcio, p.33, Ed. Princípio / SP-1989
08- QUINTANA, Mário - in Preparativos De Viagem (poema Overture), Ed. Globo / RJ-1987
09- Idem - in Nunca Ninguém Sabe, poema
10- BARCELLOS, João - in Mário de Sá-Carneiro e o Processo de Pós-Criação, publicado no jornal
Voz de Portugal, RJ-1990, 2 de Março
11- PAZ, Octávio - in O Mono Gramático, Ed. Guanabara / RJ-1988
12- SÁ-CARNEIRO, Mário de - in A Confissão de Lúcio
13- TÉSON, Nestor E. - in Fenomenologia da Homossexualidade Masculina, Ed. Edicon / SP-1989
14- BRUGGER, Walter - in Dicionário de Filosofia, 4ª Ediç., EPU/SP-1987, Trad. A. Pinto de Carvalho
15- in O Movimento Futurista Em Portugal, 2ª Ediç., rev. e ampl.
Apêndice 3.1
Hoje, Cem Anos Depois
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Quando eu morrer batam em latas
-------------------------------------------
chamem palhaços e acrobatas
M. S.-C.
Já vai em 100 anos a distância, e Distância com 'D' maiúsculo, mesmo!, que de coisas sérias falamos..., dizíamos, em 100 anos a Distância daquele dia em que - em Lisboa, aos 19 de Maio, era princípio da tarde, mais uma tarde de 1890 - nasceu o poeta
mais apropriadamente: o Escritor.
Aquele que encetaria, em 1912, crê-se que sim, uma das amizades mais extraordinárias da História literária moderna, ao ponto de o Outro - o amigo Fernando Pessoa, escrever: Como éramos só um, falando! (no poema Sá-Carneiro, de 1934). Falamos, claro está, de Mário de Sá-Carneiro. Aquele que desembarcou como tinha embarcado (in Versos de Mário Cesariny a Mário de Sá-Carneiro).
O trajeto, ou a Distância balizada no existir sá-carneiriano - do existir físico porque o da Memória é outra história que adiante veremos -, exibe-nos um Ser que, parecendo distraído, não o é. Vivendo da mesada do pai, Mário de Sá-Carneiro não tinha por que se preocupar em demasia com a Vida, mas foi ao reparar nela - na Vida, que descobriu-se Poeta, depois de já ser um contista excelente. Do cosmopolita de umbigo d oiro ao poeta em ascensão há ainda um ciclo de um Tempo d exibição desgarrada; marca que, aliás, quando nasce gruda-se em nós, como nele se grudou. É o Homem só que encontra n Amizade uma ponte de doçura nunca havida, ou vivida, no dia a dia. No entanto, ao conhecer o-Poeta-em-si-mesmo e ao pôr em outro papel essa veia, Mário de Sá-Carneiro revê, refletindo, a Solidão 'na sua obsessão pela primeira pessoa, onde encontramos um narciso em flor...' e escreve, então, quase sob tortura - que de tortura se trata porque é o Eu emancipando-se do umbigo d oiro! -, acerca dos valores que conquista ao igualar-se aos homens antigos, aqueles que preferiam ser Memória através de uma Obra produzida do que homens em Vida de vã glória. Eis aqui a Memória de que falamos logo no princípio...
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
E isto porque ele, tal como Pessoa, já sabia que a Distância física faz a Obra e mais nada, enquanto que na Distância transcendental enforma-se a Memória através do algo espectral da mesma Obra. Ambos sabiam que ele, Mário, o já poeta entre os maiores da Poesia, era portador de '...uma criação que, confessadamente, ultrapassa as limitações de atitudes epocais e das inibições pessoais, para se impor ao próprio Mário de Sá-Carneiro com uma intimidade que esmaga os seus sonhos de prosador subtil, e faz dele um dos maiores poetas da Língua portuguesa e um dos mais originais de qualquer época ou literatura' (Jorge de Sena, in Depoimento). Embora não estando à prova, era a universalidade do espírito lusíada que brotava no jovem lisboeta e que as luzes de Paris, então, banhavam.
Quando, em 1915, deambulando literariamente pelos cafés da baixa lisboeta, Pessoa e Sá-Carneiro discutiam textos e poesias e correções, estava a nascer, aí, a Orpheu - projeto modernista de revista literária que tinha em Luis Montalvor um importante apoio brasileiro; era a identificação cultural e espiritual de ambos na mais curtida e apreciada Amizade literária de que se tem conhecimento: e dela, diga-se o que se disser, nasceu o eixo nobre do Modernismo luso com ressonância no Brasil através do Rio de Janeiro,
e estava cumprida a Distância sá-carneiriana!
Esta é a visão que se tem hoje, 100 anos depois do nascimento de Mário, aquele que no entender pessoano ...teve só génio. O que disse foi o que viveu. E só. Ao escrever Sou qualquer coisa de intermédio, o já poeta, mas também contista, Mário de Sá-Carneiro, indiciava o percurso iniciático que o levaria a Si-mesmo, ou seja, à Memória (e não ao Outro-amigo ou ao Outro-artístico). E como nunca desviara por inteiro os olhos do umbigo d oiro, ele, que já tinha bagagem d Obra suficiente para ser Memória, qual antigo grego ou celta, ainda se fez palco e teatro chamando os amigos íntimos da Paris louca e iluminada que, por sua vez, deviam acompanhar-se de latas, palhaços e acrobatas, para assistirem/participarem à exibição do fim do exílio físico e à partida do gênio
que, enfim, ia cumprir o fado e a divina Distância!
Apêndice 3.2
Hoje, Que É 1990,
Que Viva Mário de Sá-Carneiro
(do rodinhas da olinda ao riso da maria emília)
um Oráculo sempre ressoa aos requerimentos da
época em que é consultado (Livro Das Runas)
subitamente e eu nem sei como a alma é capaz de subir ou descer tanto mas o fato é que me senti prenho de uma vontade
enquanto o carro adentrava qual toupeira nas entranhas da cidade ou melhor dizendo da noite
era um rodinhas conduzido pela graça do questionamento da olinda e páginas tantas em lúdica referência de barulhos aerodinâmicos e de lata com lata o rodinhas sugeriu-me o reencontro com o mário de sá-carneiro despertando uma vida cheia de gozação no coração aberto da maria emília
logo pensei que havia ali um alguém mais
um alguém que se ri de nós e ía sentado entre nós como que a dizer que a vida e a vontade são um nó vivido por todos repetindo a história e a graça da poesia a cada novo instante
e falei
os barulhos deste carro que me parece um daqueles rodinhas de brincadeira avivam-me na memória a subtileza existencial de mário de sá-carneiro e bem que este som de lata poderia ser o cenáculo daquele espetáculo final reinventado pelo máriozinho
e dá vivas a maria emília transformando a morte em vida e fica extasiada a olinda brincando de fangio no asfalto que suporta os gemidos do rodinhos
ah ah ah como eu rio de vocês e como eu me lambuzo com as vossas brincadeiras (ouvi eu uma vozinha distante)
uai
é o máriozinho neste 1990 que é o seu centenário dando um ar da sua graça
mais uma vez o poeta das luzes mundanas e da ficção da vida ou em vida se fazia cenáculo vivenciando em nós a força da existência que a paisagem literária transmite enquanto eco de uma filosofia não habitual e por isso mesmo sedutora
assim subitamente mas tão agradavelmente que até parece que é verdade
(29 de Novembro de 1990, é uma noite agradável em Florianópolis/SC, depois de uma não menos agradável palestra que proferi sobre Machado de Assis e Fernando Pessoa na Universidade Federal)
Apêndice 3.3
Mário de Sá-Carneiro Revisitado
Pelo Escritor João Barcellos
por Marc Cédron *
Lendo 'sobre as falésias de mármore', de Ernst Jûnger, redescubro que 'um engano não é um erro a não ser quando repetido'. Antes disto, eu tinha lido a 'palestra segunda' de João Barcellos na sua obra 'O Peregrino', a qual estudei mais na parte que interessava ao meu trabalho: a 'questão suicídio'.
Na véspera do Carnaval, recebi o texto (o autor sempre se refere a este tipo de papéis como 'texto-base', no que tem razão...) intitulado 'Mário de Sá-Carneiro, variações em torno de um Homem em busca do Eu na curva do Ser e do não-Ser', do poeta e ensaísta João Barcellos. Soube do texto em conversa, na cidade de Viena, com uma amiga comum: a crítica (e também poeta) Tereza de Oliveira. Mas foi por uma frase de outra amiga comum, a física e psicóloga Joane d Almeida y Piñon, que solicitei o texto para análise: Joane, por telefone, e isso foi pouco depois do Natal de 1997, disse-me: '...e para você' (o 'você' dos brasileiros é doce, tão doce como o 'tu' dos portugueses), 'você, que é psiquiatra, leia o texto sobre o poeta Sá-Carneiro que o João apresentou em palestras, na Argentina e no Brasil. Olhe, é uma cacetada psicológica em muitos intelectuais moralistas e é, também, a defesa intelectual do suicídio como vontade do ego disciplinado poeticamente'. Bom, em poesia e ensaios de João Barcellos sempre há novidades, como no excelente 'O Peregrino', e pensei que ele só tinha posto, nesse texto, o Suicídio como parte do Espectro Espiritual. Enganei-me. Agradeço a Tereza e Joane a oportunidade que me deram, pelas suas notícias sobre o meu amigo escritor, de poder analisar a perspectiva dele sobre o Caso Sá-Carneiriano.
Não tanto como em 'O Peregrino', porque escrever sobre Mário de Sá-Carneiro exige alguns limites, pois, trata-se de uma personalidade do panteão da Cultura lusófona e da Língua portuguesa, a análise de JB é, ainda assim, e na verdade, 'uma cacetada psicológica'. E neste aspecto nem Fernando Pessoa foi, ou não quis ser, tão profundo: Sá-Carneiro é dissecado em todas as nuances até chegar ao clímax de contrariar categoricamente os versos '...ai! dos homens / Que matam a morte / Por medo da vida', do grande Vinicius de Moraes. No texto da Análise JB o Suicídio é como uma metalinguagem: a ruptura com o Algo para a vivência total e radical com o Algo-não-visível, ou, a Vontade a criar o sem-limite para o Espírito que o-é-não-sendo mas que sempre aguarda a possibilidade de estar-sendo (aqui, na perspectiva heideggeriana que o João utiliza) com a casca física da Humanidade.
Não é a Morte um engano. Alguns tipos de Vida podem ser, e francamente, são um erro: repetem-se no mero e fútil acaso. E a Morte só é um erro quando premeditada contra a Vida no auge dessas meras vivências sem horizonte espiritual. No caso sá-carneiriano, à luz do texto de João, o erro não existe, nem mesmo o engano - pois, até para 'o poeta lisboeta de Paris' a circunstância do existir é sempre a Vida! E aqui, na poética sá-carneiriana, encontramos a Consciência plena de uma Vontade fazedora do Destino (e, falando de um português: do Fado): a Luz que se fez Energia no estar físico para iluminar o Caminho que leva ao Cosmo.
Quero recordar, aqui, dois versos de uma poeta e psicóloga (musa de alguns poetas nos Anos 50 e 60), a brasileira Lília A. Pereira da Silva. Diz-nos ela que o 'Gesto: dinâmica da sensibilidade', vale por mil palavras, da mesma maneira que a 'Ilusão prostitui-se nos caminhos'. Quer em 'O Peregrino' quer em 'Mário de Sá-Carneiro', o ensaísta João Barcellos faz-me lembrar a 'síntese lírica' daquela musa-poeta, só que ele não permite margens-fronteiras no seu Pensamento: vive, com fé de caminhante rumo à Luz, as variantes psicoculturais, sociais e políticas, que lhe abrem espaços de análise fantásticas. Ele é, quase sempre, como diz a Tereza de Oliveira, 'o escritor face à leitura da livre quotidianidade que o faz viver - e, vive nisso e por amor'.
Conhecer o poeta Mário de Sá-Carneiro pela Escrita JB é ter um 'retrato falado' profundamente vivido. (Veneza, It., Carnaval/1998) Marc Cédron - ecólogo e psiquiatra
Sidônio Muralha
O Poeta Da Vida
...se até uma simples
palavra sobra se é a
vida que está mudando,
muito mais que estarmos
nós mudando nela
J. Saramago
O olhar do Ser humano sempre soube percorrer a eterna Distância, sempre quis chegar Além numa viagem alucinante de mil aventuras, e nessa Distância, que engloba o Mar e o Ar, está a Terra sempre prometida de geração em geração, essa que o subconsciente alimenta em cada um de nós, inventando e re-inventando a Vida!
No entanto, cabe-nos questionar: essa alucinação respeitou sempre a Natureza? Mil respostas são possíveis para esta questão que só ao Ser humano diz respeito. Recordo, então, três versos de Sidônio Muralha (01), o poeta da Vida, que falam-nos do
...coração da terra, quantas vezes
mutilada, humilhada, por aqueles
que trazem a ganância no seu sangue (02)
o coração que, sangrando, mesmo assim sustenta a nossa permanência neste mundo tão febrilmente produzido à nossa semelhança e Vontade...
Os povos sempre procuraram buscar no Além o fundamento para as estórias que, na Antiguidade (com toda a ambiguidade que esta designação comporta...), passavam de boca em boca, ou de pedra em pedra - como no caso das Runas (03) dos povos Celtas que, muito antes dos marujos quinhentistas já eram marco da presença e da aventura humanas na América e em ilhas como Açores (04), i. e., muitos antes de os filhos do Luso a virem a povoar!... Não se estranhe, pois, que o Acaso nada tenha a ver com Os Descobrimentos que levaram os filhos do Luso às portas do mundo para, aí, o deslumbrarem com o nascimento do Brasil, onde o Bandeirante '...abriu, sulco triunfante / Em que iam florescer as futuras cidades' (05). É dentro deste magnetismo da procura da Distância que Sidônio Muralha pisa a terra brasileira que já fôra Insulla Brazil - talvez que Terra prometida para 'O Homem Arrastado' no fluxo vivo de uma Diáspora onde a lágrima e o sal formam a alquimia do drama maior dos povos: a Cultura do Adeus.
Tocando a paisagem do Além tropicalíssimo que deu guarida a tanto Português insatisfeito com a Pátria, ou que nela não encontrou a Justiça social e a do trabalho - sim, porque o Pão também se nega na terra em que nascemos!, Sidônio Muralha encontrou campo fértil para exercitar a sua Escrita, na qual o Drama humano é a peça fundamental. Da sua vivência mundana conseguia extrair uma essência de Ecologia humaníssima... (06) E, com ela no cerne da sua Escrita, trabalhou uma visão de Ecologia global mas localmente assinalada na qual projetou a ascensão e a queda do Ser Humano - isto é: dos Povos que não respeitam a si próprios ao destruírem a Natureza que lhes é fonte da Vida!
Também Ferreira de Castro (07) havia curtido a Desgraça e a Esperança através de uma Escrita cruelmente vivenciada nos trópicos..., mas é em Sidônio Muralha que tal vivência ganha um estilo mais aberto ao preservar o realismo numa estética poética cuja dinâmica absorve o Suor e o Sonho de uma Vontade que até pode cair, ajoelhar, mas que nunca será destruída. Nesta sobre-vivência está o Drama exemplar da
Consciência que sente o choro da Terra
como se o Brasil fosse o último reduto da humana Esperança. E, realmente, para o Português que viu e sentiu a Europa destruir-se, ontem como hoje, o Brasil é o talvez-espelho de uma Esperança renovada, pois não se trata já de 'salvar esta gente' (08) brasileira ganhando-a para o Cristianismo mas, de
impedir que a ganância de uns esventre a Terra
para lhe ferir o coração!
E quem mais do que a Criança para se achar um denominador comum entre os vários aspectos que fazem da Ecologia uma Ciência interdisciplinar? A visão sidoniana é um esplendor, e quando é publicado o livro Valéria e a Vida (09), é o Drama da totalidade humana o que nele ele expõe depositando no universo infantil a Esperança renovada da Vida. Isto,
porque o Ser Humano não é Mito,
como ele mesmo escreveu sobre Francisco de Assis (10): Mito é o Além, é a Distância, criados numa perene psicologia de sobre-vivência transcendente. Assim, ao tratar toda a Criança da Terra (11) como o suporte mais natural da mudança, o poeta alimenta com novas sementes uma Terra que a maioria dos Povos precisa aprender a respeitar, do mesmo modo que tem de aprender a respeitar toda a Criança - a Alegria do Novo Mundo!
Pois, '... se até uma simples palavra sobra se é a vida que está mudando' (12), por que não mudar as mentalidades?
Sidônio Muralha não se limita a ser um neo-realista da Literatura portuguesa e lusôfona, ele empreende nesse escola intelectual uma dinâmica ideológica que, em Alves Redol e em José Saramago, p. ex., tem apenas o sabor do atrelamento político, sendo que a escrita sidoniana universaliza o Pensamento para nos dar
o Poeta da Vida.
E isso, sem deixar de estar imbuído d Alma pátria. E não há momento em que ele deixe de pensar em Portugal; e, ao pensar, ele é Portugal!
O seu universalismo espiritual verte na poesia ainda uma sátira veemente que se espelha em toda a paisagem descoberta após o abandono do solo pátrio. Só que estas reflexões apenas o Adulto lê em seus livros, porque para a Criança ele é
o poeta da borda d água
que docemente dramatiza a Existência confrontando o universo infantil com as naturalíssimas realidades da Terra que ainda lhe é brinquedo e leva para casa agarrada à roupa, agradavelmente suja...
Se não esquecermos que vivenciamos, na virada para o Terceiro Milênio, uma Sociedade onde 'o grande herói (...) é o homem ambicioso, avarento, usurário, dinâmico, realizador no sentido de obtenção de riquezas materiais, que sabe vender suas próprias idéias, que não se contenta com pouco, se pode conseguir muito, e cada vez mais' (13), podemos comparar a História e verificar que a luta do poeta
Sidônio Muralha
tem um rastro de muitos séculos, talvez milênios - ele é mais um arauto da Liberdade por conquistar!
O estreito relacionamento do ato de pressentir com o ato de fazer presente a imediata reação a esse íntimo momento, liberta a Criatividade do poeta, porém, também pode aprisioná-lo quando não está preparado para assimilar o efeito social e político - ou, se estiver, fôr arrastado para viver longe da Pátria... E este painel é o último quadro vivido por este Poeta português que consagrou-se à Realidade quotidiana, sabendo que '...a liberdade do indivíduo só poderá harmonizar-se com o bem-comum na medida em que o indivíduo vier a assumir o princípio moral de não transgredir a liberdade do outro, respeitando-o segundo a dignidade própria de sua natureza' (14); o que o impossibilitou de acomodar-se na Vida que sentia estar sendo destruída, em torno de si mesmo e pelos seus iguais! Eis-nos, então, diante de um Ser Humano que sabe de si, porque sabe pertencer a um Todo e não ao umbigo próprio. Também, porque não lhe é indifirente a Dor dos outros,
o Poeta da Vida
não comunga do alheamento que povoa a Mente dos ambiciosamente sanguinários e incapazes de povoar para Civilizar.
Este grande Poeta pode ser estudado à luz do universalismo do sentir e agir português, até porque ele é o 'espelho fiel de toda uma geração que, apesar de trucidada..., consegue aguentar-se individualmente e viver a pujança intelectual que é a sua' (15), como escrevi em crônica sobre a 'Távola Redonda'. E sendo comum entre os intelectuais filhos do Luso o esquecimento dos seus pares, principalmente aqueles que vive(ra)m a e na Distância - e ousadamente diga-se: o outro Portugal -, seria de louvar que outras caravelas fossem lançadas ao Mar para recordar, viver e fazer estudar, as páginas maravilhosas que a Diáspora Intelectual Lusa produziu e produz sob
a brisa das praias
como a leve e minuciosa pena deste poeta-marujo deixou escrito para sempre no registro emocional de sentir o Eu pela amplitude da sua vivência.
Ao ouvirmos, e ele - Sidônio Muralha, também ouviu, alguém dizer que 'A única coisa que temos é o direito inalienável de gritar pelo respeito' (16), logo entendemos a necessidade urgente que o poeta teve de fazer-se ouvir e entender por um universo ainda não viciado: a Criança,
onde tudo começa de novo,
qual caravela singrando o Mar em busca do tesouro que o Sonho constrói em nós, o tesouro que só pode ser a Humanidade nova! E, aqui, eis-nos novamente na trilha poética e filosófica de Camilo Pessanha, outro resistente.
Esta dinâmica filosófica sidoniana, enquanto poética diaspôrica, criou entre os neo-realistas da Literatura portuguesa e lusôfona algo que o diferencia esteticamente e, no entanto, não o isola dessa mesma escola; e é caso para afirmar que, como Fernando Pessoa, ela dramatiza o Todo humano para aí dissecar os males da Mente entre afiados bisturis temperados na sátira algo vicentina, sob o sol e o sal doe cantar em versos livres aquilo que realmente somos...
Interessa notar, ainda, a reminiscência espiritual vivida por este poeta, romancista, teatrólogo, ecologista e contista: quando daquela transição da Idade Média para o Renascimento, em que a Poesia e a História do gênero humano misturaram-se deliciosamente gerando literaturas nacionais e vernáculos originados dos eixos céltico-árabe e greco-latino (e tudo isso, enfim, transportado para o Novo Mundo após fortalecer a Europa e o Vaticano dos burgueses novos-ricos), logo surgiu a figura do Escritor, não a do ocioso que ia de corte em corte, mas a do profissional que construía (ou cimentava) em cada palavra escrita uma nova Cultura, como aconteceu com Cervantes ou com Camões... e morria a figura do cavaleiro-cavalheiro que cruzava mundos em honra da mulher amada e da Cruz dos bispos do Vaticano...
Sidônio Muralha escreve como um neo-realista que o é, mas nessa Escrita tolera, em coexistência - porque isso está na su Alma de filho do Luso - a reminiscência fidalga do andarilho espiritual, povoador e civilizador na Distância, mas sempre com o Pensamento na pátria longinqua. Temos, neste moderno Escritor, as realidades que o cercam e o fazem Ser-político e a Utopia cavaleiresca que o faz tomar a Pátria como sua dama e por ela tecer belos e nobres fios d espada!
Entre o homem da cidade grande e a Alma do mesmo projetando o bucolismo que lhe equilibra a amplidão do Eu,
o Poeta da Vida
logrou alcançar em todos nós, particularmente seus leitores, pela sua mensagem vivificadora, um plano d humilde Humanidade apesar da grandeza inerente.
E como me disse seu irmão - o Fernando, aquele Muralha caminheiro e puxador da Carroça de Ouro, o Teatro do mundo -, 'todo o Ser Humano tem o poder de sair do quotidiano e viajar pelo Sonho'. Ora, esta imagem do intelectual que não quer ver a Vida escapar-se-lhe e faz do Sonho um percurso iniciático para alertar os outros, tornando-os companheiros de uma peregrinação social e ecológica e cultural, é a imagem do Ser Humano que continua inconformado na e pela Distância, pois, sabe ele, que o Além só
o Poeta da Vida
tem capacidade para conquistar e vivenciar plenamente e de o contar para a Criança que é e transporta o Novo Mundo: essa Criança, que em algum Espaço do Tempo que não somos, é o espelho do nosso Sonho. Especialmente, se temos a ousadia de sonhar como o poeta
Sidônio Muralha!
Falar de e sobre o Poeta da Vida, que este Escritor lisboeta personaliza, é o mesmo que ir ao baú da História contemporânea e dos relacionamentos, no (precário) plano cultural, entre brasileiros e portugueses.
Dos poucos intelectuais que tiveram coragem de olhar esses relacionamentos sob o ponto de vista político e cultural (como o fizeram António Botto, Jorge de Sena, Jaime Cortesão, Ferreira de Castro, Adolfo Casais Monteiro, Francisco Igreja, Agostinho da Silva e, hoje, o fazem Dalila Teles Veras, Cunha de Leiradella, entre os quais tenho a honra de me incluir), Sidônio Muralha integra-se na Sociedade brasileira para trabalhar ainda mais o seu espírito agudo de Percepção e de Crítica no sentido não de uma re-construção d Alma Luso-Brasileira mas de uma estratégia que alimenta um estudo apurado da História de tais relacionamentos - porque eles conhecem, como ele,
as ciladas, os embustes,
as armadilhas da corja humana
e, este estudo, foi e é utilizado para alimentar a fornalha onde as labaredas da Poesia fazem o pão cultural que dá sustento e força à Inteligência voltada para um Mundo de todos - não de alguns! Por isso, a escrita sidoniana trata da Humanidade e da Terra, ou melhor, o Poeta que sabe-se nascido numa Civilização erguida entre espadas, cavalos, peões, traições, sangues, sonhos, linhagens d origem e compradas, e caravelas sob os auspícios da decadência feudal e da novíssima Ordem de Cristo..., é o Poeta que vê o seu chão verde-verdíssimo dar lugar ao urbanismo d asfalto desenfreado e poluidor -, e o tentam calar e o arrastam por isso mesmo. Sim, ele é o Poeta que descobre,
na Distância a que chamam Brasil
o mesmo figurino que corrói a Alma da Humanidade que, por sua vez, faz sangrar o coração da Terra ignorando o sagrado princípio da Harmonia cósmica!
Sidônio Muralha encontra no Brasil uma Nação que sonha ser o éden do Novo Mundo mas que nasceu com o espírito velho, mercê dos seres que da Harmonia nada quiseram; e, aqui, nesta Distância tão cantada por Nóbrega, Anchieta e Vieira, mas estrategicamente implantada por Nóbrega na urdidura imperialmente jesuítica. Aqui, o profundo pensamento sidoniano encontra um quase-charme português em decadência sutil, a Alma lusíada cada vez mais dispersa, perdida, como que um Adeus desde sempre acenado depois d Alcácer-Quibir...
A questão luso-brasileira é um pensar profundo, nítido, um novelo de questões pátrias e oníricas que o poeta não tem como evitar, nem delas se esconde: no fundo, uma questão que vive em si enquanto Diáspora e lhe transmite o calor que as labaredas da Cultura ainda podem, ou se permitem, dar.
E então, Sidônio Muralha não é somente o Português arrastado para a velha Distância por dificuldades no chão que lhe foi berço, nem é o Português que vê o Tempo pelo escoamento das horas vazias, estéreis - é o Português que assimila o relacionamento histórico e humano com a Terra tropical que o recebe num doce amplexo. E onde sente já a corrosão causada por uma Civilização de ideais não-universalistas... Aqui, a Terra serve aos caprichos da Morte limitando a Vida cujo espectro cultural é simplesmente ignorado com a benção das religiões! O espírito universalista português passa a ser, no Brasil, uma tênue porque longínqua imagem da retórica ação que evangelizou pelo mercantilismo. Assim, Sidônio Muralha tornou-se espelho das realidades e faz refletir, cultural e politicamente, a corrosão diplomática que minou a Distância!... Esta preocupação, que é social e é política e ecologicamente humana, só um neo-realista pode(ria) transferir com tanta simplicidade e força psicológica para o amplo e decisivo campus cultural. E só através da Cultura é possível cortar o avanço que o Adeus tem hoje no palco das relações entre Portugal e o Brasil!, como muito bem percebeu o Poeta...
Tal como aqueles outros intelectuais, o Poeta lisboeta logo entendeu que não basta uma Língua para unir dois Povos comprometidos com a Distância/Espaço e o Tempo, por isso ele esboça na sua Escrita a articulação cultural possível para preservar os vernáculos e deixar fluir a Liberdade dos sentimentos pátrios e universais. Não foi por acaso que encontrou na Criança o substrato ideal para imprimir a sua idéia.
O Poeta da Vida
canta a força do Universalismo que fez surgir o Novo Mundo, dramatizando, do delicado Teatro que somos, os relacionamentos possíveis. E neles vislumbramos um Mar cortado pela leveza de uma Caravela d Esperança, de Humildade e Cultura, a que poderemos dar o nome de Sidônio Muralha!
A marcante e, às vezes, sufocante Saudade que dilacera a Alma é bem o gemido da guitarra que faz vibrar a ossatura dos filhos do Luso,
Saudade que transforma a natureza
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com se a paisagem fosse
somente flor estrangulada na raiz
como canta a poeta brasileira Lília A. Pereira da Silva (in Menino de Orvalho, SP-1974), numa surreal visão do Adeus e da Distância, é um traço cheio onde o fervor da Vida não existe nunca, e é aí que ela - a Saudade, anuncia a presença do
elemento conquistador em todo o Ser que quer ousar-se!
As mais simples coisas da Realidade vária e quotidiana que cercam o escritor fazem-no optar... ou pelo alheamento da própria Humanidade, ou pela conquista da Vida adentrando essas circunstâncias que lhe irão servir de matéria bruta para os alicerces de uma Literatura, às vezes localizada, e outras vezes, como no caso de Sidônio Muralha, uma gesta de conquista que leva a flor do Pensamento (aquela que tentaram e tentam estrangular na raiz...) até à Humanidade no seu todo universalista!
O poeta de Lisboa, tal como os seus conterrâneos Pessoa e Sá-Carneiro, não partidariza a vivência, mas é, como aqueles dois, o Ser solidariamente político que mantém a Consciência acesa para mostrar ao Mundo como as circunstâncias históricas foram e são. Sidônio Muralha é o Ser solidário que vê numa Flor silvestre sua própria imagem e a leva de cidade em cidade: a outra Diáspora que visa libertar os espíritos que vivem a e da Saudade como se algo, ou alguém, acabasse nela. Ora, a Saudade sempre foi o marco da presença dos filhos do Luso nas partes do Mundo, e
o Poeta da Vida
não honraria a sua própria raiz se não navegasse também nessa poética d Amor, entre a vibração do Todo e das cordas de uma guitarra!
À flor que aprendemos a ver e a sentir, pela leitura da Escrita que sinaliza as circunstâncias da nossa Existência, da Realidade, do Sonho e da Saudade, permito-me dar o nome de
Sidônio Muralha!
NOTAS
01- MURALHA, Sidônio (1920 Port.-1982 Br.)
02- in Com Sol e Sal, Eu Escrevo - poema, Curitiba/1977
03- RUNAS - pedras identificadoras da magia e da presença dos povos Celtas
04- A Ilha dos Açores foi primeiramente descoberta por púnicos e fenícios
05- CEPELLOS, Baptista - in Os Bandeirantes (poema, SP-1906)
06- No final dos Anos 70, Sidônio Muralha reunia-se, na Rua dos Ingleses,
em São Paulo/Br, com Piero Luoni, W. Paioli, Dalmo Dalari, José A.
Lutzemberger, Mário Schenberg, e outros, para tratar de assuntos de
Ecologia
07- CASTRO, Ferreira de - autor de A Selva
08- in Carta de Pero Vaz de Caminha
09- Ediç. Livros Horizonte, Lisboa-1976
10- MURALHA, Sidônio - in Os Séculos, Como Os Pássaros, Voam (fascículo da
Casa de Portugal, SP-1990)
11- Título de outro livro de S. M.
12- SARAMAGO, José -in Memorial Do Convento
13- MARCONDES, J.C. - in Repensando a Sociedade Industrial, SP-1989
c/ Pref. de João Barcellos
14- Idem
15- BARCELLOS, João - in Távola Redonda, crônica, SP-1990
16- KRENAK, Ailton - chefe guerreiro da Tribo Krenak (Br.)
SARAMAGO
O vero ato d’escrever, pá!
Tecer teias em torno da obra saramagoniana é percorrer caminhos outros quase sempre opostos à escrita assente no conceito mercantil de Literatura - i.e., se vende, a peça é boa!... E se não vende, mas tem “de” vender, fazem dela “moda” através dos meios de Comunicação. E ponto final... É o conceito da coisa vã que gera tendências hegemonicamente anti-Criação. Os trabalhos de José Saramago não estão no padrão meramente mercantil, mas vendem pela qualidade literária que lhes é base. São, dizem muitos, um perigo para a Sociedade - aquela, cujo comportamento cultural tem bases na estrutura educacional patenteada nos dogmas da Igreja, seja ela romana, budista, hindu ou muçulmana. A obra saramagoniana é uma referência notável, entre outras obras (como as de Jorge Luís Borges, Carlos Drummond de Andrade, Octávio Paz, Fernando Pessoa, Ítalo Calvino, Unamuno, Tomás Antônio Gonzaga, Lydia Jorge, Nélida Piñon...), para um Pensamento livre de tais pre-conceitos! Gostando-se ou não do escritor José Saramago é preciso dignificar a quotidianidade cultural fazendo justiça ao vero ato d’escrever que este artista da pena nos lega com sábia e popular perseverança. Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores..., diz-nos ele mesmo.
Numa leitura sobre Levantado Do Chão encontro as mesmíssimas preocupações telúrico-humanas que apreendi na poesia da galega Rosalía de Castro, pois, Saramago bebe na ânsia libertária do povo alentejano, no Sul português, a força da Terra que fortalece o espírito e cria raízes profundamente metafísicas - e, deste absolutismo que é Estar-sendo, ele partiria mais tarde para escrever Memorial Do Convento numa desconstrução emocional talvez única na história literária e próxima, muito próxima, do estilo James Joyce de contar. Basta dizer que nem o épico Camões ousou tocar na Questão Insulla de Brazil e que Pessoa somente passou perto na sua navegação épico-esotérica: só Saramago foi e é a pedra-de-toque que desloca o dogma histórico que é a algo hilariante e trágica luso-brasilidade para a esfera da análise político-psicológica, pelo que se pode dizer que nos dois romances temos um ensaio sobre os chãos que deram Vida à raiz histórica do Portugal enclausurado em si mesmo sob as benção do Vaticano e os risos da Inglaterra e da Holanda.
José Saramago é um ensaísta que nos leva no traço novelístico ao cenáculo da Vida que se constrói desconstruindo...!
Quando li Crítica Necessária A José Saramago (Estante Editora, Aveiro-Port, 1992), do professor (e meu amigo) Manuel Reis, entendi melhor o discurso metafísico saramagoniano, particularmente na análise d’O Evangelho Segundo Jesus Cristo - aliás, é sobre este romance que Manuel Reis põe o dedo na ferida... É que Saramago discursa metaforicamente revelando a História nas entrelinhas e expõe a Sociedade na sua própria via crucis sem (nos) apresentar a alternância, ou a sua Verdade. Ora, devemos saber Estar, sim, mas precisamos saber Ser levando o nosso Pensamento às comunidades na renovação da Sociedade! E ele dá-nos um Jesus Cristo que bebe no chão palestino a essência do Ser Humano que ama, que se revolta contra o Poder temporal da padralhada judaica, que ama, que rodeia-se do universo feminino, que prega a Liberdade até com a violência comum do arruaceiro; porque ele sabe, está nele a intuição telúrica-cósmica, que esse Jesus Cristo existiu por essa Fé de mudar o algo errado, e não o Jesus Cristo alquímico apregoado pela Igreja romana. Esta é a virtude de Saramago: re-discutir a História mesmo quando essa História é também a da Igreja - e, agora, à luz dos Manuscritos do Mar Morto, algo que se parece mais com um conto do vigário. E quando ele nos apresenta a alternância, concretamente n’A Jangada De Pedra, ele é o Ser-pensando, escrevendo e pensando teluricamente.
No poema Hino à Razão, o açoriano Antero de Quental canta falando-nos Duma alma livre, só a ti submissa: um verso-afirmação que define Saramago. Mas é em dois versos do poema Interrogação e Resposta (in Companheira dos Homens, Lisboa-Port., 1950) - ...nas cadeiras vazias de todos os lares/ perguntam os mortos porque foram mortos..., de Sidônio Muralha, que encontro (ou penso encontrar) a raiz filosófica que leva Saramago a questionar o Todo vivenciável. Ora, ele vive uma Fé embalsamada, porque ele é religioso à sua maneira, acredita que a Vida é para ser vivida e sabe que o pode ser porque a nossa Espiritualidade não precisa de uma muleta mercantil do tipo Igreja... Recordo, de Alfredo Bosi, o seguinte: (...) o sentimento de que as letras, as leis e os ritos atravessaram fases e estilos diversos foi cedendo lugar a uma abordagem a-histórica que se restringia à análise de textos a que se aplicavam categorias formais supostamente universais (in Dialética Da Colonização, Brasil, Comp. das Letras - 1992), o que nos dá uma idéia do estilo saramagoniano de escrever.
Em seus textos com períodos de légua e meia pontuados por vírgulas, José Saramago é ele-mesmo mediando simbolicamente os dados e as emoções, mesmo que tal estilo seja uma afronta ao desenvolvimento integral-harmonioso da Língua portuguesa. A percepção deste Escritor tem muito a ver com a Oralidade da tradição linguística portuguesa, algo que vivi muito na tradição minho-galaica e que é muito forte, também, na tradição luso-árabe, e que encontrou eco perfeito na Lusofonia. Eu acho que me encontrei num certo momento da vida e provavelmente encontrei-me no Levantado Do Chão, afirmou ele (in Jornal de Letras, Lisboa-Port., Ediç. Extra, Out.1998) já consagrado com o Prêmio Nobel da Literatura’98. Eis uma afirmação que é um legado. O sucesso de Memorial Do Convento e d’O Evengelho Segundo Jesus Cristo no Brasil deve-se a essa Oralidade que a escrita saramagoniana comporta, pois que a Língua portuguesa culturalmente brasileira desenvolveu-se particularmente no contato nativo euro-afro-americano que a miscigenização ofereceu. Aqui está, mais uma vez, a percepção simbólica que faz base na escrita saramagoniana.
Em toda esta Escrita observa-se o conceito da comunicação pela Oralidade, porque essa Escrita tem como suporte o discurso da Fala - e, daí (e acho que Harold Bloom como Jacques Derrida estarão de acordo), a permissividade libertadora da precária pontuação utilizada por Saramago, na Língua de um país estrategicamente periférico - i.e., colonizado!
Ele, o Escritor, o é por si mesmo: no seu ato de escrever fala mais alto a emoção de um achamento do que os dogmas rituais que santificam as alegorias da Sociedade policiada por religiosos que só conhecem o seu umbigo mercantil... Sim, José Saramago é o Escritor, o Criador, aquele que desposa a noção (je veux épour la/ notion, cantou Stéphane Mallarmé) para alcançar uma Linguagem que, sendo literária, é também social e ideológica. Por esta razão, e porque em O Evangelho Segundo Jesus Cristo desconstrói um sacrossanto ícone, o Vaticano atacou violentamente este escritor português, e tanta foi/é a pressão que ele, para gozar da Liberdade que lhe é essencial (já lhe bastou a clandestinidade como militante comunista), auto exilou-se nas Ilhas Canárias... Ao ser galardoado com o Nobel da Literatura, o Vaticano tornou a atacar. Um ataque mais violento ainda, a qual ele respondeu diplomaticamente: preocupem-se com os esqueletos que guardam no armário. É a triste realidade de uma padralhada estúpidamente inquisitorial que deveria estar calada, pois, é o Vaticano um dos antros mais criminosos da História humana!
Em seus textos de Teatro (Que Farei Com Este Livro?, 1980) e de Poesia (Terra do Pecado, 1966; Provavelmente alegria, 1970) encontro o imaginário fantástico que gera toda a Criação literária e toda a Liberdade, e aí, eis a fonte primeira para sabermos da escrita saramagoniana..., o universo do Ser que o É por uma Escrita que o faz Estar.
Uma frase do professor Manuel Reis, autor de Não Apaguem As Luzes, está permanentemente no meu pensamento: A ausência de mundo entre nós e os outros, constitui sempre uma forma de barbárie. Segundo o professor Alfredo Bosi (in Op, Cit., Pág.351), (...) A dispersão empírica de signos e temas corresponde à vontade e ao discurso de descentramento (...), o que prova a permissividade da ânsia telúrica de adentrar outros tipos de Linguagem. É o que faz, e bem, José Saramago, ao criar outros caminhos para a visualização do Mundo que somos. Ele escreve para compreender, como confessa, o que é um ser humano?
Ler este Mundo que somos pela Escrita de José Saramago não é, como muitos apregoam, ver-nos de pernas para o ar, é, isso sim, re-encontrar o Mundo nas suas origens.
Camilo
Pessanha
a voz dos náufragos que somos
I
“...um porto franco,
como Macau. Uma fachada.
O segredo estava em
outra parte.” - ECO, Umberto
O mais belo efeito (abstraindo-nos do renascimento brasileiro dos Povos da Floresta) da feérica odisséia lusitana do Século XVI é, sem dúvida, o questionamento da mesma através da pesquisa revisionista da História,
principalmente aquela gerada no bojo da Diáspora que alimenta, além fronteiras, a Língua portuguesa
mesmo qe impregnada de outras culturas!
E isto é já o suficiente para falarmos de uma viagem a Macau e interpretarmos o Sentir e a Paixão produzidos pelo choque de um europeu em sua chegada à vastidão da milenar Cultura chinesa e, sobretudo, de como ele – Camilo Pessanha (1), aproveitou o choque.
A primeira experiência é a verificação das religiosidades anexadas no estímulo do Poder ancestral, capazes de transformar um qualquer mortal em senhor-todo-poderoso só porque tem mais uma moeda do que os outros – e, daí a ‘deus’ é só um passo!
A segunda experiência, a par da primeira, que representa a humaníssima fraude que transforma o Mito em Mistificação..., é a verificação das riquezas artísticas com particular incidência da Cultura oral e musico-poética.
Entretanto, dir-se-ia que Camilo Pessanha cumpria um Destino que o suor não apagaria das palmas de suas mãos; precisamente ele, herdando as técnicas poéticas de um Verlaine e de um Baudelaire, entre outros, inventava e reinventava a íntima Poesia levando-a assim mesmo ao encontro dos amigos, ao redor de uma qualquer mesa...
e eis o chamamento do Oriente...!
Parece que o acaso se dá com as coisas simples, porque na íntima Poesia este português de Coimbra viajou até Macau para aí morrer e aí se erguer como Poeta, bebendo na Cultura oral chinesa a outra face de Si mesmo – i.e., a força espiritual motivadora das Artes para logo sentir-se um autêntico instrumento vibrando notas poético-musicais de excelência universal.
Camilo Pessanha realiza-se como Ser humano e, como depois o fez também Maria Ondina Braga (2), elaborou mentalmente em sua Escrita uma auto-definição: “Depois da luta e depois da conquista/ Fiquei só!”
II
Poderemos dizer, enquanto no umbigo ibérico – como Rosalía de Castro (3)... “olham para o mar/ os que noutras terras/ têm de buscar o pão”, ou, fora do umbigo – como Pêro Vaz de Caminha (in Carta sobre o Achamento das terras de Santa Cruz)... “querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem”; sim, como estes dois escritos, de épocas bem diferentes, que têm em comum o ventre espiritual que concebe(u) a peregrinação humana e os fins da mesma. Que o mesmo é cantar
Partimos em busca do Pão e mesmo depois da conquista
continuamos a Animalidade.
Uniforme desejo do Só mas com Poder sobre
a Humana algaravia!
Ao cumprir o seu percurso, Camilo Pessanha jogou as pedras e as cartas possíveis identificando-se e identificando aquilo que já era – Ele, não o caminho de Santiago ou o reconquistar das coisas do Oriente, sim
a iniciação pela Eternidade.
III
Entre as palmas e o abraçar inteligente dos amigos, Camilo Pessanha achou o modo de expôr toda a experimentação que lhe enchia o peito e aí rever seus passos ainda
“fracos sobre a húmida areia”
aquela areia onde antes pisara o épico e lírico Camões, que aí imaginara a “quarta parte nova” (4) que as caravelas anunciaram do Novo Mundo, e de um novo Tempo que mudaria tudo, até o modo de Pensar...!
Também, a areia dos trilhos ainda visíveis pelos quais ele conheceu
“Ao longo da viola morosa...”
uma qualidade de viver idêntica à sua – e essa Vontade (a partir daí) de ser só Poesia, de ser Música, era o desenvolvimento e um novo relógio a enchê-lo como aquela maresia d’horas indicando-lhe, a dois passos, na “húmida areia”, a gratificante vivência que o acasalar do europeu com o chinês pode(ria) proporcionar; essa que ele – mesmo dizendo... “Sem que o meu coração se prenda” – aprendeu a guardar em si para a revigorar na arte de a dizer, pelo que estava aí concretizada a comunhão da forma d’Estar de um europeu com a forma de Sentir delicadamente oriental.
Ele embrenhou-se no ritmo musical sutil da vivência oriental de Macau mas não quis prender-se ao efeito-causa das religiosidades anexadas no estímulo do Poder; não quis ser escravo daquele sutilíssimo Poder para conseguir transformar-se no mais maravilhoso intérprete português do Simbolismo, como escola onde “...o que importa são os estados de alma e destes somente os que podem ser conhecidos – os seus próprios”, como escreveu Afrânio Coutinho (5), e mais: “Daí a religião do eu, a forte nota individualista, oposta à filosofia social – é a religião das sensações em lugar da filosofia da estética. E como decorrência natural desses dois princípios, as atitudes anti-racionais e místicas, o tom idealista e religioso, a tendência ao isolamento, o respeito pela música, a teoria das correspondências sensoriais, a religião da beleza” (idem). Estamos, assim, diante de um Poeta e de uma Poesia, àparte os seus estudos (e traduções) sobre a Cultura chim (como certamente escreveria Camões), capazes de proporcionar mais do que uma reviravolta intelectual:
com ele – Camilo Pessanha – dá-se uma espécie de conjugação astral onde as horas são líquidos tornados ondas gigantescas que vão varrer o íntimo de cada Ser (o que também Camões havia bebido nessa mesma fonte cultural), e
é o Eu solitário/solidário dando-se ao Todo,
não para influenciar mas para vibrar com a História e a Mutação que cada um(a) carrega(va) após a epopéia caraveleira, que esta epopéia cerebral é “um porto franco, como Macau. Uma fachada. O segredo estava em outra parte” (6),
o segredo do Poeta
era coisa ampla, era o reflexo do Povo português, solitário e solidário como sempre – aquele português marujo, descobridor e desbravador e colonizador... o português asfixiado que
ousou respirar o Mundo,
está em cada verso cantado pelo encantador e exótico Camilo Pessanha, porque ele canta o Só e canta a História de toda
uma Diáspora que assentou arraiais pelas costas do Mundo e, bem
“Longe das pedras más do (...) desterro”,
que assim era tida a pequena pátria lusitana. E logo, como em tudo e em todos, surge uma “extensa pista” para nos questinarmos “para quê?”...
“Se há-de vir apagar-vos a maré,
Como as do novo rasto que começa...
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, por que não vos fixais?”
O que é o sonho do Poeta diante das realidades mais simples. Sentindo-se ele – o Poeta, qual pátria embarcada, não deixa de expôr a melancolia da Distância. Afinal, a mesmíssima que sentiria lá nas “pedras más”. Perante esta particularíssima contradição, a Poesia do intelectual emigrante Camilo Pessanha é um hino à presença do português no Mundo.
IV
Desenvolvendo entre os amigos todo um conjunto de oaristos para provação terna do seu “...vago sofrer do fim do dia”, salta em nós, leitores de hoje, uma carga crepuscular tão ousada quanto verdadeira, porque ele – Camilo Pessanha,
é a voz dos náufragos que somos,
apesar daquela ‘pedra’ poética que Carlos Drummond de Andrade (7) descobriu, e que em vez de nos salvar é mais um calhau a arreliar-nos a mente já em frangalhos!
Como não haveria este europeu e ‘chim’ de influenciar a sua geração?, precisamente aquela que foi o berço do Modernismo (escola que lhe prestou a devida homenagem intelectual e artística)... E mais um paralelo comparativo me é possível fazer aqui: se Pessanha teve o mérito de gerar rupturas estéticas depois de beber na estrutura social chinesa de Macau, o mesmo não aconteceu com Camões, que somente pôde verter n’ Os Lusiadas a poética vivência oriental... o que, saiba-se, já foi um ato de grande ousadia para sua época. Sim, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, e se Camões o provou na sua travessia cultural, Pessanha transformou-se em pólo irradiador da Cultura vária que o Eu pode(ria) evolucionar em prol da Humanidade.
Desde sempre (ou melhor: desde as antigas druidinas que expunham o Oráculo em bela Poesia, ao som da Flauta, para anunciar o Algo aos Povos celtas), a Mulher é considerada o autêntico veículo do Conto (como Katherine Mansfield) e da Poesia (como Natália Correia ou Cecilia Meireles e Rosalía de Castro) – aliás, ainda hoje a brutalidade e a indecência de muito Homem dito ‘moderno’ apregoa que “a poesia é isso mesmo: mulher”, é a fala do (ainda) macho castrador, segregacionista, não o Ser universal.
Nos poemas de Camilo Pessanha encontramos, também, toda uma visão feminina que carrega as ambiguidades do Só, do Eu solitário, como em
“...um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
Perdida voz que entre as mais se exila.”
Eis como o Poeta incendeia em Si a problemática da Humanidade deixando cair as cinzas, de ambos os sexos, no prato de prata que a Lua, sedutora, oferece-lhe até à hora do Sol nascente.
Assim como Dalila Teles Veras, tão saudosa na Distância quanto ele, encanta-nos cantando “A poesia me procura/ - carga por demais pesada/ fustigando meus guardados/ e o novo não mais espera/ que o deixe amadurar” (8), com tanta sutileza e musicalidade na palavra direta quanto o grito da Saudade que a esventra,
tão poética e generosamente como naquel’outro gritar da Diáspora vivido por Helena Noronha num olhar de dor e de doçura para identificar que “em agonia sobre o mar (...)/ há peixe/ há vida/ há alegria e/ há amor/ a vida não pára/ e os cactos secam e as pedras vão/ morrer no oceano” (9),
porque não existe diferença alguma na Poesia de sensações vertida pelo Poeta fecundado em Macau e o campo de flores líricas semeado por estas poet(is)as; haja em vista não só a possível influência d’Ele – Camilo Pessanha, mas, e também, a força geradora do Novo e da busca de matrizes que a Arte encontra na Mulher intelectualmente criadora...
Daí que Camilo Pessanha em seus momentos d’oaristos não estivesse apenas a ‘fazer’ Poesia, pois – como muito bem anotou Maria Emília Lueneberg, “o fazer mostra-se apenas e na sua fase negativa, no desfazer-se, no fluir, no passar” (10); assim, Pessanha, na sua terna convivênvia imbuída d’Humanidade total, não ‘fazia’ Poesia, ele reinventava a Vida pondo de Si e dos Outros (como se uma druidina fosse na apresentação do Oráculo entre pastores e guerreiros)
a experiência sublime dos contatos
permitindo-se, dentro dessa Totalidade, influenciar o Mundo literário e cultural
vivendo a Eternidade
no seu “...vago sofrer do fim do dia”, como diria qualquer mulher grávida desse mesmo sentimento existencial mesclado do Além.
V
Se ao Poeta simbolista interessam sobretudo os estados d’Alma, porque neles (que são a vivência dos outros semelhantes e do amplexo sensual e sexual) ele pode fazer uma introspectiva do Só para averiguar, e até aferir, da amplidão de Si mesmo, e sem dúvida que cada gota de suor lhe sabe a lágrima justapondo todas as forças magnéticas e hídricas do Corpo com os elementos da Natureza, saboreando assim uma religião das sensações, como escreveu Afrânio Coutinho.
Dentro desta perspectiva onde a Estética é o Eu com os Outros, apesar do Eu, motivando e sendo motivador de..., sempre
“A distância sem fim que nos separa!”
é o dilema mais profundo, como que sob “a água clara” cortada pela caravela d’então ou pelo transatlântico de hoje,
e eis o Exílio nem sempre esperado ou desejado.
Na época de 1900, nos anos 26 e 29 respectivamente, morreram além-mar o poeta Pessanha e cronista Venceslau de Morais (11); o porto seguro escolhido por eles foi Macau e Japão – e Venceslau, inclusive, vestiu a roupagem e a filosofia do Buda. É interessante notar que os dois escritores fizeram-se ao Mar subindo uma corrente iluminada pela Lua cheia do encontro, esse que a Oriente aguarda os que ousam a Distância no equlíbrio poético-musical e aí se apaixonam pela sensação de leveza eterna. E mais uma vez a Terra conhecia corpos (como aquele do navegador Fernão de Magalhães e aquele de Camões e, bem mais tarde, aquele de Pessoa) que só lhe eram estranhos no tocante à localização intermediária, e deixou-se esventrar para os receber como argonautas das belas Letras em sensações de pura Eternidade inspiradas!
Camilo Pessanha prestou homenagem a si mesmo ao ditar (e ditar é mesmo o termo, dada a sua capacidade de memória das imagens que o frequentavam) as poesias que um editor ia coligindo; em cada gota do seu suor o Poeta alimentava (não as nov’horas que muitos exaltam estupidamente nas vidas vãs mas) a sua própria
Clepsidra (12).
Como se estivesse entre os amigos, que lhe bebiam das palavras portuguesas (já temperadas pelo fino trato musical das orientais) a melíflua amargura, ele ditou o seu Livro único de forma a preservar a Diáspora cultural que o fecundou em Macau,
e de tal modo o fez que Clepsidra – o livro, passou a ser a referência histórico-literária do Simbolismo português, ou, como no dizer de alguns, a esplêndida Obra simbolista... apesar de continuar a linha metafórica do mágico Eugênio de Andrade (13) que, por outro lado, Mário de Sá-Carneiro (14) aproveitaria para a engravidar com seu jeito particularíssimo de sentir as coisas e os seres.
Não existindo aqui o problema etimológico (dado que a Palavra utilizada na Poesia está na ordem sensacional, ou da Sensação vivida – i.e., a Palavra é veículo de um instante, não interessando então a origem desse veículo, somente a origem da sensação, da fonte) o Poeta simbolista deixa-se, ou permite-se, desagregar para se incorporar à Arte pela Arte contemplando a fragmentação do Eu. E nisto está bem visível a essência lusitana, que é capaz de decompor-se e transformar-se numa sutilísima fragrância tropical, ou oriental; e não se pense que assim o português – aqui, Camilo Pessanha – estava, ou está..., a construir uma máscara para anunciar o seu fim. Na verdade, cantando biblicamente
“Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil...”
ele sublinhava o quanto é dor esta Vida que carreamos n’Alma – ora, não era o canto da máscara mas o situacionismo cerebral que acompanha o desiquilibrar das forças do quotidiano, principalmente entre quem escolhe(u), livre ou forçadamente, a Distância diaspórica como porto seguro, sem deixar de gritar
“Vem-nos levar à conquista final”,
evocando San Gabriel, como se em noites de procela maior. Não é mais o equívoco de uma viagem mas a certeza de que ela o foi para bem do Mundo, embora a essência dilatada pela vastidão dos marítimos descobrimentos nos mares já antes navegados estivesse de regresso aos traços pátrios, nos vestígios de um Fado que o próprio Camilo Pessanha havia lido em suas palmas – e, muito depois, dizer
“Ó Morte, vem depressa,
- - - - - - - - - - - - - -
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa...”
numa lúcida Arte de representar uma História e uma Nação que se confundem com ele mesmo – o Poeta em aventura. Seria ingenuidade afirmar que neste percurso social, cultural e intelectual, a pena cerebral de Pessanha não desenvolveu traços de Romantismo: basta(ria) ler toda a sua Alma coligida em Clepsidra. E porquê? Porque ninguém, e nem mesmo um ousado combatente da Cultura oral como ele, poderia enfrentar a epopéia d’ Os Descobrimentos sem adentrar nos meandros da composição literária mesclada do Real(ismo) e do Natural(ismo) – estes, aliás, sempre inerentes e gerando esse predomínio do que é Sensação e do que é Sonho sobre a Razão. E se existiu Razão para partirem os portugueses do seu umbigo ibérico, essa foi meramente de pura sobrevivência, de mercantilismo, mas a força que os impulsionou foi a força dos mitos pagãos que, em sua simplicidade telúrica, os induziu ao Sonho de uma outra Casa pátria, mesmo que construída
“Ao longo da viola morosa”
ou, como escreveu Rosalía – a poeta oriunda desses mitos celto-ibéricos, porque “têm que buscar pão”. Na aventura dos simples, nos idos caraveleiros, juntou-se muito tempo depois, em memória, um Camilo Pessanha vivendo já uma outra aventura: a da realidade do Estar no Mundo e da realidade do Retorno ao umbigo. Até porque “O português dos Descobrimentos e da primeira fase da Diáspora era o marujo e era o aventureiro (onde, também, o Fidalgo...) dotado de uma filosofia que podemos chamar de filosofia-de-toque (...) após o sonho realizado na conquista ele s dispunha, salvo casos em que era forçado!, a diversificar o seu contato com o Mundo Novo” (15). Esta filosofia foi a fonte de produtividade cerebral em Pessanha, como o foi em Venceslau e em Camões como em Pessoa. Porém, o retorno estava marcado para o umbigo da Terra, e tão marcado estava que o próprio Pessanha, no seu poema final já lhe sentia a seca fragrância:
“Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,
Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expiais em um queixume brando,
Adormecei. Não suspireis. Não respireis.”
É como dizer de um campo subterrâneo sentido à flor da pele, uma aviso claro e inequívoco aos náufragos que somos, aos que lhe percebem o poético Estar, hoje... Pois, deixemos correr sobre nós o pó e as águas dessas horas que nos ger(ar)am cantando d’ Oriente uma Liberdade vã que, assim mesmo,
é a nossa Alma.
Desta viagem a Macau interpreto a simbologia psicológica da epopéia marítima através das sensações metafóricas, do lirismo musical e poético, do maior dos escribas do Simbolismo português – aquele que
ousou viver na Alma a Aventura de existir
para abrir conexões de linguagens que só a Diáspora descoberta pode permitir. E digo, ou digamos ainda,
“Tudo nos turbilhões da Imensidade
se confunde na trágica ansiedade
que almas, estrelas, amplidões devora”
para aqui incorporarmos o grande brasileiro Cruz e Sousa (16) que viveu, sitiado na Distância mental, a evolução da simbologia psicológica dessa epopéia lusa no Mundo Novo. Este simples, mas vasto contraponto, serve para colocar o suporte que sustenta a Vida do emigrante Camilo Pessanha: enquanto uns sonhavam a Liberdade dentro do Mundo Novo, ou da Nova Ordem transnacional, outros (como ele) expiavam já a conquista da Distância na amargura das grilhetas e dos chicotes e das bolas de ferro. Por isso, quando leio, ou lemos, a escrita de seres como Camilo Pessanha, temos tudo a ver com essa História – e eis-nos, aqui, a escutar a
a voz dos náufragos que somos
porque somos mais um ciclo de uma Civilização que ao conquistar o Mundo Novo encerrou o sonho da Distância que a Terra irradiava!
NOTAS
(1) PESSANHA, Camilo 1867-1926.
(2) BRAGA, Maria Ondina – “Estátua De Sal”, contos, 1969.
(3) CASTRO, Rosalía – “Rosalía de Castro / Poesias”, Ed Brasiliense, 1987.
(4) CAMÕES, Luis Vaz – in “Os Lusíadas”.
(5) COUTINHO, Afrânio – in “A Literatura No Brasil”, JO Editora, 1986.
(6) ECO, Umberto – in “O Pendulo de Foucault”, 1989.
(7) ANDRADE, Carlos Drummond 1902-1987.
(8) VERAS, Dalila Teles – in “Elemento Em Fúria”, poemas, 1989.
(9) NORONHA, Helena – in “África. Adeus”, 1989.
(10) LUENEBERG, Maria Emília – in “Dizer e Fazer Formas de Navegar”,
Art., rev Teias/UFSC, Set 1989.
(11) MORAIS, Venceslau – 1854-1929, português convertido ao budismo.
(12) CLEPSIDRA – livro único de Camilo Pessanha, 1920.
(13) CASTRO, Eugênio de 1869-1944.
(14) SÁ-CARNEIRO, Mário de 1890-1916.
(15) BARCELLOS, João – in “Os Descobrimentos...”, ensaio, 1990.
(16) SOUSA, Cruz e – in “Ansiedade” (1861-1898).
Entre Montezuma E Sena Um Pessoa
Poeticamente Panfletário
Corriam os Anos 50, Portugal era “(...) um país transformado por Salazar no quintal ideológico que o próprio proclama como seu debaixo da benção do Vaticano através de Fátima, na condição de ser Fátima a barreira político-social e mística contra a Liberdade...” (BARCELLOS, João – in “Observações De Um Jovem Luso”, panfleto, Coimbra/1972), quando o escritor e pesquisador Jorge de Sena, em conversa com a família de Fernando Pessoa, descobre entre outros escritos do poeta um “triplo poema copiado à máquina”. No final da década, Sena teve de refugiar-se politicamente no Brasil e, em 1960, publica anonimamente o poema “Salazar” no jornal O Estado de S. Paulo (edição de 20 de Agosto).
SALAZAR
António de Oliveira Salazar. Coitadinho
Três nomes em seqüência regular...
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
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Este senhor Salazar
É feito de sal a azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu
Fica só azar, é natural.
Oh, c’ os diabos!
Parece que já choveu...
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Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho...
Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.
Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé.
Mas ninguém sabe porquê.
Mas enfim é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé.
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até
Café.
Nas cópias datilografadas, Fernando Pessoa assinou o poema “Salazar” como “Um Sonhador Nostálgico do Abatimento e da Decadência”, em 29 de Março de 1935, o que (nos) sugere que o poeta fez circular o seu poema clandestinamente (também, não poderia ser de outro jeito ou poderia ser detido e levado para as masmorras do Limoeiro, em Lisboa). O poema “Salazar” chegou às mãos do escritor e advogado Joaquim de Montezuma de Carvalho em 1974 e, em 28 de Maio, o fez publicar no jornal O Comércio do Porto. Vários intelectuais, incluindo o poeta brasileiro Manuel Bandeira, manifestaram dúvidas acerca da autenticidade daquele ‘escrito pessoano’, mas o próprio Jorge de Sena desfez quaisquer dúvidas (in “Fernando Pessoa & C.a Heterônima – Estudos Coligidos 1940-1978”, Edições 70, Lisboa/1981). Militante da Liberdade, o escritor e pesquisador Joaquim de Montezuma de Carvalho, que hoje é advogado em Lisboa, intelectual de méritos reconhecidos publicamente (filho do filósofo Joaquim de Carvalho, 1892-1958), fez muitos artistas e intelectuais repensarem a personalidade de Fernando Pessoa no que ao Estado Novo salazarista diz respeito: ao publicar o triplo poema “Salazar” logo após o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, Montezuma lançou ‘luz’ sobre opiniões que, emitidas debaixo da desinformação (continuada até hoje por certos grupelhos ideológicos pseudo-marxistas), davam Pessoa como “um braço intelectual do salazarismo”. Deve-se, primeiro à coragem de Sena, em São Paulo, e depois a Montezuma, no Porto, o esclarecimento que ainda hoje engasga muitas gargantas...!
“O exímio exercício intelectual e artístico do africano José de Almada-Negreiros (ele nasceu em S. Tomé e Príncipe e não em Lisboa) nas margens, e às vezes no centro, dos interesses panflo-estéticos do Estado Novo, levou-o a juntar-se a Sá-Carneiro e Pessoa, mas estes dois viviam, intensa e urbanamente, os desafios da Vida nas extremidades ideológicas do Poder e dos ‘ismos’ artísticos, e sobre eles exerciam uma crítica poética e política, no que diferiam ideologicamente de Almada-Negreiros” (BARCELLOS, João – in “Carta para a poeta e artista Tereza de Oliveira sobre o Futurismo luso-brasileiro e comemorando o centenário do nascimento de Almada-Negreiros”, Paris, 1993). Na verdade, Fernando Pessoa sempre esteve politicamente distante das pessoas que intelectualmente (e mesmo quando o tentaram cativar com um prêmio literário sujo...) eram suporte-da-fachada-cultural do regime salazarista – aliás, toda a Obra Pessoana, e não somente o poema “Salazar”, é uma mensagem de luta pela Liberdade contra a Ignorância!
A ação de Sena e de Montezuma, em 1960 e em 1974, foi um exemplo de verdadeira política cultural nos meios da comunicação social brasileira e portuguesa.
O tropical
José de Almada Negreiros
Ou,
a arte do grande e universal espaço cultural
(palestra c/ a colaboração dos atores
Fernando Muralha, Walter Mendonça e João Soromenho
- São Paulo/Br., 1993)
José de Almada Negreiros foi,
antes de tudo, o polêmico.
O traço euro-africanista que aqui
levanto sobre a sua essência sociocultural
é, também, um caso de polêmica.
É que, apesar do extrovertido
e tropicalíssimo auto-retrato, ele mesmo
não se definiu como filho d’ África...
JB
I
Quando se faz uma leitura histórica sobre os nós sociais e culturais da relação África-Portugal não se pode excluir a extensão imediata Portugal-África-Brasil. E se a Torre do Tombo (Biblioteca Nacional) é um dos monumentos lítero-históricos do Ocidente ela se faz importante, também, para a África dos finais do Séc XV e a política mercantil e diplomática e religiosa que fez de uma mera e dita fantástica “ilha” de Vera Cruz o vasto e importantíssimo Brasil.
Não nos cansamos de re-descobrir essa História, que tem tanto de religiosa como de bélica, mas que levou o Culto cristão e a Cultura portuguesa aos novos mundos. E é nesse re-descobrir a História que sempre nos espantamos. No ano de 1973, António Ambrósio (autor de “Almada Negreiros – Africano”, Ed. Estampa, Lisboa/1979) lançou uma luz mais sobre a influência afro na velha-nova Cultura portuguesa ao publicar o artigo “Almada Negreiros, Africano: filho de S. Tomé e neto de Angola” (in Diário de Notícias, Lisboa/1973). Ao descobrir a origem do Poeta d’Orpheu Futurista e Tudo, aquele pesquisador iniciou uma outra leitura (e essa, verdadeira) sobre a Obra do genial mestre José de Almada Negreiros.
Os portugueses, principalmente os mais intelectualmente arcaicos, não quiseram acreditar logo naquele artigo de jornal; mas, para os estudiosos, em particular, aquela pesquisa continha dois dados importantes – primeiro, que a miscigenização luso-africana era tão culturalmente importante quanto a luso-brasileira, ou luso-afro-brasileira; segundo, que Almada Negreiros representava uma das principais chaves ideológico-culturais para a fachada conservadora da Era salazarista. Dificilmente alguns portugueses, habituados ao mando feudalista, estavam dispostos a engolir uma descoberta que lhes parecia mais um ‘sapo’ cultural; e, mesmo após a queda da Era salazarista, em 1974, os manuais escolares (e alguns dicionários, em Portugal e no Brasil) continuaram a dar Almada Negreiros como “nascido em Lisboa”... Não parecia ‘bem’ àqueles ‘lusos orgulhosamente sós’ que um grande nome da Cultura portuguesa fosse dado como “nascido na África” – e pior: “nascido em S. Tomé, na sede da Roça da Saudade”, que foi protótipo da exploração colonialista, como sabemos. Felizmente, existiam e existem outros portugueses que enxergavam e enxergam a Cultura e a História como espelho da Nação e não como ‘umbigo de uns poucos socialmente mumificados’...
E, falar de José de Almada Negreiros é não só reler a História mas, também, re-ativar a polêmica em torno da sua Obra poética e pictórica.
A época vivida pelo mestre foi politicamente fechada (em sua regionalidade) mas culturalmente universal (porque artistas e intelectuais..., como já havia acontecido no Séc. XIX, aproximaram-se da Europa progressista e moderna). E significou isso, realmente, uma política de oposição mascarada quando, vinculado ao Movimento Futurista (fundado pelo ítalo-egípcio Filippo Tommaso Marinetti, em 1909), o mestre, na ânsia de mostrar a sua Obra lítero-artística, muito ajudou (sem ser um colaborador radical) a fachada intelectual da Era salazarista.
A questão coloca-se e se embasa assim: um poeta-pintor pode fazer barulho, ser insurreto social e culturalmente, mas se não é radicalmente oposto à política do Poder ditatorial, ou seja, não se beneficiando dela, serve-lhe de instrumento indireto. Vejamos: o Poema-Manifesto Anti-Dantas (de 1916, sátira poética contra o romancista palaciano Júlio Dantas) continha no bojo uma doutrina revolucionária imediatista do tipo marinettiano sob uma estética niilista urbana, bem na linha dos estetas da Era salazarista como o escritor e conferencista António Ferro, e foram ações panflo-culturais desse tipo que localizaram, efetivamente, Alamada Negreiros na estratégia geral que alinhavou a fachada cultural do Estado Novo, independentemente da sua genialidade artística! Ora, não bastava atacar o autor de A Ceia Dos Cardeais com um manifesto marinettiano, era preciso discutir em crítica os quês e os malefícios culturais da escrita daquele intelectual palaciano...
Almada Negreiros não era um revolucionário, sim, um evolucionista – ele, no seu inconsciente africano (porque culturalmente era tão europeu quanto Dantas, Pessoa, Sá-Carneiro, Lorca ou Ferro, seus contemporâneos), fez-se bandeira de um ‘ismo’ político-cultural que, fundado na Europa, virou também confusão no Brasil (recordo que Marinetti foi recebido com vaias em São Paulo, em 1926, a metrópole brasileira onde se apresentou Ferro com a sua palestra-ensaio A Idade do Jazz-Band) embora tenha influenciado Oswald de Andrade e servido de referência ideológica para Menotti del Picchia, um dos pilares culturais do Estado Novo brasileiro, enquanto Mário de Andrade (talvez seguindo os passos de Pessoa) afastava-se desse conceito. Depois do Brasil, Marinetti retornou ao seu berço transalpino. Não para terminar ali... vejam que, à parte Mário de Sá-Carneiro, o desassossegado Fernando Pessoa viveu também a efervescência do Futurismo -, e digo à parte, porque ele avisou o amigo Pessoa do modismo político que representava aquele “ismo” (nas suas ‘Cartas a Fernando Pessoa, 29/6/1914).
Exteriormente, José de Almada Negreiros não se entendia como africano; interiormente, mesmo que contra vontade, essa alma africana ditou-lhe a arte do grande e universal espaço cultural que ele, tão genialmente, soube dar à poesia, à pintura e ao teatro. O mestre nunca fez falas sobre a essência africanista da sua pessoa – e ninguém sabe, a não ser que surjam mais registros até agora desconhecidos..., se tal vácuo foi propositado em razão do expansionismo colonial português iniciado, precisamente, na sua África. Ninguém crê que um artista da grandeza de um Almada Negreiros não soubesse onde nascera e quais as implicações que o lugar teria na formação da sua personalidade. Por um lado, isso explica(ria) o nervosismo político do homem marcado por acontecimentos dos quais não tomou parte, aquele ser que carrega vários sangues em função da miscigenização que lhe deu origem e, por outro lado, o radicalismo sombriamente imediatista que o levou a içar e a defender a bandeira do Futurismo; aliás, Obra de outro africano dividido entre duas culturas – a italiana (europeia) e a egípcia (africana).
Nem todos leram o Mestre e a sua Obra, ou Vida, à luz das vivências lisboetas, madrilenas e parisienses. O pintor João Abel Manta desenhou o mestre José (filho do historiador e africanista António Lobo de Almada Negreiros e da africana de ascendência angolana Elvira Freire Sobral) na sua total dimensão: ao centro o europeu, à direita o afro-europeu e à esquerda o africano. Além do trabalho de pesquisa de António Ambrósio, esse desenho foi a leitura mais radical que se fez do Poeta d’Orpheu Futurista e Tudo. O nó sociocultural nunca esteve tão presente como no momento em que essa imagem de Manta atirou com algumas verdades ao inconsciente arcaico de uma nação que dominou o Mundo mas se habituou a esquece-lo através de uma Diplomacia niilista que fez todas as caravelas regressarem ao cais d’abrigo!
Re-ler a vida de José de Almada Negreiros, o português de S. Tomé, é retornar à História para estarmos cientes da importância cultural que representa a Identidade de cada um(a) de nós, fato que se estende ao nó afro-brasileiro com mais particularidades.
II
Os primeiros vinte anos do Séc. XX aglutinaram alguns “ismos” ideológicos dos quais o Poder estatizante (o de Esquerda e o de Direita, se é que existe diferença na monstruosidade política que define tais facções...) soube tirar proveitos tão imediatos quão imediatas foram essas “escolas” de Opinião; e foi no Futurismo, uma “escola” de vanguarda culturalmente explosiva por ser ideologicamente híbrida, que a Era salazarista (copiando aí o fascismo italiano) se fez mais ousada, tal como, no Brasil, a Era getuliana.
Os adeptos do Futurismo nem sonharam, e talvez fossem a maioria..., que um dia a Política pudesse transformar as suas ações socioculturais em práxis de defesa de uma determinada Ideologia... Entretanto, faço aqui uma ressalva: Marinetti sabia disso e correu o Mundo ovacionando o Fascismo, como o fez António Ferro no Portugal salazarista e no Brasil getuliano. É aqui que mais se evidencia o nó luso-afro-brasileiro: luso e brasileiro pela semelhança do Poder político estabelecido, e afro, pela ligação que aquele ismo cultural fez momentaneamente e relembrando pesadelos do Colonialismo. Marinetti, Ferro, Santa Rita (Guilherme) e Almada Negreiros, nunca estiveram sós, com eles batalharam Del Picchia e Oswald de Andrade, entre outros organizadores e participantes da Semana Futurista de 1922 (como escreveu Mário da Silva Brito, historiador, in O Estado de S. Paulo, em 4/4/1959), depois denominada estrategicamente de Semana de Arte “Moderna”... e, menos desapaixonadamente, Pessoa. Poderia dizer também, e o digo, menos desapaixonadamente, em relação a Almada Negreiros, depois da leitura que fiz da sua Obra e em função do ‘nervosismo político’ que o levou a agitar o Movimento Futurista dando-lhe uma base de sustentação estética pela alquimia altamente perigosa que carreava, inconscientemente, desde a Roça da Saudade. Existem intelectuais e artistas, hoje, que dizem “modernismo”em vez de “futurismo” para serem publicamente comprometidos com a Ideologia fascista, e essa lavagem tentaram fazer também (e ainda durante a realização) na “SAM-22”, de São Paulo, assim como em relação ao Movimento Futurista Português. Mas, o que é...é! (E recordemos: na velha mas atual África tribal, os artistas eram usados como fachada cultural, como mais tarde o foram na Grécia e em Roma. O épico Camões, no Séc. XV, não foi a mente e a pena do expansionismo colonial português? A Cultura é um universo mas a chave para o ter à mão não está, muitas vezes, no Poder político!) E se alguma vez o mestre Almada Negreiros teve a humildade de observar a sua Arte Ter-se-ia visto como um africano no espelho, ou, o tropical José de Almada Negreiros. Se o fez, calou. Só que as entrelinhas da sua Escrita mostram muito bem a irreverência tropical da alma vária em revolta nos sangues, enquanto a Pintura e o Desenho lhe deram a montanha de onde tornou-se visível. Em suma, a arte do grande e universal espaço cultural com que conquistou Portugal e a Europa. Era, pois, o artista mundano, antes de ser o português d’África. O nervosismo político que o dilacerou não poderia ter sido mais afetivo e sensacionalista.
Almada Negreiros, o José (do Arquivo Histórico de S. Tomé), foi momentaneamente explosivo e nesse ápice se esqueceu d’ele-mesmo, enquanto amigos como Lorca e Pessoa faziam uma ‘escrita’ que mudaria o espectro literário da Península Ibérica. No pós Marinetti, o mestre estabeleceu uma linha estética cujo comportamento sociocultural não incomodou politicamente, antes agradou mais, apesare de ser, paradoxalmente, uma ‘estética de ruptura’. A amplidão do traço e da pincelada foi complemento para o calor da alma africana que o mestre não pod(er)ia dominar, mesmo teimando na sua opção de personalidade européia.
O africanista, diplomata, escritor e jornalista, António Lobo de Almada Negreiros, recebeu o seu filho José, poeta e pintor e futurista, na Paris de 1919. O mundo intelectual poderia ter pensado que do encontro sairia um José mais vivo, mas a ideologia aparentemente forte do Futurismo (leia-se, a propósito, ‘O Movimento Futurista Em Portugal’, Ed. DinaLivros/Lisboa-Pt, de João Alves das Neves) não combinou com a fortaleza pátria do velho colono da Roça da Saudade: pai e filho desconheceram-se por completo. Aliás, o anti-africanismo de José foi tal que desconheceu pública e radicalmente o pintor naif Pascoal Viegas Vilhete, o poeta (grande poeta) Caetano da Costa Alegre e o celebrado pianista José Vianna da Motta, todos nascidos, como ele, na belíssima Ilha de S. Tomé... Como escreve(u) António Ambrósio, op. cit., o autor de A Cena Do Ódio “(...) seria maior ainda, se a erudita técnica aprendida na Europa, não viesse a sobrepor-se ao ouro fino da sua alma africana: se a África imensa e tropical figurasse nos seus quadros e composições. O natural seria isso”. A sutileza com que sempre descartou a origem santomense fez do poeta-pintor um artista vivendo somente a Arte. Ao violentar o seu Eu africano, José de Almada Negreiros perdeu a base de um Universalismo que a política jamais lhe daria, porque diluída no estúpido e por demais provinciano contexto nacionalista (tão diferente do mundano Nacional-Socialismo alemão...) – essa fonte, o tal nacionalismo, onde a Ignorância ia beber, o que não significa que o Mestre ali fizesse poiso permanente... Nada disso. Ao desligar-se, e não totalmente (porque a alma africana está em certos e fortes traços da sua Obra, como já referi), do seu berço natal, ele fez o mesmíssimo percurso do ditador provinciano António de Oliveira Salazar e ficou orgulhosamente só. Entretanto, ao contrário de Pessoa, o santomense viveu o corpo – os corpos: em 1934 casou com a artista plástica Sara Afonso, que em 1933 representara Portugal no Brasil enquanto a comunidade judaica internacional declarava, no Daily Express (dos EUA), guerra comercial e total contra a Alemanha com a consequente resposta (e logo, uma Alemanha dominada comercialmente pelo Sionismo e que acabara de fazer de Hitler o seu político ‘mais que tudo’)... Toda (ess)a solidão, em meio à complexidade financeira sionista da época e às crises políticas, está nos três primeiros versos de A Fonte
Eu nada espero
e a saudade
também não tenho.
Falando de Fernando Pessoa, em conferência (in ‘Obras Completas, pp 11-112 e 114), o poeta-pintor disse dele que “não manteve, fora da sua família, intimidade de outra espécie com ninguém. Ou de Arte ou nenhuma”. Obviamente, não falava do autor de Mensagem, sim, d’Ele-mesmo, o homem só e pronto. Encontrara na vida pessoana um certo espelho e interpretou-se ruidosamente como valor alto da estética ideológica do Futurismo. A moral desta história meio bizarra é simples: José de Almada Negreiros, jovem e independente, quis lavar a alma da miscigenização da qual nascera. E não por acaso, tal moral está no verso
as pernas nuas de minh’alma sem baptismo...
do manifesto-poema A Cena Do Ódio, onde (nos) adianta mais uma chave para a compreensão da sua vivência:
Eu creio na transmigração das almas / por isto de Eu viver aqui em Portugal.
A estreita vocação política do Futurismo transformou Almada Negreiros no furacão artístico rejeitado, por exemplo, pela consciência poética e pátria de um Sá-Carneiro, embora isso fosse enquadrado politicamente e não na variante pessoal. O certo é que o poeta-pintor definiu: “o Futurismo é essencialmente político” (in Obras Completas – 6 – pp 113 e 119). Entre os anos de 1927 e 32 passou pela Espanha onde deixou trabalhos de extraordinário valor, quer em publicações periódicas quer em decorações (desenho e pintura) nos cinemas e teatros de Madrid; e, no retorno a Lisboa, decorou o átrio da Fundação Calouste Gulbenkian, a igreja de N. S. de Fátima e as gares marítimas da Rocha e de Alcântara, trabalhos que estudou por três anos mas executou em um. Considerando-se um dos fundadores da Idade-Nova, aquela em que é “necessário fundar novas famílias”, Almada Negreiros escreveu, em 1919, Histoire du Portugal par Couer, que tinha com a sua mui querida História; tanto que os estudiosos, como Ele-mesmo, consider(ra)m que esse livro estava para os futuristas como a Mensagem esteve para Pessoa.
III
Em seu Ultimatum Futurista Às gerações Portuguezas Do Século XX, a conferência realizada no dia 14 de Abril de 1917, o marinettiano José de Almada Negreiros afirmou: “A experiência d’aquelle que assistindo ao desenrolar sensacional da própria personalidade deduz a apotheose do homem completo (...) É a guerra que acorda todo o espírito de criação e de construção assassinando todo o sentimentalismo saudosista e regressivo”. É caso para se confrontar com a Escrita oswaldiana: “Não podemos refletir anda atitudes d serenidade. Essa virá quando vier a vitória e o futurismo de hoje alcançar o seu ideal clássico” (ANDRADE, Oswald de – que transportou, de Paris, o Futurismo para São Paulo, daí, a Semana Futurista de 1922 - in Jornal do Comércio, São Paulo/Br., 11/2/1922). Ora, sabe-se que uma das heranças lusas deixadas no Brasil foi o autoritarismo provinciano retomado (ou continuado) no Estado Novo, o salazarista, lá, e o getuliano, cá; eis aqui, segundo uma fachada de alto gabarito lítero-cultural e com um Mecenato de grande cabedal, a continuidade desse Autoritarismo político e sociocultural em ambos os lados do Mar e debaixo do manto do Futurismo!
O que impressiona é que o poeta-pintor não via o futuro embasado nas experiências históricas do passado, mas dizia-se modernista e não-colonialista... Realmente, seria muito difícil (do mesmo modo que foi sonho irrealizável o ideal marinettiano/oswaldiano) tentar novos caminhos para o Mundo fazendo um ultimatum caracteristicamente belicista às novas gerações...
Sabemos, também, que “A assunção da Emotividade como verdadeira linguagem, primeiro nas crianças e depois nos adultos, contribuirá poderosamente para revolucionar as relações humanas e sociais, para criar um novo modelo antropológico e fundar uma sociedade nova, diferente e superior em confronto com aquela em que vivemos” (REIS, Manuel - in Estudos De Psico-Pedagogia E Política, p. 204, Ed. Estante, Aveiro- Pt/ 1990). Diante disto, a tese Idade-Nova apresentada por Almada Negreiros parece, ou é e foi, uma intenção grosseira. A mensagem narcisista do poeta-pintor, proclamando no seu Ultimatum... que “a guerra é uma grande experiência”, é uma contradição gritante com outras palavras suas: “A arte não vive sem a pátria do artista (...) vi que a arte tinha uma política, uma pátria e que o seu sentido universal existia intimamente ligado a cada país da terra” (in Obras Completas 6 -, p. 64). Aqui está: primeiro exalta a Guerra que destrói ou pode destruir uma Nação e a sua Arte, depois afirma que a Arte não existe sem a Nação. Era a vivificação do conflito paradoxal que, logo-logo, haveria de marcar tanto o ítalo-egípcio Marinetti como o brasileiro Oswald de Andrade. Desta maneira, “os nossos orgasmos de revolta e revolução – proclama-se também em tom criticista – quase se esgotam por completo na anedota-sátira política em forma de ícone o em simbologia verbal-verbalista”, como escreve(u) Manuel Reis; um alerta de todos os tempos que ora associo à exuberância não-fundamentada de José de Almada Negreiros, o Poeta d’Orpheu Futurista e Tudo!
IV
“Viver de pouco e com pouco – esta,
a regra na África.”
(DA COSTA E SILVA, Alberto – in A África
Antes Dos Portugueses, Ed. Nova Fronteira, 1992/Br.)
Uma leitura atenta dos manifestos-poemas A Cena Do Ódio e Anti-Dantas, as principais peças político-culturais do auto-denominado Futurista E Tudo, mostra-o buscando um enraizamento nas tradições populares, dado o sem-rumo estético proporcionado pelo Simbolismo que levou os adeptos ao ideal de um Belo intocável, e umbilicalmente ligados às religiões através da Mitologia; outros, seguiram as sendas do Ocultismo, como Pessoa, e da Heteronímica, o que não foi o caso de Almada Negreiros... Como ele foram Lorca, Neruda (em algumas fases), Borges (em poucas fases, pois, quase sempre um ‘bruxo’ como Pessoa), Maiacóvsqui, Baptista Cepellos, Mário de Sá-Carneiro, Eugênio de Andrade – e, apesar do Saudosismo latente, também Teixeira de Pascoaes e Cecília Meireles e Torga. Sim, qe cada um(a) a seu modo viveu o Sensacionalismo da Vida – e era, enfim, a fuga à Ordem social ditatorial e policialesca que impunha, até na Arte, a forma e o conteúdo sem perspectiva histórica. Neste sentido, o africano José de Almada Negreiros foi um bravo guerreiro...
Na excelente História da Literatura Portuguesa (estudos de LOPES, Oscar e SARAIVA, José) podemos ler (p. 709): “É uma grande massa que pede ao escritor, acima de tudo, idéias e sentimentos orientadores e que animem certos novos valores”. É aqui que balizo a Obra geral do poeta-pintor santomense e mundano que, a par de António Ferro (braço direito do salazarismo no Secretariado Nacional de Propaganda, aquele que deu à Mensagem, de Pessoa, um prêmio politicamente sujo de segunda categoria...), deixou um toque de Modernismo formal para a Era salazarista. Mas, atenção!, ao contrário de Ferro, o mestre Almada Negreiros não foi um colaboracionista, somente deixou que a Política se aproveitasse. E só. Enre aquela ‘massa’ referida por Lopes e Saraiva (op. cit.) esta(va), também, o Poder político que, mundialmente, tirou frutos maduros de ismos como o Futurismo e o Surrealismo tendo como ponte o necessário Mecenato. Apesar disso, a contribuição de todos os artistas e literatos das primeiras décadas do Séc. XX foi audaciosa e mudou (...devagar, mas mudou!) a mentalidade arcaica com que o Colonialismo, em geral, introduziu as Luzes – e, daí, a Idade-Nova fulgurante e paradoxalmente defendida por Almada Negreiros, porque um sonho é sempre um sonho, e todos, mas todos..., temos o direito ao sonho.
A ilusão é uma vertente criativa em todos os gêneros lítero-artísticos e em todos os tempos da História humana, desde que nos conhecemos e somos Sociedade.
“Cada um tem as ilusões
que merece!...
A construção do futuro
com elas não se compadece...”
(REIS, Manuel – in ‘Flashes Sobre a Esquerda
Neste Final De Século, Ed Estante-1989/Pt)
Esta quadra do poeta-ensaísta e professor português diz bem da realidade e das confusões ideológicas e culturais que fustigaram a passagem do Séc. XIX para o XX. O mesmo professor enumerou “as duas grandes normas do trabalho intelectual: proceder à maior globalização possível dos elementos e dos problemas em análise; sustentar a contradição e os contraditórios enquanto não forem adequadamente resolvidos e separados. Isso é sinal de sanidade mental, adultez e maturidade” (op. cit.). E vem isto a propósito do ‘caso’ que aqui trato: o poeta-pintor santomense. Um artista que imaginou ser possível mudar radicalmente a sua personalidade, mas cuja Obra lítero-pictórica desmentiu pela sua própria exuberância tropical... Podemos, ora digo, até desconhecer a Raiz, o Berço, mas a Alma encarrega-se de dosar a nossa Vida com preciosíssimos toques no Eu que carreamos desde que nascemos, quer queiramos ou não!
Em sua oposição ao Colonialismo, em geral, e ao português, em particular, José de Almada Negreiros – Poeta d’Orpheu Futurista e Tudo opôs-se, também, ao pai e à mãe, mas não deixou de dedicar um carinho especial a irmão António que, com ele, estudou em Lisboa. Tido como jovem irrequieto e até indisciplinado, e ele descreveu-se assim mesmo, tratou de fugir à questão dizendo que “A árvore genealógica não funciona como ciência. É mesmo o contrário de ciência: mistério!” (in Obras Completas 2- pp 16 e 17). A contradição e o paradoxo foram os ponteiros do relógio que balizou a vida polêmica deste poeta-pintor. Pelo lado materno, ganhou ele a veia artística, pelo lado paterno, a literária. A jovem nação S. Tomé e Príncipe pode, hoje, orgulhar-se de ter sido o berço de um dos mais polêmicos operários da Língua portuguesa e de um artista que não pôde calar em si a essência africana na genialidade da sua Obra. Ele foi um extrovertido e simbolizou bem o Futurismo afro-brasileiro, pois, como afirmou Adolfo Casais Monteiro (in Modernismo Aquém e Além-Mar), “é o modernismo português essencialmente introvertido, ao passo que é sobretudo extrovertido o brasileiro”.
V
Caricaturista de mão cheia, o Poeta d’Orpheu Futurista e Tudo espantou (talvez, exorcizou) os males sebastianistas do arcaico e regionalista Poder político português, mas não teve como firmar ideologicamente a sua fuga à identidade africana tornando-se uma caricatura de Si-mesmo!
O célebre desenho de João Abel Manta, dimensionando a híbrida figura do mundano poeta-pintor, é tão cruelmente verdadeira quanto a exuberância e o tropicalismo do auto-retrato de Almada Negreiros. Assim, o poeta-pintor só não quis admitir publicamente a sua identidade santomense e africana, identidade que qualquer um pessoa, mais atenta, pode encontrar ao longo da sua Obra fantástica. Mais: aquele auto-retrato evidencia a totalidade luminosa de uma realidade só: José de Almada Negreiros – o africano. Ou, a arte do grande e universal espaço cultural que cada pessoa pode constituir. Viver de pouco e com pouco, é a regra mais geral da sobrevivência africana – e, quer ele o admitisse ou não, essa foi a regra que ditou a vida do Poeta d’Orpheu Futurista e Tudo!
A CULTURA ENTRE O DRAMA DO SER
de um Machado de Assis a um Fernando Pessoa
Quando Progredimos pelas veredas da Cultura,
estamos a projetar o drama que somos
nas comunidades que habitamos.
A leitura de um texto, ou a audição de uma conversa, têm um tempo histórico e psicológico de amadurecimento, já que comprometem a defesa de uma Cultura vária. Se a leitura de um texto nos dá o espaço fixado, a audição de uma conversa leva-nos ao limite do momento da captação e da absorção visual e psicológica – e, nos dois casos, a Memória não tem a mesma força nem o mesmo peso, pois que à Palavra impressa podemos recorrer sempre com exatidão e à Palavra dita sempre se acrescenta algo mais para lá da original. Isto pode determinar a História de algo como a História de um Povo, a grandiosidade ou a ruína de uma Língua, enquanto consequência da Cultura gerada e fixada e estudada; sendo que para a condição de Povo livre (enquanto Pátria assumida culturalmente, que o mesmo é dizer de Cultura autônoma) tem primordial importância a Palavra burilada de geração em geração dando obras de Arte literária e musical... É o tempo psicológico da força de uma nacionalidade, de um continente, enfim, do mundo dito Civilização.
Até porque “Ao percebermos a necessidade que temos de distinguir entre o Eu e os Outros que carreamos, num só tempo vivenciável, estamos – quando assim acontece, intelectualmente – a transmitir ao meio em que (sobre)vivemos, ou aprendemos a viver, o nosso perfil psicológico; mas, também, toda a carga universal densamente vivida, porque somos História, ou individualmente um pedaço d’Ela” (1). E é assim porque a Palavra, escrita ou não, é o reflexo de um íntimo espontâneo, às vezes abstrato, e do impacto causado pelas imagens e idéias que nos rodeiam e chegam, dando consistência à defesa da Cultura vária.
O que seria da imensidão de estudos que hoje são feitos, sobre a Literatura brasileira e portuguesa, se eixos de força expressiva como Machado de Assis e Fernando Pessoa não tivessem tido a coragem de colocarem no papel seus diálogos íntimos, suas naturalidades recalcadas, suas interrogações abstratas, ficcionais e simplesmente poéticas?!... Quer um quer outro dimensionaram um Brasil e um Portugal como expressão máxima, achada culturalmente, de suas criatividades e pareceres existenciais. Note-se e anote-se que, enquanto “em torno da Obra pessoana existe hoje um estudo cultural e psico-psiquiátrico que agita o mundo literário e dimensiona publicamente os ‘outros pessoas’ como partes da História lítero-política e social de Portugal e da Europa” (2), em relação à Obra machadiana esse tipo de estudo não é tão frequente, embora exista material para tal. O certo é que, mesmo percorrendo caminhos diferentes na maioria dos casos (e na maioria, porque Machado também foi um poeta), os dois mestres da Palavra escrita em Língua portuguesa (em instâncias culturais diversas) projetaram aí o mundo da Memória, observaram-no, dissecaram-no e espantaram-se (ao descobrirem outros espelhos humanos para lá e entre as coisas simples e a Natureza), para depois o esparramarem – isso mesmo: o esparramarem... primeiro, nas folhas de papel avulso que tinham nas mentes, segundo, como Obra literária que veio dar luz e cor diferentes às vastas possibilidades da Cultura dispersa pelos portugueses em sua Língua culturalmente multifacetada. Em defesa da Cultura, quer Machado quer Pessoa tornaram-se grandes escritores, ambos deixaram para o futuro lições que muito ligam a Cultura ao mais simples ato de agir socialmente: Liberdade e Criação. Por causa desse regionalismo pátrio sadio, não politicamente atrofiador, é que a Escrita dimensionadora de uma Literatura, enquanto Arte do real e do ficcional, passa a ser uma pedra de toque para os grandes Escritores/Pensadores, uma tensão psicológia fonte de Criação sui generis.
Sabemos que o Ser é uma fonte de Criação sem limites, através desse olho clínico e refazedor, quando está perfeitamente ciente do meio que lhe é chão físico e, aí, transforma-se em academia (porque é ele – o Eu, e é os Outros) para moldar as imagens novíssimas ao Pensamento viciado no atrito quotidiano gerando um choque de multiplicidades. Então, o que se espera de um(a) Escritor(a)? O próprio Machado de Assis diz(-nos): “o que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço” (3). E sobre Machado diz-nos o luso-carioca Francisco Igreja que ele “...é urbano (...) desbravador do futuro, marcadamente político – no sentido idealístico e prático. Sendo um dos maiores intelectuais de seu tempo, tinha grande parcela de universalidade, sem que isso destruísse a moldura do seu regionalismo” (4). Este espírito regionalista condensa a amplidão do sentimento universal em cada Ser, essa busca de uma defesa própria que passa pela defesa da Cultura em geral, uma Cultura também diversa e com possibilidades de sitiar regionalmente um criador/fazedor sem que ele deixe de burilar o Mundo em seus ideais, como se fora um relojoeiro intelectual: é como que parlamentar com o Todo humano sem sair do Rio de Janeiro (no Caso Machadiano) ou de Lisboa (de onde, por exemplo, se tem a impressão que Fernando Pessoa nunca saiu)... Ou, como opinou Mário de Andrade: “Este é o mistério bravo do destino de artista: visar a obra-de-arte, visar uma transcendência aleatória e problemática que por mais que renda (aplausos, riqueza) tem outra finalidade que o rendimento, por mais desvirtuada e incompreendida visa a permanência e busca da eternidade”!
Se “a tensão que assinala a presença, no texto, de um tempo sui generis, ambíguo por natureza, que transcorre no circuito das palavras”, como observa um acadêmico brasileiro (5), é a base da natureza poética em fase terminal – o mesmo podemos dizer quando em ‘estado de graça’, ou tensão múltipla, que é a força condutora da Cultura, em geral -, aquela Criação que determina tanto o místico como o mítico e, até, “a história de um povo” que, na definição de Alceu Amoroso Lima, “é o produto da combinação entre três elementos – finalidade, virtualidade e liberdade” (6). Por outro lado, se não existe Cultura nem Povo sem ambiguidades fixadas na Estética produzida nas imagens e no Pensamento, também não existe Escritor(a) que vingue sem antes provar, da maresia cultural, o sal da Saudade, da Memória, da Transitoriedade e, sobretudo, da Universalidade!
A leitura do vasto trabalho literário de Machado de Assis leva-nos a algumas interrogações – não sobre o Escritor, mas sobre a Sociedade cultural que julgamos ser (e, às vezes, deter); principalmente quando esse criador está além e abaixo (no sentido do olhar ocidental) da famigerada Linha do Equador. Poucos se atrevem, como Fernando Pessoa, a dizer/cantar “E viu-se a Terra inteira, de repente,/ Surgir, redonda, do azul profundo”... Por incrível que tal possa parecer, esta universalidade não é tão culturalmente geral no Pensamento dos nossos dias como seria de supor!, e infelizmente, pois ainda se julga Civilização pelo tamanho intelectual da Europa...
Ora, atento a tal, foi a dimensão universal aquilo que Machado buscou no Social e no Cultural que habita(va) o Brasil, apesar da e com a Língua portuguesa; uma vez que o Social e o Cultural brasileiros nasceram da Conquista lusa e da Miscigenização (religiosamente assente pelo Catolicismo e diversificada pelo mercantilismo do Judaísmo). O que o próprio Machado provou no sangue por ter sido gerado no ventre de uma portuguesa do arquipélago dos Açores, e no toque de uma Cultura brasileira nascente e que tinha já os seus expoentes em José de Alencar (autor de O Guarani), em Castro Alves (autor de Os Escravos) e em Joaquim Manoel de Macedo (autor de A Moreninha) – e, antes, nos poetas mineiros. A principal interrogação que encontramos na Escrita machadiana prende-se com o Ser e o não-Ser (e não apenas em função daqueles que vivem na Linha do Equador), e nessa interrogação existencialista está, ainda e também, embutido o seu íntimo e o seu exterior no âmbito do regionalismo que representa(va) – i.e., Machado de Assis era um vulcão de idéias recriando em crítica construtiva o mundo quotidiano, mas dimensionando-o no universo que lhe era visível.
Igualmente nascido na época de 1800 (no ano 88), Fernando Pessoa viria a afirmar: “todas as coisas oscilam em torno de mim e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado”. Só que aquele português vai ao âmago da coisa psico-psiquiátrica através d’Ele-mesmo, e o brasileiro Machado de Assis procura o distanciamento através do retrato entre o patético e a ironia social e política -, um distanciamento que o coloca como que em busca da unidade de alma tendo a ilusão como meta única, como pode(re)mos observar na construção literária “o meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência” (7). Assim, tal como em Pessoa, e muito mais em Mário de Sá-Carneiro, outro nascido na época de 1800 (no ano 90), ou no brasileiro Baptista Cepellos (no ano 72), é a memória do intimo e do exterior aquilo que enche o estilo machadiano; e existe ainda, aqui, a particularidade de ser Machado de Assis um intelectual da raça negra e, por isso, sujeito à represália social e cultural e política, o que cavou mais fundo uma dialética de desenganos ou, diga-se, de desencantos, em sua vida, com reflexos mais do que evidentes em seu posicionamento estético.
Este fenômeno de transitoriedade encontramo-lo, também, em O Marinheiro (8), a peça pessoana em um ato que é “um drama em gente, em vez de actos” ou “em almas” (9). Se atendermos, e entendermos, que o distanciamento, ou ruptura intelectual em Machado de Assis veio a ser manipulado literariamente em Memórias Posthumas de Braz Cubas, romance de 1881, é fácil estabelecer uma ligação (de análise) entre o drama estático/extático vivido na Obra pessoana e aquele drama em gente exposto (e vivido, por isso mesmo) na Obra machadiana. Em ambos os casos, entre a Cultura, os escritores conheceram a vida social atribulada, o amor e o desamor, a incompreensão, a vida política e a exaltação bélica, pelo que haveriam de vivificar uma filosofia de pessimismo e de dúvida; o que se sintetiza, em Pessoa, na frase “...sem o relógio, tudo é mais afastado e misterioso” e, em Machado, no drama em gente (universalmente colocado) “É propícia a hora. O sol dos livres/ como que surge no doirado Oriente” – drama este vivido num apaixonado apoio político-cultural ao México. Enquanto que para o pensamento pessoano os ponteiros do Tempo são um divisor entre o Ser, o Estar e o não-Estar psicologicamente em..., para o pensamento machadiano esses mesmos ponteiros são também um divisor, mas, note-se, um divisor que não leva ao Niilismo sim à Liberdade (do Eu e do Todo exterior)... E mesmo havendo pessimismo e dúvida essa filosofia existencial sempre acaba despontando no horizonte espiritual, porque “o Ser é dotado de um mecanismo onírico, aquele relógio que o faz sonhar e, sonhando, o Ser é Ele-mesmo e é Outros” (10) construindo nestes, em maliciosa psicologia, uma Arte de exposição (aqui, literária), onde o Pensamento e o Sentimento se entrelaçam gerando uma Estética nova a cada ação culturalmente desencadeada. O fenômeno da transitoriedade é tão evidente em Machado e em Pessoa porque ambos viveram o espírito universal(ista) e, diga-se, caraveleiro (embora que fora d’época), da Diáspora portuguesa: a um e a outro seria muito difícil a fuga ao espectro da Cultura do adeus e da paisagem natural e humana que os portugueses fizeram singrar, e mais no brasileiro, pois ele sabia ser fruto terminal dessa epopéia – um fruto amadurecido na vertiginosa ascensão da, enfim, Nação brasileira.
(Se por um lado a força do pensamento pessoano tem tudo
a ver com o íntimo engajado ao cósmico e ao mito,
às vezes ao mito Ele-mesmo, a do pensamento machadiano é isso tudo
mais o anti-mito embasado na força da raiz telúrica bebida
no sangue açoriano,
o que o fez compreender a alma da reconstrução contínua através da Arte,
enquanto os desenganos do Eu permitiam tal.)
Uma outra particularidade interessantíssima em Machado de Assis foi o exercício da narrativa, em que se mostrou um mestre inovador e até no agregar à Língua novos vocábulos. Ele pôs na Literatura e na Cultura do Novo Mundo lusófono, e daqui influenciando a Europa dos modismos..., as vertentes da ironia, do patético e, sobretudo, do questionamento; e o fez/faz com tal genialidade que podemos dizer que, aí, através do narrador que se confundia com a Alma brasileira, o Brasil acabava de ganhar o estatuto de Nação culturalmente livre.
É em Quincas Borba (romance, 1891) e em Memórias Posthumas de Braz Cubas que a situação do drama em gente, o drama humano no seu todo, embutido no Eu machadiano, coloca-se em sua nudez agressiva, psicológica e culturalmente. A maneira como ele – o Escritor, ‘levantou’ a causa da Abolição da Escravatura nada tem a ver, por exemplo, com a maneira de ser Jornalista ou Cronista: é o Machado de Assis ficcionista trabalhando a Arte de escrever enquanto pedra de toque espiritual e psiquiátrica, uma vez que a imagem por ele construída, com base nessa matéria social e política, coloca(va) um negro livre comprando um outro negro... É o limiar do Ser ou do não-Ser ante a brutalidade animalesca da Humanidade. E é o Brasil novo, Nação nascente entre dúvidas e pessimismos filosóficos, é o teatro da Vida e do Todo humano gravitando no espectro de um pensar diferente (machadiano) e universalista, já que o Todo é, enquanto nós existimos para o pensar assim. A este propósito recordemos FP/’Alberto Caeiro’: “(...) ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho”. Ou, do próprio Pessoa: “(...) tenho, continuamente, em tudo quanto escrevo, a exaltação íntima do poeta e da despersonalização do dramaturgo” (11). Ou, ainda, de Machado: “(...) um contador de histórias é justamente o contrário de um historiador, não sendo o historiador, afinal de contas, mais que um contador de histórias”. Realmente, a Dramaturgia como fonte de Criação coexiste na operária condição literária destes dois fantásticos escritores e fazedores da Língua portuguesa, respeitando, aí, e culturalmente, os continentes em que viviam. Tudo aquilo que escreveram não é mais do que uma peça cuja projeção sobre o palco (que somos nós, os leitores e as leitoras) é o ponto de equilíbrio psicológico! Em ambos, o fingimento tomou ares de gabinete-de-analista: eles nunca estiveram sós, sempre que olhavam para lá do Pensamento criador viam (para lá do palco-vivido e do palco-sonho) os leitores da época e os do futuro... Foi a nós que eles analisaram – nós, a Sociedade, daí as rupturas, os precipícios psicológicos (terminais, como nos casos de um Baptista Cepellos, no Brasil, de um Mário de Sá-Carneiro, na França, ou de um Ernest Hemingway, nos EUA, entre muitos outros intelectuais), daí a liturgia poética do tão precioso questionamento íntimo... o que escreveram, para determinarem culturalmente o Ser e o não-Ser, o Todo e o Nada (aqui, o Nada pode ser visto à luz do fingimento da Vida), escreveram sobre nós e de nós, apesar deles!
O drama do Ser continua com os escritores de hoje, mas aqueles que marcaram épocas, em Portugal e na América do Sul, foram/são Fernando Pessoa, Machado de Assis, ou Drummond de Andrade e Jorge Luís Borges (o fantástico ‘bruxo’ argentino).
Um fato muito importante (porque tal ação foi suportada em períodos de intensa busca intelectual e espiritual) é o de ambos terem estado ligados aos momentos conturbados da Política e, como sabemos pelo canto do inconformismo, “Não há só gaivotas em terra quand um homem se põe a pensar” (12); e ambos viram cair a Monarquia, ambos viveram como críticos (e menos do que isso não poderiam ser/estar) o nascimento da República e tomaram partido nas problemáticas, algumas de índole belicista. A lição que deixa(ra)m à Intelectualidade tem uma significação muito especial, porque dela é possível transportar o cálice que contém a ‘fonte’ da luta pela Liberdade e pela mente crítica e criativa.
Alvo fácil de manipulação para as forças ocultas que dominam a Alma e o Todo exterior, o Ser produz uma Estética cultural que provoca atritos, porque também ela deriva de uma tensão múltipla de criatividade – e, isto, faz do Ser, apesar das ambiguidades, um defensor incondicional do existencialismo precário que sabe estar vivendo, que sabe ser a sua vocação limiar, fisicamente falando; por isso, o Ser agarra-se à Cultura e a faz o seu chão onírico tendo em vista, às vezes, aquele além-limiar transcendente. Assim, a defesa da Cultura é antes de mais desenvolvimento da mente crítica e criativa que nos assegura o estatuto de Ser que vive (vivificando) a linha da Vontade.
A cena mais habitual que pode(re)mos encontrar dentro de uma ação de defesa cultural (quer numa pesquisa envolvendo produtores culturais como Machado, Pessoa ou Borges e Hemingway ou Poe e Lorca, ou Katherine Mansfield e Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, quer falando do Todo civil em torno de uma Língua e sua multiplicidade idiomática) é a riqueza das características individuais.
Sim, que em cada um(a) de nós existe uma Pátria vivida intensamente; e mesmo quando a dúvida é um estado perene de intransigência para com o futuro de todos, sempre podemos cantar “Se o temporal entrasse,/ Talvez a labareda se ateasse/ E nos desse calor...” (13), uma vez que a Esperança é um percurso humano possível em cada Ser. Eis que os espíritos criativos machadiano e pessoano, apesar de muitas vezes sitiados pela dúvida tremenda da existência, nunca fecharam suas almas à possibilidade da vivência do momento novo deixando entrar o temporal permitido para atearem a labareda da arte de viver... tal como todos aqueles que vêem na Cultura uma luta direta e intelectual de dizer não ao sacrifício de nós mesmos! Ou seja, como diria a poética greco/sá-carneiriana, eles levantaram em vida os seus próprios monumentos...
E por que esta ação de características individuais é tão importante? Porque a partir do esforço intelectual e físico de cada produtor(a) cultural chegamos à defesa coletiva, por muito precária que seja a atitude organizacional; e veja-se que a Obra (aquele ‘monumento’ que deixamos em Vida), quer a pessoana quer a machadiana, de puro individualismo (mas não niilista ao ponto da auto-destruição), permite polarizar um Todo social e acadêmico, porque essa característica individual está impregnada da universalidade inerente ao espaço das relações humanas mais vitais.
Quando questionamos a Humanidade estamos a questionar o que somos e, quando progredimos pelas veredas da Cultura, estamos a projetar o drama que somos nas comunidades que habitamos. O posicionamento de quem é Escritor(a) é idêntico ao da Universidade: ambos são uma escola onde o Saber fundamenta-se na busca da totalidade que ainda não aprendemos a viver exemplarmente...
Aqui está como as escritas machadiana e pessoana se encaixam magistralmente em todo e qualquer painel subordinado à defesa da Cultura e, daí, à defesa da Nacionalidade. Eles souberam construir, em seu Tempo, um pedaço histórico das literaturas de Língua portuguesa projetando-se no Mundo – e, importante, eles sabiam que assim seria.
Ambos cantaram essa vitória da Vontade, como se fora um Fado impresso... Entre Fernando Pessoa e Machado de Assis ergue(u)-se o Belo e o drama do Ser e, mais propriamente, a vitalidade do vasto universo da Língua portuguesa assistido por uma Cultura vária que urge aprender a defender e fazer progredir, para bem as nações integradas no eixo lusôfono e suas liberdades tão ousadamente conquistadas!
(1) BARCELLOS, João – in “O Questionamento Do Universo Em Fernando Pessoa Universal”, conferência, São Paulo/Br., 1990
(2) CÉDRON, Marc – in “Os Grandes Poetas Europeus E As Tramas Psicológicas”, conferência, Paris/Fr., 1982
(3) ASSIS, Machado de – “Instinto de Nacionalidade”, 1873
(4) IGREJA, Francisco – in “A Semana Regionalista De 22”, ed esg – São Paulo/Br., 1990, Pref. de João Barcellos
(5) MOISÉS, Massaud – in “A Criação Literária”, São Paulo/Br., 1967
(6) ATAÍDE, Tristão / Alceu Amoroso Lima – in “Diretrizes do Pensamento Brasileiro”, conferência, Brasil/1939
(7) ASSIS, Machado de – in “Dom Casmurro”, romance, Rio de Janeiro/Br., 1899
(8) PESSOA, Fernando – in Orpheu, rev., Lisboa/Pt., 1915
(9) Idem – in Presença, rev. , 17, Lisboa/Pt., 1928
(10) BARCELLOS, João – in “Entre o Sonho e a Poesia”, conferência, Rio de Janeiro/Br., 1987
(11) PESSOA, Fernando – in ‘Carta a João Gaspar Simões’, Lisboa/Pt, 1931
(12) AFONSO, Zeca - compositor/cantor português anarquista de grande influência cultural nas gerações que
sustentaram a queda da Era Salazarista, em 1974
(13) TORGA, Miguel – in “O Cântico Do Homem”, poemas, Coimbra/Pt, 1950
Repensando A História
Com As Mensagens Socrática E Jesusiana
Na Leitura De Manuel Reis
Existe, em nós, os humanos bichos que têm a Terra como chão no âmbito de um fado cósmico pouco respeitado, seja no enquadramento da Ecologia (i.e., sistemas biofísicos) seja no do Meio Ambiente (i.e., Ecologia Humana), e de preferência em ambos numa análise mais global, a tendência para um sobre-viver especulativo nem sempre pacificamente atuante, o que nos leva, às vezes, a tratar a História que somos sob um ponto de vista pragmaticamente personalizado – ou, em casos institucionais, a tratá-la como instrumento-a-ser-politica(-religiosa)mente-adequado a tais interesses...
Assim aconteceu no Colonialismo exercido pelo faraônico império e depois pelo Imperium Romanum, impérios que serviram de modelo estrutural para os modernos colonialismos, civis e religiosos, que o mesmo é dizer, o estabelecimento de um tipo de Poder - condomínio de classes privilegiadas, financeira e ‘espiritualmente’. Mas foi durante o Imperium Romanum que esse tipo de Poder já global(izante) iniciou o estabelecimento de estruturas anti-humanas que lhe permitíu um domínio tão psicologicamente forte que até lhe foi possível a parceria com o Poder religioso hebraico, de que temos um exemplo histórico: a crucificação de um ‘cristo’ chamado Jesus, cuja Palavra/mensagem era socio-antropologicamente contrária àquele determinismo colonialista/colonizador..., daí que o ‘cristo’ tenha optado pelo suicídio contra as algemas institucionais do Poder anti-humano.
É esta Questão Jesusiana, e no encontro da mensagem socrática – e, em ambos os casos, o Poder ocidental sempre quis/quer desacreditá-las historicamente... - que a obra Sócrates E Jesus – Esses Desconhecidos...! do escritor português Manuel Reis, trata com profundidade social, filosófica e histórica.
E se o trato do Jesus, homem histórico apressadamente ‘divinizado’ pelo Poder religioso embasado na estrutura imperialista do Poder-condomínio, é um trabalho de imensa pesquisa, sabedorias, leituras outras, o certo é que ele desenvolve em si um tema eclesiástico proibido desde que os doutores da Igreja (nomeada, mas falsamente) Católica fundamentaram o dogma cristão contra aquela Palavra/mensagem de Jesus... Ora, Manuel Reis, como outros pesquisadores/pensadores de ontem e de hoje, não rejeita Jesus, somente o quer sócio-antropologicamente aceite na Liberdade que Ele-mesmo, Jesus, expunha e defendia e pela qual (enquanto ‘cristo’, homem público e não ‘padre’) deixou-se morrer aos pés do Poder ocidental... que desde essa circunstância político-religiosa o quer simplesmente como ‘ente divino’.
Várias análises, umas tendo os Dead Sea Scrolls (Manuscritos Do Mar Morto) como base, outras, as contradições latentes dos Escritos bíblicos conhecidos – e, outras ainda, na base das discussões/pareceres eclesiásticos conciliares, trazem-nos a imagem jesusiana humana situada na sua própria circunstância histórica; em Sócrates E Jesus – Esses Desconhecidos...!, eis que Manuel Reis apresenta, na correspondência da Palavra/mensagem de Jesus, aquela dialética essencial ao ato culturalmente livre e responsável que levou o grego Sócrates a mastigar a cicuta em suicídio contra o Poder instituído, que o queria longe... e esquecido! E ele, Sócrates, preferiu registrar-se na Eternidade histórica a ser algemado por aquela estrutura anti-humana. Assim o fez Jesus, também. Ambos são paradigmas das mudanças revolucionárias urgentes, as de ontem e as de hoje, que devem ser alcançadas na raiz da Humanidade, antes que lhe percamos o fado social, com a consequente barbárie que, aliás, já pressentimos.
Profunda e pertinente é a preocupação de Manuel Reis (que deveria ser de todos nós, também) quanto a este fado social. As suas observações crítico-construtivas lembram(-nos) que existe uma arqueologia filosófica que nenhum Poder bestialmente estabelecido e ‘divinizado’ pode(rá) fazer esquecer, porque nós – Ser humano autêntico e atuante – não o permitiremos.
Ao homenagear, em 2000, a escritora Rachel de Queiroz, o senador e poeta brasileiro Artur da Távola lembrou que “a lucidez é inquieta” – oportuna observação que aplico, com toda a propriedade!, e com a mesma carga de homenagem, a Manuel Reis... Dizia eu, tal inquietação resulta de uma lucidez que ilumina a Inteligência e a faz captar sinais num privilégio que a poucos mortais é dado vivenciar. E, parti pris... filosoficamente, desdobra este autor português (já publicado também no Brasil: As Novas Tecnologias E A Nova Economia, Ed. Edicon, São Paulo/Br.2000) as mensagens socrática e jesusiana na crítica construtiva ao Capitalismo que torna o Ser humano objeto primeiro e último da estratégia estrutural exploradora que lhe é base técnico-científico-econômica, no que nos dá mais uma leitura comparativa através de uma ampla gama de ilustrações pinçadas do Colonialismo (civil, militar e religioso) praticado contra a Terra e a Humanidade nos últimos dois mil anos. Por isso, é importante a vera reflexão sobre o que somos, não apenas como Humanidade, sobretudo como elementos ativos da Vida, que pode(re)mos destruir ou vivenciar plenamente conforme agimos pelo mal ou pelo bem sob o espírito do princípio da Liberdade conscientemente edificada e vivida.
Sócrates E Jesus – Esses Desconhecidos...! é, em suma, uma reunião de ensaios/pensamentos histórico-filosóficos; e neles, Manuel Reis não se expressa somente como escritor/pensador/pesquisador, ele é mais a Humanidade na demanda da própria raiz que a pode salvar da pura Animalidade...
JOÃO BARCELLOS
“Há muito radicado nos caminhos da América do Sul, tornou-se um estudioso da Luso-Brasilidade e produziu vários livros sobre o assunto: romances e estudos históricos - um sobre o capitão-general de São Paulo (O Morgado de Matheus, SP-1991) e outros sobre a região cotiana do Piabiyu (Cotia - Da Odisséia Brasileira De São Paulo Nas Referências Do Povoado Carijó, SP-1993; De Costa A Costa Com A Casa Às Costas, SP-1996). Os seus conhecimentos sobre a sempre presente Cultura Minho-Galaico Sob Referências Célticas permite-lhe alcançar várias rotas de estudos e aprofundar o seu conceito de Ser-Estar Português No Mundo. Filho de família que mistura as linhas de serviço público, tecnologia industrial, comércio, artesanato e literatura, João Barcellos transpõe para os seus escritos essa vivência cultural que aprofundou nas suas andanças jornalísticas - é, assim, um intelectual de vanguarda com bagagem humanística poeticamente assumida! (Tereza de Oliveira - artista plástica, poeta; Paris/Fr, 1998)” / “O universo que nos cerca, seja o sistema ecológico seja o sistema humano - e, na realidade, o segundo sobrevive sem o primeiro (somos seres solares e lunares, ou cósmicos) -, é o material de base para as ações intelectuais do escritor luso-brasileiro João Barcellos. Ele é o Ser em busca do Ser entre as coisas da Terra e a floresta do Pensamento. Se o Ser Humano é o que é em função da evolução cósmica, João Barcellos é um poeta que escreve com a coragem de Viver esta evolução natural; e por isto, ele Vive em si mesmo a Humanidade que raro encontra nas esquinas do sistema humano. Ele é o Poeta por inteiro na Anarquia do prazer de Viver!... (Marc Cédron - ecologista, psiquiatra; 1999, Zurich/Suiss)” / “Ao ler o romance ‘Clube Brasil’ quase fiquei em pânico: entre banditismo sociopolítico e místicos esforços romanceados, o Mestre JB traz a verdade sobre o Nazismo que poucos conhecem, mas deveriam conhecer! É uma obra de fôlego pelo que as entrelinhas deixam ler, no entanto, o incluso ‘Manifesto von Stuka’ é uma bofetada política e cultural na idiotice mundializada que nos rodeia e enforca economicamente, tal como o Sionismo quis fazer ao Nazismo em 1933, daí a guerra... Este romance não difere muito, na sua plástica cultural, daquele ‘O Outro Portugal’, que tanto sucesso tem obtido. Mestre naquilo que os outros não gostam de analisar, Mestre JB é sempre uma boa surpresa literária (Ruy Hernandez, crítico, Barcelona/Esp., 2001)
Trabalhos Literários
POESIA E SEIS CONTOS DUM BARALHO SÓ coletânea (1989, RJ); - ESTÓRIAS POÉTICAS crônicas (1989, RJ); - TEMPO DE VINGANÇA romance (1990, SP); - UM LUSO NA ILHA DE SAMPA poema; - UMA CARAVELA DE PRATA romance (1992, RJ); - MORGADO DE MATHEUS pesquisa/ensaio (1993 e 2000); - COTIA pesquisa/ensaio; - TEATRO (peças em 1 Ato) ; - DE FERNANDO PESSOA A MACHADO DE ASSIS ensaio/palestra; - CAMÕES / O POETA DO TEMPO LUSITANO ensaio (1991, RJ); - SIDÔNIO MURALHA / O POETA DA VIDA ensaio/palestra; - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO ensaio/palestra; - ANTERO DE QUENTAL ensaio/palestra; - CAMILO PESSANHA ensaio; - A CRIAÇÃO POÉTICA ensaio/palestra (1990/91, Rio de Janeiro e Florianópolis); - O TROPICAL JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS palestra; - OS DESCOBRIMENTOS ensaio (Prêmio Pedro Álvares Cabral, 1990 - SP); - REFLEXÕES SOBRE FERNANDO PESSOA ensaios/palestras; - A MULHER E A POESIA EM FLORBELA ESPANCA palestra; - OS CELTAS ensaios/palestras; - DE COSTA A COSTA COM A CASA ÀS COSTAS história brasileira a partir de acutia; - OI, COTIA! / HISTÓRIA PARA CRIANÇAS (com ilustrações de Ricardo Feher); - O PEREGRINO / A ESSÊNCIA POÉTICA DO SER ensaio/palestra (1995); - O PEQUENO PEREGRINO e outros contos; - ENTRE O POETINHA E O CANTO DAS VANGUARDAS ensaio sobre Vinicius de Moraes; - CONTOS PARA TODOS contos para jovens (1995); - CONTOS para jovens (1995); - ESCRITOS ECOLÓGICOS coletânea de ensaios (São Paulo e Buenos Aires, 1996); - MÁRIO SCHENBERG / O SER QUE SABIA ESTAR palestra; - JOSÉ DE ALENCAR palestra; - O PEREGRINO / Palestra Primeira e Palestra Segunda (1998); - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA / palestra (Ouro Preto,1998); - AMOR poesias c/ marc cédron joane d almeida y piñon tereza de oliveira jb mário castro (Grupo Granja, 1999); - RIO amor e violência na cidade (Cotianet, 1998; RioTotal, 2001) - OUTROS ESCRITOS - poesia, teatro, conto (1998); - EXUBERÂNCIA E FOLIA NO MAR DE LONGO – poema épico (Rio de Janeiro e Buenos Aires, 1998; - CLUBE BRASIL romance (São Paulo e Buenos Aires, 1992/98); - O OUTRO PORTUGAL romance (2000); - 500 ANOS DE BRASIL ensaios-palestras (2000); - BAPTISTA CEPELLOS o poeta brasileiro (com ilustrações de Ricardo Feher, 2000); - OLHAR CELTA; - ORDEM & SOCIEDADE palestras; - OUTROS POEMAS coletânea; - EDUCAÇÃO & CULTURA textos vários.
Enquanto leitor crítico, JB escreveu mais de uma centena de Prefácios e Opiniões; editor, é responsável pelo jornal O Serigráfico e o Jornal d Artes, ambos de âmbito nacional; editor de Cultura de jornais e rádios regionais; orienta Oficinas de Poesia, palestras em universidades e clubes literários, além de aulas de português e literatura brasileira. É membro do restrito grupo intelectual 'Grupo Granja'. Integrou o grupo que fundou a Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro (APPERJ), é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina / IHGSC e Associação Nacional de Escritores (ANE, Brasília-DF).