Ideologia, Cidadania e Segurança Na Sociedade Globalizada
A Importância Do Intelectual Na Segurança Pública & Cidadania
O Militar No Contexto Civil
Serviços De Inteligência
João Barcellos
Já vi o Mundo sem Vida
E nesse instante
Soube-me à margem de tudo.
E nesse instante
Vi em mim a Vida.
Onde estou? Quem sou? Um figurante?
Ah, este Eu é (um)a Vida!
Ordem & Sociedade
Introdução
Conheço o Mundo pelo que me é dado a Saber,
e tão só. No entanto, como Ser Humano
que deve se expressar procuro
as informações sociais, culturais, políticas
e econômicas, como as judiciais e as militares,
que possam ajudar-me a ser
um Ser Humano mais consciente.
“Ir na vontade de outros” é lema que não me interessa,
é lema e bandeira que deixo
às mentalidades ‘quadradas’ e mesquinhas...
Porque o Ser Humano o é quando intervém
- ou melhor: quando o seu Saber lhe permite
estar e ser Humanidade!
Ao reunir ensaios, que geraram algumas palestras
no campo da Segurança Pública,
sob o título ORDEM & SEGURANÇA, quis mostrar
que a Cidadania é possível em qualquer parte do Mundo,
e que todos temos o Direito à pública expressão,
sejam quais forem as condições sociais...
A demanda por um Saber mais geral
vem animando cada vez mais os Povos que,
em razão da Globalização socio-econômica, têm
de estar mais atentos a sua Quotidianidade,
particularmente no que diz respeito
à Ordem e à Segurança que lhes deve ser assegurada
porque deles se abastece o Erário Público!
O Autor
Sociedade Mundializada
e Segurança Pública
“É preciso que o policial e o militar,
assim como o político, sejam, antes
de tudo, o Cidadão... pois, só isso
determina(rá) uma Segurança Pública
integrada ao Todo social e impedindo
que, em nome de ‘justiça’ de um Poder
de poucos, se faça Terrorismo
contra a Humanidade...!”
Marc Cédron ecólogo e psiquiatra (palestra, Paris/2000)
“A nova economia cerca-nos, domina-nos, faz-nos clientes do global Consumismo, mas não distribui o pão por todos...” foi o que eu disse em recente palestra proporcionada, na Europa, pelo Grupo Granja. Mundializado (ou globalizado) o nosso dia a dia, com as diferenças socioeconômicas mais acentuadas, como pode(re)mos discutir a Segurança Pública? Depois de assistir a um seminário dirigido pelo ecólogo e psiquiatra suiço Marc Cédron, resumi o meu pensamento sobre o assunto...
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Isso é simplesmente utópico...!, foi (e é, ainda) a resposta que recebi (e recebo) quando oponho a Cultura regional – aquela que cada um(a) de nós carreia no dia a dia e dela é/somos um reflexo – aos estereótipos antropocêntricos do que se diz ser Segurança Pública. Ora, por causa desse antropocentrismo (e, neste caso, pode-se revisitar intelectuais como os portugueses Agostinho da Silva e Manuel Reis, como os brasileiros Bento Prado Jr e Marilena Chauí, entre outros) a Universidade virou muleta intelectual do Poder-condomínio (aquele que produz o Pobre para sustentar o Rico) tendo, sempre, a benção sacrossanta da Igreja (católica, islâmica, budista ou judaica) que se esbanja no eixo da Economia dos fortes! Eh, nem aquele Jesus – o histórico, não o bíblicamente instituído – conseguiu ser o ‘cristo’ (guia espiritual) de uma Humanidade embasada no Fraternalismo.
Eis que, vivenciar a Globalização socio-econômica, esta em que todos viramos clientes potenciais do Consumismo cibernético e na qual meia dúzia de endinheirados detêm os poderes de decisão política!, é destruir a raiz antropológica da Humanidade que somos. E se essa meia dúzia decide que o Rico deve ser a maioria absoluta contra a multidão que é o Pobre, então, o Poder-condomínio vai cair um dia como caíram os nazis político-militares e caíram os comunistas, porque a fascização social (dos meios de sobrevivência que sustentam o Pobre) não poderá aguentar a pressão psíco-física que, necessariamente, eclodirá...
Posto isto, questiono: o que é Segurança Pública quando se arremessa com tolerância zero contra o Pobre, em geral, e tolerância aberta quando se trata de criminosos filhotes desse Poder-condomínio...?! “Ai, isso aí é comunismo!, é anarquismo!, é socialismo!, é guevarismo!, é chinesice...”, logo berram os ignorantes. Não. Nada disso. É Filosofia social embasada na urgente regionalização do Pensamento, porque se não encontrarmos (em nós) uma Ética ecológica assumida cultural e ambientalmente (eis, aqui, o Regionalismo), qualquer indivíduo endinheirado e engajado ao Establishment mundializado vai poder leiloar a Amazônia a troco de favores político-eleitorais. E no entanto, saiba-se!, é possível encontrar nos corredores do Poder-condomínio globalizado exemplos de Cidadania resultantes do grito social dos movimentos democráticos: é o caso – um entre outros exemplos, claro – das Delegacias de Defesa da Mulher que foram/são uma resposta, em termos de Segurança Pública, aos anseios do universo feminino, mesmo doendo na alma do Poder patriarcal. Ora, por força das distorções do antropocentrismo que lhe é característica o Poder-condomínio obriga-se a ser um pouco mais do que neoliberal...
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Os conflitos intercomunitários provam-nos que a Utopia da vivência de raiz cultural é possível e que a Economia mundializada não é alternativa porque, na verdade, é um Capitalismo tão selvagem quanto aquele Comunismo estatal!, só que o neoliberal oferece(-nos) a possibilidade de um paraíso consumista tendo cada um(a) direito a carro zero, casa própria em condomínio verdejante, crédito a perder de vista, e etc e etc... Mas isso só cria mais aberrações sociais nas comunidades com os consequentes conflitos.
Só entendendo e mergulhando numa Filosofia ambiental de cunho humanamente ecológico, mesmo!, será possível encarar a Sociedade Civil e, com ela, perspectivar estratégias de Segurança Pública – e, nunca contra ela! Por isso dei, e dou, o exemplo das DDM’s como plataforma de observação e crítica construtiva para todo o sistema policial-militar.
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Durante muito tempo, na Europa fascista e fascizante, o Policial e o Militar tinham como conceito de Segurança a máxima “abater primeiro, investigar depois”, e só a abertura política e democrática possibilitou estruturar a Ordem e os Agentes da Ordem segundo Leis condizentes com as realidades comunitárias de cada país. Eis o que faz falta na América do Sul e, muito especialmente, no Brasil... Sendo o Brasil um país-continente ele vive tensões sociais intercomunitárias profundas em razão dos absurdos desníveis econômicos provocados pela má distribuição de renda, realidade pouco estudada, em geral, e raramente observada pelas instituições policiais e militares que, a mando de uma Justiça absorta no figurino do Poder-condomínio, atuam politicamente desfasadas. O que é preciso é alimentar, gradativamente, nas escolas jurídicas e policiais e militares, uma mudança de Comportamento sóciocultural e político, para que a Lei e a Justiça sejam instrumentos aplicáveis ao Todo social.
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Dizer, como ouvimos amiúde, que “é preciso militarizar o cotidiano” é defender, no mínimo, o fascismo social como peça de sustentação da Nova Economia; o que é preciso é saber interpretar as realidades sociais e intervir para melhorar, não para (ajudar a) destruir; é preciso, sim, interagir com Leis que ditem uma Justiça geral, e não particular... por uma fenomenologia (e lembro aqui as premissas filosóficas de Husserl e de Manuel Reis, como de Marc Cédron) que defina a distribuição de Riqueza e não as migalhas mundializadas!
Terminando... creio que estamos, ainda!, diante de um problema chamado Segurança Pública, porque a Privada tem o suporte da Economia global...
A Mulher Na Cultura Do Poder
A defesa civil do universo feminino não pode significar um outro tipo de humilhação pública!
Sobre o exemplo cívico das DDM’s
“A Mulher não é nem mais
nem menos que uma das faces da Humanidade – e, esta,
deve saber se organizar, enquanto
Comunidade e enquanto Poder, face ao desafio que é viver
a diferença sócio-sexual, nas tensões do dia a dia, criando
instrumentos civis e políticos que salvaguardem aquela - a Mulher -
da selvageria atrofiante que é
o animalesco machismo das sociedades patriarcais...”
João Barcellos – in A Propósito de Rosalía de Castro
e Florbela Espanca, palestra, Lima-Peru / 1995.
Sociedade vivificada significa quotidianidade amplamente participada por quem de direito – isto é: pela Mulher e pelo Homem que fazem a Humanidade. Uma e outro são parte integrante do sistema cósmico que absorve a vivência terrena, independentemente de culturas e de religiões.
Somos – nós, os Humanos – uma vivência que sobre-vive precariamente porque a Animalidade também nos é parte integrada. Agimos no instante da sensação e provocamos, entre nós e quantas vezes..., a ruptura entre a consciência do valor humano que assimilamos socioculturalmente, de geração em geração, e a inconsciência da circunstância que, naquela sensação, provocamos. Eis que, por isso, vivemos a Vida da mesma maneira que, nesta, já vivemos a Morte... E o que existe de mais difícil entre nós, Humanos, é decidirmos o que fazer em nosso dia a dia, sendo que muitas vezes nos atropelamos (socialmente) atropelando os outros! Entre amores e desamores, palavras que não são ditas, ou que o são na hora errada, eis que somos – nós, os Humanos – a Angústia personalizada.
Desde há muito tempo – e, hoje, a Arqueologia demonstra-nos o que o francês Antoine Fabre D’Olivet sempre defendeu: as Amazonas existiram, sim, e foram, acrescento eu, uma alternativa ao patriarcalismo religioso que acabou com o comunitarismo matriarcal que ainda encontramos, por exemplo, em algumas áreas da Cultura minho-galaica, no norte português e espanhol, e que na saga caraveleira foi transportada para o Novo Mundo... – pois, dizia, o universo feminino manifesta-se isoladamente, mas, mesmo assim, demonstra a existência continuada de uma filosofia humanamente maternal que o universo masculino mais rejeita por estúpida incompreensão (induzida, cultural e religiosamente) dos valores humanos a que, na verdade, deveria ater-se! O fato de a Mulher se expor como Mulher nos círculos sociopolíticos do Poder que, regra geral, a ignora, é algo que me anima - a mim, e a qualquer intelectual não engajado aos poderes-de-dominação... – a considerar a existência, mesmo que tênue, de uma luz humanamente cósmica lá nos confins daquele universo masculino que vê nela – a Mulher – tão somente o objeto do desejo de posse e dispersão da casta. E, aqui, não falo da politicagem que é o feminismo, falo do universo feminino que o é natural e antropologicamente!
Quando me falam de movimentos dirigidos pela Mulher, sejam eles sociais ou políticos, culturais ou de instância civil, sinto-me bem... Um dia, em viagem de trabalho à brasileira São Paulo, falaram-me de uma nova ‘construção’ jurídica em torno da Mulher no âmbito de um processo de defesa que passaria pelas instituições policiais urbanas, ou metropolitanas: “Estão enquadrando delegadas qualificadas para a direção de delegacias de Defesa da Mulher”, ouvi. Confesso que a princípio não entendi, mas, aos poucos fui ouvindo mais informações sobre as tais ddm’s. Da mesma maneira que a Sociedade despertara para a problemática, regional e mundial, do narcotráfico e do terrorismo, a Mulher – porque indefesa diante do discurso e da práxis do machista e anti-social universo masculino – passou a ser ‘olhada’ como vítima da própria Sociedade não-comunitária.
E é interessante verificar que este fato se dê, precisa e paradoxalmente, no seio de uma Nação em que o preconceito é o valor predominante... o Brasil. Um país dito do ‘terceiro mundo’ a dar lições de urbanidade aos tais do ‘primeiro mundo’ -, uma vez que são poucos os exemplos conhecidos, na esfera do Poder institucional, de defesa declaradamente pública do universo feminino. E são poucos os países autodenominados ‘civilizados’ que concedem à Mulher o estatuto de participação inequívoca na Sociedade!
Entendi aquela ‘construção’ jurídica que levou à concretização institucional das Delegacias de Defesa da Mulher como um sinal claro, e demonstrativo, das possibilidades filosóficas, culturais e políticas, de se intervir, sim, na Sociedade civil para equilibrar os universos feminino e masculino na razão direta da violência que as diferenças sócio-sexuais provocam quando patriarcal e levianamente exploradas.
Mesmo com a precariedade jurídico-social-policial em que assentam, as ddm’s são exemplos de que a Sociedade já processa a identidade feminina como conditio sine qua non para a preservação da sua própria institucionalidade tão apregoada no discurso da Democracia. É, diga-se, um outro ponto de vista do Poder, mas, deve dizer-se, também, é a demonstração da fragilidade social de todo o Poder que, não podendo combater eficazmente as tensões da quotidianidade promove em seu seio um diferencial civil... E no entanto, é um fato governamental que deve ser apoiado pelas comunidades que recebem essas ddm’s - e, o melhor é dizer: um fato que deve ser apoiado e participado socialmente, já que é uma das raras oportunidades institucionais em que a Mulher é tratada com estatuto próprio!... Por outro lado, o apoio e a participação junto das delegadas policiais que dirigem as ddm’s possibilita que o projeto ddm não descambe em uma farsa político-administrativa e em nova humilhação pública do universo feminino... já que nem sempre é possível, que o digam várias delegadas..., convencer os detentores do poder municipal, ou autárquico, sobre a importância e a amplidão social que representam as ddm’s, tal a ignorância sociocultural de que são oriundos. Mas, lá estão elas – as delegadas, numa luta diária pelo re-armamento social e institucional do estatuto da Mulher enquanto ser cósmico baseado na Terra.
Tive a oportunidade de dialogar com algumas das delegadas que, da Polícia Civil, foram destacadas para - dirigir, com a comunidade – as Delegacias de Defesa da Mulher, e um fato posso registrar: elas investiram, técnica e socialmente, na nova posição que ocupam na Sociedade; tanto que, na maioria das regiões onde foram instaladas ddm’s, o estúpido e preconcebido machismo recuou quer no nível familiar quer no das ruas. Assim, a simples existência das ddm’s já proporciona uma re-análise do simbolismo anti-social do machismo, o que é, a meu ver, uma vitória sociocultural das movimentações político-institucionais que a Mulher vem promovendo para melhorar, também, o mundo angustiante em que vivemos, e não apenas o seu!
É que, neste caso, a Mulher é “o indivíduo/pessoa, enquanto centro de consciência autônomo, capaz de edificar a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial” – como defende o professor e filósofo Manuel Reis (in Em torno das Novas Tecnologias e da Nova Economia, ensaio, Portugal/2000). Ora, a instituição ddm é, sem dúvida, uma raríssima abertura da Sociedade que todos, e a Mulher, devem saber aproveitar sem cinismo nem proveitos políticos. Porque a Mulher é aquilo que o Homem é: um Ser Humano com direito à Liberdade.
Ideologia, Cidadania e Segurança
Na Sociedade Globalizada
Policiais, terroristas/revolucionários, narcotraficantes, militares,
informantes-testemunhas, leis, políticos e coisas tais!
Introdução 01
Um dia, em Portugal, na escola das primeiras letras, uma professora disse-me, depois de observar a minha atenção sobre os históricos guerreiros que viviam nos castros lusitanos: “Os romanos infiltraram os seus soldados entre os velhos celtas e, aos poucos, ou mataram ou prenderam os chefes dos clãs chegando ao domínio da região celtibera”. Entendi muito cedo o que é a luta pela sobrevivência do Poder... E nunca esqueci aquela lição. Trinta anos depois, na Colômbia, ouvi de uma anarquista: “O teu Poder está no Saber que tens e na sua utilização consciente, mas nunca deixes que outros te digam como fazer o teu dia a dia: só és Poder gozando a tua Liberdade de decisão sobre o teu Eu!”
Estas duas lições estão constantemente no meu Pensamento, particularmente quando analiso a ‘ciência’ que é saber estar para poder ser, recordando aqui Heidegger. Vivo culturalmente em raízes européias mas assumo as circunstâncias socioculturais sul-americanas em que me insiro como Cidadão e como Intelectual.
Está na hierarquia não assumida como ação social, sim como pólo político-burocrático, um dos paradigmas da nossa vivência – absolutismo que, aliás, logo aprendemos (e sentimos) quer na escola quer no trabalho.
Quando nos perguntamos ‘- Como viver a vida?’ em meio às pré-estabelecidas Classes Sociais procuramos, na verdade, uma saída/alternativa à revolta íntima que, se nos atrofia pela impotência revelada, por um lado, também nos lança na aventura do ‘- Tenho de sobreviver!’... É que nem todos pertencemos às classes dominantes e se até essas lutam fatalmente pelo Poder e pela divisão do mesmo entre si, imagine-se o abismo que as separa de que produzem a riqueza: o Povo. E, este, produtor incansável do berço dourado da Burguesia capitalista e da comunista, vive uma luta titânica na maioria das vezes não para atingir (ou tirar) o Poder que as classes dominantes detêm por opressão institucional ou não, mas para ser o que é... principalmente quando agregado as interesses da Religião, a eterna arma que os poderosos utilizam para manter o Povo nessa ‘burocrática’ ação de (sobre-)vivência observando os princípios pré-estabelecidos da Hierarquia sócio-política.
Para quem não quer observar nem seguir as regras da Hierarquia sócio-política resta a marginalidade, seja ela social, política, econômica, cultural ou religiosa. O que, face à Lei geral que rege a Ordem social dos poderosos, configura o Crime. Que, quando o Estado institucional é o alvo, transforma-se em Crime de lesa Pátria. Para as classes dominantes este é (deve ser) o quotidiano legal e ilegal, para quem vive paralelamente é apenas o ato de (sobre-)viver na circunstância sócio-política mesmo que tal ato seja um viver criminoso na perspectiva do Poder. E no entanto, quando os hoje marginais tomam as rédeas das classes dominantes eles tornam-se Poder e embebedam-se/enamoram-se pelos hierarquizantes gestos do ato de governar. E, neste instante, urge perguntar: quando a Revolução acontece onde está o Crime? E mais: quando a Sociedade se transforma, técnica e culturalmente, tal Revolução é em si um Crime face ao conservadorismo das hierarquias institucionalizadas também nesses campos?
Introdução 02
Diante destes dois mundos, Poder ou contra-Poder, eis-nos a viver um dilema ‘- Afinal, em que instante personificamos o Terrorismo?, quando somos Poder ou quando somos contra-Poder?‘
Da Discussão Sobre Sociedade
entre os campos social e técnico-científico
& Da Revolução
Naquele instante, ainda no Século XIX, em que o notável investigador-historiador Martins Sarmento – após muitos e muitos anos observando, de sua casa, as ruínas de velhas vilas que geraram vida nos picos de vários montes em Guimarães, no norte de Portugal... – decidiu revelar o que a sobreposição socio-militar e cultural, por um lado, e o tempo, por outro, esconde(ra)m, a História Celtibera mostrou-se na plenitude superficial da primeira abordagem. Nos sítios castrejos (as vilas fortificadas e erigidas sempre em pontos altos e estratégicos) descobertos no ardor arqueológico daquele intelectual despontou, afinal, um pouco daquilo que originou a confluência de culturas que, logo, deram corpo a uma Lusitânia multi-racial e, desta, a Portugal. O ideal de lar fortificado desenvolvido pelos povos pré-celtas e pelos celtas ficou no consciente quotidiano português que, em vista disso, batalhou para erguer uma Nação com fronteiras definidas, o que aconteceu com o primeiro rei D. Afonso Henriques, a partir de Guimarães até Lisboa, em sua fantástica expansão territorial, e ampliou-se na visão ultramarina do infante D. Henrique, a partir de Sagres. Mas, aqui, interessa-nos somente o continente, onde uma Sociedade ergueu-se na miscigenização de sangues e culturas visigoda, celta, grega, romana, árabe, vândala, e outras. Aquela vivência matriarcal que definia os traços do quotidiano nos sítios castrejos (ou citânias) perpetuou-se no inconsciente social minho-galaico e influenciou a definição da estrutura sociocultural e política de Portugal. Mas, tal passado sociocultural não interessa(va) desenterrar na perspectiva político-religiosa dos poderes instituídos, e ao trabalho exemplar de Martins Sarmento foi sucessivamente negado o apoio oficial do Estado português...!
Ao lembrar, aqui, esse intelectual português e um pouco dos quês da Sociedade portuguesa, quero demonstrar como uma Nação nem sempre é uma Sociedade aberta. Realmente, depois que definiu o seu traçado territorial, Portugal mergulhou naquela cultura castreja que denomino como lar fortificado, e por aí deixou-se ficar; depois da ‘onda expansionista quinhentista’ perdeu-se na vastidão que não lhe lembrava o lar fortificado e retornou a esse umbigo para saber-se (ou perder-se novamente) no seio de uma Península Ibérica que respira ares europeus em ‘artes’ econômicas que lhe sonegam a pátria condição.
No contexto mundial, Portugal é um fato exemplar do Estado que se ausenta da governabilidade pátria para assumir um estado psicológico: está por estar embora que não o seja! E se entre o rei D. Afonso Henriques e o rei D. João II viveu Portugal o Estado que o é por direito de conquista, depois de D. Manuel I até ao reinado republicano absolutista de Salazar, esse mesmo Portugal reduziu-se ao simples estar territorial e combatendo qualquer (r)evolução política, social, cultural ou tecnológica. Um país na sombra histórica. E só. ‘Orgulhosamente só’. Durante a ‘onda expansionista quinhentista’ alimentou-se dos ‘subsídios’ que forçadamente as colônias lhe enviavam, hoje, na ‘nova economia’ dos reis-banqueiros e da Europa economicamente unida, ei-lo novamente a viver de ‘subsídios’... Portugal não vive a sua pátria condição, está mentalmente! Razão tinha/tem Pessoa ao berrar poeticamente aos quatro cantos do mundo ‘minha pátria é a Língua portuguesa’!
Um dia, instauraram a República contra a Monarquia, mas aquela tornou-se tão politicamente absolutista quanto esta e, numa madrugada primaveril de 1974, a velha República abriu-se ao mundo. Mas foi só um delírio militar que acabou por fazer Portugal retornar definitivamente ao umbigo ibérico, ‘castro mental’ em que ora jaz. Neste meio tempo, alguns quiseram revolucionar o lar fortificado mas aquele que é ‘quem mais ordena’ – como canta(va) Zeca Afonso na sua balada -, o Povo, deixou-os em Revolução umbilical com sabores transnacionais, e logo nomeados de agentes do Terrorismo pelos poderes da Democracia social-capitalista. Com ou sem golpe de Estado, com ou sem movimentos contra, com ou sem fascismo social, Portugal é o exemplo da Nação onde a Sociedade não se faz pela Cidadania, sim pela ‘fulanização’ do quotidiano gerado pelas políticas econômica e social tendo a Cultura como tapume e até como meio termo entre os cada vez mais pobres e os cada vez mais ricos.
Embora este seja um exemplo localizado, a política econômica mundializada tornou toda e qualquer Nação refém dos desígnios da rapina financeira e tecnológica que meia dúzia de poderosos processa, assim, a Humanidade não vive em cada Cultura uma Nação, mas uma aculturação que oprime todas as nações.
Situação de conflitos locais e continentais, de interesses pessoais e de grupos, e raramente de vivência da pátria condição.
Cada vez mais as pessoas preferem se organizar em máfia e lutar por interesses economicamente próprios, ou politicamente direcionados, como no caso daqueles que ousam a Revolução Social face às miseráveis condições de vida que a Revolução Técnico-Científica trouxe, e traz, porque ideologicamente orientada para dar suporte ao Poder estabelecido – esta coisa que eu nomeio de Poder-condomínio, porque a uns poucos privilegiados é dada a condição de viver e à multidão que é o Povo pede-se mais Trabalho... Mas até mesmo aqueles que lutam pela Revolução Social prestam-se, na maioria das vezes, a assumir o papel do Poder neo-conservador, i.e., daquele Poder-condomínio travestido de mui liberal e democrático! Daí os revolucionários que viram terroristas e dos policiais e militares e políticos que viram máfia... Numa Sociedade completa e exatamente perfilada pelo Consumismo só mesmo uma Nação anacrônica como Portugal para viver como lar fortificado/castro mental até que a ‘árvore das patacas’ desapareça, porque os portugueses vivem na pétrea condição da falência e sem alternativas/soluções próprias, razão pela qual nenhuma Revolução ali vingou por inteiro, e só o ‘golpe d’Estado de 1974’ permitiu algo novo, da mesma maneira que os revolucionários feitos terroristas por lá continuariam como heróis em movimento não fossem alguns dissidentes terem determinado o seu fim uma vez que personificavam a ‘revolução’ de uns e não a Revolução Social politicamente assumida pelo Povo.
Mas se em Portugal a questão é extremamente localizada, já na Itália, nos EUA, na Colômbia, nos países do Leste europeu, no Brasil e nos países do Oriente, a máfia atua política e militarmente com suportes socioculturais de envergadura popular, ao que se junta um grupo extremamente violento e mundializado – o narcotráfico, cuja influência atinge a própria governabilidade em alguns países e ainda subsidia conflitos bélicos localizados, como os levados a cabo pelos EUA e os amigos do G-7 para controle de áreas estratégicas. É neste contexto, também, que a Revolução Técnico-Científica desenvolve-se mais por interesses de grupos transnacionais e econômicos do que pela Humanidade em si.
Ora, o que é preciso é levar o Consumismo às últimas consequências mesmo que isso exija maiores agressões ao eco-sistema que nos serve de berço e de sobrevida. Este é o lema da política liberal. O que interessa para os liberais não é a Sociedade, não é a Nação, só o valor comercial do quotidiano lhes interessa e, nesta base, qualquer cidadão (militar, engraxate, político, executivo, pedreiro, pintor, bombeiro, intelectual, etc) que se lhes oponha é terrorista, saiba ou não ele o que tal significa exatamente!
Esta é a Sociedade em que vivemos e nenhuma Filosofia, à parte algumas premissas de Kant e do marxismo (o autêntico, de Marx), conseguiu alternativas tendentes a tornar a Humanidade mais humana. Isto significa que aquela Sociedade Aberta encontrada na Cultura Castreja (não se confunda com Cultura Castrense = vivência militar) era, na verdade, uma Filosofia de abordagem à Vida, sensibilidade poética que o Consumismo simplesmente arruinou, pois, com este vive-se para ‘estar’, e naquela época vivia-se para ‘ser’.
E quem somos nós, afinal?
Que tipo de Sociedade podemos viver enquanto Humanidade que se auto-destrói num quotidiano que é mais Animal do que humano?!
Vive-se, i.e., vivo eu e vivem todos, a calamitosa situação anti-filosófica de ‘estar’ porque a isso ainda temos algum ‘direito’...
Que tipo de Sociedade aqueles que teimam em viver a Cidadania podem discutir?
Desideologização Global
versus
Cidadania
Os caudilhos ibéricos Salazar e Franco fizeram do lema deus, pátria, autoridade a bandeira socio-policial e cultural com que emolduraram o antropocêntrico Governo fascista, o mesmo lema e a mesma bandeira que, ainda nos Anos 70, Pinochet utilizaria no Chile e Médici e compadres generais no Brasil do golpe de 1964 que muitos, à semelhança do que se passou em 74 em Portugal, chama(ra)m de ‘revolução’... Épocas de sombra e de desesperança que, hoje, na virada para o 3° Milênio, revivemos através da Nova Economia imposta pelos liberais e pela qual somos submetidos a um fascismo social de consequências humanas desastrosas, como já verificamos na política estatal-policial soviética do Comunismo e da pseudo Ditadura do Proletariado evolucionada por Lenin e continuada criminosamente por Stalin numa afronta vergonhosa ao conceito filosófico de Socialismo.
E se com os comunistas a Ideologia foi o motor que movimentou políticos e militares, com os liberais e os neo-liberais da Nova Economia é a Desideologização que movimenta e fortalece a máfia, em geral, e faz os militares – enquanto braço principal do Estado – buscarem conflitos regionais para fortalecerem, também, as estratégias governamentais de dominação dos países mais tecnologicamente privilegiados. Conflitos que implodem, também, entre mafiosos como entre revolucionários, uma vez que uns e outros geram em suas ações ‘pequenos poderes’ que contradizem ‘códigos de honra’ que, aí, produzem dissidências ideológicas ou não. Qual a diferença entre um caudilho fascista, um chefe mafioso e um chefe revolucionário ditatorial?..., nenhuma! Daí as dissidências em grupos revolucionários como os portugueses PRP (Caso Dinizes) e Projecto Global/FP’s 25 (Caso Barradas, Figueiras, Macedo, Lamas etc), em grupos mafiosos como a transnacional de origem italiana Cosa Nostra (Caso Buscetta), e em grupos comunistas, como o PC Brasileiro (Caso Cabo Anselmo), além de muitos casos em grupos como o irlandês IRA, o basco ETA ou o colombiano FARC. E isto porque os grupos da Economia Paralela, como a máfia e o narcotráfico, atuam sob fulanização de interesses, enquanto aqueles que apregoam a Revolução Social, apesar das ideologias, caem precisamente nessa mesma fulanização, como aconteceu com Fidel (em Cuba), Otelo (em Portugal) e Tirofijo (na Colômbia), entre outros exemplos, além de que não se pode esquecer que filósofos de peso como Heidegger apoiaram e apregoaram o nazismo de Hitler, enquanto muitos artistas (como António Ferro, Almada-Negreiros, em Portugal, e Menotti del Picchia, no Brasil) forjaram a fachada cultural fascista... e que, hoje (para poderem ser subsidiados pela Nova Economia), os judeus perseguem outros árabes da mesma maneira que foram perseguidos pelos nazis em função do boicote econômico declarado e praticado pelo sionismo contra a Alemanha..., e já possuem, até, bomba étnica. Então, Ideologia é agora um campo de batalha filosófico e cultural desenvolvido pelos intelectuais mais ousados e contrários à Cultura ocidental antropocêntrica que rege a Mundialização de alguns interesses contra a Humanidade tendo como base a Desideologização das políticas sociais.
Aplicada esta questão ao modus vivendi dos revolucionários – e observo aqui a excepção às questões nacionais da Irlanda e do País Basco -, agora descomprometidos com as velhas bandeiras dos sovietes e esquecidos da filosofia marxista, registra-se que eles têm como ‘norte’ a sobrevivência daquele status anti-fascista que durou até final dos Anos 70, daí que em muitos casos a organização revolucionária tornou-se um bando de salteadores.
A facilidade com que este tipo de ex-organização revolucionária se presta à convivência com a máfia e o narcotráfico demonstra, em definitivo, que a Desideologização proposta e desenvolvida pela Nova Economia alcançou aquele patamar do fascismo social que desagrega tudo e todos ao proclamar a hierarquização absoluta dos chefes. A contestação é tal que os eventos carnavalescos do Brasil, em 2000, foram marcados por uma canção (do grupo baiano As Meninas) cujo ritmo era/é marcado por ‘essa tal de hierarquia’ que faz ‘os ricos mais ricos’ e ‘os pobres mais pobres’... Só falta saber se o Povo vai ficar somente no embalo da música ou vai reivindicar o seu espaço no bem-estar geral da Nova Economia!
Objetivando Segurança
Em Meio Ao Condomínio Que O Poder É
Ao expor o crime organizado da Cosa Nostra,
o ex-chefão siciliano Don Masino (na realidade Tommaso Buscetta) levou à Justiça
quase meia centena de mafiosos e, entre eles, o primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti,
logo ‘absolvido’ pela mesma Justiça subordinada ao Poder insitucional;
exatamente o que os políticos portugueses querem fazer com Otelo, acusado,
sob demonstração de farta documentação, de ser ele mesmo uma ‘componente’ e o fundador
do Projecto Global / FP’s 25, organização revolucionária marxista que,
por falta de condições objetivas e nacionais, tornou-se um bando de salteadores – como em tribunal
declararam os dissidentes Figueiras, Macedo e Lamas, e estes, mesmo sem o favorecimento
de um programa de apoio a testemunhas... instrumento jurídico
utilizado pela Itália e pelos EUA no Caso Buscetta.
Na realidade, o mafioso italiano atuou para salvar a pele,
enquanto que os revolucionários portugueses se afastaram da organização
e decidiram acabar com ela. Ação idêntica
à do Caso Cabo Anselmo, no Brasil.
Vem esta questão da ‘testemunha privilegiada’ a talhe de foice para demonstrar que, seja no campo econômico seja no revolucionário, a Ideologia não é mais o carro-chefe no campo das ações; uns tentam salvar-se custe o que custar e, outros, sentindo o fim das ‘vanguardas ideológicas’ desligam-se e acabam com a hipocrisia dos movimentos. E no entanto, em meio a estas ações regionais e continentais, favorece-se no fundo o Poder que, atrelado à Economia mundializada, torna-se ainda mais forte. Porém, acrescento, e é importante: se um revolucionário chega ao Poder ele adequa-se gradativamente às conveniências burocráticas e filosóficas da estratégias conservadoras que lhe servem de base. Não menciono aqui ‘se um mafioso’ porque, esse, regra geral, ou está no ou serve o Poder... E veja-se que o Poder e a ‘sua’ Justiça observam, em geral, tolerância zero para um ladrão de carteiras e tolerância aberta para os criminosos do colarinho branco!, e só tocam nestes quando é necessário pacificar o Povo sacrificando este ou aquele figurão...
De tal sorte vêm acontecendo as movimentações sociais que os grupos ideologicamente posicionados para defenderem os direitos das classes desfavorecidas passaram a viver, desde os Anos 80, uma declarada e política auto-destruição, e até os velhos partidos comunistas viram-se obrigados a mudar de nome e de estratégia para não colidirem com os ‘novos interesses’ (leia-se alienação pelo Consumismo) daqueles que dizem defender. Eis que a Sociedade é hoje, na verdade, um bolsão universal manipulado pelos poderosos da Nova Economia.
Ou seja: falar hoje de pena de morte, por exemplo, é quase uma obscenidade, porque as classes desfavorecidas estão pré-destinadas pelo Consumismo a um endividamento pétreo que as leva à morte lenta.
Então, quando a Violência irrompe nas cidades e nos campos de forma desorganizada, ou politicamente manipulada à Direita ou à Esquerda, o Poder responde que o Terrorismo deve ser combatido. Sem mais. Mas como a Violência é cada vez mais uma resposta à não distribuição de renda, ela espalha-se por todas as camadas e faz da Sociedade um barril de pólvora - e, nos casos da América do Sul, uma guerra civil não-declarada. Isto levou as elites sociais e políticas e militares a construírem condomínios, não na perspectiva da antiga cultura castreja, que objetivava o bem-comum, mas na perspectiva da defesa personalizada do Poder instituído. E pronto. De um lado esse Poder-condomínio e do outro os bairros de pau e lata, fazendo aqui uma leitura abrangente de alguns textos do escritor português Manuel Reis sobre o assunto.
A questão é: a burguesia defende-se, mas quem defende os Povos da opressão sistemática exercida por esse Poder mundializado...?
Eis que, de fato, e pelos vistos ‘de direito’, o Povo está condenado à morte lenta porque lhe tiraram o direito à Educação e à Cultura, mas deram-lhe a ‘alternativa’ de ser feliz tornando-se ‘consumidor’ da mesma Sociedade que o condena. É por esta razão que a pena de morte é aplicada nos EUA e na China, por exemplo, a indivíduos que não os da elite. A antiquíssima lei do chicote é o exemplo que hoje temos no escravagismo tecnológico e econômico!
A questão não é mais de Ideologia, é de Humanidade em auto-destruição!, porque se cada um(a) de nós precisa de um(a) ‘guarda-costas’ para se defender de uma imposição política ou de uma clonagem científica, e mesmo para ir ao cinema ou ao teatro, então, a Humanidade deu lugar à mais primária Animalidade...!
A Importância Do Intelectual Na
Segurança Pública & Cidadania
“Quando se diz que ‘o cidadão
não participa da sua própria segurança’
não se expressa a verdade sobre o
assunto, pois, deve-se dizer ‘quando
ele – o cidadão – tiver as ferramentas
políticas propícias ao desenvolvimento
da Cidadania aí, sim, a Segurança
Pública terá dele o envolvimento
total’.
João Barcellos in O Cidadão-Intelectual
No Contexto Da Urbe Violenta (palestra,
Rio de Janeiro, Br. / Buenos Aires, Arg., 1995)
Dar ao Cidadão a Cidadania a que ele faz jus não deve ser nem uma promessa político-eleitoral nem um obscuro desafio para transformar a Sociedade em um campo de concentração. Abrir a Sociedade à Liberdade que ela transporta em si mesma é, a meu ver, o desafio maior de cada um(a) de nós, o que não significa que cada um(a) de nós deva ser ou transformar-se em policial ou militar no âmbito da Defesa Pública.
Ao visitar, nos Anos 70, a velha planta da Citânia de Briteiros, na região portuguesa de Braga, lembrei-me do alto nível organizacional que a Sociedade Celta preservava a par da barbaridade da sua sobrevivência socio-militar face aos ataques, primeiro, dos romanos e, depois, dos cruzados católicos – e, realmente, a Sociedade Celta acabou por fraquejar em alguns pontos face ao Império romano e ser completamente dominada pela Igreja católica porque não permitiu que os seus cidadãos se tornassem nem polícias nem militares: permitiu simplesmente que o Celta fosse um Celta vivendo a decadência da sua própria maneira de viver a Vida e, com essa atitude sociocultural, abriu-se à passagem de outros povos miscigenando o seu sangue.
Quero ilustrar com este exemplo da Sociedade Celta o significado pleno do ser-Cidadão: “(...) e uma vez que ninguém assume a Cidadania sem se aperceber da Sociedade que representa, porque todos somos uma Sociedade e dela vivenciamos um todo político, policial, cultural, social, etc e etc, ou afundamos com ela ou vivenciamos a conquista de novos valores que irão enfocar uma nova Ordem. Então, face à violenta Urbanidade em que nos inserimos neste Século 20, particularmente nas grandes metrópoles americanas e um pouco nas européias, podemos perspectivar não um afundar em razão da realidade das crises de identidade socio-culturais e, sim, uma retomada da Sociedade que, depois das Navegações do Século 15, tornou-se um Mundo Global. A participação do Cidadão nas estratégias da Segurança Pública passa, pois, por uma avaliação muito pessoal do que é a Sociedade e daquilo que o Poder Instituído lhe oferece como garantia de Vida! Assim, o Intelectual, por exemplo, habitualmente tido como um ser empantufado face às questões mais violentas ou mais absurdas da Urbanidade contemporânea, vem assumindo cada vez mais (e, digo, melhor) uma personalidade de intervenção sociocultural – e não pelo fato de se sentir ameaçado no seu dia a dia, não, mas pelo fato de nos últimos dois séculos deste Milênio Dois da dita era cristã se ter apercebido da importância do Cidadão que o é estando e que, agindo, faz frente às apetências mórbidas dos vários setores mais próximos à liturgia da Morte quotidiana, como aqueles que fizeram a Inquisição católica ou aqueles que fizeram o Nazi-Fascismo e, ainda, aqueles que se arvoram de Fazedores da Revolução com o interesse único da tomada do Poder...”, como expliquei na palestra que fiz no Rio, em 1995.
Não podemos fechar as portas da Liberdade a nós mesmos, porque o masoquismo político é uma entidade psico-psiquiátrica sempre à espreita de uma oportunidade para se mostrar na Sociedade. Eis que a importância do Intelectual, como Cidadão presumivelmente mais atento aos pormenores socioculturais que se manifestam nas políticas quotidianas da Urbe massificada por interesses vários (mercantis, culturais, políticos, etc), é uma importância fundamental porque ele pode (e, na maioria dos casos, deve) criar canais de discussão que levem ao debate geral sobre Segurança Pública & Cidadania.
Como a apetência pelo Terror, seja o promovido pelo Estado seja o promovido por Grupos Políticos à esquerda e à direita, está sempre na pauta dos acontecimentos socialmente previsíveis... é preciso que o Intelectual faça parte da linha de atuação sociopolítica que não permite a equação desideológica do ‘deixa andar’.
E quando falo do Terror faço-o sobre acontecimentos governamentais como a ‘Operação Condor’ (nos Anos 70), que envolveu o Brasil, o Chile, a Argentina e o Paraguay, na caça aos políticos marxistas-leninistas e aos anarquistas que pregavam o Socialismo, o nacional-fascismo de Salazar (em Portugal) e de Franco (em Espanha) na perseguição a todos quantos se lhes opunham, as ações politico-militares dos EUA na região arábica e no Vietnam, ou acontecimentos revolucionários como os originados pelo grupo alemão ‘Baader-Meinhoff’ (nos Anos 70) ou o português ‘FP’s-25’ (nos Anos 80) – ou seja: no caso governamental, o exercício do Poder que se quer preservar absoluto e a coberto das religiões; no caso revolucionário, o agrupamento de interesses políticos e para-militares com objetivos de ferir quer o Poder capitalista quer a Democracia fragilizada na sua necessária abertura político-econômica. Ao que se junta, desde os Anos 70, ações de Terrorismo global praticadas pelos Narcotraficantes e, regionalmente (nos casos chileno, brasileiro e paraguayo), aquelas praticadas por Grupos de Extermínio.
Diante disto, como deve se comportar o Intelectual?
Como é que escritores, artistas plásticos, filósofos, jornalistas, editores e docentes, entre outros, podem intervir na Sociedade como apoio setorial direcionado à busca da Paz?
O primeiro passo está nas fronteiras do seu quintal: ao se integrar lúdica e socialmente no bairro onde habita o Intelectual já dá, com esse gesto, um passo gigantesco na ajuda aos que buscam um quotidiano pacificado. E se, a par disso, ele participa no Jornal do bairro com artigos ou opiniões sobre a Cidadania e a Segurança Pública, aquele primeiro passo torna-se um gesto de universal Humanidade pela fértil Solidariedade que desperta em todos. Quando uma Comunidade local desperta para a realidade adversa que a cerca e mina, principalmente a realidade da Violência gratuita e a das Drogas que fere a sua Juventude..., logo um novo universo humano ressurge no horizonte, porque a consciência cívica da Cidadania é uma conquista sociocultural da qual todos devem participar.
Por isso, quando digo que o Intelectual deve participar da Comunidade não o faço porque o Intelectual não participa, o que acontece é que são raros os exemplos do Intelectual em função sociocultural comunitária. E se a participação na Imprensa regional é uma abertura ao diálogo dos simples – mesmo quando essa Imprensa é jogada economicamente pelo Poder autárquico (o que é vulgar no Brasil e no conjunto latino-americano) -, deve dizer-se que existem aqui exemplos honrosos de brava luta pela Liberdade. Portanto, quando o Intelectual o-é-sendo a Sociedade, regional ou nacional, logo reage tomando ciência dos quês da precária Cidadania que vivencia. Do mesmo jeito que o Intelectual é um cidadão mais completo quando integrado ao seu bairro por organizações de base como a Associação de Moradores.
Ou seja: quando o Intelectual se julga empantufado por aquilo que representa na Sociedade, e assim atua, põe em risco a sua própria Cidadania e fica isolado no plano da Segurança Pública – tão isolado quanto o Povo castigado por impostos; mas, quando ele pensa e existe como parte integrante de um Povo, aí a Sociedade progride.
Uma das razões que leva o Intelectual a manter distância quer de policiais quer de militares é o velho conceito de Liberdade: nunca se envolver com a Ordem institucional mesmo quando ela lhe faculta um quotidiano distante do Povo socialmente sofrido. Um conceito ideologicamente falho, porque a Liberdade existe para o Intelectual quando é uma dádiva da Democracia onde também o Povo bebe o direito à Vida! E mais: a Liberdade de cada um(a) de nós depende da Liberdade vivida também por policiais e militares que asseguram a Ordem institucional. Eis que o Intelectual não é um Ser isolado... A sua participação em ações cívicas que envolvem policiais, militares e organizações de base (como associações sindicais e de moradores, Imprensa regional, etc), que buscam a necessária parceria social para o bem-estar comunitário, é tão importante quanto o seu posicionamento social e profissional.
Em toda a América do Sul assiste-se, por um lado, ao alargamento das atividades de Violência gratuita como do consumo de Drogas, e por outro, à destruição gradativa da Família. O que, com maior ou menor grau, também acontece na Europa, na Ásia, na África e nos EUA... Nenhum continente está livre destas pragas geradas pela própria Humanidade. A participação do Intelectual em programas cívicos de combate à Violência e às Drogas deve ser o mais ampla possível, porque a Violência e as Drogas são o espelho mais visível da destruição quotidiana da Humanidade.
Aquele velho conceito de que Intelectual não deve estar com a Ordem instituída queria dizer, antes de mais, que o Intelectual ativo junto de policiais e militares era tido como informante dos mesmos. O que não era nem é o caso: a parceria sociocultural pela Paz no combate à Violência e às Drogas exige, sim, a participação ativa do Intelectual – ou, ele será parte ativa no apoio a quem gera a Violência e a quem processa e vende Drogas...! Eis a questão. Tão simples como ser livre, ou não. Tão simples como estar na Sociedade ou estar contra ela. Ora, quando um Intelectual politicamente ativo nas franjas revolucionárias se apercebe dos desvios ideológicos ele tem duas opções em uma: afastar-se e acabar com a organização na qual incorporou os seus sonhos revolucionários. Da mesma maneira que aquele envolvido com o narcotráfico que resolve, pondo em risco a própria vida, acabar com o esquema quando se apercebe que a sua atividade era unicamente um dos instrumentos da Morte e da destruição da Família...E isto é estar com a Sociedade, não é denunciar pura e simplesmente, é acabar com o Terror desenvolvido por grupos. E, de um modo geral, o Intelectual sempre encontra o velho dilema: participar ou não participar da Sociedade que lhe solicita o apoio?
Isolado, o Intelectual é simplesmente uma peça humana; quando integrado à Sociedade ele espelha o progresso que as parcerias cívicas proporcionam.
O Militar
No Contexto Civil
Introdução
I- As Forças Armadas Sob Desígnio Popular
II- Forças Aramadas Com/No Poder
III- Segurança Nacional
IV- O Militar No Contexto Civil
ensaio-palestra
no âmbito do Grupo Granja
2000
INTRODUÇÃO
“...tudo no homem depende
da civilização. É, portanto,
sobre o seu estado social que
se apoia o edifício da
sua grandeza.”
D’OLIVET, Antoine Fabre
(França, 1767-1825)
Epistemologicamente posta a questão do Ser social e civilizado ® civilizador que, aqui, na linguagem ‘dura’, porque verdadeira, do filósofo/historiador Antoine Fabre D’Olivet, mais se afigura – para os nossos tempos de Humanidade abandonada... – como um procela ideológica!, importa desencapelar os messiânicos arautos da Sociedade-sem-Povo, que o mesmo é dizer, “da Riqueza de uns fabricada com a Pobreza de muitos e muitos, sob o manto da Religião que da situação se aproveita” (Tereza de Oliveira, in “O Trágico Mundo Da Aldeia Global”, palestra, Genebra-1993)...
O conflito generalizado a partir desta situação sócio-econômica leva-nos à rota ideológica da Liberdade Responsável – ou, como afirma o português Manuel Reis (in “Em Torno Das Novas Tecnologias E Da Nova Economia”, Cotianet-Br, 2000), a vera Revolução Social -, pela qual vislumbramos a única alternativa, política e cultural, ao Poder antropocêntrico mundializado através dessa Economia digital que desconhece a maioria e é dirigida e mantida por uma minoria, ato tão ideologizado quanto a quase-nenhuma distribuição de renda... E sendo/estando a Economia ‘digitalmente’ globalizada a passar por cima de interesses locais, regionais e continentais, temos como resposta um conflito generalizado (ou melhor: mundializado)... sim!
Diante deste quadro, como se pode entender (e até perspectivar) a figura tradicional e nem sempre conservadora do Ser-Militar?
Qual a lógica das Forças Armadas no âmbito da aldeia global e das culturas desenraizadas em tal processo globalizante?
No início dos Anos 70 duas derrotas militares eram politicamente previsíveis a curto prazo: a dos EUA, no Vietnam, e a de Portugal, em África (Angola, S. Tomé e Príncipe, Guiné, Moçambique e Cabo Verde). E, também, a implosão ideológico-administrativa e militar da URSS... Aquela situação de poderes estabelecidos com base na prepotência da Sociedade Civil, tendo as Forças Armadas como instrumento da repressão institucional (e só), não animou os filósofos a maiores estudos que não fossem os circunstanciais; o que, aliás, já tinha acontecido em relação aos golpes de caserna sul-americanos, aos poderes militarizados dos comunistas e ao evento nazista. Era e é mais fácil e cômodo à maioria dos intelectuais olharem de cima os acontecimentos, nunca interagindo pró ou contra.
E foi com o ideal liberal(izador) de um general português, António de Spínola (autor socialmente consagrado do livro “Portugal E O Futuro”, Ed. Arcádia-1971, um desassombro para a época fascista do regime salazarista-caetanista), que a estrutura castrense européia (e, genericamente, a Cultura Ocidental em seu umbigo geopolítico) iniciou um debate ideologizante, a par das primeiras manifestações de globalização da Economia em torno dos interesses/’satélites’ da (ex-) URSS e dos EUA. Eis que o Ser-Militar, quando
consciente da sua individualidade ® personalidade e da sua natural vocação para o exercício da Cidadania, é capaz, sim, de se tornar um meio social para atingir (e ter consigo o Povo) o fim último do ato civilizatório: desenvolver a Humanidade tirando-a dos calabouços, físicos e psíquicos, com destino à Liberdade.
No seu livro, o general Spínola assinala(va) que quanto “...mais forte for a intervenção dos poderes paternalistas na vida social e por mais claras que sejam as opções dadas, mais se enraizará na massa a tendência para culpar o poder”, e que “a contestação generaliza-se a todos os setores (...), mesmo no seio das organizações em que a disciplina mais se enraizou: a Igreja e a Instituição Militar”...
Ao abrir esta leitura-análise com as afirmações daquele militar português, que após o Golpe de Estado ‘dos cravos’ (em 25 de Abril de 1974) tornou-se Presidente da República, cargo do qual abdicaria, recambolescamente (em Outubro de 1974), porque o seu neo-liberalismo não passava ‘do abrir as portas de Portugal ao mundo’ -, pretendo sublinhar que o Ser-Militar, em geral, o é em função da sua Cultura castrense, que raramente o Ser-Civil conhece e que, por tal razão, o leva a posicionamentos equivocados no contexto político nacional e internacional, quando está perante circunstâncias adversas conduzidas (ou ‘alavancadas’) pelas Forças Armadas.
I
Forças Armadas Sob Desígnio Popular
Existem muitos intelectuais que (ainda) “fazem dos militares o retrato de seres estranhos, totalmente desprovidos de inteligência (...), como se não fossemos todos feitos do mesmo barro e homens do mesmo povo” (coronel Octávio Costa, in “A Revolução de 31 de Março”, Ed. Biblioteca do Exército, RJ-1966), e é este posicionamento retrógrado que tem barrado uma análise filosófica mais profunda sobre o Ser-Militar e as Forças Armadas.
É preciso exorcizar o comportamento intelectual que faz do Militar o bicho-papão do Civil, da mesma maneira que é preciso evolucionar-revolucionar o Intelectual no sentido de uma participação quantitativa e qualitativa na Organização Civil -, o que permitiria a esta um melhor entrosamento político enquanto entidade de crítica construtiva. Ou será que intelectuais altamente produtivos como Camões, que viveu e vivenciou a Cultura castrense, perdeu a noção da crítica por ‘estar’ militar numa circunstância da sua vida?!... Não. Não perdeu. O que contraria as opiniões, sobre o assunto, de Olavo Bilac (que citarei mais adiante, neste estudo). Realmente, só perde a Razão quem o deseja, ou alienado por terceiros. Henri Laborit ensina-nos que “...os problemas angustiantes que se põem ao Homem moderno não podem encontrar solução senão numa transformação do seu próprio comportamento” (in “L’Homme et la Ville”, Ed. Flammarion, 1971), o que (nos) remete à “História Filosófica Do Gênero Humano” (de Antoine Fabre D’Olivet, Librairie Générale des Sciences Occultes, Paris-1905; obra publicada no Brasil pela Ed. Ubyassara, RJ-1989, c/ trad. de Edmond Jorge). Em relação ao Ser-Militar, o Intelectual não pode simplesmente manter (e alimentar) um comportamento de mera e sistemática oposição empantufada, pois se aquele é protagonista de circunstâncias
bélico-políticas assumidas pelo Poder civil é porque, em última instância, o Intelectual não consegue nem ser nem estar organização que impeça, socioculturalmente, o abuso de Autoridade!... Ora, antes de atacar o Militar - indivíduo e instituição -, é preciso que o Intelectual (na generalidade, porque existem, felizmente, honrosas excepções!) assuma a base social de uma Política de intervenção que, postas as pantufas de lado, o credenciem decisivamente na luta pela Liberdade.
O desabafo do coronel Octávio Costa é legítimo e não é um caso pessoal, é inerente a todos os quartéis e Forças Armadas instaladas no mundo... Entretanto, há que dizer-se, e o digo, que a instrumentalização política do Ser-Militar é ainda a problemática maior dessa organização – que de instituição se trata! -, e de difícil equação. Não basta, pois, não ignorar o Intelectual insatisfeito com as Forças Armadas, é preciso que estas tomem rumo civilizacional de acordo com os desígnios do Povo a que pertencem, e não (também, sistematicamente) contra!
O diálogo cultural é a instância última onde a Humanidade se (re)encontra. O que não se pode é estigmatizar – qual anátema religiosamente político – a nossa quotidianidade e favorecer a politicagem do ‘quanto pior, melhor’, o que os poderes estabelecidos tanto agradecem, deliciadamente empenhados.
Naquele instante português em que Spínola abdicou da Presidência da República, a grande maioria do Povo não entendeu o ato, pensou que, simplesmente, a Esquerda dominou a Direita, e pronto, lá se foi o general do monóculo... – mas não, ele foi-se porque as Forças Armadas, naquele processo revolucionário em curso (prec) tiveram de aceder aos desígnios de um Povo que, sem o saber nem o desejar!, autodestruia-se nas ruas de Portugal alegando, ou ‘defendendo’, ideologias que lhe eram totalmente estranhas. Por isso, não existiu uma Revolução nem um Desenvolvimento pré-revolucionário no país cujos marujos já haviam dado ‘novos mundos ao mundo’. E um outro general – Ramalho Eanes, viria a comandar um contra-golpe, em Novembro de 1975, encarcerar o pseudo-revolucionário major Otelo, recolocar o Portugal spinolista nos trilhos da abrilada de 1974 e reposicionar as FA’s nos quartéis!
Este exemplo português de descomprometimento anárquico (não se confunda com Anarquia...) das Forças Armadas gerou algumas abordagens interessantes sobre o militar no contexto civil europeu. Marc Cédron, psicanalista e ecólogo de origem suiça, afirmou (in “As Forças Armadas Como Eixo Da Revolução”, palestra, Paris-1975) que “(...) se um civil como o Che foi capaz de [se] organizar e promover uma guerrilha para revolucionar Cuba, e apear um Poder altamente corrupto e corruptível atrelado a uma Religião não menos desumana, também as Forças Armadas podem – e devem, como aconteceu no Portugal ‘abrilista’ de 1974 – protagonizar a Revolução quando as condições de organização que lhe são atribuídas deixam de existir, ou seja: quando o Estado-Nação se desintegra... Aí, as Forças Armadas podem atribuir a si mesmas o papel de fazedoras da Revolução... ou, do combate ao niilismo social circunstancial. O que também aconteceu no Brasil, em 1964, e que por ignorância, também religiosamente alimentada, da Sociedade Civil, o ato transformou-se numa Ditadura militar. No Portugal ‘novembrista’ de 1975 a Ditadura não retornou porque as Forças Armadas foram lideradas por um general – Eanes, e não por um louco, felizmente, desideologizado – o major Otelo, em confronto com os determinismos soviéticos e guevaristas, além dos neo-nazis, defendidos por alguns partidos políticos locais (...) Coube às Forças Armadas, aliadas com a mais primárias aspirações de um Povo recém colocado sob a luz da Liberdade, depois da turbulência do ‘prec’ [que quase destruiu a própria Instituição Militar], conceber um plano de apoio ao estabelecimento da Democracia, e isto sem a ajuda dos Intelectuais que, como quase sempre, estavam em cima do muro (...)”. A desassombrada e corajosa análise deste psiquiatra e ecólogo, porque Intelectual não-empantufado, demonstra, se é que é preciso fazê-lo!, o quanto o Ser-Militar pode servir à sua Nação, ao Povo que lhe é, ou foi, origem.
Não existindo, de fato, função moderadora nas sociedades, e sim execução de estratégias geo-políticas e/ou econômicas, as Forças Armadas devem ser a base de uma Defesa institucional, que o sufrágio nacional lhe destina democraticamente e confere pela Carta Constitucional.
II
Forças Armadas Com/No Poder
Desde que as antiquíssimas vilas castrejas (® citânias) da Península Ibérica, particularmente nas regiões minhota (de Portugal) e galega (de Espanha), foram revisitadas por arqueólogos e historiadores, no Séc. 19, a nossa modernidade recebeu algumas respostas/subsídios sobre a Cultura castrense que estrutura (e é pilar d)a Instituição Militar.
Antes deles, historiadores como o grego Heródoto (484-420 aC) deixaram(-nos) apontamentos sobre a vida vilareja dos povos ‘bárbaros’ (sendo que ‘bárbaro’ era o nome dado a todo o estrangeiro), particularmente aqueles que, apesar dos diversos títulos/nomes, eram dados genericamente como Celtas (Barcellos, João - “Civilização Celta”, Cotianet-Br, 1998). Uma vivência pastoril, nômada, mas quando os clãs (® tribos) resolviam se fixar em alguma região, escolhiam locais montanhosos e isolados – e, aí, instalavam uma urbanidade rústica mas perfeitamente organizada, com o Drud (chefe religioso), o Mayer (chefe militar) e o Kahn (legislador civil sob orientação do Conselho dos Velhos): e já com as classes bem definidas, como a Folk (o Povo) e a Leyt (a Elite), da qual saíam os indicados para os cargos de chefia, como nos conta D’Olivet (op. cit.). Ou seja, uma vila castreja representava, na vera Urbanidade, um Estado-Nação, princípio político-administrativo totalmente copiado pela Monarquia e pela Religião estabelecidas na Idade Média, principalmente, mas com a desvantagem de uma cópia socialmente inferior... pois, criaram instituições regiamente e reliogiosamente absolutistas.
Na Vila Castreja (® Castro, Castelo), a organização sócio-militar tinha predominância embora a religiosa fosse considerada de importância maior (na sua pagã) e telúrico-cósmica condição; a grandeza arquitetônica do sítio obedecia às limitações de defesa do clã e, em tal complexo encastelado/murado, a Sociedade Civil impunha as regras gerais, que iam da higiene à alimentação, como se pode verificar (Barcellos, João - in “Olhar Celta”, Cotianet-Br, 2000) em vários castros minho-galaicos. No entanto, a importância do código militar de defesa era tanta que o Ser-Militar ganhou uma Cultura peculiar na sua vivência intra-muros; e é desse código antiquíssimo que sobrevive a Cultura castrense da Honra em defesa do sítio pátrio...!
Esta brevíssima amostragem configura um posicionamento de estética do Poder estabelecido – i.e., o Militar no e/ou com o Poder.
No exemplo histórico dos povos celtas, cujo sangue guerreiro está no luso-português e por este foi transferido à massa americana-africana onde (se) forjou a Raça brasileira..., o Ser-Militar está-Poder mas, na maioria as vezes, é-Poder. Ou, quando não o era, a própria estrutura civil e religiosa cooptava-o na razão direta de interesses de dominação. Talvez por isto, a identidade castrense é politicamente difusa até hoje e leva a incompreensões culturais.
Saindo da barbaridade céltica e entrando na barbaridade globalizada dos nossos dias, quando festejamos a chegada/entrada do Séc. 21, do calendário cristão, a situação do Ser-Militar é quase a mesma:
Þ as Forças Armadas são o garante da Sociedade como um todo organizacional e pátrio;
Þ as Forças Armadas não devem agir senão em circunstâncias bélicas geradas do Exterior e
que constituam um ataque, declarado ou não, à Nação;
Þ as Forças Armadas e o Ser-Militar (na sua consciência de indivíduo-cidadão) devem
agir para evitar que o Poder pátrio se desestruture em função de uma Política não-assumida
com os desígnios do Povo; e
Þ o Ser-Militar tem o quartel como (sua) residência, de onde pode, ou não, ser cooptado
pelo Poder estabelecido.
Qual a diferença entre o Guerreiro Celta daquelas vilas castrejas e o Militar da denominada era digital? Aquele outro tinha Liberdade para se expressar até na Assembléia dos Velhos (uma espécie de Senado do Saber) e, este, raras vezes tem a oportunidade para se exprimir... até culturalmente! Aqui está, naquilo que me é dado apreender, o que deixa o Ser-Militar plenamente susceptível ao golpe (ou quartelada) nas sociedades que não lhe entendem (...?!) a Cultura própria e o querem (é-estando) como boneco de trapos.
Que as Forças Armadas devam estar nos quartéis, sim; que as Forças Armadas devem estar com e/ou no Poder quando a Vontade popular assim o desejar, sim; que as Forças Armadas não devem ferir aquela Vontade golpeando-a e tomando-lhe o Poder constitucional, claro que não...; que as Forças Armadas podem e devem agir em defesa do Povo, sim; que as Forças Armadas devem exercer o (seu) direito sociocultural de estar e ser Organização, sim; que as Forças Armadas e o Ser-Militar (enquanto legítimo filho do Povo) devem ter direito de livre expressão, sim... O que não pode é a Cultura castrense isolar-se da Sociedade Civil, pois, o diálogo sociocultural e político é a arma serena da Paz na Comunidade vivenciada universalmente!
Pode-se dizer, e eu penso nisto sempre que alguma ‘crise militar’ é anunciada pela Comunicação Social de algum país, que um dos perigos que ronda, sistematicamente, os quartéis, é a sempre possível ação (envolvente) de niilismo intra-muros, na razão direta da Política civil absolutista e ignorante dos monopólios financeiros; porque as Forças Armadas estão-Poder quando a Nação o deseja/desejar ou são-Poder, da mesma maneira... é que a arma que defende o Povo é a mesma que pode ficar contra o Povo. Querer submeter a Cultura castrense a um beco sociopolítico sem saída, de “anular-se no serviço incondicional de governos sem escrúpulos” (como afirmou Juarez Távora, in “À Guisa de Depoimento sobre a Revolução Brasileira de 1924”, O Combate, São Paulo-1927), é jogar a organização nos porões do antropocentrismo político do Poder-condomínio, aquele que submete o Povo à pobreza sob os balcões da riqueza usufruída e não-distribuida na Sociedade (nem ao Ser-Militar...!), pelos senhores absolutos do engenho digital cuja casa-grande é o sistema bancário e a senzala os militares...
“...a coação psíquica produz e carreia um impulso
obsessivo que, no limite das resistências, leva à liberdade psicológica no
âmbito de uma vontade que, por sua vez, produz e
carreia ora a revolução ora a contra-revolução.” Marc Cédron (op. cit.)
Desde a Antiguidade que o Ser-Militar é tido como uma coisa-em-si, lembrando aqui aquele conceito hegeliano de ‘força’; até aí, como se diz..., ‘tudo bem’, mas quando, por coação psicológica ele se fecha e se reduz à própria força, advém o perigo do nominalismo, porque ele vivencia então o seu sítio e não admitindo – circunstancialmente, pois – o universo que o rodeia, porque lhe é adverso política e socialmente. A palestra referida de Marc Cédron (que ele repetiu num encontro do Grupo Granja, em Buenos Aires - 1996) observa(va) que tal circunstância peculiar tanto origina a Revolução como a contra-Revolução. Um dos sentimentos que tal situacionismo provoca é o do Nacionalismo, que supervaloriza o conceito pátrio mas fechando a Nação à vivência democrática; ora, é importante que se diga, e repita, que o sentimento Nacional é um dever e é este que deve prevalecer, não aquele outro..., mesmo nas circunstâncias críticas. Ávido da Liberdade, psicológica e física, o Ser-Militar comporta-se de igual modo que o Povo encarcerado nos porões do antropocentrismo político do Poder-condomínio: precisa respirar.
É que a coisa, que na linguagem kantiana é o-algo-pensado (ding-an-sich) e entre os latinos a res da pública responsabilidade, hierárquica ou não, mostra a vera Comunidade que o Ser Humano deve formar sob conceitos de Educação embasada na própria Comunidade, como (nos) ensina a perspectiva platônica (in “A República”) – i.e., devemos ser, sim, a coisa-em-si pela cósmica essência da Humanidade e não contra nós mesmos! Por outro lado, também não devemos pôr o Militar, como Ser e como Instituição, sob um discurso mitológico. O mito (® relato) é um evento cultural inerente a todos os povos, todas as comunidades, e não podemos transformar a História dos povos numa atitude reducionista para tratar a velha (e nova) questão militar... O Militar deve ser tratado, seja ele Poder ou não, como Ser Humano e no mesmo pé de igualdade do Civil.
Nua e crua, a realidade que se pôs ao militar português, em 1974, e aquela que levou o militar brasileiro ao Poder, em 1964, tiveram em comum o absolutismo religiosamente arcaico do Estado Novo, com Salazar, em Portugal, e Vargas, no Brasil. As circunstâncias foram diferentes, sim, mas enquanto as FA’s e o Ser-Militar português conseguiram equacionar a questão-Poder e permitiram a instalação da Democracia, as FA’s e o Ser-Militar brasileiro foram empurrados pela ignorância e a ambiguidade ideológica da Sociedade civil para uma Ditadura, como referiu, e muito bem, Cédron (op. cit.). Pior: os brasileiros não tiveram como evitar, porque a Sociedade fechou-se politicamente com apoio dos EUA e dos grandes grupos econômico-financeiros, a militarização do dia a dia com a transformação (digo melhor: a coronelização) das polícias metropolitanas em ‘polícias’ militares... um caos burocrático que perdura até hoje e que só tem ajudado na subsistência de cartéis limitadores à própria Ordem institucional. A mistura organizacional da questão policial metropolitana na esfera da questão militar é algo que nem nos tempos mais sombrios do nazi-fascismo europeu aconteceu, nem a Instituição Militar o permitiria por princípio de defesa da Cultura castrense. O que não foi observado no Brasil com perdas sociais e políticas para o Ser-Militar... Deste caos aproveita-se, com evidências clamorosas, o Poder político, que não quer (!) interferir nesta problemática por ele mesmo criada. É que a instabilidade social gerada deste modo no universo do Ser-Militar coloca-o como ‘devedor’ de serviços face à Sociedade Civil (como aconteceu, de maneira menos radical, com a Guarda Nacional Republicana, em Portugal, de tão manietada que estava pela politicagem salazarista, particularmente na Ordem autárquica). Então, esse saldo ‘devedor’ do Ser-Militar brasileiro é uma falsa questão, tanto que ele não está nem é Poder. Aliás, nesta nua e crua realidade, quem deve uma explicação à Instituição Militar é precisamente o Brasil civil, porque foi este que desmontou, politicamente (nos Anos 90), toda a rede nacional de pesquisa e trabalho científicos montada pelos militares!
“Há duas maneiras de conquistar um país (...), ganhando o controle de seu povo pelas armas ou de sua economia pelas finanças” – desde Eisenhower esta é a estratégia mundializad(or)a dos EUA que, inclusive, apoiaram a escola sociológica chilena de onde saiu a Teoria da Dependência com uma mão de Fernando Henrique Cardoso, e pela qual foi feita toda a desnacionalização e o sucateamento do parque industrial e científico brasileiro, e, pasmem-se os mais incrédulos..., sem a participação ativa das Forças Armadas. Óbvio, tal dependência político-financeira do Capital digital mundial(izado) acarretou, também, um largo prejuízo humano e material para as FA’s brasileiras. Também, em relação à Nacionalidade...
Existe a fácil tendência para se falar das FA’s inglesa, francesa, espanhola, norte-americana, alemã, etc e etc, num quadro comparativo diante da problemática das estruturas militares sul-americanas e, em particular, a brasileira. Mas não deve(ria) ser assim: cada continente e cada região vive peculiaridades socioculturais e politicamente estruturais – e, em muitos casos, sob determinismos de potências (como os EUA e a Alemanha) quanto a recursos materiais e de profissionalização tecnológica. Quanto ao Brasil, depois da abertura política de 1975, proporcionada pelas Forças Armadas com pressão generalizada da Sociedade Civil, aquelas têm se dedicado à vivência da sua Cultura sem incomodarem o Poder-estabelecido que, não é segredo de ‘estado’..., quer o Ser-Militar por perto, mas não dentro! Ora, não é justo traçar comparações com a Europa, cujas estruturas militares obedecem aos próprios ritos castrenses e vêm engajadas milenarmente àquela Cultura que se respira numa visita às vilas castrejas. E, em relação a árabes e sul-americanos, os EUA e o G-7 ainda não vêem problemas geopolíticos para se declararem dentro daquela estratégia eisenhoweriana e rockefelleriana e imperialista de dominação de outros países, mas nunca terão a mesma posição diante de qualquer país europeu. Na realidade, o que embasa tal estratégia, está na definição esclarecedora do Prof. Bautista Vidal (in “O Poder Dos Trópicos”, Casa Amarela, São Paulo-1998): “O problema geopolítico hoje é a busca de alternativa energética ao petróleo”. E esta questão também aflige, e muito, a sensibilidade militar sul-americana que tem na Amazônia o eixo do futuro-hoje, exatamente o eixo que os EUA e o G-7 querem dominar, ou militar ou economicamente!
A era digital globalizada que hoje nos é quotidiano exige inclusão e/ou exclusão, exige ‘apoio’ social, mas não quer que a Pátria se situe localmente como sítio de um Povo etnicamente assumido.
Esta era digital retira a Nacionalidade de um Povo para lhe dar uma face Mundial(izada)... mas irretratável; as suas elites são o Poder estabelecido com base nos comandos econômico-financeiros – é a autodenominada “nova” Economia; comandos que odeiam o código Pátria porque a transnacionalidade monopolista é a condição/meio para a perpetuação do sistema liberal de capitais enquanto bases políticas. É aquilo que o Prof. Manuel Reis (in “Em Torno Das Novas Tecnologias E Da Nova Economia”), entre outros filósofos e analistas sociais, classifica como fascismo social, porque é político e dispensa a utilização da força das armas que lhe foi vital para enquadrar e defender a geopolítica das matérias-primas como o Petróleo (na região árabe) e a Bio-diversidade (na região amazônica). Se até agora este Poder-condomínio não conseguiu impor um exército transnacional na região árabe – porque os povos locais têm, antes de tudo, que defender as (suas) culturas próprias! -, está em marcha (política e liberalmente orquestrada) a tentativa de formar um exército amazônico sob comando dos países mais poderosos reunidos no G-7... Neste contexto, a agonia maior das Forças Armadas e do Ser-Militar brasileiro é este anátema político-cibernético que comanda a Questão Regional e não permite a evolução técnico-humana nos quartéis, como acontece, também, em países pequenos como Grécia e Portugal, que aquele Poder-condomínio quer desmilitarizados... que o mesmo é dizer: desnacionalizados na sua essência mátria/pátria
É preciso vivificar, como diz aquele intelectual português (também no seu livro “Não Apaguem As Luzes”, Estante Ed., Portugal-1990), “... uma Razão crítica e personalizada ® personalizante. Pluralismo e direito à diferença, sim”. Ora, aqui põe-se, necessariamente, (um)a velha questão: o Ser-Militar, face à Sociedade-Sem-Povo que é, de fato, a Era digital, pode ou não pode questionar-se?!
Na obra “Em Busca Da Identidade – O Exército E A Política Na Sociedade Brasileira” (Ed. Record, RJ-2000), Eduardo Campos Coelho diz(-nos) o seguinte (p. 116): “Os militares brasileiros, em quase todas as épocas, sofreram sempre do complexo paisano, da necessidade de ressaltar as suas semelhanças com a sociedade civil e seu espírito. Um reflexo disto é que raramente puderam os militares enunciar outra coisa que não fosse a harmonia ou o equilíbrio entre o Exército e a Sociedade”. Discursos esporádicos de oficiais superiores das FA’s brasileiras têm destoado da estética política do Poder pseudo democraticamente eleito (e digo ‘pseudo’, porque são grupos de interesse internacional que manipulam economicamente o jogo eleitoral com campanhas publicitárias milionárias que nada têm a ver com a res publica) ..., discursos como o do almirante Mário Cesar Flores, de crítica aberta ao discurso norte-americano [“Os Estados Unidos agora apóiam a democracia, que parece servir melhor à abertura comercial dos países que importam seus produtos ou, pelo menos, é mais exposta à influência liberal americana (de duvidosa mão dupla) e de organizações relacionadas com o comércio internacional do que com os autoritarismos comumente simpáticos às políticas protecionistas”, in revista Panorama, Instituto de Estudos Avançados, USP, Julho-2000]; realmente, a Diplomacia dos EUA e a dos países amazônicos, com particular incidência no Brasil, há muito que tentam disfarçar o mal-estar político que a estratégia de intervenção imperialista cria, hoje através dos meios econômicos!... É que o conceito de Segurança Nacional está muito diluído pela ação da Economia digital globalizada, e tem criado, por sua vez, um certo sentimento de orfandade quanto às FA’s ‘amazônicas’ quando se discute o seu papel junto da Sociedade Civil. O certo é que, seja no Caso Amazônia seja no Caso Segurança, as FA’s têm tido, genericamente, ação pouco decisiva: é o Poder estabelecido regiamente pela Economia mundializada quem decide, mesmo que o Ser-Militar, com isso, se aproxime da área de excluídos – i.e., do Povo, que naufraga na procela de uma Sociedade indefesa e sem destino mátrio... porque o Povo significa, para as forças transnacionais uma mera arraia-miúda não incluída no Progresso!
O Ser-Militar brasileiro, algemado politicamente ao seu umbigo castrense, é hoje – e a situação é idêntica à do norte-americano, por paradoxal que tal possa parecer...! -, é uma bomba que, em termos de Nação, pode implodir só para berrar bem alto: “Oi, eu estou aqui, e sou povo, e tenho uma terra!” É tão perigosa a situação
que as potências inventam/reinventam situações bélicas regionais para ocuparem as suas tropas. Mas se, por exemplo, os EUA podem ‘brincar’ e ser/estar imperialistas em razão do poderio econômico-militar que dispõem, ou a Colômbia tem de resolver os seus graves conflitos internos, já países como o Brasil não têm condições para ‘ocupar’ militarmente as suas FA’s que, realmente, ainda não acharam um meio sociopolítico e cultural para estarem mais perto do contexto das ações que impulsionam a Sociedade Civil. E, por isso, tais condicionalismos fazem das Forças Armadas Brasileiras uma organização que está-Poder... pela convergência situacional transnacional e não pela vontade nacional; mas a apetência pelo ser-Poder é um rastilho que aguarda a chama... que pode ser digital(izada)!
Apetece(-me), aqui, lembrar que ‘a ociosidade é a mãe de todos os vícios’, esse provérbio exemplar que é fruto da Sabedoria popular.
Estar ou ser Poder, quando se fala de forças armadas, é (a)notar a necessidade – e ela é tão evidente...! – de dotar a Organização militar de estruturas sociais que lhe possibilite viver a livre expressão democraticamente assumida pela Sociedade Civil. Ou os civis são seres humanos e os militares são bichos?!... Bichos não, mas são parte integrante daquela “democracia”-sem-Povo que os humanos mais ousadamente críticos, política e filosoficamente, não se cansam de combater. E o Ser-Militar está neste contexto, no caso brasileiro (aqui, como estudo e exemplo), porque lhe é dada a opção única de soldo de miséria tão igual ao do salário mínimo do trabalhador assalariado -, ora, isto demonstra que, sem guarita política, as FA’s não passam de uma mera ‘repartição burocrática’ entre os sistemas do Poder estabelecido. Por isso, o Militar brasileiro, aquele consciente da Cultura castrense que carreia, é um herói! Tão herói quando o Povo que trabalha e gera a Riqueza que alimenta as abusadas elites do Poder digital...
Muito diferente desta realidade é a situação geral dos militares europeus, tropas profissionalmente elitizadas, tal e qual as norte-americanas – e, porque ‘satélites geopolíticos’ destas, as israelitas. A Instituição castrense é, na Europa, uma classe que se impõe politicamente sem precisar de mostrar as armas!...
Diferente, mas com igual sorte da tropa brasileira, são as FA’s africanas, em geral, dominadas pelos interesses de elites teocráticas, como acontecia na Idade Média européia. Depois da ‘descolonização portuguesa’, países como Angola, S. Tomé e Príncipe, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, ou a África do Sul, após a queda do ‘apartheid’, entre outros, estabeleceram FA’s sob uma arquitetura algo diferente dos regimes anteriores mas com a condição única de uma sistematização que tinha/tem como embrião social o Poder étnico-religioso, tal e qual como entre os povos islâmicos. Aqui, cada Chefe de Estado assume automaticamente poderes religiosos e militares atuando regiamente... O que tem de ser entendido culturalmente.
No caso sul-americano, à parte a ‘européia sociedade’ da Argentina, existe um exemplo que (nos) retrata fielmente a sub-condição do Ser-Militar diante de algum tipo de Poder estabelecido, ou a estabelecer: é a Questão Colombiana, mais conhecida como política da cocainização. De um lado, a guerrilha ideologicamente de Esquerda (grupos como o ELN e as FARC), que domina um terço do território nacional (principalmente as forças maoístas [...?!] das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas – Farc’s, lideradas por tirofijo a partir da selva amazônica, há três décadas), de outro, a ideologicamente de Direita (grupos para-militares alimentados pelas oligarquias político-econômicas que se constituem em grupos de extermínio, um continuísmo político das ações apoiadas pelos serviços secretos dos EUA, através da famosa Operação Condor, que reuniu vários países sul-americanos contra ‘o perigo vermelho’...), e, no meio, o Povo colombiano, que se obriga a estar forçadamente com ‘alguém’ para não sofrer represálias de todos os lados, pois, também os cartéis do narcotráfico atuam ali como força de Poder ‘instituído’ e já ‘mundializado’. As Forças Armadas da Colômbia obedecem, sim, ao Poder estabelecido mas este, em configurações políticas e publicamente assumidas, enfrenta também o desafio das ações diplomático-financeiras de Corrupção que chegam a eleger (tal como o faz a Economia mundializada!) deputados e presidentes, além de dominarem os círculos da Justiça. Uma autêntica máfia que reedita as condições vividas nos EUA, nos Anos 20 e 30. Eis aqui o vero conflito regional que tem de ser resolvido em termos nacionais e não como complemento de uma ação de estratégia geopolítica de interesses imperialistas – ou, porque conflito envolvendo a região amazônica, com apóio dos outros países fronteiriços. Neste caso, o Povo colombiano está emparedado por uma Violência sem limites que o Ser-Militar amazônico, em geral, deverá analisar sob a consciência de um dever a partilha com o Ser-Civil...
Algumas situações de conflito bélico local desenvolvidas
pelos estrategas polimil’s da Organização do Tratado Norte (OTAN)
já utilizaram, segundo informações geradas na Imprensa norte-americana e européia,
recursos do Narcotráfico... da mesma maneira que,
na tentativa de envolver a Amazônia no conflito colombiano,
os mesmos tratam de ‘cocainizar’ tal conflito para forçar
a constituição de um ‘exército amazônico’ sob o comando dos EUA
com o pretexto de combater a Droga.
Obviamente, as FA’s da região amazônica, como se verifica pelo discurso
de alguns oficiais superiores,
não se dispõem a ‘jogar com a mesma bola’ dos estrategas da OTAN,
mesmo que isso signifique, e significa, uma dor de cabeça para o Poder instituído,
com apoio desabusado da Economia neo-liberal e digital, nesses países.
Na Amazônia está concentrada a maior biodiversidade da Terra, e o Brasil é,
particularmente, celeiro e pólo energético cobiçado mundialmente.
E isto radicaliza ainda mais a angústia das suas FA’s
que se vêem impotentes para se manifestarem de um modo pátrio
contra esse determinismo político mundial(izado) dentro do próprio Governo brasileiro.
O brasileiro, como o colombiano, o equatoriano,
o chileno ou o argentino, o uruguayo e o paraguayo,
defendem o sítio ® região que lhes é Pátria,
independentemente de questões ideológicas localizadas, não podem,
enquanto conscientes da Cultura pátria que localmente defendem,
simplesmente esqueceram a sua Identidade
para assumirem políticas da OTAN,
como erradamente fizeram os ex-países do ‘bloco Leste’
com relação ao extinto Pacto de Varsóvia:
seria o suicídio político-militar!
*
Pode-se afirmar, então, que a inquietude do Ser-Militar, em geral, está menos embasada no ser/estar-Poder e mais na axiomática e incorruptível Cultura castrense? Com ou de mãos dadas, o Poder - estabelecido ou não, paralelo ou conquistado – é uma mera abordagem do Ser-Militar... e o é (Poder) quando quer, fazendo ou não troar os canhões!
*
“O Militar é antes de mais
um Pensamento, uma Cultura; fazê-lo ocupar
um sítio que não o seu castro ® sociedade d’armas
em função da Pátria, é forçar o animalesco
que todos temos, todos carreamos,
e que em certas circunstâncias nos tornam
predadores da própria Humanidade. Dê-se ao Militar
a expressão de Liberdade que para o Civil tanto
se deseja...”
João Barcellos ( In “Entre Os Castros E A Revolução”, palestra,
Jan. 1988; Paulo Frontin-RJ)
Quando proferi a palestra ora referenciada tinha terminado um estudo sobre A Civilização Celta No Conflito Com O Império Romano e, ali, na região serrana carioca, comecei a aprofundar-me sobre O Militar No Contexto Civil após uma rápida leitura dos textos de Olavo Bilac (1865-1918) acerca da Questão Militar, e na qual defendia que a tropa não pod(er)ia servir de garante ® defesa da Moral burguesa, e no que aquele poeta parnasiano só tinha razão enquanto civil atrelado à convicção de que “o militar é retrógrado por natureza”; um erro de abordagem intelectual que subsiste até hoje, já que “o espírito sopra onde quer” (como se diz em bom Latim: spiritus ubi vult spirat), e ao militar também, é lícito viver a Vida suo tempore (no seu tempo)...!
Poder.
“Ah, o Poder é uma conquista, violenta ou pacífica,
mas é o Ser Humano quem lhe produz a circunstância geopolítica”.
Joane d’Almeida y Piñon, física (do Grupo Granja), Campinas-SP, 1998
E o Ser-Militar, por mais absurdo que isto possa parecer ao Intelectual, principalmente o empantufado, é um Ser Humano! Já o fato de se viver empantufadamente em meio ao conflito generalizado é uma forma de Poder que nenhum Ser-Militar adotará, ele cumpre o seu desígnio no âmbito guerreiro do código de honra da Cultura castrense.
Honra e Moral(idade) fazem parte da vivência castrense, esteja o Militar no ou com o Poder estabelecido. E é uma Cultura peculiar que não deve, nunca, ser menosprezada...
III
Segurança Nacional
Segurança Nacional
Þ ‘doutrina’ política, não oriunda da tropa, que suscita o que de pior existe na casta
militar quando esta é/ está mal acondicionada na Sociedade – i.e., quando o
Ser-Militar não o é no todo e sim no mero e casuístico interesse pessoal... como
aquele ou aquela que pretende ‘estar’ na Política para do Erário Público
se aproveitar! Quando o Poder não faculta a vivência castrense enquanto
Organização, esta vira pretexto para ações fulanizadas e, na maioria das vezes,
profundamente ideologizadas. Segurança Nacional é algo tão caro à Sociedade
quanto a res publica que deve ser/estar embasada na social urbanidade.
Þ ‘algo’ que não pode ser uma competição de interesses (des)ideologizados,
mecanicistas, tem e deve ser (relembro os tempos castrejos) um debate
onde coexistam a Inteligência e a Sabedoria participadas, vivificadas,
ambiental e ecologicamente.
Þ Eis que a Segurança Nacional não pode ser tida como doutrina, sim, como uma
práxis sociocultural da Identidade pátria assumida por todos, não por facções!
A mistura explosiva Segurança Nacional + Internacionalismo (= Globalização) fez da ex-URSS uma potência equivocada ideológica e militarmente, e tal efeito alcançou, qual lenta mas profunda procela, os centros de decisão dos EUA e da China (neste contexto, Cuba [já sem a Moralidade revolucionária conferida pelo Che na sua insistência pela Revolução Permanente, pois, Fidel virou um simples ditador marxista] é o paradigma daquilo que a Revolução não deve ser). E a URSS implodíu conhecendo a causa desde os eventos stalinistas, mas iniciados por Lénin contrariando a Filosofia marxista; e, na hodierna realidade, quer os EUA quer a China transformaram-se em monstros polimil’s capazes de gerarem, por interesses das oligarquias, um conflito mundial(izado)... e, até, em nome dessa sacrossanta, porque mistificada, Defesa Nacional.
Nas terras colombianas os guerrilheiros maoístas (...?!) dizem-se ‘defensores’ do espectro de uma Colômbia livre (Þ para eles...), de mãos dadas com os narcotraficantes, enquanto as FA’s acham-se, de direito e de fato, detentoras de tal Política. Eis o caldeirão político, quase ‘choro’ vulcânico, mas nem a uns nem a outros deu o Povo colombiano autorização para agirem tão brutal e impiedosamente...
O que se passa na Colômbia é, também, uma hodierna verdade no Brasil, como nos EUA ou na China, ou nos conflitos judaico-árabe-cristãos que já geraram o Estado de Israel e, agora, o Estado da Palestina. No caso do Brasil, a angústia vai até ao instante em que as suas comunidades deixem de defender aquilo que desconhecem politicamente, como a Teoria da Dependência – aquela da escola chilena (Cepal) que teve, e tem, como um dos principais ideólogos o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (leia-se, a propósito, “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, de sua autoria), na verdade, uma tese de entreguismo das nacionalidades sul-americanas aos países ricos reunidos no G-7.
Isto não significa(rá) que o Ser-Militar brasileiro vai simplesmente partir para a ignorância, e pimba!, a tropa saiu à rua... Não. O nível de conscientização da Cultura castrense por aqui não é aquele incipiente projeto nacional(ista) do primeiro Imperador, decalcado nas estruturas arcaicas portuguesas, é uma realidade
sociocultural que a Sociedade Civil ainda não conseguiu perceber plenamente. E é para o Brasil que todas as atenções do universo digital(izado) da ‘nova’ banca econômica voltam-se para o Brasil: é aqui, no Brasil, que está a definição do progresso energético que vai alimentar a Humanidade e suas novas tecnologias. Esse ‘algo’ que a Organização militar brasileira percebeu tão bem, mesmo durante os terríveis anos de chumbo da ditadura, nos Anos 70, dando base a notáveis centros científicos e tecnológicos que, nos Anos 90, o neo-liberalismo da Economia digital (ou, como dizem alguns: videodolarização) simplesmente destruiu! Por isto, o Militar brasileiro é espezinhado e ignorado no âmbito do ‘desenvolvimento’ que, de tão global(izado), não o atinge como Cidadão, nega-lhe a Cidadania. Mas, como o Militar português soube erguer-se democraticamente em diversas situações-limite, também o brasileiro – no qual pulsa parte daquele sangue guerreiro celta – vai erguer-se e bradar: “O Brasil é a Pátria, não é a capela de uns a favor dos interesses alheios, e é esta Pátria que urge dimensionar na bravura cidadã da nossa Cultura!”, como disse, ou explicitou, Tereza de Oliveira (filha e neta de militares, artista plástica, in “Encontros do Grupo Granja” , Cotia/Granja Vianna-SP, 1996).
O que está em causa não é a Defesa Nacional...
Quando este assunto é levantado junto das massas populares, através de enfáticos discursos de nacionalismo retrógrado e pseudo-filosóficos, particularmente na ‘fala’ dos filhotes natos da Política neo-coronelística (...aqui, tão iguais aos filhotes do Poder estatal comunista), o que está em causa é a defesa do condomínio elitizado em que o Poder estabelecido transformou-se para estar longe do Povo, a quem sonega insolentemente o suor e o sangue e dá, em troca, um miserável Salário Mínimo.
Para se entender esta situação não é preciso viver o que viveu o Che, o Ho Chi Min, o Trotsky, o Mao ou o Lénin, ou viveram os velhos guerreiros celtas contra as invasões romanas,
o que é preciso é não fulanizar nem endeusar o Poder,
que deve ser estabelecido com bases de alternância democrática
a partir de sistemas municipais e/ou regionais
e nunca de um conselho de ministros ou deputados.
Esta procela chegou, sim, aos centros de decisão dos poderosos agrupados no G-7 e na OTAN, daí que precisem de nomear a Segurança Nacional como bandeira geral para o ‘sacrifício’ que é, como dizia Kissinger (Ex-Secretário de Estado norte-americano, hoje, ‘conselheiro’), evitar que o Brasil torne-se um Japão tropical...
Exemplo flagrante da paz podre que circula é o fato de o Poder norte-americano se auto-afirmar com supremacia até no âmbito do G-7, enquanto a Alemanha se fortalece com um Poder político e econômico que enquadra perfeitamente o Ser-Militar alemão no seu todo social. E se a Alemanha sempre se salvou das próprias ruínas é fato que, agora, é uma Nação que quer ser antes de mais uma Pátria que albergue o próprio Povo alemão... Nunca a essência castreja foi tão fortemente copiada e melhorada como na Alemanha do pós-Queda do Muro de Berlim. Aí, sim, Defesa Nacional é um debate e um propósito que nomeia a Cidadania!
Lembram daquele general neo-liberal chamado Spínola?, o das FA’s portuguesas? Pois, foi no convívio com o Ser-Militar alemão que ele se tornou, por si, numa Questão Militar...
Eis a Questão Militar de hoje, tão resumida quanto possível, em torno da endeusada Defesa Nacional.
Como canta(ria) Pessoa, “Minha pátria é a Língua portuguesa”; que o mesmo é dizer, a cada Nação o seu Povo e sua Cultura nativa.
IV
O Militar No Contexto Civil
“... e, precisamos, cada vez mais,
de saber resistir às agressões anti-Humanidade
de maneira civil(izada), ou seja,
combater a agressão sem instrumentos
de estrutura militar, o que não significa que
a Cultura e a Organização militares devam
ser extintas: o Militar deve assumir, sim,
a sua dimensão civil e se integrar
à Comunidade Nacional no seu todo,
fazer parte do movimento social e político,
porque a Comunidade Castrense
faz parte do nosso dia a dia, da nossa Cultura ...”
Marc Cédron (in “Defesa Civil”, palestra, 1974)
Defendo, na área da Educação como nas áreas da Segurança e da Comunicação Social, que a Cidadania deve estar acima de quaisquer outros valores, que
o Ser Humano deve intervir conscientemente
naquilo que ele mesmo considera Sociedade e buscar
a autêntica vivência humana contra a animalesca condição
de quem se nega a assumir a Humanidade
enquanto Individualidade em ambiente próprio;
Individualidade que, ativa, gera movimento social e,”
por isso, sujeita-se a uma Defesa Civil
organizada no e para esse meio,
e sempre em parceria com o Militar...!
Observo que o Militar é raramente analisado no âmbito da esfera social civil o que é algo que deve preocupar a todos, não somente a Organização Militar.
É interessante verificar que as opiniões do famoso poeta Olavo Bilac, já referenciadas neste estudo, chocaram-se frontalmente não com o militar em si mas com as comunidades político-econômicas que têm aquele como ‘capacho’... E só. Mas se “(...) existe um meio de analisar profundamente as relações do Ser Humano com o seu ambiente e neste com a Natureza, uma poética fantástica que leva ao Desenvolvimento de todos os sistemas sociais aí envolvidos por uma Ecologia que é local e planetária, ao mesmo tempo” (João Barcellos, in “Poética Do Quotidiano”, opúsculo, ediç. esg., Porto-1973), também existe um maneira filosófica de encarar a questão: vivendo a Vida!
Heidegger (1889-1976), particularmente no seu “O Ser E O Tempo” (de 1927), dá-nos uma lição sobre o que é – ou deve ser – o Humano nas relações com o meio ambiente e ecológico que lhe foi berço sem que tal interferia decisivamente na sua Individualidade, embora lhe seja presente como uma ‘pedra filosofal’... Esta
quotidianidade heideggeriana é-nos muito cara, principalmente quando temos em estudo a Questão Militar e suas peculiaridades. Pode-se ir mais longe no tempo e relembrar Platão, mas interessa-nos uma análise contemporaneamente mais atuante – daí, as lições do velho-novo mestre alemão. Porque para encarar filosoficamente a Vida precisamos de bases culturais assentes na nossa realidade social e educacional. No caso do Ser-Militar mais ainda... Tanto mais que o queremos solidário com a Sociedade Civil e não solitário! Eis, então, a particularidade do ser em si mesmo e das suas ações sociopolíticas e militares em torno das comunidades que é ou representa – i.e., a maneira filosófica de ver, assistir e participar da Vida tal e qual ela é. É dentro desta natureza de crítica construtiva que devemos observar e dialogar com o Ser-Militar. Porque não lhe somos superiores nem inferiores, somos humanamente iguais...! O que o Tempo também nos ensina a par das lições de Heidegger.
E da mesma maneira que precisamos viver a hodierna existência com tecnologias adequadas (® alternativas) àquilo que somos regionalmente, como defende Manuel Reis (op. cit.) em seus escritos, ou como Fritz Schumacher (este - nos Anos 60 e - relativamente à adaptação das tecnologias de ponta aos sistemas sociais e econômicos dos países em vias de desenvolvimento), também a Vida militar tem de (saber) adequar-se, com alternativas criativas, à Vida social – pois, só assim ele (o Ser-Militar) se enquadra(rá) nos sistemas civis de vivência democrática, mesmo quando esta não passa de uma mascarada política assumida em sufrágio universal!
Aqui está a importância de se observar o Militar no contexto Civil...
Quando se ouve o Militar reclamar da falta de incentivos científicos e humanos para a sua estrutura direcionada à Defesa Nacional, deve-se (saber) ouvir – mesmo! – os ecos daquela essência que é a Cultura castrense. Porque a Sociedade Civil também só lembra das FA’s quando se sente ameaçada de alguma maneira... Entretanto, também falta ao Ser-Militar a sensibilidade básica para se expor socialmente, e não por falta de preparo cultural – como muitos ignorantes assim ‘acham’- mas por estilo muito peculiar. Realmente, a pouco inserção do Militar nas esferas da ação Civil deve-se mais àquele estilo muito peculiar e menos a um circunstancial (des)interesse do Povo.
Nos idos Anos 60 e 70, a Europa discutiu e reformulou a estrutura para-militar de policiamento rural e metropolitano, no âmbito político-administrativo, que possibilitou a formação de um oficialato originado nas próprias instituições no sentido de substituir os coronéis militares que as chefiavam. Resultado? As FA’s passaram a viver a sua peculiar essência castrense e as estratégias de prevenção e de combate ao Crime organizado ficou com a estrutura para-militar de policiamento. Mais: a Sociedade, como já havia acontecido na América do Norte (EUA e Canadá), ganhou estabilidade social e uma Ética profissional que atingiu e melhorou militares e policiais, já que não compete ao Militar a prevenção e o combate ao Crime organizado nem o Policial rural e urbano pode assumir as funções de Defesa Nacional. Eis um exemplo, por mais genérico que ele seja, que deveria ser seguido pelos países sul-americanos e principalmente pelo Brasil (um país continental) onde as FA’s confundem-se com o policial metropolitano transformado autarquicamente em ‘militar’ mas sem vivência castrense...!
Pode-se afirmar, contrariando as velhas afirmações de Olavo Bilac, que muitos querem (ao que parece) atuais..., que a Organização militar encontrou, no eixo Civil, os novos movimentos que a direcionam para uma Modernidade eticamente bem diferente da arcaica estrutura do primeiro troa o canhão e depois pergunta quem é . É, sem dúvida, uma imagem nova: o Militar no contexto Civil.
Precisamos conhecer bem as ações que balizam o Civil para podermos discernir, então, o que de bom ele dá à Sociedade, e de como (nesta) ele e o Militar podem e devem interagir em prol do Bem-Estar da Nacionalidade que dizem ser.
Foi sobre a emergência dos novos movimentos que vários intelectuais – e principalmente o sociólogo francês (da ‘Ecole Pratique des Hautes Etudes’) Alain Touraine – desenvolveram novas teorias e concepções socio-econômicas para adaptação das tecnologias de ponta aos países em vias de desenvolvimento, o que, infelizmente, as elites sul-americanas não quiseram entender e deixaram sucatear os seus parques industriais e as suas estruturas de Defesa Nacional para favorecerem a políticagem (= Política + Sacanagem) da Teoria
da Dependência. Aqui, a contradição é tal (que me perdoe Lewis Mumford [1895-1990], autor de ‘The Myth of the Machine’) que essas elites, em particular as brasileiras, esqueceram que quem as suporta – agora, a ‘nova’ Economia digital – quer e defende a superioridade militar e tecnológica, e não os desmantelamento dessas áreas...! Sim, tais desmantelamentos servem até momentaneamente os interesses neo-fascistas da Democracia-sem-Povo, mas todo o cuidado é pouco quando as belicosas atitudes socio-econômicas atingem o brio do Ser-Militar... A contradição vai longe: a Organização Militar assim atingida obriga-se a refletir sobre si mesma, a tomar consciência da quotidianidade sociocultural e político-econômica que a cerca, obriga-se a agir em defesa de si mesma!... E pede albergue-quartel mais próximo do Povo do que desse Poder-condomínio que a quer como tapete para limpar os sapatos sociais! Relativamente aos novos movimentos eis, aqui, um aspecto pouco conhecido (da maioria) embora já em discussão entre cientistas sociais.
É preciso, pois, conscientizar a Sociedade Civil no sentido de se paralisar a tendência de certas FA’s para comportamentos do tipo ‘no future’ (ou niilista), radicalização que a pode atingir de forma a destruí-la. Não podemos apenas ‘querer viver’, temos de saber estar-sendo (mais uma vez: Martin Heidegger tinha/tem razão) em meio à Modernidade tecnológica e social, mas sem deixarmos que conceitos e tendências nos arrastem, através de terceirização política, para a não-Razão...
É isto que o Ser-Militar deve ter presente na (sua) análise crítica da Sociedade. Porque o Militar deve ter para si uma reserva de Nacionalidade que lhe faculte ser alguém-em-crítica, não somente o alguém-em-armas (precisamente, aqui, o contexto em que ele é mais criticado pelo Civil)!
E se tudo em nós depende do que somos em comunidade, recordando D’Olivet, penso que estudar o Militar no contexto Civil é um exercício de Cidadania que, em última instância, ajuda na adequação dos eixos sociais pelo Bem-Estar geral.
SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA
Informação Contra-Informação Cidadania
I
Da história e da importância dos Agentes Secretos
“(...) e é dever da Nação constituída ter ciência de quem é quem dentro
das suas fronteiras para não ruir como castelo de papel numa simples
brisa de oposicionismo; entretanto, os seus Serviços de Inteligência devem
se pautar por uma práxis que não torture a Cidadania (...)”
Joane d’Almeida y Piñon (in ‘O Cientista Perseguido’ – palestra
a propósito de Mário Schenberg, São Paulo/Br., 1999 – Grupo Granja)
Fale-se de um Império e fala-se da Inteligência a serviço da coleta de dados que sirvam para preservar a Segurança do mesmo através de equipes de agentes secretos, vulgo, espiões; o mesmo quando se fala de Nação, Pátria ou Federação de Estados, seja sob o regime de Monarquia seja da República, seja sob regime Capitalista ou Comunista, liberal ou militarizado. Nenhuma (e é insanidade mental pensar o contrário) Nação resiste, pequena ou grande, ao assédio de Conquista expansionista de outras se não souber defender-se estrategicamente com Informações que lhe garantam a Independência e, paralelamente, as Contra-Informações que mantenham o Inimigo (IN) longe das suas fronteiras legalmente constituídas. Todo o Império cai um dia, mais por brigas internas de politicagem fulanizada do que por falha dos Serviços de Informação (SI’s)... caíram na Antiguidade impérios como o Egípcio, o Babilônio, o Persa, o Celta (embora este nunca se tenha institucionalizado mercê da dispersão dos ‘clãs’ Mundo afora), o Romano, o Grego, o Etíope, o Inca, e, contemporaneamente, o Português e o Soviético, enquanto o Mundo aguarda a vez do Norte-Americano...!
Em alguns casos, os SI’s poderão estar por detrás do Oposicionismo a este ou àquele Governo ou Governante mas, na realidade, o Poder cai porque foi conquistado pela força da Oposição, civil ou militar, ou por má administração das políticas governamentais que deve(ria)m garantir a preservação da Pátria.
No final dos Anos 30, do Séc. 20, os agentes secretos da Alemanha contribuíram muito para o estabelecimento do 3° Reich com apoio a Hitler; nos Anos 20, os de Portugal ajudaram Salazar a levantar a Ditadura fascista na condição de dirigente católico radical, enquanto nos Anos 30 os da Espanha fizeram o mesmo por Franco; nos Anos 70, os chilenos ajudaram Pinochet que iniciou uma barbárie em todo o Chile e, nos Anos 60, os brasileiros ajudaram os militares a fechar a ‘janela’ democrática trocando-a por uma Ditadura milico-fascista do tipo Estado Novo salazar-franquista; enquanto isso, nas guerras da Cortina de Ferro, os gritos de Liberdade dos checos foram silenciados pela Inteligência soviética na chamada Primavera de Praga, e, na Baía dos Porcos, a Inteligência norte-americana levou a melhor sobre a soviética que foi obrigada a retirar mísseis instalados na Cuba comunista.
Eis que não são raros os casos em que os SI’s se envolvem na trama ideológico-política, e também não são raros os casos em que os mesmos SI’s somente trocam de nome quando as respectivas nações retornam ao Regime democrático... mas a práxis de conseguir, por ex., ter o meio acadêmico sempre por perto continua...
Para termos uma idéia mais aproximada do que é um SI’s operando sigilosamente no apoio a Intelectuais e deles fazendo pontes culturais na propagação sociopolítica, recordo o que escrevi em 1998:
“(...) Nos idos Anos 80, muitos acadêmicos denunciaram publicamente o conflito de interesses resultante do trabalho conjunto entre os Serviços de Inteligência e a Intelectualidade, mais especificamente na esfera da KGB (ex-URSS) e da CIA (USA), mas no final dos Anos 90 vários pesquisadores e jornalistas demonstraram que muitos cientistas políticos trabalharam e trabalham com o KGB e a CIA mesmo sabendo que s seus serviços serviriam de alguma maneira operações politicamente criminosas como o apoio direto a golpes e assassinatos (Chile/1973, Indonésia/1965, Irã/1953, Op. Condor/AL – Anos 60 e 70, Guatemala/1954...) e toda a sanha diplomática da espionagem para eliminar oposições às estratégias defendidas pelos Aliados, nos Anos 40 e no post-GG, e pelo Pentâgono (USA) nos Anos 60 e 70! Ou seja: soviéticos e norte-americanos sempre utiliza(ra)m a Intelectualidade (artistas, escritores, cientistas políticos e físicos e químicos...) como pontes especiais de grande valia para os SI’s, inclusive, apoiando financeiramente a ascensão de alguns que, sem tal apoio específico (apesar do valor intelectual ou científico), jamais sairiam do anonimato regional, o que aconteceu também com europeus e sul-americanos.
Entre um(a) Intelectual (em atividade cultural ou cientifica) e um Serviço de Inteligência (espionagem, sigilo, golpes) existe uma parede ideológica, mas quase sempre é o meio acadêmico que cede pelo financiamento secreto dos SI’s a projetos que ficariam engavetados!
O meio acadêmico deixa de ser objetivo naquilo que lhe é base – a crítica sociopolítica e científica – ao tornar-se cúmplice de sigilos e golpes que ferem a Cidadania... No entanto, quando um(a) Intelectual deve juntar-se aos esforços públicos para derrubar o Terror(ismo), institucional ou não, ou para combater as farsas que ferem a História, como a Questão Sionismo-Palestina-Aliados, logo alega, a priori, que tal envolvimento fere o seu espírito urbano... Que hipocrisia!, o que lembra outra questão: a perseguição movida contra o Nazismo e as amplas liberdades dadas ao Comunismo e ao Sionismo.
A realidade de um SI é a sutil diplomacia entre conflitos, pessoais e acadêmicos e políticos ou econômicos, e quando consegue gerenciar tais jogos de interesses o que fica demonstrado é que todos buscam a sombra do Poder, instituído ou não. Com isto, quero dizer que a espionagem não é somente o serviço público em si e contratado para isso, é também o meio acadêmico quando lhe serve de suporte... Mais uma vez, eis porque se dá tanta importância a agente secreto e de como este deve ter uma formação solidamente eclética.”
II
Das adaptações ao Regime democrático
(o exemplo português)
A queda do Império português, em 1974, com uma simples e pacífica quartelada – daí a denominação emblemática revolução dos cravos -, levou as antigas províncias ultramarinas africanas (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde) a reaverem as suas identidades pátrias e as velhas lutas intestinas – i.e., etnicamente sangrentas. Para garantir a integridade pátria, o estado português suprimiu a PIDE, polícia política de Salazar e de Caetano (o ‘delfim’ que o substituiu), e instalou, no final dos Anos 70, o Serviço de Informações da República (SIR), enquanto a Polícia Judiciária (PJ) alargou o âmbito das suas atuações criando alas de informação, prevenção e repressão ao Crime Organizado, político ou não. Foi, pode-se dizer, uma adaptação rápida dos sistemas policiais às circunstâncias democráticas do Portugal abrilista, tão rápida que, já em 1975, foi possível bloquear uma tentativa de comunista de assalto ao Poder.
Esta adaptação não se socorreu dos agentes secretos da antiga PIDE, que após a morte de Salazar passou se chamar de Direcção Geral de Segurança (DGS), agentes que fugiram para Espanha e para o Brasil, na maioria. O respeito à Cidadania passou pela recusa imediata de se cooptar anti-cidadãos como os sanguinários torturadores pidescos. Nesse momento, e vivendo ainda um processo revolucionário em curso (prec), Portugal deu uma lição ao Mundo.
III
Da questão brasileira face à Democracia
No instante em que se realizava a Segunda rodada de conversações que levaria ao Tratado de Tordesilhas, o cientista português Duarte Pacheco Pereira, servindo primeiro a D. João II e depois a D. Manuel I, defendia acirradamente a integração da Insulla Brazil aos territórios a conquistar, Portugal determinou diplomaticamente a posse dessa “ilha” que velhos mapas registravam e quem na verdade, era um continente desconhecido de todos. No ano 1496, aquele cientista foi diplomata e foi agente secreto, tanto que ele mesmo fez a navegação de reconhecimento antes da frota cabralina zarpar para o Oriente com parada no hoje Porto Seguro.
E cerca de 300 anos depois, os SI’s portugueses, que na época era mais um atributo diplomático, conseguiram que o Brasil se tornasse Nação independente com o pagamento, em ouro, à Inglaterra, dos débitos portugueses junto da aliada que ajudara a conter os ímpetos de Bonaparte na lusa terra... Óbvio, entre os Séculos 10 e 16 era o Vaticano quem mandava na Europa, o Papado investira-se de Império com poderes econômico e militar, e, por isso, muitos SI’s tinham apoios consideráveis nas redes episcopais católicas, as mesmas que deram apoio direto a Salazar, Franco, Hitler, aos governos ditatoriais do Chile, Argentina e Brasil – i.e., o Mundo dividiu-se entre Capitalismo-Vaticano, Liberalismo e Comunismo, questão bem interpretada pelo execrável Muro de Berlim.
Meio milênio depois da frota cabralina tomar posse da Insulla Brazil, que o cientista, diploma e espião Duarte Pacheco Pereira, havia registrado (talvez por isso mesmo não ficou na História como vero achador da ‘ilha’ Brazil...), encontramos um Brasil independente mas com gravíssimos (porqu)e altos índices de militarização, mesmo depois da queda da Ditadura Militar – aquela que se permitiu ianquizar ao deixar que a Fundação Rockefeller insinuasse políticas governamentais na direção da Amazônia, e a que Jango (no Brasil) e Kennedy (nos EUA) se opunham radicalmente (o resultado todos conhecemos: todos os opositores morreram e Rockefeller iniciou uma matança geral entre os Povos da Floresta com apoio de instituições religiosas); aquela que permitiu a militarização das Forças Metropolitanas de Segurança Pública (que viraram ‘Polícia Militar’) impedindo a melhoria dos serviços na Defesa do Cidadão; aquela que se permitiu ser favorável à instalação de usinas nucleares (em Angra dos Reis) em vez de incentivar a pesquisa científica por Energia Alternativa no maior celeiro energético da Terra (embora, paradoxalmente, os cientistas tenham recebido mais apoio durante esse regime do que no democrático que se lhe seguiu); aquela que entrou em acordo com os SI’s sul-americanos (Operação Condor), nomeadamente com a polícia política de Pinochet, a DINA, para capturar e silenciar a Oposição aos regimes ditatoriais sob benção religiosa.
A militarização no Brasil é tal que o Povo adotou um lema perigoso em plena Democracia: “É tanta violência nas ruas que é melhor os militares retornarem ao Poder!” Mas as Forças Armadas Brasileiras (FAB) também souberam tirar proveito e integraram-se decididamente no Regime democrático dele participando ativamente. Então, o que está errado na Segurança Pública e nos SI’s...?
Antes de mais, as FAB tratam da Defesa Nacional, é uma questão estritamente militar e ponto final. A problemática da Segurança Pública é uma questão das Forças da Ordem Civil (polícias metropolitana, federal, judicial, municipal...). O erro está na falta de um sistema policial unificado a nível nacional que descaracterize o corporativismo e a militarização. E talvez sejam as próprias FAB que tenham de intervir para acabar, institucionalmente, com certos ‘enganos’...
Com este índice de militarização no Regime democrático, tal mentalidade afeta os SI’s brasileiros?
Para um país de dimensões continentais e de Política aberta ao Mundo, depois de 30 anos de chumbo, seria difícil que SI’s como a Agência Nacional de Inteligência (Abin) – que foi no militarismo o Serviço Nacional de Informação (SNI) e depois a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) – e o Programa de Integração Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública (Infoseg) não tivessem em seus quadros agentes secretos (uns sim e outros nem tanto assim) relacionados aos sistemas policiais de repressão e tortura. Ora, o Brasil tem dimensões continentais, não é um pequeno país como Portugal ou a Bélgica, cujas dimensões são idênticas às do Estado carioca, por ex., e até que a Nação, por inteiro, se dê conta do que foi e é o quadro dos SI’s o tempo passa e muitos ex-agentes (principalmente os que atuaram regionalmente) vão ficando até que são descobertos... Mas são perigosos, sim, porque vivem ‘parados no tempo’ em busca de ‘um comuna em cada esquina’ ou transgredindo a legalidade porque bebem na fonte que ensina ‘uma info também se obtém por tortura física e psicológica’ – algo, diga-se, que também existe nos agentes secretos dos países sob tensão polímil permanente, como os dos EUA (a CIA), os de Israel (o Mossad) ou os da Rússia (o KGB). No entanto, o Brasil é uma Nação em vivência pacífica, pelo que não é possível (e seria hilário) fazer comparações. O que é preciso é que os SI’s brasileiros se enquadrem no Regime democrático e que a sua práxis esteja de acordo com a Cidadania conscientemente democrática.
A apetência dos antigos servidores do Regime ditatorial, e de quem nele nasceu e por ele se educou, é de buscar fórmulas repressivas contra tudo e todos. Mas, o que é preciso mesmo, em termos de Serviços de Inteligência, é buscar e analisar infos/dados que permitam à Nação se preservar em Paz dando condições de estabilidade político-social para que a Cidadania seja um ato social em Liberdade e não uma máscara do arbítrio ideológico... Daí a importância de a Abin e o Infoseg, tanto como os SI’s das FAB, atuarem preventivamente e não repressivamente, pelo que a seleção dos seus agentes secretos não deve permitir a integração de ex-agentes repressivos nem de aspirantes a tais cargos do Funcionalismo Público com ‘mentalidade parada no tempo’. Durante os anos 2000 e 2001, a Imprensa brasileira ‘bateu’ forte nas velhas tendências que presidem ao trabalho do Infoseg (pelos dados, ainda ‘buscando infos sobre opositores ao Regime ditatorial’...) e, pior, escancarou a existência de agentes repressivos ligados à tortura nos quadros da Abin. Isto aconteceu, e acontece, porque o espírito de corpo, que pouco tem a ver com camaradagem e nada com ética, faz emperrar o cruzamento de dados para identificação de pessoas e de instituições, permitindo a mera ação política com a judiciarização do Aparelho.
Eis que não basta mudar as siglas dos SI’s, é preciso que as mentalidades mudem, adaptem-se ao Mundo das realidades contemporâneas.
IV
Entre a Cidadania e a Contra-Informação
A importância de uma Nação ter os seus sistemas policiais unificados está na facilidade que isso oferece ao tráfego de infos entre os vários SI’s. Se um país precisa, depois de analisar infos estratégicas, de lançar contra-informação sobre um outro país que se tornou IN, os agentes secretos, em defesa da integridade pátria, só terão êxito se todo o sistema policial e militar, a par do diplomático, atuar sob a mesma bandeira profissional.
Mais uma vez: o corporativismo nos sistemas policiais só atrapalha!
E é preciso deixar bem claro que a contra-informação gerada pelos SI’s para o Exterior tem uma filosofia política – a de apoiar a Presidência da República e as FAB, já que quando o caso é Interior (nacional ou regional), essa atividade não pode induzir os agentes secretos a atuarem contra a Cidadania violando direitos fundamentais de quem vive do Trabalho e participa da Sociedade, independentemente da política ou da religião que siga – e, neste enquadramento, exceto as ações sobre o Banditismo individualmente sociopata e o Crime Organizado, político ou econômico, que têm de ser combatidos eficazmente!
V
Da espionagem como profissão nos quadros do Funcionalismo Público
“(...) os espiões do serviço secreto romano
mataram o ex-general e então guerrilheiro
Sertório, e então, o Império conseguiu, enfim,
bater os povos Celtas estabelecidos
na Lusitânia, mais tarde Portugal.
A importância da Espionagem é tão
antiga quanto as intrigas de Ódio e de Amor!”
João Barcellos (in ‘Não Sei Quem Me Olha,
Mas Sei Quem Sou’, palestra – Rio de Janeiro/Br., 1996)
Quando, na Parte III deste escrito, faço referência à histórica vivência náutico-científica e de contra-informação do espião Duarte Pacheco Pereira, o vero ‘achador’ do Brasil, faço-o porque existem instantes na História em que os atos epistemológicos – e (a)note-e como o nome brazil passou de povo para povo marujo criando ilusões sociais mas definindo, em si, o ‘algo’ existente... – têm tanta importância quanto um ‘quadro punitivo’. Então, o Brasil foi e é porque sobre sistemas de conhecimento os portugueses dispuseram-se à Aventura de demonstrar que o que é dito vero é. E assim agiu o cosmógrafo e marujo Duarte Pacheco Pereira em todas as conversações que levaram ao Tratado de Tordesilhas que, ainda na época quinhentista, deixou de ter valor diplomático sob o expansionismo colonial que se fez muito além dos propósitos humanos (se é que existiam face ao mercantilismo...) da Coroa portuguesa. Quase uma ficção, aquele cientista-espião dobrou a Diplomacia dos Reis Católicos e a do Vaticano (favorável aos castelhanos), com uma mistura fina de diplomacia e espionagem.
Foi o que aconteceu, também, no início da Santa Inquisição, no Séc. 16, quando o Papado católico autorizou a rede de informações episcopais a exercer um poder real para disciplinar. Mas, como foi possível?... Os bispos, os padres, as freiras, as confrarias e as instituições conventuais, eram autênticos agentes coletores de infos estratégicas e, com tal Poder, a Igreja católica nivelou todos os ‘indivíduos conscientes culturalmente’ como ‘bruxos’ e como ‘anti-cristos’ e todos tiveram a tortura e a fogueira como destino.
Veja-se como o conhecimento de infos estratégicas pode ter resultados diversos, bons e maus. Na realidade, sabemos, todo o Poder é conservador [os revolucionários comunistas no Poder (soviético, chinês, albanês, cubano...) viraram ditadores sob economia estatal e partido único de ‘verdades’ dogmáticas; os capitalistas e dirigentes católicos radicais (Salazar, Franco, os generais sul-americanos e os dirigentes norte-americanos) fizeram igual e mesmo sob economia aberta e globalizada, na qual está instalado, como demonstra muito bem Manuel Reis, um fascismo social...], o que, em tese, confirma a idéia de Thomas Hobbes de que o mundo físico é de causa e efeito. O que a Política imita no mais perfeito materialismo anti-Humanidade...!
Da necessidade de o Estado ser e não somente de estar politicamente Poder é que os SI’s tomaram uma caraterística não menos social, pois, através das infos estratégicas coligidas e filtradas pelos agentes secretos é que o Poder se previne e desarma interesses alheios, quando não aniquila quem lhes deu valor ideológico.
O que é um agente secreto?
É habitualmente alguém que entra no Funcionalismo Público cooptado ou por concurso. Em todo o caso é servidor às custas do Erário Público.
Voltemos um pouco àquela época inquisitorial católica: a Igreja detinha o Poder imperial sobre o mundo político europeu no mesmo nível do seu universo religioso, então, todos os seus membros eram, no fundo, servidores públicos, porque a Igreja ia buscar os seus recursos ao Erário Público – e nunca, na História, viu-se uma instituição tão minada por intrigas como a católica -, daí que os agentes secretos religiosos tivessem sido tão eficazes na denúncia punitiva mas não na verdade dos dados gerando uma calamidade pública (com a Inquisição torturadora e assassina a Igreja tornou-se, sim, o verdadeiro anti-Cristo). Este conceito de serviço público de interesses exclusivos do Estado alastrou-se depois ao Poder laico e os departamentos de ação estratégica atuaram como coletores de dados, repressores e torturadores e assassinos, sem a batina mas com a benção religiosa (como nos casos de Portugal, URSS, Brasil, EUA, Israel, Alemanha, Espanha, China, Itália, etc e etc).
A tendência geral de quem busca ser um profissional em departamento de Serviços de Informação ainda é uma tendência sociopata de conflito permanente e de difícil adaptação ao cotidiano pacífico de uma Sociedade sob Poder de políticas abertas. Se por um lado ser servidor público já é uma vantagem social em muitos países, como no Brasil o é pela formação administrativa induzida pelo Portugal quinhentista, ser membro de um elite policial nos quadros dos SI’s é melhor ainda, mas... Tal como ao Poder não basta estar, também para o agente secreto é preciso saber ser, porque o respaldo estratégico da Defesa Nacional depende em muitas situações de conflito, político ou bélico, da ética e do profissionalismo desse servidor.
Como se forma um agente secreto?
a) A formação social e cultural e paramilitar do agente secreto observa níveis comportamentais de autonomia psico-psiquiátrica, fatores a serem estudados profundamente quando do recrutamento do servidor público para os SI’s. E, antes que os novatos cruzem dados de importância vital para a Nação é necessário que os departamentos respectivos cruzem dados sobre cada um dos recrutas.
b) Sem um perfil de estabilidade emocional e de rápida adequação às circunstâncias sociopolíticas da Nação, todo o agente secreto cai nas próprias armadilhas. Só a título de exemplo – e já citei os casos da Abin e do Infoseg, no Brasil -, centenas de policiais brasileiros têm preferido o suicídio à busca de soluções psico-sociais para aguentarem a pressão da Violência metropolitana. A taxa de suicídios é simplesmente assustadora e mata mais do que muitas guerras regionais...! Ora, no caso do agente secreto todas as circunstância da sua vivência têm de ser estudadas para se achar o perfil que lhe preserve a integridade física e moral sob a alta pressão a que o serviço o submete diariamente. Estabelecendo um paralelo, em caso de suicídio de um agente secreto não é apenas o policial que desaparece, acaba também uma linha de infos que tem tudo a ver com a Defesa Nacional.
Especialistas em Psicologia, Sociologia e Psiquiatria, entre disciplinas de índole paramilitar, são tão importantes na formação do agente secreto e nos bastidores dos SI’s quanto uma ‘uti’ no teatro da Guerra. A dedicação dessas equipes de profissionais faz acontecer outros profissionais, e é o que se espera, sempre, dos departamentos de SI’s que atuam sob receita do Erário Público.
Entre o humanismo e o romantismo?
Não. O famoso ‘007’da ficção novelística, agente envolvido por máquinas poderosas e lindas e disponíveis mulheres, só existe na imaginação.
A vida real do agente secreto nada tem de romantismo; às vezes, sim, sabe-se de atos heróicos, mas é sobretudo uma vida muito árdua. O agente secreto é um profissional que tem de se demonstrar plenamente em qualquer instante, porque vive uma linha de risco entre a vida e a morte – e, com ele, a Nação existe ou não! O agente secreto raramente vive a sua vida, ele vive a vida dos outros: é uma sombra. E se com ele conhecemos o Arbítrio também conhecemos, às vezes, a luz que leva à Liberdade de todos.
JOÃO BARCELLOS
“Há muito radicado nos caminhos da América do Sul, tornou-se um estudioso da Luso-Brasilidade e produziu vários livros sobre o assunto: romances e estudos históricos - um sobre o capitão-general de São Paulo (O Morgado de Matheus, SP-1991) e outros sobre a região cotiana do Piabiyu (Cotia - Da Odisséia Brasileira De São Paulo Nas Referências Do Povoado Carijó, SP-1993; De Costa A Costa Com A Casa Às Costas, SP-1996). Os seus conhecimentos sobre a sempre presente Cultura Minho-Galaico Sob Referências Célticas permite-lhe alcançar várias rotas de estudos e aprofundar o seu conceito de Ser-Estar Português No Mundo. Filho de família que mistura as linhas de serviço público, tecnologia industrial, comércio, artesanato e literatura, João Barcellos transpõe para os seus escritos essa vivência cultural que aprofundou nas suas andanças jornalísticas - é, assim, um intelectual de vanguarda com bagagem humanística poeticamente assumida! (Tereza de Oliveira - artista plástica, poeta; Paris/Fr, 1998)” / “O universo que nos cerca, seja o sistema ecológico seja o sistema humano - e, na realidade, o segundo sobrevive sem o primeiro (somos seres solares e lunares, ou cósmicos) -, é o material de base para as ações intelectuais do escritor luso-brasileiro João Barcellos. Ele é o Ser em busca do Ser entre as coisas da Terra e a floresta do Pensamento. Se o Ser Humano é o que é em função da evolução cósmica, João Barcellos é um poeta que escreve com a coragem de Viver esta evolução natural; e por isto, ele Vive em si mesmo a Humanidade que raro encontra nas esquinas do sistema humano. Ele é o Poeta por inteiro na Anarquia do prazer de Viver!... (Marc Cédron - ecologista, psiquiatra; 1999, Zurich/Suiss)” / “Ao ler o romance ‘Clube Brasil’ quase fiquei em pânico: entre banditismo sociopolítico e místicos esforços romanceados, o Mestre JB traz a verdade sobre o Nazismo que poucos conhecem, mas deveriam conhecer! É uma obra de fôlego pelo que as entrelinhas deixam ler, no entanto, o incluso ‘Manifesto von Stuka’ é uma bofetada política e cultural na idiotice mundializada que nos rodeia e enforca economicamente, tal como o Sionismo quis fazer ao Nazismo em 1933, daí a guerra... Este romance não difere muito, na sua plástica cultural, daquele ‘O Outro Portugal’, que tanto sucesso tem obtido. Mestre naquilo que os outros não gostam de analisar, Mestre JB é sempre uma boa surpresa literária (Ruy Hernandez, crítico, Barcelona/Esp., 2001)
Trabalhos Literários
POESIA E SEIS CONTOS DUM BARALHO SÓ coletânea (1989, RJ); - ESTÓRIAS POÉTICAS crônicas (1989, RJ); - TEMPO DE VINGANÇA romance (1990, SP); - UM LUSO NA ILHA DE SAMPA poema; - UMA CARAVELA DE PRATA romance (1992, RJ); - MORGADO DE MATHEUS pesquisa/ensaio (1993 e 2000); - COTIA pesquisa/ensaio; - TEATRO (peças em 1 Ato) ; - DE FERNANDO PESSOA A MACHADO DE ASSIS ensaio/palestra; - CAMÕES / O POETA DO TEMPO LUSITANO ensaio (1991, RJ); - SIDÔNIO MURALHA / O POETA DA VIDA ensaio/palestra; - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO ensaio/palestra; - ANTERO DE QUENTAL ensaio/palestra; - CAMILO PESSANHA ensaio; - A CRIAÇÃO POÉTICA ensaio/palestra (1990/91, Rio de Janeiro e Florianópolis); - O TROPICAL JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS palestra; - OS DESCOBRIMENTOS ensaio (Prêmio Pedro Álvares Cabral, 1990 - SP); - REFLEXÕES SOBRE FERNANDO PESSOA ensaios/palestras; - A MULHER E A POESIA EM FLORBELA ESPANCA palestra; - OS CELTAS ensaios/palestras; - DE COSTA A COSTA COM A CASA ÀS COSTAS história brasileira a partir de acutia; - OI, COTIA! / HISTÓRIA PARA CRIANÇAS (com ilustrações de Ricardo Feher); - O PEREGRINO / A ESSÊNCIA POÉTICA DO SER ensaio/palestra (1995); - O PEQUENO PEREGRINO e outros contos; - ENTRE O POETINHA E O CANTO DAS VANGUARDAS ensaio sobre Vinicius de Moraes; - CONTOS PARA TODOS contos para jovens (1995); - CONTOS para jovens (1995); - ESCRITOS ECOLÓGICOS coletânea de ensaios (São Paulo e Buenos Aires, 1996); - MÁRIO SCHENBERG / O SER QUE SABIA ESTAR palestra; - JOSÉ DE ALENCAR palestra; - O PEREGRINO / Palestra Primeira e Palestra Segunda (1998); - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA / palestra (Ouro Preto,1998); - AMOR poesias c/ marc cédron joane d almeida y piñon tereza de oliveira jb mário castro (Grupo Granja, 1999); - RIO amor e violência na cidade (Cotianet, 1998; RioTotal, 2001) - OUTROS ESCRITOS - poesia, teatro, conto (1998); - EXUBERÂNCIA E FOLIA NO MAR DE LONGO – poema épico (Rio de Janeiro e Buenos Aires, 1998; - CLUBE BRASIL romance (São Paulo e Buenos Aires, 1992/98); - O OUTRO PORTUGAL romance (2000); - 500 ANOS DE BRASIL ensaios-palestras (2000); - BAPTISTA CEPELLOS o poeta brasileiro (com ilustrações de Ricardo Feher, 2000); - OLHAR CELTA; - ORDEM & SOCIEDADE palestras; - OUTROS POEMAS coletânea; - EDUCAÇÃO & CULTURA textos vários.
Enquanto leitor crítico, JB escreveu mais de uma centena de Prefácios e Opiniões; editor, é responsável pelo jornal O Serigráfico e o Jornal d Artes, ambos de âmbito nacional; editor de Cultura de jornais e rádios regionais; orienta Oficinas de Poesia, palestras em universidades e clubes literários, além de aulas de português e literatura brasileira. É membro do restrito grupo intelectual 'Grupo Granja'. Integrou o grupo que fundou a Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro (APPERJ), é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina / IHGSC e Associação Nacional de Escritores (ANE, Brasília-DF).