Tradicionalmente, a comunicação tem sido estudada como a ciência que se dedica a estudar processo de emissão e recepção de informações, o que nos parece uma definição demasiada simples para dar conta de tanta complexidade envolvida nesse processo.
Entretanto, para entender de comunicação não é preciso sequer saber defini-la. É preciso saber utilizá-la de maneira eficaz.
Lucien Sfez, em seu livro A Crítica da Comunicação nos chama a atenção para o sentido etimológico do termo, que nos remete à ação de colocar algo em comum ou compartilhar.
Refletindo sobre a necessidade de comunicar, alguns filósofos como Paul Watzlawick – que escreveu A Pragmática da Comunicação Humana e Eric Fromm, em A Arte de Amar, nos lembram de que esse tipo de comportamento humano tem a sua origem junto com a origem do homem ... e que a necessidade de comunicar se torna drástica a partir do nascimento. Para eles, o homem se comunica para espantar a solidão.
A solidão, o sentimento de estar só, desamparado e sem ter onde se segurar é – para eles – o primeiro e o último grande sentimento negativo que o ser humano enfrenta, uma vez que não tem como evitá-lo ao nascer e ao morrer. Entre o nascimento e a morte existe a vida. E a vida só pode ser vivida se desenvolvermos mecanismos eficazes para espantar a solidão. Nós fazemos isso de maneira simbólica, comunicando-nos com os outros.
Comunicar é então, compartilhar com sentimentos, medos e alegrias, angústias e surpresas, é estar junto, pertencer, vincular, estar afetado e em afeto com quem nos cerca. Os núcleos de comunicação mais intensos são aqueles dos quais participamos com maior assiduidade e intensidade: a família, o trabalho, os grupos de interesse, os amigos, etc. São esses grupos que nos ajudam a esquecer a solidão e nos proporcionam segurança, conforto e amparo. Pertencer a um grupo, estar vinculado a uma Empresa, compartilhar idéias, estar casado (ou estar aliado, em aliança) com alguém são formas de consolação, conforme afirma Umberto Eco, absolutamente imprescindíveis para que possamos viver em harmonia, sem os temores da solidão. Tornamo-nos, então, solidários para deixarmos de ser solitários. Mais do que uma decisão pessoal, isto é uma questão de sobrevivência física e psíquica para o ser humano.
Assim, quando estudamos o fenômeno da comunicação humana, estamos estudando também os processos afetivos de união e aproximação, de empatia e vinculação, de adesão e pertencimento. Não há como dissociar das intenções de quem tem a iniciativa de uma comunicação, a sua íntima necessidade de obter reconhecimento, compreensão, apoio e segurança.
Emissor e Receptor – os dois lados de uma mesma questão
Porém, a comunicação não é um fenômeno estático que, consolidado, faz cessar seus efeitos. A comunicação é um processo dinâmico de trocas de informação. É, portanto, um processo interativo, um acontecimento que só pode acontecer entre duas ou mais pessoas, uma pessoa e um objeto, uma máquina e outra máquina, etc. Nunca um fenômeno isolado.
Verificamos então, que para que haja comunicação é necessária a presença de três elementos, no mínimo:
1º - alguém que toma a iniciativa da troca de informações
2º - a existência de informação a ser trocada
3º - alguém que receba a informação emitida pelo primeiro elemento.
Se esse último componente do processo (o destinatário final) receber a informação e não se manifestar, o processo acaba por aí mesmo, perdendo seu dinamismo. Há quem diga que sequer acontece comunicação quando o receptor ou destinatário não dá sinais de que recebeu a informação.
É verdade. Se você manda um e-mail para um amigo e não recebe uma resposta, como estará certo de que ele recebeu e de que entre vocês dois aconteceu um processo de comunicação?
A resposta é tão importante que para alguns semioticistas – que estudam a comunicação em profundidade, é a presença dela que vai definir se houve ou não comunicação. Antigamente essa resposta era conhecida tecnicamente pelo termo inglês feedback, ainda em uso em alguns setores da ciência da informação e da educação.
O feedback é o retorno, a resposta, a manifestação de recebimento. Mas não há necessidade de feedback positivo para que haja comunicação. Alguém pode responder que não entendeu nada do que recebeu. Neste caso, terá havido comunicação (porque houve resposta), mas o que não houve é entendimento. Isso significa que comunicação não é sinônimo de entendimento. Mas o objetivo de toda pessoas que se toma a iniciativa da comunicação (todo emissor) é ser entendido e obter uma resposta que confirme esse entendimento.
A informação veiculada nesse processo é também muito importante, uma vez que sem ela não há o que comunicar. É ela que vai constituir a mensagem, o recado, aquilo que é passado ou repassado para o outro (o destinatário ou receptor). A maneira como organizamos a informação vai determinar, em grande parte, o entendimento final e o sucesso da comunicação.
Porém, é entre emissor e receptor que o processo se dá. São esses os dois lados de uma mesma questão.
O Lugar do Receptor: a Impressão
Se é que nesse jogo há um lado mais forte que o outro, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que o lado mais forte é o lado do receptor. Mas nem sempre os estudiosos da comunicação aceitaram esse predominância. Até hoje há uma certo culto do emissor, como apenas dele dependesse o sucesso da comunicação.
Uma teórica do assunto, a comunicadora e semioticista (que estuda semiótica, ciência que se dedica a pesquisar a produção de sentido na comunicação) Barbra Stanosz, para valorizar a importância do outro (alter) no processo, nos apresenta uma definição bastante interessante, de fundamentação orgânica, biológica:
“Comunicação é a resposta discriminada de um organismo a um estímulo”
Nessa definição, a comunicação é igual à resposta. Ou seja, se não houver resposta, não houve comunicação. É uma resposta discriminada porque não se dirige a qualquer coisa, mas a algum estímulo muito preciso e específico. Uma resposta só pode ser dada por um organismo capaz de processar o estímulo recebido, julgar, concluir e decidir pela melhor e mais adequada responder a ele.
O estímulo é função do emissor, aquele que outrora era considerado o rei do processo da comunicação, a figura mais importante e em torno da qual todos os cuidados eram tomados para assegurar o sucesso final. Agora, ele aparece por último na definição apresentada por Stanosz.
É curioso notar que o crescimento da importância do receptor está associado ao crescimento da importância do cliente e do consumidor nas empresas, do povo e da sociedade (o mercado), no moderno capitalismo e daí por diante. Fala-se muito em tolerância para com as diferenças, em respeito ao outro, na necessidade de ouvir e observar melhor, enfim, o mundo está acordando para o fato de que o outro – antes um passivo e singelo receptor do que quer que fosse – é hoje um sujeito exigente que não quer qualquer coisa, que tem expectativas, desejos e necessidades a serem satisfeitas ... e que, sobretudo, não vai responder positivamente a nenhum estímulo que não o considere como elemento ativo da comunicação.
É o outro (o receptor) que tem a impressão e elabora a imagem do emissor. É a decisão desse segundo elemento que vai determinar se a comunicação foi boa ou não, se valeu a pena o esforço, se as técnicas utilizadas pelo esforçado emissor surtiram efeito ou não. O receptor é, então, o dono do sucesso ou do fracasso na comunicação. O público que vai assistir a sua palestra é que vai decidir se você vale ou não a pena, se foi produtivo ou não perder tempo ouvindo você. Todo seu esforço em preparar bem uma fala pública não valerá de nada se sue público não formar de você e de sua palestra uma boa impressão.
Se o público é tão importante assim, é para ele que devemos olhar em primeiro lugar antes de pensarmos em comunicação.
O Lugar do Emissor: A Expressão
O emissor tem merecido, há séculos, as luzes de todos os estudiosos da comunicação. Esse excesso de zelo está associado à vaidade, ao egoísmo e à tendência do ser humano a considerar-se o centro do mundo (antropocentrismo), o centro das atenções.
Muita gente acredita que para assegurar uma boa comunicação é preciso apenas ter uma boa fala, um texto bem redigido, usar roupas condizentes com o ambiente, gesticular dentro das técnicas recomendadas, saber impostar a voz e modulá-la com ênfases e recuos, etc, etc, etc. Da mesma maneira, editores de jornais acreditam que se eles acertarem na melhor técnica de redação, diagramação e apresentação dos assuntos terão, automaticamente, uma melhor comunicação.
Pouca gente olha para o outro. Pouca gente se pergunta, antes de mais nada, se o público quer ou não aquele tipo de assunto, naquela hora, daquela maneira, com aquela ênfase, etc. A preocupação com o uso de recursos multimídia poucas vezes é orientada pela necessidade do público: muitos palestrantes se sentem mais seguros á meia luz da projeção e com a atenção do seu público voltada para um tedioso texto ou gráfico projetado na parede.
Isso não quer dizer que o conhecimento das técnicas de expressão não tem importância para o sucesso da comunicação. As técnicas são indispensáveis à instrumentalização da expressão. Mas não podemos nos esquecer de que qualquer EXPRESSÃO deve estar a serviço de uma IMPRESSÃO. Assim, ninguém melhor para definir a melhor forma de expressão do que aqueles que vão gerar sobre o emissor uma impressão ou uma imagem.
O emissor não faz sua imagem. Ninguém é dono da própria imagem; nem nós nem o banco, nem o País. O verdadeiro dono da imagem é aquele que recebe a expressão, julga as informações ao seu próprio modo e, finalmente, expressa seu juízo final, no qual estão embutidos valores pessoais e culturais. O outro é o dono da nossa imagem.
Ao se expressar, o emissor lança mão de recursos de linguagem. Linguagem não é apenas texto escrito, lido, ouvido ou falado. Linguagem é todo e qualquer conjunto organizado de códigos que traduzem alguma coisa para alguém que conhece esse código. Os sinais de trânsito são linguagem porque são códigos articulados para produzirem sentido; assim também constituem linguagem os gestos, as feições do rosto, o movimento da sobrancelha, a coreografia do corpo, o modo de falar e prestar atenção com os olhos, a postura e a vestimenta, o sapato e o tipo de gravata ou colarinho da camisa... todos esses sinais (ou signos) são códigos que traduzem alguma coisa para aquele outro, o dono da impressão e da imagem.
Saber lidar com linguagens é essencial para quem quer se comunicar bem. Mas não é tudo .. e só isso pode não valer nada se nos esquecermos de outro e nos perdermos nas auto-referencialidades que o hábito e a tendência logocêntrica nos legou.
Rede: um Conjunto de Nós.
A comunicação é, pois, a ciência do relacionamento, pois relacionar é estar em contato com o outro. Nesse contato, afinidades e diferenças jogam um jogo de adesão e expulsão, de aproximação e distanciamento, numa tensão e afrouxamento de vínculos cuja dinâmica propicia estabilidade ou instabilidade, caracterizando a natureza do relacionamento.
Como vivemos em comum com os demais, não há relacionamento individual que não refrate ou reflita as condições do ambiente e do contexto em que ele se dá. Estamos, portanto, em rede, em ligação com outras séries de nós que garantem a permanência do sistema.
Essa dimensão da comunicação humana, tão esquecida nas práticas individuais, mas sempre presente nas dinâmicas grupais, é que vai determinar e direcionar as práticas culturais da rede e gerar, nela, o clima propício ao desenvolvimento de certas tendências em detrimento de outras.
O funcionamento sistêmico de todos os organismos vivos depende, pois, das dinâmicas interativas que constituem a comunicação. E isso funciona tanto no plano cultural, entre pessoas que possuem meta-consciência, como nos planos sociais e biológicos da vida humana e não humana.
Por isso não há como pensar qualquer coletividade sem levar em conta cada ato interativo que a constitui e que a faz viva. É esse conjunto de nós que integra e torna inteira e significativa a vida e as relações entre os seres vivos.
A comunicação é, portanto, uma dimensão constitutiva da vida, além de uma ciência ou de uma prática midiática que nos aparece como dispensável ou descartável. É nessa acepção mais ampla que ela deve ser entendida, estudada e estimulada nos ambientes organizacionais. E assim, quem sabe, nós possamos compreender e agir sobre problemas demasiadamente humanos que teimam em reiterar suas conseqüências, mediante nossa frágil e embotada percepção da realidade.