Morar em Minas é um exercício diário de diplomacia. A ONU devia chamar um diplomata mineiro para negociar a guerra do Oriente Médio.
Morar em Minas é um grande medo de parecer mal-educado. Seu pior inimigo vai conviver com você de forma cerimoniosa e pacífica. Mineiro é muito cerimonioso. Seu pior inimigo irá em suas festas, dará bom-dia ao passar pela rua e te convidará para as bodas dele. Não ouse deixar claro a seu inimigo que você o detesta: frente aos outros, ele conversará mansamente com você e fará os outros pensarem que você não tem educação.
Em Minas, as pessoas gostam de saber da vida alheia e repassar as informações. Se você encontra seu vizinho da direita no Mineirão, no dia seguinte seu vizinho da esquerda saberá que você foi ao futebol.
Em Minas você nunca saberá o que seu vizinho realmente pensa de você, assim como você nunca dirá ao seu colega o que você realmente pensa dele.
Mineiro sabe bem o que deseja, não banca o valente e não serve de aríete para fazer as coisas. Aborda de lado para ganhar o que quer, e acaba ganhando muito mais. Comunique ao seu chefe mineiro o que você vai fazer e jogue-lhe nas costas o peso das decisões. Chefe é para isso mesmo, e o chefe mineiro é o mais fofoqueiro, o que mais sabe tudo de todos e que não se exporá facilmente a críticas: divide o peso da decisão no grupo.
Tem base histórica: na colonização, as pessoas vieram para as Minas Gerais (ouro, diamante, ferro...) procurando a riqueza do solo. Contudo, para sobreviver nas montanhas inóspitas e desconhecidas, as pessoas tinham que se unir e aprender a conviver com inimigos terríveis. Todos buscavam ouro, todos olhavam o ouro do outro, todos tentavam descobrir se o outro havia descoberto ouro e todos escondiam o próprio ouro. Da ginga escrava, da hospitalidade indígena e da cobiça ao ouro surgiu a Minas das pessoas diplomáticas, próximas e dissimuladas, cerimoniosas e frívolas.
Daí o meio ambiente ser especialmente maltratado em Minas. A madeira não vale nada, a montanha não vale nada, o rio não vale nada. O que vale é a pedra, muita pedra, com muita gente dentro. Soca gente, bota pedra. A pedra é rica e dá de comer. A mata é perigosa.
Em Minas, os vizinhos falam bom-dia e dão uma aula de conversar desconversando. Só quem vive o contexto de Minas sabe o que é conversar desconversando. Uma coisa é fugir do assunto, e isso todo o mundo faz. Conversar desconversando é falar o que precisa ser dito, pedir o que precisa, mas sem ser direto, sem incomodar e sem fugir da raia.
Conhecedor da esculhambação das leis e normas do Brasil, mineiro não se limita a ler as leis e editais, mas pergunta: 'é isso mesmo?' 'como é mesmo que funciona?'.
De certo modo, é um atraso. Sem um chefe para ser aríete, a evolução é lenta e gradual. Na hora do empate 50%-50%, na hora da decisão sumária e instantânea, não chame o chefe mineiro, pois estará perdido e confuso. Chame outro. Mas deixe o mineiro sempre como braço direito, como seu vice ou como representante diplomático. Saberá tudo de todos e não deixará que os outros saibam exatamente as coisas de você.