03/08/2002 - Lula: 'O debate tem que ser sobre programas'
Leia entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva publicada hoje pelo jornal O Globo:
Pergunta - Os analistas dizem que há três componentes novos na eleição: o equilíbrio da competitividade dos candidatos, as pesquisas que alimentam semanalmente e a ampla cobertura da mídia. Chegam ao ponto de dizer que a mídia eletrônica está antecipando a escolha dos indecisos, tornando quase inócua a aposta no horário eleitoral gratuito.
Lula - Não diria que a mídia eletrônica anula o horário eleitoral, porque você vai usar o tempo do horário gratuito para vender o programa de governo, que muitas vezes não sai na cobertura diária. De qualquer forma, acho que é uma coisa extraordinária. Com isso, vai informando, vai preparando melhor a sociedade. Vai fazendo a sociedade se decidir com mais clareza, até um pouco bem antes das eleições. Acho que esse é o mais importante acontecimento destas eleições: o interesse da mídia eletrônica.
Pergunta - Em entrevista à 'Time', o senhor destacou a importância da cobertura isenta que, segundo o senhor, a Rede Globo está fazendo.
Lula - Mas isso nem é preciso dizer só à 'Time'. Mas para qualquer órgão de imprensa, inclusive O Globo. Acho que a Rede Globo está tendo este ano um comportamento exemplar. Já tinha dito publicamente que, em 98, a cobertura mais isenta das eleições tinha sido feita pelo jornal O Globo. Acho que a TV agora está fazendo uma cobertura excepcional. Primeiro, porque está cobrindo em igualdade de condições todos os candidatos, dando o mesmo tempo para todos. Acho que não existia isso nas eleições passadas. Às vezes o candidato do governo entrava mais, o candidato da oposição entrava menos. Hoje, repito, está todo mundo entrando em igualdade de condições. Acho isso ótimo para a democracia e, sobretudo, ótimo para os próprios meios de comunicação.
Pergunta - O senhor acha que a mídia, de um modo geral, tem tido isenção nesta campanha ?
Lula - Acredito que onde a gente tem mais tranqüilidade na mídia é exatamente no rádio e na televisão, naquilo que você faz ao vivo.
Pergunta - Por quê?
Lula - A imprensa escrita é sempre mais delicada. Primeiro, o fotógrafo tira 80 fotos e manda para o editor escolher. Nem sempre a foto que sai é aquela em que você está melhor. Segundo, em alguns jornais, as manchetes nunca estão de acordo com o texto. As manchetes são mais sensacionalistas. São mais para vender jornal. Muitas vezes, você vai ver a manchete e depois ler o texto e descobre que não tem razão de ser aquela manchete. Em terceiro lugar, quem escreve as reportagens é um ser humano, que tem posições políticas. E, muitas vezes, por mais isento que seja, ele deixa escorregar suas afinidades ideológicas. Por isso, acho que a cobertura da imprensa escrita é mais vulnerável do que uma entrevista ao vivo, no rádio e na televisão, ou um debate.
Pergunta - Por quê?
Lula - Porque mesmo que você seja encurralado por um jornalista, por estar ao vivo, as pessoas vendo e ouvindo podem fazer seu juízo de valor. Na entrevista escrita, você fica por conta do caráter, da honestidade de quem a faz.
Pergunta - Mas essa vulnerabilidade não deve ser recíproca? O repórter também não fica por conta do caráter e da honestidade de quem diz uma coisa e, ao ver a repercussão, volta atrás e acusa o repórter e o jornal? Nesse caso, não há o julgamento do caráter e da honestidade do entrevistado?
Lula - Isso também acontece. Muitas vezes as pessoas falam e depois negam. Isso também é uma coisa corriqueira.
Pergunta - O senhor não falou do outro fenômeno: as pesquisas. Elas têm essa influência toda?
Lula - Não dou essa excelência de importância às pesquisas. Acho que elas oscilam de acordo com os acontecimentos, de acordo com a onda da semana ou do mês.
Pergunta - O senhor acha que o presidente Fernando Henrique está tendo a atitude que se espera de um governante na eleição?
Lula - Acho que até agora o presidente não tem se metido muito. Não sei se é porque as pesquisas estão dizendo que mais de 60% não votariam no candidato apoiado por ele ou porque a situação econômica do país está muito mal. O correto é que o presidente da República precisa ter a postura de magistrado. Ele não pode se meter de corpo e alma em qualquer campanha eleitoral. Precisa ser uma espécie de ser superior, acompanhando o processo eleitoral.
Pergunta - Ele está agindo assim?
Lula - José Serra é o candidato dele. O PSDB é o partido dele. O que ele tem de fazer para ajudar Serra de forma natural, conta com a compreensão, acredito, de todos nós. A gente vê isso como coisa natural. O que não seria certo é se ele usasse a máquina eleitoral para favorecer seu candidato.
Pergunta - Ciro Gomes disse que o programa de governo dele está mais próximo do candidato 'Lula novo'. Quem é o 'Lula novo'?
Lula - Lula novo? (às gargalhadas). Não sei o que é isso. Essa pergunta deve ser feita ao Ciro.
Pergunta - De modo geral, os candidatos estão se comportando bem na campanha?
Lula - Acho que se a gente não trabalhar direito para manter o nível de respeito não está contribuindo para a politização da sociedade. A baixaria não leva a nada. O debate tem que ser sobre programas que cada um quer realizar, se eleito presidente. Acho que os debates têm que ser de alto nível. E acho que até agora o comportamento de todos tem sido acima da média. Leia também: Lula participa de debate na TV neste domingo