O RISCO-AMERICANO
(por Domingos Oliveira Medeiros)
O neoliberalismo, finalmente, caiu na real. Entrou em rota de colisão com os fundamentos básicos de qualquer economia de mercado. A credibilidade do sistema financeiro ficou abalada ; e ameaça destruir o único suporte de sustentação do chamado capitalismo de resultados, justamente pela queda de credibilidade do sistema.
A ganância, em função do imediatismo por lucros cada vez maiores, e a falta de instrumentos reguladores do mercado de capitais, ameaçaram a estabilidade e a hegemonia norte-americana, sugerindo uma ruptura com o atual modelo monetarista, em que se baseiam as políticas econômicas que são seguidas, à risca, pelos países do terceiro mundo.
Dizem - os entendidos - que a partir do momento em que altos executivos de empresas americanas começaram, além do salário, a ter outras formas de remuneração - como, por exemplo, o direito de comprar ações das empresas a que prestam serviços - o processo gerou uma expectativa crescente de enriquecimento pela via especulativa, junto às bolsas de valores.
Assim, no momento em que as ações de grandes empresas, como a Enron, WorldCom, AOL, Time Warner, Xerox, e outras, pelo sistema normal de cotações, começavam a cair, os executivos, livres de qualquer regulamentação a respeito, tiveram uma grande idéia: “intervir” no processo, invertendo o resultado negativo das ações, valendo-se de fraudes contábeis nos balanços de suas empresas, forçando um resultado positivo, porém fictício, em relação à valorização daquelas ações.
Ou seja, a mentira passou a ser o instrumento utilizado pelas grandes empresas para manter a situação atraente, do ponto de vista dos investidores, com a finalidade de criar uma demanda crescente em relação às ações de suas empresas.
Não demorou muito para que o artifício enganoso fosse descoberto. E os prejuízos logo se fizeram sentir.
O maior desses prejuízos, naturalmente, ficou por conta dos Estados Unidos, que, por conta disso, tiveram que provar do seu próprio veneno, imposto, de certa forma, aos países do terceiro mundo: a mentira, a partir de conceitos de riscos bastante discutíveis, que serviam de parâmetros para a fuga de capitais daqueles países do terceiro mundo, caso os seus papéis continuassem a valer menos; papéis que, a rigor, caem ou sobem de cotação, ao sabor dos riscos que são ditados (especulativamente) por empresas e bancos estrangeiros, com a finalidade de ganhar muito dinheiro.
Movimentos especulativos que, de certa forma, criam uma necessidade de os países com dívidas em moeda americana, manter a taxa de juros em patamares elevados, para encontrar “boa vontade” por parte dos investidores internacionais na captação daqueles recursos. Na verdade, um ciclo vicioso de dependência de capitais e de endividamento público, que, por castigo, passou a ser problema, também, dos Estados Unidos, em função dos escândalos ali ocorridos. Como a especulação financeira não tem pátria, a fuga de capitais se fez de imediato. Não foi por outra razão que o dólar ficou desvalorizado em relação à moeda européia. Mas ninguém ousou falar em risco-americano.
O cientista político e sociólogo Emir Sader, em sua coluna do Jornal do Brasil, referindo ao tema, assim se pronuncioul:
“Enquanto outros países sofriam com a volatibilidade do capital financeiro, os EUA ganhavam, porque a fuga de capitais do até aqui mercado mais seguro do mundo se dirigia para Nova York. (...) O que pode ressurgir agora são mecanismos de controle do capital especulativo, porque a economia hegemônica também pode estar sofrendo um ataque especulativo provando do seu veneno. “(...) O próprio contexto internacional está em rápido processo de mudança. A passagem da economia norte-americana da expansão à retração e suas conseqüências em todo o mundo aumentaram o protecionismo comercial. A crise financeira norte-americana agora aponta para limitar o processo de desregulamentação financeira. Termina assim o consenso neoliberal e se abre um vazio de projetos hegemônicos.”
“ Entre a dolarização e novas formas de regulação se joga o futuro dos nossos países. Os que não souberem responder às novas condições, serão vítimas, de novo, de posições subalternas, como as da grande maioria dos paises latino-americanos. Os que souberem romper, apontarão para horizontes novos, renovadores, de políticas pós-neoliberais.”
E pensar que a equipe econômica deste governo levou oito anos acreditando na política econômica imposta pelos norte-americanos, sem se dar conta de que seus resultados, em momento algum, sugeriam uma saída para o ciclo vicioso de endividamento crescente e de subserviência ao capital especulativo.
Não foram capazes de acender uma luz no final de túnel, de refletir e de criar soluções próprias para sair desse impasse. Optaram pelo mais cômodo. Fazer o jogo do FMI e do capital internacional. Apostaram na moeda americana. Como se o dólar tivesse lastro sustentável. Como se a mentira fosse verdade apenas para nós, do terceiro mundo. E entramos no jogo especulativo em situação desfavorável: como devedor. Pagando nossas contas sempre as maior, por conta da subida do dólar, sempre às vésperas do vencimento de alguma parcela de juros.
Enganaram-se e enganaram-nos. Coniventes ou não. E o nosso atual presidente, sem qualquer movimento no sentido de tentar uma renegociação da dívida em bases mais suportáveis para o nosso país, pretende dar continuidade a esta política de endividamento crescente, como se fosse a única alternativa;como se as ciÊncias econômicas fosse exatas e deterministas.
O governo deveria mandar apurar - e a imprensa deveria divulgar -, diariamente, o tamanho do risco-Americano; do mesmo jeito como eles fazem em relação ao risco-Brasil. A fim de que pudéssemos sugerir um desconto ou um alargamento em relação ao pagamento dos juros da dívida, posto que, a continuar desse jeito, em breve não teremos como pagar os juros e cairemos na situação da Argentina; ou seremos forçados a negociar nosso patrimônio maior, nossa biodiversidade instalada na Região amazônica.
Afinal, não é só a nossa moeda que se desvaloriza. A queda do dólar, também, é real. Já a subida, nem sempre.