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Ensaios-->Nacionalismo e esquerdismo nas Forças Armadas -- 06/10/2003 - 16:47 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nacionalismo e esquerdismo nas Forças Armadas

Félix Maier (*)


1. Introdução

Como outras instituições da sociedade brasileira, as Forças Armadas também têm sofrido a influência da ideologia comunista desde que foi criado no Brasil, em 25 de março de 1922, o Partido Comunista-Seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC), que depois de 1934 passou a denominar-se Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Desde então, os comunistas já tentaram tomar o poder no Brasil em três ocasiões: com a Intentona Comunista (1935); durante o Governo João Goulart (1961-64); e durante os “anos da matraca”, que teve início em 1968, no auge da “Revolução Estudantil” que agitou todo o mundo Ocidental, e terminou em 1974, depois de um bem-sucedido trabalho repressivo das Forças de Segurança, com o desbaratamento dos grupos terroristas, atuantes principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, e o fim da Guerrilha do Araguaia, ocorrida no Sul do Pará.

O nacionalismo nas Forças Armadas – mormente o do Exército –, por sua vez, confunde-se com os primeiros movimentos nativistas surgidos ainda na época do Brasil colônia, como a invasão holandesa em Pernambuco. Quanto à influência comunista nas Forças Armadas, pode-se acrescentar que sempre houve uma pregação do nacionalismo por parte das correntes esquerdistas, de modo a cooptar o sentimento patriótico dos militares. Foi assim em todas as ocasiões em que a esquerda tentou tomar o poder, sempre colocando o sentimento nacionalista do militar brasileiro – um sentimento, em si, justo e digno – contra a influência do “imperialismo” capitalista mundial, especialmente o norte-americano, tido pelas esquerdas como o maior entrave à soberania e ao desenvolvimento nacionais.

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da União Soviética, em 1991, a tática das esquerdas para a tomada do poder no Brasil modificou-se, embora a estratégia de socializar (ou comunizar) o País continue a mesma. O PCB, que nas últimas décadas pregava a conquista do poder pela via eleitoral, entrou em crise existencial com o fim da “Mãe Rússia” e, à semelhança do Partido Comunista Italiano (PCI), renegou muitos dos princípios marxistas-leninistas para se tornar o Partido Popular Socialista (PPS). O Partido dos Trabalhadores (PT), que nasceu do movimento sindical do ABC paulista, em 1980, foi o que mais cresceu nas últimas décadas, atingindo o apogeu em 2002, com a eleição para presidente de sua estrela maior, Luiz Inácio “Lula” da Silva.

Depois da Guerra do Golfo (1991), quando o Presidente norte-americano George Bush anunciou a “Nova Ordem Mundial”, com os EUA se tornando a única superpotência militar e econômica do planeta, o sentimento “patriótico” e “nacionalista” dos militares brasileiros foi novamente sacudido pelas classes pensantes do País, fossem elas de esquerda ou não. Com a crescente globalização econômica, muito mais do que o simples sentimento nacionalista, avulta outro problema crucial para as Forças Armadas brasileiras: a busca de uma identidade própria e de uma finalidade específica dentro das instituições nacionais. No passado, essa identidade casava-se com os anseios nacionais, como o lema “Segurança e Desenvolvimento”, tanto presente no longo Governo Getúlio Vargas (1930-45), que foi endossado pelas Forças Armadas, quanto nos governos militares pós-1964.

No momento, para a esquerda, o “perigo” americano continua ainda mais ameaçador do que no passado e tem um endereço: a Amazônia, com sua rica biodiversidade e jazidas de minérios raros, como o nióbio. Os militares foram chamados a “defender” a região amazônica contra a “cobiça internacional”, especialmente depois de o presidente da França, François Mitterrand, e o ex-presidente da União Soviética, Mickail Gorbachev, terem afirmado que “a Amazônia é um patrimônio da humanidade”. Como resultado dessa nova política de segurança nacional, muitas unidades do Exército foram deslocadas do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro para a região amazônica, já que os vizinhos platinos, especialmente a Argentina, não eram mais vistos como o inimigo número um do Brasil, principalmente depois de entrar em vigor o Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), que engloba a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai.

Nas últimas décadas, depois do fim dos governos dos generais-presidentes (1985), os militares das Forças Armadas brasileiras retornaram aos quartéis e passaram a se dedicar exclusivamente à sua atividade-fim, ou seja, à instrução de suas tropas. No início, com a redemocratização do Brasil, pode-se afirmar que não houve grande influência das esquerdas dentro das Forças Armadas, ainda conscientes dos malefícios que a “hidra vermelha” havia acarretado tanto ao País. Durante as três tentativas de tomada do poder pelos comunistas, muitos militares desempenharam importante papel ao se aliarem à esquerda, a exemplo do capitão Luiz Carlos Prestes (Intentona Comunista), do general Osimo Ferreira Alves (Governo Goulart) e do capitão Carlos Lamarca, comandante do grupo terrorista VPR, atuante depois da Contra-revolução efetuada pelas Forças Armadas em 1964.

Atualmente, depois da onda de revanchismo contra as Forças Armadas promovida pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, quando familiares de terroristas comunistas como Carlos Lamarca e Carlos Marighela foram premiados com indenizações milionárias, os militares brasileiros estão se sentindo acuados, muitos sendo demonizados pela imprensa – que é totalmente controlada pelas esquerdas –, acusados, sem provas, de terem sido torturadores durante o “regime militar”. Enquanto isso, a esquerda se aproveita de episódios internos e externos para “revigorar” o nacionalismo dos militares, especialmente quando se trata de incutir neles um sentimento antiamericano renovado e redobrado. Isso pode ser exemplificado por três fatos recentes: o repúdio ao ingresso do Brasil na ALCA, a discussão sobre a permissão de os norte-americanos utilizarem ou não a Base de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão, e a Guerra no Iraque, iniciada em março de 2003 pela coalizão anglo-americana para desalojar Saddam Hussein do poder.

Assim, está aumentando, ultimamente, a influência da esquerda nas Forças Armadas, especialmente entre os militares mais jovens, que não presenciaram os violentos “anos da matraca” e hoje estão sendo domesticados pela mídia em geral, como micos adestrados, tendo seus cérebros lavados pela “Grande Mentira” propalada pela esquerda, qual seja: a de que ela, a esquerda, lutou nos anos de 1960 e 70 para derrubar a ditadura militar e implantar a democracia no Brasil. Sabemos que isso não corresponde à verdade, pois todos os grupos terroristas atuantes naquela época, marxistas das mais diversas linhas, como a soviética, a cubana, a chinesa e a albanesa, queriam implantar em nosso País a ditadura do proletariado. Ou seja, o comunismo, nunca a democracia. Se muitos dos militares brasileiros já têm sua opinião pré-formada pela mídia esquerdista no dia-a-dia, o que dizer daqueles militares que freqüentam as universidades – hoje em grande número, não só oficiais, mas também sargentos – onde convivem com a nata da intelectualidade marxista?

Com a criação do Ministério da Defesa, em 1999, finalizou-se o cerco às Forças Armadas, que perderam expressão política quando os antigos ministros militares se tornaram meros comandantes de suas Forças singulares, sob ordem de um ministro civil. Ironicamente, essa manobra política foi praticamente uma imposição do Governo dos EUA ao Governo FHC, apoiada sem restrições pelas esquerdas brasileiras. Para os EUA, interessam Forças Armadas brasileiras subordinadas a um comando civil, como ocorre lá, para diminuir a chance de haver movimentos e golpes militares que ocorreram desde o início da República, em 1889. As esquerdas, por sua vez, preferem que as Forças Armadas brasileiras sejam totalmente domesticadas, preferencialmente dirigidas por uma ideologia de esquerda, para que se atenham à defesa externa e, internamente, sejam meras milícias populares subordinadas ao poder civil, sem nenhum poder político ou, pelo menos, que sejam inertes, inócuas, apolíticas e “legalistas” durante os embates ideológicos mais extremistas que vierem a ocorrer.

Por que a doutrina comunista se mostra tão atual e tão poderosa no Brasil, onde tremulam bandeiras vermelhas totalitárias nas manifestações de rua, se ela foi varrida de extensas áreas do planeta, como na antiga União Soviética, e está em baixa na própria China “comunista”? O que ocorreu com nossa “Cólquida”, com a terra de Macunaíma e a roça de Jeca Tatu? (1) Uma das explicações é que nunca houve um regime comunista em nosso País, assim a população não conhece o perigo que isso significa. Outra explicação é que o Brasil não conseguiu, nas últimas décadas, “decolar” junto com outros países capitalistas, como a Coréia do Sul, pelo contrário, até regrediu em seu desenvolvimento sócio-econômico, caindo de 8º para 13º lugar quanto ao Produto Interno Bruto (PIB) entre as nações, recolocando vasta parte da população na miséria – situação ideal para a atual pregação das esquerdas, com suas bandeiras contra o “neoliberalismo” e a “globalização”. Tanto antes, quanto agora, a cantilena comunista tenta hipnotizar a população brasileira, apresentando as chagas nacionais da miséria e da exploração do trabalho de vasta parte da população, tentando fazer acreditar, dentro da lógica igualitária, como sendo a única salvação para todos os males nacionais. Assim, o comunismo, “de maneira persistente e com grande eficiência, explora nossas falhas, contradições e desníveis sócio-econômicos e levanta as bandeiras das reivindicações mais justas e das aspirações mais sentidas de nosso povo” (SAMPAIO, 1966:12). Desta forma, o “Jeca Tatu” e “Fulana” são convencidos a buscar as causas do nosso subdesenvolvimento, não em nossos seculares erros e omissões da corrupta terra de Macunaíma, mas num aludido e fantasioso abuso do “imperialismo” de Tio Sam.


2. A política nas Forças Armadas

Durante o Império, no século XIX, os militares passaram a ter um destaque crescente na vida nacional, depois da participação de campanhas contra movimentos separatistas, como a Revolução Farroupilha (1835-45), ocorrida na província do Rio Grande do Sul, que havia proclamado a República de Piratini, e, principalmente, a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança (1864-70), que envolveu o Brasil, a Argentina e o Uruguai contra as ações expansionistas do ditador paraguaio, Francisco Solano López. A união nacional contra o perigo estrangeiro e contra as rebeliões separatistas foi conseguida, principalmente, devido ao trabalho de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, militar íntegro e de espírito pacifista. Por suas qualidades morais, Caxias, o “Pacificador”, é o atual patrono do Exército Brasileiro.

Com a vitória sobre o Paraguai, criou-se uma maior coesão dentro das Forças Armadas, especialmente no Exército, com a valorização dos militares de baixas patentes. Além dessa coesão, que somente surge durante as guerras, quando toda a nação deve contribuir com seu preço em sangue, independentemente de patentes, comissões ou condecorações, surgiu um sentimento abolicionista dentro das Forças Armadas, para emancipação do negro, que havia valentemente combatido com os “voluntários da Pátria” contra o invasor paraguaio. “A escravidão, porém, parece ter sido o principal motivo de desencanto do militar com o Império e seu governo parlamentar. Ombro a ombro com os negros e mulatos, o oficial brasileiro compreendeu, na campanha contra López, o sentido revoltante do escravismo, e traria aos quartéis a náusea daquela chaga social” (MERCADANTE, 1978: 107).

Os últimos anos do Império eram melancólicos, com a população no interior morando em ranchos de palha e se alimentando de frutos silvestres e mandioca. Nas capitais, os habitantes tinham aspecto doentio e as crianças andavam seminuas. Quase tudo era importado: “todos os objetos que cobriam nosso corpo vinham do estrangeiro – até os gêneros de primeira necessidade, como o trigo com que se faz o pão, a manteiga, a batata e o milho” (MERCADANTE, 1978: 64).

Em plena Guerra do Paraguai, um movimento liberal em prol da abolição da escravatura ganhava força, no final da década de 1860, na Faculdade de Direito de São Paulo, que congregava intelectuais e poetas como Castro Alves, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves e Afonso Pena. Em 1870, mesmo ano do término da Guerra do Paraguai, há o Manifesto Republicano, influenciado pela revolução republicana francesa do mesmo ano, cuja “idéia federalista com inclinação republicana havia-se difundido por toda a Europa” (MERCADANTE, 1978: 114).

Durante o Império, a elite militar participava diretamente da política, seja em ministérios, para cargos na Câmara e no Senado, ou para presidentes das Províncias. O destino final de todo militar de alta patente era sempre a política. Com isso, começaram a ser criados jornais e clubes militares, que se tornaram centros literários para discussão política. Em 1855, o periódico “O Militar”, dirigido por jovens oficiais, fazia severas críticas aos deputados e senadores, e ao sistema parlamentarista. A partir dessa posição dos militares, começa a haver uma crise entre as Forças Armadas e o Governo central, conhecida como “Questão Militar”. A razão do descontentamento se devia a muitos motivos: o nível dos vencimentos dos militares em 1872 continuava a ser o mesmo que fora em 1852; falta de incentivo à carreira militar, com morosidade nas promoções, com capitães permanecendo por 15 anos ou mais no mesmo posto; a predominância de pessoas estranhas à carreira das armas ocupando as pastas militares, especialmente na década de 1880, congelando as conquistas adquiridas no ministério Rio Branco.

Na Questão Militar, teve papel preponderante o Clube Militar. “Marcaram essa quadra de nossa História, as campanhas abolicionista e republicana e as questões militares e religiosas, assinaladas por grande efervescência de idéias, por graves crises e pelo surgimento das instituições que abrigariam os grupos que então se debatiam. A Classe Militar, afetada diretamente pela questão militar e indiretamente por todas as outras, não fugiria à regra. Fundou-se inicialmente o Clube Naval e em seguida, o Clube Militar (26 jun 1887)”. (2)

Essa efervescência política preocupava o Império, que mandou para o “exílio” no Mato Grosso, em dezembro de 1888, como comandante de armas, o general Deodoro da Fonseca, para afastá-lo da convivência da corte e de sua influência no Clube Militar.
Continuam os incidentes militares, principalmente com a indisciplina de oficiais de baixa patente, que sofreram punições disciplinares. A Questão Militar foi fruto de dois problemas: aspirações militares frustradas, pelo não reconhecimento da classe política pelo “tributo de sangue” pago pelo Exército e pela Marinha na Guerra do Paraguai, e pela crise de substituição de liderança, com a morte de Caxias. Para piorar, começou a circular um boato de que a Guarda Negra, formada por antigos escravos, e que perturbava os comícios republicanos, atacaria os quartéis. “Com isso seria dissolvida mais facilmente metade do exército, sob pretexto de economia, e a Guarda Nacional tomaria o seu lugar, a fim de garantir tranqüilamente o advento do Terceiro Reinado” (MIRADOR, Vol 4, 1992: 1573).

A Guarda Nacional havia sido criada em 1831. Subordinada ao Ministério da Justiça, a ela cabia “defender a Constituição, a liberdade, a independência e integridade do Império, manter a obediência às leis, conservar e restabelecer a ordem e tranqüilidade públicas e auxiliar o exército de linha na defesa das fronteiras e costas” (COELHO, 1976: 40). A Guarda Nacional não era apolítica. Seu objetivo, no final do Império, era diminuir o contingente do Exército, mandá-lo para as fronteiras, de forma a ocupar, sem concorrência, a força política militar.

Depois de Caxias, a liderança do Exército foi exercida por Benjamim Constant, ligado aos oficiais “científicos”, mais jovens, seguidores do movimento positivista de Auguste Comte, desprestigiando os “tarimbeiros”, formados, não em escolas, mas nas campanhas militares do Império. Com o Imperador D. Pedro II doente, e o Exército sendo fustigado pelos políticos, os militares proclamaram a República no dia 15 de novembro de 1889. O parto da República teve atos cômicos, como as mentiras plantadas e sustentadas por Floriano Peixoto, então Ajudante-Geral do Exército, de modo a aparentar estar ao lado do Governo Imperial, evitando, adiante, que o movimento acabasse em derramamento de sangue, e com o Marechal Deodoro da Fonseca, doente, em dúvida se deveria ou não trair o Imperador, sendo colocado no cavalo, quase à força, para proclamar o novo sistema de Governo, cometendo ato falho ao lançar o grito de “Viva a Monarquia!”.

Assim, “a República teria sido o artifício de que se serviu o Exército para não perecer” (COELHO, 1976: 46) (3). Os militares se tornaram políticos, apossaram-se da administração de 10 Estados e muitos tomaram assento no Parlamento. Na imprensa da capital e dos Estados, os militares exercem a crítica sobre os atos do governo. O Clube Militar mandava delegações por todo o País, com igual objetivo. Era a vez do “soldado-cidadão”. Aumentaram o orçamento e os efetivos do Exército, e melhoraram as promoções. A partir de 1889, os militares começaram a participar efetivamente da vida política nacional, desencadeando, ao longo de quase um século, muitos movimentos, golpes e contragolpes, normalmente servindo como poder “moderador”, já que o governo era logo entregue a um civil. A exceção ocorreu com a Contra-revolução de 1964, quando os militares assumiram o Governo de forma integral, permanecendo no poder até 1985.

Era o coroamento do projeto militar de desenvolvimento brasileiro, iniciado com os oficiais abolicionistas e positivistas de antes da República, passando pelos “jovens turcos” e pelo movimento “tenentista”, pelo apoio militar à longa ditadura de Vargas, quando se acelerou o progresso industrial, culminando na doutrina de Segurança Nacional pregada pela ESG, após a II Guerra Mundial. O ciclo inicial inspirou-se no dístico positivista “Ordem e Progresso”, gravado em nossa Bandeira Nacional, e concretizou-se no novo dístico “Segurança e Desenvolvimento” da ESG, que iria orientar todo o programa de governo dos generais-presidentes.


3. O nacionalismo nas Forças Armadas

O primeiro importante movimento nacionalista no Brasil ocorreu durante a invasão holandesa no Nordeste, quando brancos, negros e índios se uniram para expulsar o invasor. A segunda Batalha dos Guararapes, ocorrida em 19 de abril de 1649, tem grande significado histórico para a reconquista de Pernambuco e a expulsão definitiva dos holandeses do Brasil, ocorrida em 1654. O dia 19 de abril (que é também “Dia do Índio”) é hoje comemorado, significativamente, como “Dia do Exército”. “Holanda e Olinda representavam o mercantilismo e o nacionalismo. Venceu o espírito nacional. (...) Sob a pressão externa operou-se uma solda, superficial, imperfeita, mas um princípio de solda, entre os diversos elementos étnicos” (PINHEIRO, 1971: 50) (4).

Outros movimentos nativistas tiveram destaque na história nacional, como a Inconfidência Mineira, ocorrida em 1789, sob influência das idéias libertadoras provenientes dos EUA e da Revolução Francesa. “Os historiadores coincidem, de modo geral, em localizar na Revolução Francesa o nascimento do nacionalismo moderno tal como o entendemos hoje” (PINHEIRO, 1971: 13). O próspero Estado de Pernambuco patrocina as revoluções libertárias de 1817, 1821 e 1824, também geradas pela Revolução Francesa, com muitos liberais pernambucanos sonhando a independência com a república. No dia 7 de setembro de 1822 é proclamada a Independência do Brasil pelo imperador D. Pedro I, separando-se o Brasil de Portugal.

A Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos foi a mais longa das insurreições nacionais (1835-45). De início, o conflito tinha raízes federalistas, que opunha os interesses da Província do Rio Grande do Sul aos da metrópole, que nomeava presidentes da Província mais ligados aos escravistas do Sudeste do que aos pecuaristas do Rio Grande. A classe pecuarista reagiu à alta taxação do gado gaúcho, em condição de inferioridade diante da pecuária platina e, diante da intransigência do poder central, os “farrapos” proclamam a República de Piratini, presidida pelo general Bento Manoel Gonçalves, com o apoio do carbonário italiano, Giuseppe Garibaldi.

Durante o Império, sob influência do romantismo, surge a literatura nacionalista (indianista): como não tínhamos um Carlos Magno e seus Doze Pares da França, nem um Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda para atravessar as “brumas de Avalon”, os autores buscaram inspiração no nativo da terra, idealizando o índio brasileiro. “O Guarani”, de José de Alencar, é o romance mais representativo do período.

Na República, começa a crescer a conscientização das riquezas nacionais, dos valores morais e intelectuais do homem brasileiro. Foi chamado de “ufanismo”, excesso otimismo, sem objetividade, lírico, mas acariciava o ego e fazia bem à alma nacional. “Mas, somente após as campanhas pela implantação da Siderurgia Nacional e a criação da Petrobrás, de 1934 para cá, adquiriu o nosso nacionalismo uma substância concreta, despojando-se de seu invólucro romântico para configurar-se num esboço do programa de soluções práticas dos problemas estruturais do País” (SAMPAIO, 1966: 14).

A consciência nacionalista leva os militares mais jovens a promover a modernização do Exército, que havia sido desmoralizado em várias expedições contra Canudos, pois não havia uma escola militar para formação especializada. A mudança começa a partir de 1905, quando o Marechal Hermes da Fonseca é nomeado Ministro da Guerra. Nesse ano, começam a funcionar as Escolas Militares do Rio Grande do Sul e de Realengo (Rio de Janeiro), com instrução nos moldes europeus. A Escola Militar da Praia Vermelha havia sido fechada em 1904, depois de uma rebelião de alunos. Lá, destacavam-se os “doutores”, pois era antes um centro de estudos de matemática, filosofia e letras do que uma escola militar. A erudição dos “militares doutores” era reconhecida até por militares estrangeiros.

“A extinção da Guarda Nacional, consumada em 1911, legou ao Exército a condição de único responsável pela ordem interna, o que lhe exigiria melhor disposição para mantê-la. Os ares do revigoramento profissional sopram com mais intensidade, quando oficiais do Exército Brasileiro são mandados estagiar no poderoso exército alemão, embalado nas melhores tradições militares prussianas” (www.exercito.gov.br/01Instit/Historia/sinopse/profissional.htm). Em 1906, oficiais do Exército estagiam na Alemanha, entre eles Bertoldo Klinger, Leitão de Carvalho e Euclydes Figueiredo. De volta ao Brasil, os estagiários trazem obras de militares alemães, que passam a ser estudadas pelos oficiais brasileiros. Os estagiários passaram a ser denominados de “jovens turcos”, em alusão ao movimento de Mustafa Kamel, o futuro Atatürk, também orientado por oficiais alemães, e que viria a implantar um Estado laico na Turquia, com a abolição do califado islâmico após a I Guerra Mundial.

Em 1913, os “jovens turcos” lançam a revista “A Defesa Nacional”, que ultrapassa em importância o “Boletim do Estado-Maior do Exército”. Com a derrota alemã na I Guerra Mundial, a partir de 1918 os “jovens turcos” deixam de existir como grupo organizado e “A Defesa Nacional” torna-se favorável à contratação de uma Missão Francesa.

A I Guerra Mundial trouxe à baila o Serviço Militar obrigatório, defendido pelo poeta Olavo Bilac, porém atacado por Alberto Torres, que considerava o Exército permanente “inútil”.

Eram a favor da Missão Francesa Hermes da Fonseca, Caetano de Faria e outros oficiais, chamados de “progressistas”. Os “antimissionistas”, alcunhados de “retrógrados”, eram formados por militares antigos, que tinham participado da revolta da Marinha, após a Proclamação da República, e da Guerra de Canudos, no interior da Bahia. Tinham receio de que, com o ensino de novas técnicas de combate, ficariam evidentes os erros grosseiros cometidos em campanhas como Canudos e Contestado, quando diversas expedições foram derrotadas por sertanejos famintos e sem armas.

Em 1919, chega ao Brasil uma Missão Militar Francesa, comandada pelo general Maurice Gamelin, cujas medidas adotadas foram:

- adoção e aplicação da Lei do Serviço Militar obrigatório, mostrando os oficiais como “apóstolos do patriotismo e do civismo”;
- ampliação dos efetivos;
- renovação do armamento e melhoria das instalações militares;
- reforma completa do ensino;
- adoção de novas regras de promoção hierárquica (Cfr. ROUQUIÉ, 1980: 47-9)

A consciência nacionalista havia-se revigorado durante a I Grande Guerra. Em 1915, é fundado em São Paulo o “Centro Nacionalista”, sob influência de Olavo Bilac e Alberto Torres, que critica a influência estrangeira e o espírito regional, contrários aos interesses nacionais. A “Revista do Brasil”, fundada em 1916 em São Paulo por Plínio Barreto, Júlio de Mesquita e outros é novo núcleo de pregação nacionalista. A “Ação Social Nacionalista”, fundada no Rio em 13 de fevereiro de 1920, é presidida pelo Conde Affonso Celso (autor de “Porque me Ufano de meu País”), tinha por bandeira o lema dos inconfidentes mineiros (libertas quae sera tamen – um verso de Virgílio), cujo programa de 12 pontos, inovador e profético, incluía: mudança da República para o Planalto Central, a nacionalização do comércio e da imprensa política, a obrigatoriedade do ensino e do voto, a emancipação da mulher, o combate ao analfabetismo, a aproximação do País coma as repúblicas sul-americanas, o culto aos grandes nomes da Pátria (Cfr. PINHEIRO, 1971: 63).

“Os grandes teóricos do nacionalismo são encontrados fora das Forças Armadas, e o aparelho ideológico dos grupos nacionalistas civis e militares – o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) – jamais teve no interior das Forças Armadas uma influência e um poder comparáveis aos da ESG, tanto mais porque a ESG fazia parte do aparelho militar, ao passo que o ISEB estava subordinado ao Ministério da Educação” (ROUQUIÉ, 1980: 87). Nelson Werneck Sodré, oficial-general do Exército, historiador de orientação marxista, tinha grande influência no ISEB.

Paradoxalmente, durante o pleno funcionamento da Missão Francesa, irromperam os movimentos de 1922 e 1924. Um estudioso do assunto (COELHO, 1976) contesta as versões de “revolução burguesa” e “ascensão das classes médias”. Para ele, os problemas eram antigos: formação profissional deficiente, incompetência das chefias, falta de renovação dos quadros de oficiais superiores, regime liberal corrompido, sucessivas crises de governo. O estopim foi o episódio de uma carta (falsa), atribuída ao candidato presidencial, Artur Bernardes, com opiniões pouco lisonjeiras sobre o Exército.

O ano de 1922 é emblemático. É o ano que vê o nascimento do Partido Comunista no Brasil. É o ano da revolta dos “Dezoito do Forte”. É o ano da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, marcada por uma revolução nas letras e nas artes nacionais, e por dose maciça de nacionalismo. É quando o esquerdismo, oportunista por natureza, passa a se aliar a todos os movimentos nacionalistas que ocorrerão daí para a frente, até hoje, para combater a influência externa, especialmente o “imperialismo” norte-americano. É a entrada do Brasil no embate da direita versus esquerda, um prelúdio da guerra fria que viria mais adiante.

“Corção estabelece a distinção para destacar que o patriotismo é o aspecto positivo do nacionalismo. O nacionalismo, porém, é o aspecto negativo do patriotismo. O que há de reprovável no nacionalismo é o exclusivismo, a agressividade, a xenofobia... No nacionalismo sempre há bodes expiatórios e a crença em secretas conspirações maléficas” (MEIRA PENNA, 1992: 176) (5).

Um antigo e esquecido exemplo de nacionalismo xenófobo a que se refere Meira Penna – e burro, como são todos os nacionalismos xenófobos – vale ser lembrado. Em 1918, o empresário americano Percival Farquhar pretendia instalar uma siderurgia no Brasil, ao mesmo tempo em que exploraria a mineração de ferro, para exportação de 3 milhões de toneladas. Farquhar era chamado de “trustman” pelos “nacionalisteiros”, por ser controlador de várias empresas no Brasil – ferrovias, portos, energia elétrica, frigoríficos, a “Amazon Land Colonisation”. A sua “Brazil Railway Company” em 1916 dominava quase a metade das ferrovias nacionais: 11.064 km do total de 23.491 km – posteriormente encampadas pelo Governo Federal.

Pois bem: a competente xenofobia brasileira na época se opôs ao projeto de Faquhar, atrasando nossa arrancada industrial por três décadas. Foi preciso haver uma II Guerra Mundial e os americanos utilizarem bases militares no Nordeste brasileiro e na Amazônia para que nos presenteassem a Companhia Sicerúrgica Nacional (CSN), construída em Volta Redonda, RJ, que veio a operar em 1946. A então estatal Vale do Rio Doce pretendia exportar 3 milhões de toneladas de minério de ferro, em 1955, quando 30 anos antes era essa a quantidade do projeto de Farquhar. O mais grave é que, na época, provavelmente não havia ainda o conluio comunista para tal nacionalismo terceiro-mundista, tão em voga nos tempos atuais de “Paz no Iraque”, “fora ALCA”, “fora EUA”, “A Amazônia é nossa”, “ O Pantanal é nosso” e “Alcântara é nossa”. Enquanto inflamos nosso ego, com orgulho nacionalista tolo, deixamos de ocupar a Amazônia, onde transitam traficantes de drogas, traficantes de minerais raros e contrabandistas que levam nossa rica biodiversidadel para patenteação no exterior. Enquanto gritamos irados slogans antiamericanos a respeito de Alcântara, deixamos de faturar 30 milhões de dólares anuais.

“O ‘nacionalismo’ é um tipo de subversivo que se apresenta sob duas variantes principais: o traficante de nacionalismo e o patriota obscurantista, escreve Campos em ‘Temas e Sistemas’ – pg. 102. ... o traficante de nacionalismo explora o sentimento do patriotismo, como meio de bloquear concorrentes e proteger monopólios ineficientes. (...) Já o patriota obscurantista, diz o pensador, é mais respeitável e talvez mais perigoso, pois nada mais sólido e irresistível – quase uma força da natureza – que o cidadão de puras intenções e parco entendimento: o burro honesto, em suma” (PAIM, 2002: 135).

“Direita e esquerda começam então a definir-se. Aquela procura organizar-se, fundando o Verde-Amarelismo, que se opõe ao Pau-Brasil. Lança o Manifesto da Anta, surgido em oposição ao Manifesto Antropofágico, lançado por Oswald de Andrade. A direita modernista encaminha-se para o integralismo. Plínio Salgado organiza a Sociedade de Estudos Políticos (SEP) e de seu Departamento ‘Ação’ nasceu, após a Revolução Constitucionalista, o integralismo” (MERCADANTE, 1980: 205).

O nacionalismo militar cria raízes na ditadura Vargas, que se inicia após a Revolução de 1930, cuja industrialização deveria ser feita com “investimentos diretos do Estado nos setores-chave da economia e utilização de instrumentos de política econômico-financeira, como o controle das taxas de câmbio, o sistema de crédito, os impostos etc.” (ROUQUIÉ, 1980: 79). As raízes do autoritarismo do Governo Vargas estão na corrente positivista, na admiração pela máquina de guerra alemã dos nazistas e no fascismo italiano, de cuja Carta del Lavoro o presidente se inspirou para dotar o Brasil de avançadas leis trabalhistas. Por isso, até o último momento, no início da II Guerra Mundial, Vargas se mostrava indeciso, somente apoiando os aliados contra o Eixo quando submarinos alemães afundaram alguns navios nacionais na costa brasileira. Como resposta, o Brasil participou da II Guerra, com a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que combateu os alemães na Itália, ao lado dos americanos.

Os antinacionalistas não eram contra a industrialização, o que não aceitavam era “a participação crescente da classe operária, além de uma política externa que se afastava da aliança privilegiada com os Estados Unidos. Para esses grupos, industrializar significava atrair o capital estrangeiro, reforçar os laços com os Estados Unidos, enquanto se mantinha a classe operária afastada do processo político” (ROUQUIÉ, 1980: 80).

Começa a haver debate intenso sobre a exploração do petróleo em território nacional. Imprensa, associações civis e militares, despertam o sentimento “nacionalista” da população, com o slogan “o petróleo é nosso”. Os posicionamentos dos “nacionalistas”, que eram a favor da nacionalização do petróleo e minérios atômicos, contra os “liberais”, apelidados de “entreguistas”, provoca forte cisão no meio dos grupos militares. De um lado, havia a “tese Horta Barbosa”, “nacionalista”; de outro, a “tese Juarez Távora”, que defendia a participação de capitais estrangeiros na pesquisa e lavra do petróleo nacional. “De simples associação recreativa, o Clube Militar transforma-se então em centro ativo de formulação e de discussão de opções políticas” (ROUQUIÉ, 1980: 89).

Até 1938, a pesquisa e a exploração dessa riqueza estava sob regime de livre iniciativa. No dia 11 de abril de 1938, o Decreto-Lei 366 estabelece que as jazidas de hidrocarbonetos líquidos e gases naturais sejam incorporadas ao patrimônio nacional. O Decreto-Lei 395, de 29 de abril de 1938, cria o Conselho Nacional do Petróleo (CNP). A Lei 2004, de 3 de outubro de 1953, estabelece o monopólio estatal do petróleo, criando a Petrobrás, que passa a ser a companhia executora do projeto. “Em 1941, o então presidente do CNP, general Júlio Caetano Horta Barbosa, sugeriu pela primeira vez ao presidente da república o estabelecimento do monopólio estatal do petróleo” (MIRADOR, Vol 16, 1992: 8859).

Pressão de companhias estrangeiras e dos “liberais” brasileiros tenta modificar a legislação implantada pelo Decreto-Lei 366, “para adotar uma política capaz de atrair o capital estrangeiro” (SODRÉ, 1965: 90).

O Governo Dutra enviou ao Congresso o “Estatuto do Petróleo”, que permitiria a participação de grupos estrangeiros na prospecção e lavra. Após troca de argumentos entre os parlamentares “nacionalistas” e os “entreguistas”, o Estatuto foi rejeitado e arquivado por Dutra.

Foi contratado o geólogo norte-americano Walter Link, que passou a ser o responsável pela área de pesquisa e treinamento de profissionais brasileiros na área petrolífera. Seu relatório chegou a um resultado pessimista, informando que o Brasil teria descobertas limitadas de lençóis petrolíferos. Para muitos, o “Relatório Link” foi considerado uma peça encomendada por trustes internacionais, interessados em explorar essa importante fonte de energia.

Representando interesses americanos, foi apresentada ao Congresso a “Emenda Schoppel”: “O general Horta Barbosa referiu, na página 12 da ‘Revista do Clube Militar’, nº 103, a denúncia feita da tribuna da Câmara dos Deputados pelo ex-presidente Artur Bernardes, ao relatar a emenda apresentada ao Art. 153 da Constituição Federal, por interferência do agente Schoppel (a emenda Schoppel), que representava interesses de grupos americanos” (SILVA, 1988: 54). A tese nacionalista acabou vitoriosa mais uma vez e, em 1953, como foi dito acima, foi criada a Petrobrás, empresa monopolista do petróleo. Para os nacionalistas, que se perpetuariam ainda por várias gerações, a “Petrobrás é intocável”. Porém, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, foi extinto o monopólio estatal do petróleo, embora, na prática, a Petrobrás continue sendo, até o presente momento, a única empresa a operar esse rico mercado – com exceção de duas pequenas e antigas refinarias, uma instalada no Rio de Janeiro (Refinaria de Manguinhos) e outra no Rio Grande do Sul (Refinaria Alberto Pasqualini).

Hoje, o Brasil produz em torno de 90% do petróleo que consome, extraído principalmente das plataformas continentais, importando os 10% restantes. Durante a “guerra do petróleo”, em 1973, a situação era inversa: importávamos em torno de 80%. Com a quadruplicação do preço do petróleo (de 3 para 12 dólares), da noite para o dia, o Brasil teve diminuído bruscamente seu desenvolvimento econômico, o “milagre brasileiro”, quando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassava os 10%, durante vários anos. Durante o século XX, o Brasil foi o país que mais cresceu, quanto ao PIB, depois do Japão, quando pulou da 48ª para a 8ª maior economia mundial.

Ainda importamos 10% do petróleo que consumimos. Não fosse o nacionalismo xenófobo, que criou o monopólio estatal do petróleo, impedindo a participação de empresas privadas nacionais e internacionais, quem sabe, hoje não estaríamos até exportando petróleo para vários países, a exemplo da vizinha Argentina? “Considere-se que, após quatro anos de concessões oferecidas a empresas estrangeiras pelo Governo Arturo Frondizi, em 1958, a Argentina se tornou auto-suficiente e logo exportadora de petróleo” (PAIM, 2002: 41). Ironicamente, a monopolista Petrobrás tem seu braço globalizado, a Braspetro, operando há anos em outros países.

Finda a II Guerra Mundial, “os americanos substituíram os franceses na inspiração, aparelhamento e treinamento do Exército Brasileiro” (ROUQUIÉ, 1980: 69). A substituição da “escola francesa” pela “americana” se deu devido aos laços afetivos e de interesses comuns construídos pelos pracinhas da FEB com os americanos nas campanhas da Itália, a exemplo de Mascarenhas de Morais, Cordeiro de Farias e Castello Branco. Nas lutas na Itália, a FEB havia sentido a falha de coordenação de todos os seus componentes militares, industriais e burocráticos. Ao final da Guerra, sob inspiração e liderança de Cordeiro de Farias, começaram os estudos para a criação de uma Escola Superior de Guerra (ESG), nos moldes americanos, porém diferente em 2 aspectos: voltado para o desenvolvimento interno (e não para a política externa, própria de países desenvolvidos) e participação de civis.

Em 20 de agosto de 1949, durante o Governo Dutra, foi criada a ESG, por decreto presidencial. O primeiro comandante da Escola foi Cordeiro de Farias, ex-Comandante de Artilharia da FEB. Um dos principais teóricos da Escola foi o general Golbery do Couto e Silva, muitas vezes chamado de seu “pai da ESG”. Golbery tinha uma ideologia anticomunista e afirmava, com razão, que a maior ameaça ao País não era o inimigo externo, mas um conflito localizado, de agressão comunista. Juarez Távora, um dos militares brasileiros mais lúcidos, ampliou as vagas da Escola para a sociedade civil: “Como comandante, eu quis aumentar a representação de civis. Achei que a finalidade da escola não era apenas treinar militares, mas também todos aqueles que poderiam influenciar o governo” (STEPAN, 1975: 130) (8). Por volta de 1966, já haviam sido diplomados 599 militares, 224 empresários, 200 funcionários públicos dos principais ministérios e 97 dos órgãos autônomos de governo, 39 congressistas, 23 juízes federais e estaduais e 107 profissionais variados – professores, economistas, escritores, médicos e sacerdotes católicos. O requisito era curso universitário. Na época, não havia nenhum representante dos sindicatos, para não favorecer a “camaradagem fácil”, segundo Juarez Távora (Cfr. STEPAN, 1975: 130).

Em sua tese sobre o desenvolvimento nacional, a ESG dava ênfase no “estatismo”, porém deveriam ser usados todos os recursos possíveis, inclusive de particulares e os estrangeiros. A esquerda acusava a ESG de “entreguismo”. A ESG contra-atacava, acusando a esquerda de “irracional” e “pseudonacionalista”.

No campo internacional, com o início da guerra fria, o mundo começava a ser dividido em dois blocos: o Ocidental, capitalista, liderado pelos EUA, era o baluarte do “mundo livre”; o Oriental, comunista, liderado pela União Soviética, começava a expandir centros de subversão e espionagem em todos os cantos do mundo, com a atuação do “Instituto 631”. (Cfr. HUTTON, 1975).

De 1945 a 1964, o Clube Militar participa intensamente da vida política do País. Com Vargas, em 1950, volta a orientação econômica nacionalista e antiimperialista. O Clube identifica-se com a corrente nacionalista e são grandes os confrontos entre “nacionalistas” e “antinacionalistas” durante a presidência (do Clube Militar) do general Newton Estillac Leal (1950-52). A Revista do Clube Militar critica o Plano Marshall e, em julho de 1950, publica um artigo, “Considerações sobre a Guerra da Coréia”, que denuncia a invasão da Coréia pelos EUA.

As reações foram várias: punição e transferências de militares envolvidos na celeuma para guarnições distantes e acusação dos “antinacionalistas” de que o Clube havia se tornado uma “ilha soviética”.

No início da década de 1960, com a crise política aguda, a estratégia para combater a subversão da ESG começa a ganhar recepção nas Forças Armadas – uma doutrina incorporada também pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

Em 1968, no auge da “revolução estudantil” e recrudescimento dos atentados terroristas de esquerda, o currículo da ESG incluía: 222 horas sobre Segurança Interna, 129 horas sobre Guerra Irregular e apenas 21 horas sobre tópicos clássicos de Defesa Territorial. Nessa época e durante toda a década de 1970, a matéria “Guerra Revolucionária” passou a ser ministrada em todas as escolas militares brasileiras.

A influência da doutrina da ESG, com seu lema “Segurança e Desenvolvimento”, pôde ser observada na composição do Governo Castello Branco, primeiro governo militar pós-1964:

- O próprio Marechal Castello Branco fora diretor do Departamento de Estudos da ESG (abril de 1956 a novembro de 1958);
- O Marechal Cordeiro de Farias, Ministro do Interior, fora o 1º Comandante da Escola;
- O Marechal Juarez Távora, Ministro dos Transportes, fora o 2º Comandante da Escola;
- O General Golbery do Couto e Silva, Diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI), era conhecido como “pai da ESG”;
- Leitão da Cunha e o General Juracy de Magalhães, ambos Ministros do Exterior do Governo, eram diplomados pela ESG;
- O General Ernesto Geisel, Chefe da Casa Militar e Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional, era diplomado pela ESG.

O economista Roberto Campos, Ministro do Planejamento do Governo Castello Branco, não era diplomado pela ESG, porém, desde a década de 1950, ministrava em média duas conferências por ano na Escola. Castello Branco, que havia assistido a algumas dessas conferências, concordava com elas na sua essência.

Havia um laço informal entre a ESG e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), fundado em 1961 no Rio de Janeiro por um grupo de empresários anticomunistas, dispostos a readequar e a reformular o Estado brasileiro. O IPES defendia a reforma “capitalista progressista” do sistema econômico e político do Brasil e a necessidade do desarmamento do perigo comunista durante o Governo João Goulart. O IPES, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) e as Forças Armadas formaram a base quadrangular decisiva para o desencadeamento da Contra-revolução de 31 de março de 1964, contra Jango, em sua política de implantar a “República Sindicalista” no Brasil. “Muitos dos civis importantes do IPES se diplomaram na ESG antes da fundação do IPES, e mais tarde alguns dos mais importantes membros fundadores do quadro da ESG, como o general Golbery do Couto e Silva e o general Heitor de Almeida Herrera, se associaram ao IPES. (...) No Governo Castello Branco, foram utilizados muitos projetos e pessoal do IPES. Isto é mais visível na lei de reforma agrária do governo, na reforma bancária, no programa de habitação e na lei de estabilidade de emprego dos trabalhadores” (STEPAN, 1975: 137).

Durante o Governo Castello Branco, iniciam-se movimentos de “luta pela democracia”, que pedia eleições diretas em todos os níveis, e “luta antiimperialista”, contra o alinhamento automático do Brasil aos EUA – a exemplo da participação brasileira na intervenção militar na República Dominicana, em 1965, ao lado de forças norte-americanas.

Com Costa e Silva, a partir de 1967, os nacionalistas começam a ter novamente influência no Governo, a exemplo do general Albuquerque Lima, Ministro do Interior, um “duro” que exercia influência sobre os oficiais de baixa patente. O oficiais alinhados com Costa e Silva tinham pouca experiência de guerra ou ligações acadêmicas com os EUA, e tinham um desejo secreto de serem “mais populares”, para diminuir as hostilidades da esquerda. Afinal, segundo levantamento de uma pesquisa do “Jornal do Brasil”, realizada em 15 de novembro de 1966, apenas 12% da população votariam em Costa e Silva e 71% votariam no ex-presidente Juscelino Kubitschek ou no ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda.

“Em lugar do internacionalismo ativo dos oficiais da ex-FEB e da ESG que, como veremos, eram a espinha dorsal do governo Castello Branco, Costa e Silva apelou ao nacionalismo, e as relações com os Estados Unidos começaram a sofrer tensões em vários pontos. O Brasil já não defendia a instalação da força interamericana de paz e tornou-se um crítico importante do tratado de suspensões dos testes nucleares sustentado pelos Estados Unidos” (STEPAN, 1975: 171).

Assim, em 1968, o Brasil se abstém da votação do Tratado de Não-Proliferação de armas nucleares (TNP), realizada na Assembléia-Geral da ONU. O Tratado preservava o uso irrestrito de usos da energia nuclear pacífica – energia elétrica, produção de isótopos, irradiação de alimentos. O Brasil, com mais este exemplo de sentimento “nacionalisteiro” terceiro-mundista, nem produziu sua bomba nuclear, que hoje pelo menos poderia servir como uma importante estratégia de dissuasão, nem pôde importar supercomputadores dos EUA, receosos de que poderiam ser utilizados para a fabricação de mísseis intercontinentais. O nosso nacionalismo, como afirmou Roberto Campos, “continua pedalando na fase do ‘contra’. Rejeita sem substituir. Divide ao invés de unificar. Intoxica, ao invés de mobilizar. Tem vezo totalitário e acusa de ‘entreguistas’ a todos quantos discordam de seus métodos, quando a circunstância do Brasil não é entregar riquezas que não tem, mas descobrir riquezas de que carece” (Cfr. PAIM, 2002:107).

O ano de 1968 marca o endurecimento do governo militar, com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Decretado em 13 de dezembro de 1968 pelo Presidente Costa e Silva, o AI-5 permitia ao chefe de governo cassar mandatos, suspender direitos políticos e legislar em substituição ao Congresso Nacional após decretar-lhe o recesso. Esse ato de exceção foi importante para que os serviços de segurança do próximo presidente militar do Brasil, Emílio Garrastazu Médici (1970-74), pusessem um fim nos grupos de terroristas de esquerda, que começaram a infernizar o País durante a “revolução estudantil”, com influência da “Revolução Cultural” chinesa e do movimento OLAS, elaborado por Fidel Castro e Salvador Allende para criar movimentos guerrilheiros comunistas em todos os países latino-americanos. Durante o Governo Médici, o Brasil atingiu os maiores índices de desenvolvimento econômico, conhecido como “milagre brasileiro”, com crescimento do PIB da ordem de 10% anuais.

Com o Governo Geisel (1974-79), inicia-se a “abertura democrática” brasileira, que deveria ser “uma ‘distensão lenta, segura e gradual’ do regime político, buscando conciliar o desenvolvimento econômico com a segurança (nacional) mínima indispensável” (ROUQUIÉ, 1980: 117).

Essa política de abertura não foi bem assimilada pelo aparelho militar repressivo do regime, que entrou em conflito com o novo Governo, culminando na demissão do Ministro do Exército, Sílvio Frota, em outubro de 1977, um “duro” que tinha o apoio do grupo de Médici e não aceitava os novos rumos determinados pelo Presidente. A reação dos organismos de repressão foi violenta: em 1975, é assassinado o jornalista Wladimir Herzog; em 1976, é assassinado o operário Manoel fiel Filho; e “em agosto de 1976 começaram os atentados a bomba dirigidos sucessivamente contra a Associação Brasileira de Imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil e, posteriormente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o CEBRAP (São Paulo) (ROUQUIÉ, 1980: 131). Nesse processo de transição, Geisel criou mecanismos que viabilizaram sua ação presidencial, como a “adoção de novos critérios para a seleção do Alto Comando, intervenção governamental na composição do Superior Tibunal Militar (STM), o qual ameaçava escapar ao controle do aparelho militar” (ROUQUIÉ, 1980: 115). Em 1977 e 1978, Geisel fez reformas políticas, quando surge o parlamentar “biônico”. Essas reformas “tinham o objetivo essencial de garantir, por intermédio de artifícios jurídicos, uma maioria governamental na maior parte das Assembléias Legislativas e no Congresso Nacional, a despeito da tendência da opinião pública em votar na oposição tolerada” (ROUQUIÉ, 1980: 116).

Um dos poucos apoios que Geisel recebeu da oposição foi a denúncia do Acordo Militar com os Estados Unidos, em parte devido à crise provocada pela política de direitos humanos do Governo Carter. A nosso ver, a denúncia do Acordo foi correta, pois os EUA costumavam mandar para o Brasil carcaças utilizadas na Guerra da Coréia (carros de combate com até 4 retíficas de motor), compradas pelo Brasil como tendo canhões novos. Porém, quando os armeiros de duas unidades do Exército, em Itu (2º Regimento de Obuses – 105 mm) e Pirassununga (2º Regimento de Carros de Combate – 76 mm), localizadas no Estado de São Paulo, realizaram a limpeza dos tubos “novos”, verificaram que apresentavam erosão gasosa, encobreamento e ataque térmico, prova de que já haviam realizado muitos disparos. Uma inspeção técnica, levada a efeito por um engenheiro militar do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro e por dois metrologistas e um fotógrafo do Campo de Provas da Marambaia, no período de 27 de setembro a 6 de outubro de 1974, comprovou que os canhões de 105 mm e 76 mm analisados já tinham atingido por volta da metade de sua vida útil (10).

Com a denúncia do Acordo Militar, o Brasil passou a fabricar inúmeros veículos e equipamentos militares, a exemplo do carro de combate sobre rodas “Cascavel”, com canhão de 90 mm, de grande aceitação no mercado árabe. Durante certo tempo, o Brasil chegou a ser o 5º maior exportador de armamento do mundo.

Como diria Roberto Campos, “infelizmente, esse clarão de bom senso durou o que duram as rosas de Malherdes: ‘l’espace d’un matin’ ” (Cfr. PAIM, 2002: 104). Em 1978, o Governo Geisel criou a Secretaria Especial de Informática (SEI), que instituiu a política de reserva de informática no País, que tinha por objetivo inventar a roda, ou seja, o computador, que seria genuinamente nacional. Propostas de instalações de fábricas da IBM e da Hewlett Packard no Brasil foram rejeitadas; não foi sequer permitida a produção desses equipamentos no Brasil, que seriam destinados exclusivamente para a exportação. Agradecem, até hoje, o Japão, a Coréia do Sul e a China, que estão pelo menos a duas décadas na nossa frente – os três países, em termos de produção de hardware e software; os dois primeiros, em termos de inclusão digital de sua população.

A xenofobia informática não era exclusiva dos militares retrógrados: “personalidades e associações profissionais e culturais de todo o país formavam um grande bloco com os cidadãos fardados, imitando a campanha do petróleo dos anos 50” (PAIM, 2002: 81).

Os talibãs da SEI “declararam que o ‘Sisne 3.000’, da brasileira Scopus, era funcionalmente equivalente ao DOS, da Microsoft. E o programa dito brasileiro era mera cópia do DOS, cópia autorizada e legalizada pela SEI” (PAIM, 2002: 86). O industrial Ricardo Semler “descrevia a indústria de informática como sendo um CCP – misto de cartório, contrabando e pirataria” (PAIM, 2002: 86).

A Assembléia Nacional Constituinte, durante o Governo de José Sarney, revigora o nacionalismo retrógrado, ao redigir e aprovar a Constituição de 1988. Criam-se restrições a empresas estrangeiras de operar no Brasil. Esquisitices são inseridas na Carta, como o tabelamento de juros a, no máximo, 12% ao ano. Criam-se inúmeros direitos trabalhistas, aumentando exponencialmente as despesas públicas, porém não se determinam as fontes que irão gerar as receitas correspondentes. O resultado é desastroso, com governos federal, estaduais e municipais indo à falência. Durante o Governo FHC, a dívida pública interna salta de 100 para 900 bilhões de reais.

Durante a Constituinte, as esquerdas, além de tentar retirar a palavra “Deus” da Constituição, pretendiam retirar as prerrogativas das Forças Armadas, no que concerne à “defesa dos Poderes constituídos, da lei e da ordem”. Felizmente, não conseguiram o seu intento. Para as esquerdas, as Forças Armadas devem se ater à defesa externa, ou que sejam, no máximo, uma milícia destinada a fins ideológicos, sem interferência nos problemas de segurança interna, como o combate ao crime organizado.

A partir do final de 1991, com o fim da URSS, há um reaquecimento do nacionalismo no mundo. O conflito dos Bálcãs segrega a antiga Iugoslávia em diversas nações, mantida unida, anteriormente, sob o regime de ferro do Marechal Tito. Há também reflexos de nacionalismo no Sul do Brasil, de movimentos separatistas, com slogans do tipo “O Sul é meu país”, vistos também em adesivos de carros de militares em Brasília.

Com o fim da bipolaridade EUA-URSS, os militares brasileiros trocam a posição pró-EUA da guerra fria por um nacionalismo com forte dose de antiamericanismo. O perigo não é mais Moscou, porém a Amazônia, que poderá ser “internacionalizada” ou “tomada” pelas grandes potências. O Clube Militar, nos tempos atuais, reflete muito bem este sentimento.


4. As três tentativas de tomada do Poder

a) Intentona Comunista de 1935

As primeiras reivindicações trabalhistas no Brasil ocorreram no início da industrialização do Brasil, ao romper o século XX, insufladas por imigrantes espanhóis e italianos, cujo movimento anarquista tinha fortes vínculos com o incipiente movimento operário. Em 1º de fevereiro de 1908, foi criada no Rio de Janeiro a Confederação Operária Brasileira (COB), que se destacou por fomentar greves e ser contrária à Lei do Serviço Militar.

Com a vitória da Revolução bolchevique na Rússia, em 1917, a COB passou a fomentar a doutrinação marxista-leninista no Brasil, promovendo tumultos, “sempre explorando supostos benefícios que a revolução comunista já começava a proporcionar ao povo russo” (SOUZA, 2002: 29). Nesse mesmo ano, ocorre um grande movimento grevista, que culmina em greve geral e em um aumento de 20% sobre os salários, além de melhorias nas condições de trabalho, o que acarreta o respeito de boa parte da população à COB.

O início da influência esquerdista nas Forças Armadas coincide com o início do movimento “tenentista”, tido por muitos escritores como sendo a revolta dos “Dezoito do Forte” (Forte de Copacabana), no Rio de Janeiro, em 5 de julho de 1922 – ano de criação do Partido Comunista –, embora outros historiadores afirmem que o “tenentismo” teve início com os militares que proclamaram a República, em 1889.

“A designação de ‘tenentes’ surge no primeiro semestre de 31, no momento de ferrenha luta pelo controle do poder. Em meados de 31 o termo ‘tenentismo’ se generaliza, referindo-se a uma ‘corrente’, um ‘partido de tenentes’, que é visto como muito forte na cena política” (BORGES, 1992: 20).

Para lembrar a data dos “Dezoito do Forte”, a 5 de julho de 1924 há uma rebelião militar em São Paulo, comandada pelo general da reserva, Isidoro Dias Lopes. O Presidente Artur Bernardes reage violentamente, mandando bombardear bairros fabris e operários. Após muitos saques, bombardeios, os revoltosos deixam a capital paulista. “Os militares rebelados, sob a direção do general Isidoro, partem para o oeste do estado, sendo perseguidos e vencidos na batalha de Catanduvas, no Paraná. De lá vão para Foz do Iguaçu, onde se encontram com outras forças militares gaúchas também rebeladas desde outubro e novembro do mesmo ano; essas forças são comandadas pelo capitão Luiz Carlos Prestes. O encontro se dá em abril de 25. Isidoro quer o exílio, e por ele se decide, aparentemente porque sua idade não lhe permitiria acompanhar a decisão dos outros chefes, que optam por uma ‘guerra estratégica de movimento’: essa é a origem da famosa Coluna Miguel Costa-Prestes” (BORGES, 1992: 66) (11).

Rafael Correia de Oliveira, então secretário particular de Miguel Costa, um dos revoltosos de 1924, foi o primeiro jornalista brasileiro a contactar Prestes em seu exílio na Bolívia. “Segundo depoimento pessoal de Luiz Carlos Prestes, teria sido esse jornalista quem pela primeira vez lhe pusera nas mãos livros de Karl Marx” (BORGES, 1992: 106). Oliveira, em editoriais de “O Tempo”, em 1931, apóia comunistas, elogia a caminhada da Espanha para “a esquerda” e a Revolução liberal no Peru; “apresenta como modelo para a ‘Revolução Brasileira’ a Revolução de Sandino, então em curso na Nicarágua; faz uma crítica à presença de fuzileiros navais americanos nesse país” (BORGES, 1992: 89-90).

Em Buenos Aires, Prestes lança o Manifesto de Maio (1930), declarando-se comunista, fato que tem grande repercussão. No mesmo ano, Prestes lança em Buenos Aires a Liga de Ação Revolucionária (LAR), em que repudiava e acusava todos os antigos companheiros da “Coluna Prestes”. Miguel Costa, argentino de origem, que se instalara com Prestes em Buenos Aires, volta a Porto Alegre para participar do movimento revolucionário de outubro de 1930, comandado pelo tenente-coronel Pedro Aurélio de Góes Monteiro.

A partir de 1930, começa a cisão do “tenentismo” e o expurgo das velhas lideranças militares. Em 1931, é fundado o Clube 3 de Outubro, que buscava conferir maior coesão à atuação dos “tenentes” revolucionários. “Logo após Getúlio ter assumido o poder, o Tenentismo, porém, começou a se cindir em duas correntes: de um lado os partidários do liberalismo político; do outro uma minoria radical que ingressou no PC-SBIC. Assim, acompanhando a polarização política do País, em 1934 o Tenentismo já estava desarticulado e com seus líderes na Ação Integralista Brasileira ou na Aliança Nacional Libertadora (comunista)” (SOUZA, 2002: 36).

Em julho de 1934, a I Conferência Nacional do PC-SBIC reelegeu Antônio Maciel Bonfim, o “Miranda”, como secretário-geral. Para camuflar sua subordinação à Internacional Comunista, o PC-SBIC mudou seu nome para Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Em fevereiro de 1935 foi criada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que iria desencadear o levante comunista conhecido como “Intentona Comunista”, em novembro do mesmo ano. O movimento, comandado por Prestes, eclodiu no dia 23 em Natal, 24 em Recife, e 27 no Rio de Janeiro, obedecendo ordens diretas do Komintern, que remeteu agentes comunistas e o “ouro de Moscou” (US$ 27,341.00) para promover o levante (Cfr. WAACK, 1993: 209). Além de Prestes, outros militares brasileiros foram recrutados para a Intentona: Maurício Grabois, Jefferson Cardin, Giocondo Dias, Gregório Bezerra, Agliberto Vieira, Dinarco Reis, Agildo Barata. O fratricídio deixou um saldo de 28 militares e dezenas de civis inocentes mortos (12). Muitos militares foram covardemente assassinados enquanto dormiam no quartel, fato que é contestado pela esquerda, porém sem amparo na História: “Quanto ao tenente Benedito Lopes Bragança, segundo o depoimento do 2º Tenente Aviador Oswaldo Ribeiro Mendes, o mesmo foi ‘assassinado sem defesa pelo Capitão Agliberto, dentro do carro do Capitão Sócrates’. Não estava, portanto, lutando, mas no banco traseiro de um automóvel” (SOUZA, 2002: 48). Com a deflagração da Intentona, os chefes militares conscientizaram-se de “quanto haviam perdido o controle da situação” (COELHO, 1976: 110).

Após a Intentona Comunista, a repressão política se tornou mais intensa. As penas aplicadas aos revoltosos foram brandas devido à Constituição liberal de 1934. Para os militares, a crise era “institucional”, pois o regime liberal reeditava as deficiências do sistema derrubado pela Revolução de 1930. Formou-se, assim, um clima favorável à aplicação de medidas de exceção, que culminou na implantação da ditadura do Estado Novo, em 1937.

“Este regime só se tornou possível porque atendia aos interesses do Exército tal como eram interpretados pela liderança militar que o garantiu. Embora com uma chefia civil no governo, o Estado Novo foi, de fato, uma ditadura dos militares: eles instauraram, impuseram quase sempre seus pontos de vista, elas a cancelaram. Quaisquer que tenham sido os interesses nacionais aduzidos, eles foram interpretados pelo prisma dos interesses do Exército” (COELHO, 1976: 111).

Preso, Prestes foi anistiado pelo Presidente Getúlio Vargas, em 1945, ano em que se elegeu senador pelo PCB, com 140 mil votos, até então a maior votação para o Senado. A bancada comunista, em 1945, foi de 14 deputados federais, entre eles o escritor Jorge Amado, Carlos Marighela e Gregório Bezerra. Em março de 1946, Prestes declara em pleno Congresso Nacional que “em caso de guerra entre a Rússia e o Brasil, lutaria ao lado da Rússia” (SOUZA, 2002: 51). O PCB é colocado na ilegalidade em 1947. Pregando a tomada do poder pela via pacífica, Prestes declara no início de 1964: “Nós já estamos no poder, embora ainda não tenhamos o Governo nas mãos” (SOUZA, 2002: 58). Em maio de 1980, Prestes é substituído na presidência do PCB pelo cabo Giocondo Dias, por muitos anos seu motorista e guarda-costas. O Senador Roberto Freire foi o último comunista brasileiro a receber o “ouro de Moscou”, por ocasião de sua campanha eleitoral à Presidência do Brasil, em 1989. Quem fez esta declaração foi o ex-diplomata da União Soviética no Brasil, Vladimir Novikov, coronel da KGB, que serviu em Brasília sob a fachada de Adido Cultural junto à Embaixada Soviética, nos anos de 1980 (Cfr. www.ternuma.com.br). O Ministro da Justiça do Governo FHC, Aloysio Nunes Ferreira Filho, foi “militante” do PCB e da Ação Libertadora Nacional (ALN), ocasião em que participou do assalto ao trem-pagador Santos-Jundiaí, em 1968, e depois se refugiou em Paris. O PCB transformou-se em Partido Popular Socialista (PPS) após a Queda do Muro de Berlim, porém foi recriado em 1995 pelos comunistas históricos que não aceitaram a nova ordem mundial após o fim da URSS.


b) A Contra-revolução de março de 1964

O Presidente Jânio Quadros havia entrado em atrito com os chefes militares, ao conceder a Medalha do Cruzeiro do Sul a Ernesto “Che” Guevara, em solenidade na capital brasileira. A divisão nas Forças Armadas aumentou após a renúncia de Jânio, em 1961, pois muitas autoridades militares não aceitavam a posse do Vice, João Goulart, visto como “comunista”. Na ocasião, “Jango” estava em viagem à China comunista, acompanhado de “líderes trabalhistas, convocados para observação e estudo das comunas populares daquele país” (AUGUSTO, 2001: 70). Na China, “Jango” fez “um pronunciamento radical, em que revelou sua intenção de estabelecer também no Brasil uma república popular, acrescentando que, para tanto, seria necessário contar com as praças para esmagar o quadro de oficiais reacionários” (AUGUSTO, 2001: 71) – prenúncio da Revolta dos Marinheiros, no Rio de Janeiro, e da Revolta dos Sargentos, em Brasília.

“A conquista do apoio das Forças Armadas estava, evidentemente, no programa de João Goulart. E era preciso dividi-las, para obtê-lo, o que teria de ser feito, como é óbvio, pelo solapamento da sua coesão, com prejuízo da hierarquia e da disciplina” (TAVARES, 1977: 27).

Em manifesto à nação, os ministros militares afirmaram o perigo que representaria um governo chefiado por Goulart: “As próprias Forças Armadas, infiltradas e domesticadas, transformar-se-iam, como tem acontecido noutros países, em simples milícias comunistas” (TAVARES, 1977: 65). Porém, o Marechal Henrique Teixeira Lott, “candidato derrotado à presidência da República, tendo Goulart como companheiro de chapa, lançou um manifesto exigindo que a presidência fosse assegurada ao vice-presidente eleito, conforme previa a Constituição” (AUGUSTO, 2001: 71). A candidatura Lott havia surgido da “Novembrada” (11/11/1956), durante o Governo Juscelino Kubitschek, quando o vice João Goulart entregou uma “espada de ouro” ao Marechal Lott, em uma homenagem que seria, aparentemente, o de “promover um grande movimento de caráter populista de solidariedade ao Exército, embora com o propósito oculto de sensibilizar, apenas, uma parte dele” (TAVARES, 1977: 31). Ou seja, criar a figura do “general do povo”, que durante o Governo Goulart teve outros adeptos fervorosos.

“No Rio Grande do Sul, o Governador Leonel Brizola, cunhado de Goulart, mobilizou a Brigada Militar, ganhou o apoio do comandante do III Exército, General Machado Lopes, e lançou um movimento legalista pela posse de Jango, que se estendeu a todo o País” (AUGUSTO, 2001: 71).

A solução encontrada para o impasse foi o parlamentarismo, aceito por Jango. Porém, o seu Partido Trabalhista, com a mobilização do Comando Geral dos Trabalhadores e do PCB, consegue reverter a situação, e a 6 de janeiro de 1963 é restabelecido, por plebiscito popular, o sistema presidencialista.

Observam-se o incremento das atividades dos sindicatos e os seus movimentos de infiltração no meio dos sargentos. O processo de guerra revolucionária evolui rapidamente, sob o disfarce de “movimentos de reivindicações populares”. “Criou-se, a partir daí, a idéia de um Brasil militar estranho ao Brasil civil, como se os oficiais fossem cidadãos diferentes, constituindo um espécie de casta, uma casta militarista, separada do povo do qual eles emanam” (TAVARES, 1977: 73).

Para enfrentar o clima hostil, o então Diretor-Geral do Ensino do Exército, general-de-divisão Humberto de Alencar Castello Branco, em colaboração com o general Lyra Tavares, elaboram um programa de conferências, “O dever militar e a guerra ideológica”, uma orientação aos militares sobre a compreensão exata das técnicas da Guerra Revolucionária, tal como estudadas pelos exércitos das democracias.

Em 24 de novembro de 1961, são restabelecidas relações diplomáticas com a URSS. Há uma aproximação de Jango com os comunistas, e o PCB conquista a presidência da poderosa Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI).

Em fevereiro de 1962, Brizola encampou a subsidiária da ITT que operava no Rio Grande do Sul, com o apoio do PCB e da UNE. O general Osvimo Ferreira Alves, comandante do I Exército, é simpático ao PCB. Brizola reúne-se com 150 sargentos e realiza uma mobilização popular para fechar o Congresso, e Goulart seria afastado, caso se opusesse. Goulart consegue evitar o golpe do caudilho gaúcho, que sonhava ser o Fidel Castro da América Latina, e começa o desmonte do esquema dos militares ligados a Brizola.

Em abril de 1962, quando o Exército caminhava para se transformar numa organização politizada, a Federação das Indústrias de São Paulo promoveu uma série de cinco conferências sobre Segurança Nacional, com debates públicos, com a brilhante participação de Castello Branco, sobretudo ao “definir o papel do Exército no Estado democrático” (TAVARES, 1977: 74).

Em 1963, é restabelecido o presidencialismo e cresce a subversão comunista no Brasil, com a infiltração de militantes nos ministérios. Há propaganda soviética generalizada nos jornais e livrarias. As invasões de terra aumentam no Brasil, fomentadas pelas Ligas Camponesas, que abatem gado e incendeiam canaviais em Pernambuco, com o apoio tácito do Governador Miguel Arraes. Greves políticas começam a pipocar por todos os cantos, há desabastecimento de gêneros de primeira necessidade. O Comando dos Trabalhadores Intelectuais congrega nomes da cultura nacional, como Barbosa Lima Sobrinho, Dias Gomes, Enio Silveira, Jorge Amado.

Em fevereiro de 1963, cerca de 6.000 sargentos, cabos e soldados realizam passeata em São Paulo, em apoio à posse dos companheiros de farda eleitos. Em março, é realizado em Niterói, RJ, o Encontro de Solidariedade a Cuba, pois o Governador da Guanabara, Carlos Lacerda, proibiu o encontro no seu Estado, antigo Distrito Federal.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), dominado por intelectuais marxistas, atrai subtenentes e sargentos, apresentando cursos e palestras de doutrinação comunista. “... o trabalho de aliciamento nas Forças Armadas se concentraria sobre os graduados, por serem em maior número e, na sua maioria, menos preparados para resistir ao assédio dos profissionais do Partido Comunista. (...) O jornal esquerdista ‘O Semanário’ dava cobertura a essas atividades, vinculando os subtenentes e sargentos à campanha nacionalista” (AUGUSTO, 2001: 103).

Em julho de 1963, nas comemorações do aniversário do general Osvino, o “general do povo”, então comandante do III Exército, reuniram-se em Porto Alegre cerca de 800 subtenentes e sargentos das Forças Armadas e da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.

Em 6 de março de 1963, houve uma passeata de militares em São Paulo, exigindo a posse dos sargentos eleitos. Militares da Aeronáutica e da Força Pública compareceram fardados. “À mesa diretora sentaram-se os comunistas Rio Branco Paranhos, Geraldo Rodrigues dos Santos, José da Rocha Mendes Filho, Mário Schemberg, Luiz Tenório de Lima, Oswaldo Lourenço e o General reformado Gonzaga Leite, um dos organizadores do Congresso Continental de Solidariedade a Cuba” (AUGUSTO, 2001: 104).

As críticas e reivindicações populares dos militares de baixa patente aumentam de tom. “Em Fortaleza, o sargento-deputado Garcia Filho afirmou que, se não houvesse uma decisão favorável à posse dos eleitos, a Justiça Eleitoral seria ‘fechada’. Pregou ‘o enforcamento dos responsáveis pela tirania dos poderes econômicos’ e rotulou a instituição militar de ‘nazista’ ” (AUGUSTO, 2001: 105).

A 12 de setembro de 1963, há uma rebelião de sargentos em Brasília: sargentos da Marinha e da Força Aérea, liderados pelo sargento da Força Aérea, Antonio Prestes de Paula, “apossam-se sucessivamente do Ministério da Marinha, da Base Aérea, da Área Alfa (da Companhia de Fuzileiros Navais), do Aeroporto Civil, da Estação Rodoviária e da Rádio Nacional” (AUGUSTO, 2001: 106). Os revoltosos prenderam um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente da Câmara Federal. Na tentativa de invasão do Ministério da Aeronáutica, um marinheiro foi morto a tiro. À tarde os revoltosos já haviam sido presos.

No dia 4 de outubro de 1963, Castello Branco, Chefe do EME, enviou documento ao Ministro da Guerra, assinalando a necessidade de providências sobre “a ação ilegal, inclusive subversiva, do Comando Geral dos Trabalhadores, a agitação insurrecional promovida pelo Deputado Leonel Brizola, a conexão de atividades de políticos com o motim de Brasília e os abusos do poder econômico” (TAVARES, 1977: 76). Na mesma ocasião, Castello mostrou-se contrário ao Estado de Sítio pleiteado por Goulart, para implantação de suas “reformas de base”.

Sua experiência no Comando do Exército no Nordeste – onde teve atritos com o governador Miguel Arraes – deu a Castello “visão segura de como as injustiças sociais, crônicas e chocantes, eram premeditadamente agravadas para fins políticos. Em vez de medidas construtivas, para proteger os interesses dos homens da lavoura contra a exploração dos senhores de engenho, o caminho adotado foi de mobilizá-los como agentes da subversão, alguns treinados em Cuba, para a agitação na área rural, a depredação de propriedades e os incêndios de canaviais. (...) Em Anápolis (Goiás) já funcionava, a essas alturas, um centro de treinamento para guerrilhas rurais” (TAVARES, 1977: 80).

A reação ao estado de desordem que prosperava no País, com a complacência do presidente da República, começou a surgir de todos os lados. O apoio à democracia era exigido pela imprensa; os principais jornais do Brasil pediam o fim dos movimentos baderneiros, como os “Diários Associados”, “O Estado de S. Paulo”, “Jornal da Tarde”, “Tribuna da Imprensa”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”. Organizações civis, encabeçadas por empresários e intelectuais, passaram a promover encontros, desde o final do Governo Kubitschek, para combater a infiltração comunista, que pregava propaganda esquerdista e a estatização da economia. Assim, no final de 1961, foi criado o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), já citado neste ensaio. Tem ainda grande influência na reação à progressão comunista o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), formado também por empresários e intelectuais, e a CAMDE, que surge no Rio de Janeiro em 1962, reunindo donas de casa e esposas de líderes sindicais, funcionários públicos e militares. Essas organizações produziam literatura própria e tinham ramificações em várias cidades do País. A “cruzada democrática” se amplia: no movimento sindical, com a atuação do Movimento Sindical Democrático (MSD); no campo, com o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE) que, junto com o IBAD, “atuava naquela área, contrapondo-se ao método de alfabetização de Paulo Freire” (AUGUSTO, 2001: 118).

O lado subversivo tinha uma “frente” bastante ampla para subversão das “massas”: a Ação Popular (AP) atuava por meio do Movimento de Educação de Base (MEB); a União Nacional de Estudantes (UNE), por meio de seu Centro Popular de Cultura; e o próprio Ministério da Educação e Cultura (MEC), com as Secretarias de Educação dos Estados, por intermédio da Comissão de Cultura Popular.

Em tudo havia o dedo de Fidel Castro e sua Revolução Cubana: “As tentativas revolucionárias de inspiração cubana em vários países da América Latina – contrárias à linha política do PCB –, iniciadas na década de 1060 em Honduras, Guatemala, Nicarágua, Venezuela, Peru, Colômbia, Argentina e Equador, se haviam esgotado no nascedouro ou estavam derrotadas no final de 1963” (AUGUSTO,2001: 121). Com exceção, sabe-se hoje, da Colômbia, onde as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) já atuam por mais de 40 anos e acarretaram a morte de dezenas de milhares de patrícios.

Em janeiro de 1964, Luiz Carlos Prestes viajou a Moscou para prestar contas dos últimos trabalhos do PCB, desenvolvidos à luz da estratégia traçada por ele e Kruschev em novembro de 1961. Nesse encontro, participaram, além de Kruschev, Mikhail Suslov (ideólogo de Kruschev), Leonid Brejnev (Secretário do Comitê Central do Partido), Iuri Andropov e Boris Ponomariov (Chefe do Departamento de Relações Internacionais. Naquela ocasião, Prestes afirmou: “A escalada pacífica dos comunistas no Brasil para o poder abrindo a possibilidade de um novo caminho para a América Latina. (...) ... oficiais nacionalistas e comunistas dispostos a garantir pela força, se necessário, um governo nacionalista e antiimperialista. Implantaremos um capitalismo de Estado, nacional e progressista, que será a ante-sala do socialismo. (...) ... uma vez a cavaleiro do aparelho do estado, converter rapidamente, a exemplo de Cuba de Fidel, ou do Egito de Nasser, a revolução nacional-democrática em socialista” (AUGUSTO, 2001: 121-2).

No dia 13 de março, há um comício das esquerdas na Praça da República, ao lado da estação ferroviária da Central do Brasil e do próprio Ministério da Guerra. Como se sabe, a capital da República havia sido transferida para Brasília, em 1960, porém muitos ministérios ainda permaneciam na antiga capital, Rio de Janeiro. Esse o motivo, também, dos vários comícios das esquerdas no Rio, com a presença do presidente Goulart. “Dezenas de faixas e cartazes conclamavam às reformas, à legalização do Partido Comunista e à entrega ao povo de armas para a luta. No palanque, ao lado dos principais líderes sindicais e comunistas, alguns deles membros do Comitê Central do PCB, alinhavam-se Jango, Arraes e Brizola. Emissoras de rádio e televisão transmitiam para todo o País os inflamados discursos que se sucediam, preparatórios da fala do presidente” (AUGUSTO, 2001: 125-6).

A 25 de março, ocorre a rebelião dos marinheiros no Rio de Janeiro, que “foi a gota d’água que congregou os militares e os levou à decisão de partirem para a ação” (AUGUSTO, 2001: 128). Na mesma data, ocorre a reunião festiva do 2º aniversário da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), uma entidade criada à revelia dos regulamentos militares. O marinheiro Anselmo critica as autoridades navais e conclama o povo a derrubar a “estrutura anacrônica do País, onde apenas os grupos privilegiados absorvem a riqueza que por direito pertence ao povo” (AUGUSTO, 2001: 128-9). Na mesma ocasião, foi aprovada uma proposta para que todos permanecessem no local até que fossem canceladas punições disciplinares contra militares e que os “almirantes gorilas” fossem substituídos por “almirantes do povo”. A indisciplina chegou ao ápice quando os marinheiros amotinados, desuniformizados, exibindo faixas de apoio do CGT da Liga Feminina e dos Trabalhadores Intelectuais, “saíram em passeata pela Avenida Presidente Vargas até a Igreja da Candelária, levando nos ombros os almirantes Aragão e Suzano.

No dia 30 de março, ocorre uma reunião na sede do Automóvel Clube, em comemoração do aniversário da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro. “A reunião contou com a presença de centenas de sargentos da polícia e também de graduados recrutados nas Forças Armadas. Compareceram ainda diversos oficiais e ministros, entre eles o Almirante Paulo Mário, recém-empossado como Ministro da Marinha. Dezenas de comunistas confraternizaram-se com os militares. A manifestação atingiu o seu clímax no momento em que se abraçaram, sob os aplausos gerais, o Almirante Aragão e o cabo Anselmo” (AUGUSTO, 2001: 132). Jango, falando em nome do povo e das Forças Armadas e “incentivado pelos constantes aplausos, fez um dos discursos mais inflamados de sua vida pública” (AUGUSTO, 2001: 132) – na verdade, o último como presidente da República. Segundo Luís Mir, em “A Revolução Impossível”, “a exemplo de 1935, a revolução deveria começar novamente, pelos quartéis.” (cfr. AUGUSTO, 2001: 121).

No dia 31 de março, as Forças Armadas brasileiras, com o Exército à frente, colocaram uma pá de cal no sonho dos comunistas de implantar uma “ditadura do proletariado” no País. A Contra-revolução teria cinco generais-presidentes e se estendeu até 1985, quando o Senador José Sarney assumiu a presidência.

“É crime lembrar que a direita civil armada, pronta e ansiosa para matar comunistas desde 1963, foi pega de surpresa pelo golpe militar e inteiramente desmantelada pelo novo governo, de modo que, se algum comunista chegou vivo ao fim do ano de 1964, ele deveu isso exclusivamente às Forças Armadas que agora amaldiçoa” (Olavo de Carvalho, in “A História, essa criminosa”). Olavo se refere às forças paramilitares formadas, principalmente, pelos governadores Carlos Lacerda, da Guanabara, e de Adhemar de Barros, de São Paulo, que pretendiam trucidar os comunistas.


c) Os anos da “matraca”

Após o movimento de 31 de março de 1964, inicia-se a chamada “Operação Limpeza”. O Congresso Nacional empossou, no dia 2 de abril, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, do PSD de São Paulo, como Presidente Interino do Brasil. Três governadores foram cassados: Miguel Arraes (Pernambuco), Seixas Dória (Sergipe) e Badger Silveira (Rio de Janeiro). Enquanto Jango tentava, no Rio Grande do Sul, obter asilo político no Uruguai, a “Operação Limpeza” incluía ainda expurgos de pessoas ligadas à corrupção e à subversão. Em Porto Alegre houve um atentado contra a vida do brigadeiro Lavanère-Wanderley, ocasião em que foi morto o agressor.

No dia 9 de abril, o Comando Revolucionário (Costa e Silva, Rademaker e Correia de Melo) assinaram o Ato Institucional (AI): estavam suspensos por 10 anos os direitos políticos de João Goulart, Jânio Quadros e Luiz Carlos Prestes. No dia 10 de abril, foi publicada lista com 1 centena de nomes punidos, entre os quais 40 membros do Congresso Nacional, muitos dos quais líderes da Frente Parlamentarista Nacionalista. No dia 11 de abril, o Comando Revolucionário transferiu 122 oficiais das Forças Armadas para a reserva.

O AI estipulava que, 2 dias depois de sua promulgação, o Congresso elegeria um Presidente e um Vice-Presidente da República, numa eleição em que não haveria inelegibilidades. Os projetos apresentados pelo Executivo se tornariam leis se não fossem votados dentro de 30 dias; os orçamentos propostos pelo Presidente não poderiam ser majorados pelo Congresso; essas estipulações, além de uma que permitia ao Presidente propor Emendas Constitucionais a serem aprovadas pela maioria simples, deveriam expirar, juntamente com o AI, no dia 31 Jan 1966.

Na votação para Presidente, Castello Branco recebeu 361 votos (123 do PSD, 105 da UDN e 53 do PTB), enquanto Juarez Távora recebeu 3 votos e Gaspar Dutra 2. Houve 72 abstenções, em grande parte de representantes do PTB, e 37 ausências (por causa do atraso na posse dos suplentes dos congressistas cujos mandatos haviam sido cassados). O Senador Kubitschek deu seu voto a Castello. O antigo Ministro da Fazenda, José Maria Alkmin, foi eleito Vice-Presidente. No dia 15 de abril de 1964, Castello assumiu a Presidência da República. Ainda em 1964, o AI-2 institui o bipartidarismo no Brasil: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que apóia o Governo militar, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição (Cfr. DULLES, 1979).

As diretrizes seguidas por Castello Branco, primeiro general-presidente pós-1964, com ênfase no lema “segurança e desenvolvimento, de inspiração da Escola Superior de Guerra, já foram abordadas neste ensaio. Refeita a ordem, os militares haveriam de criar medidas e instrumentos legais ao longo da “Revolução”, de modo a promover o desenvolvimento nacional com um mínimo de ordem. A ameaça comunista não iria findar sob um passe de mágica, pois “a guerra ideológica” – como afirma J. F. Revel, “é uma necessidade para o totalitarismo e uma impossibilidade para a democracia. Ela é consubstancial ao espírito totalitário, inacessível ao espírito democrático” (Cfr. AUGUSTO, 2001: 160).

Assim, logo as esquerdas começaram a se rearticular, para voltar a promover a baderna, seja em movimentos internos ou a partir do estrangeiro. Isso é próprio da ideologia socialista, assim como cacarejar é próprio da galinha, zurrar é próprio do burro.

De Montevidéu, Brizola comanda seus “exércitos de brizoleone”, com apoio financeiro de Cuba. A revolução do caudilho dos pampas seria feita, principalmente, por militares cassados das Forças Armadas e da Brigada Militar do Rio Grande do Sul – a exemplo do ex-coronel da Aeronáutica, Emanuel Nicoll, o ex-coronel do Exército, Jefferson Cardim Osório, o ex-sargento da Brigada Militar, Albery Vieira dos Santos. Havia muitos “pombos-correios” que levavam dinheiro de Fidel Castro para Brizola, a exemplo de Herbert de Souza, o “Betinho”, mais tarde uma espécie de Madre Teresa de Calcutá brasileira arrependida, com sua campanha nacional contra a fome. Foi “Betinho” que confirmou o desvio de dinheiro cubano (200 mil dólares) feito por Brizola, que passou a ser chamado por Fidel de “el ratón” (Cfr. “Jornal do Brasil”, de 17/07/1996). “... em novembro de 1979, o “Coojornal” publicou uma entrevista concedida um ano antes pelo ex-sargento Albery, que declarou que o dinheiro para financiar a operação – um milhão de dólares – havia sido conseguido em Cuba e levado até Brizola por Darcy Ribeiro e Paulo Schilling. (...) Pouco depois da entrevista, em fevereiro de 1979, o ex-sargento Albery foi misteriosamente assassinado, em circunstâncias nunca explicadas” (AUGUSTO, 2001: 170). Provavelmente, foi mais um “justiçamento” praticado pelos comunistas (Veja “Os crimes do PCB” em www.ternuma.com.br).

Em 1966, a Ação Popular faz sua opção pela luta armada, em congresso clandestino realizado no Uruguai. É o ano que marca o início dos atentados terroristas no Brasil. No dia 31 de março de 1966, para “comemorar” o 2º aniversário da Contra-revolução, ocorre o primeiro atentado terrorista, sem vítimas, no Parque Treze de Maio, em Recife, PE. No dia 25 de julho, há uma série de três atentados a bomba, também em Recife. Um ocorre na União dos Estudantes de Pernambuco, outro nos escritórios do Serviço de Informações dos Estados Unidos (USIS). A terceira bomba explode no Aeroporto Internacional de Guararapes, e tinha como endereço o Marechal Costa e Silva, então candidato a presidente, previsto para passar no local. A explosão livrou Costa e Silva, que acabou indo de carro de João Pessoa a Recife, porém matou o jornalista Edson Régis de Carvalho e o almirante Nelson Passos Fernandes, além de ferir gravemente o guarda civil Sebastião Tomaz de Aquino, o “Paraíba”, que teve uma perna amputada, e o tenente-coronel do Exército, Sylvio Ferreira da Silva, que perdeu os dedos de uma das mãos. Outras onze pessoas ficaram feridas. “O ato de terrorismo indiscriminado, atingindo pessoas inocentes, como mulheres e crianças, ali perpretado e depois repetido inúmeras vezes, mostrava a frieza e o fanatismo de seus executores” (AUGUSTO, 2001: 183).

Os estudantes foram um dos alvos prediletos dos comunistas, insuflados ao enfrentamento do “regime militar”. “Em 1965, foram deflagradas as primeiras greves e manifestações de rua, praticamente sem a interferência da polícia e sem maiores conseqüências” (AUGUSTO, 2001: 192).

No período de 3 a 15 de janeiro de 1966, realizou-se em Havana, Cuba, a I Conferência da Organização de Solidariedade dos Povos da Ásia, África e América Latina (OSPAAAL), conhecida como “Tricontinental”. “À Tricontinental compareceram representantes de 82 países, dos quais 27 latino-americanos. A delegação do Brasil foi integrada por Aluísio Palhano e Excelso Ridean Barcelos, indicados por Brizola, Ivan Ribeiro e José Bastos, do PCB, Vinícius Caldira Brandt, da Ação Popular, e Félix Ataíde da Silva, ex-assessor de Miguel Arraes, na época residindo em Cuba” (AUGUSTO, 2001: 194). O tema dominante foi a pregação da luta armada, com Fidel Castro afirmando que “a luta revolucionária deve estender-se a todos os países sul-americanos” (AUGUSTO, 2001: 194).

“Em 16 de janeiro, um dia depois do término da Tricontinental, reuniram-se as 27 delegações latino-americanas para a criação da OLAS, proposta por Allende. Com o título ‘Que es la OLAS’, um folheto distribuído às delegações participantes definia a finalidade da organização: ‘Unir, coordenar e estimular a luta contra o imperialismo norte-americano, por parte de todos os povos explorados da América Latina’. Ou seja: uma nova e subdesenvolvida Internacional Comunista” (AUGUSTO, 2001: 195).

Assim, com a criação da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), sob influência direta de Havana, recomeçavam, com mais intensidade, os movimentos terroristas de esquerda em praticamente todos os países latino-americanos. Na Bolívia, onde fora implantar o foco terrorista, morre, no dia 8 de outubro de 1967, Ernesto “Che” Guevara, que passa a ser considerado o ícone comunista por excelência. No Brasil, passam a ser formados inúmeros grupos terroristas, recrutando, principalmente, estudantes. Inúmeros jovens sonhavam em ser um novo Guevara, dispostos a enfrentar o “martírio” do médico argentino. As conseqüências da criação da OLAS se mostraram surpreendentes no Brasil: já no ano de 1968, que marca o início dos “anos da matraca”, com a “revolução estudantil”, amplificada pela “Revolução Cultural” chinesa que também infernizava a Europa e os EUA, ocorrem uma série de atentados, como se pode observar abaixo:

No dia 28 de março, ocorre a morte do estudante Edson Luís, em choque de estudantes com a polícia, no Rio. A 31 Mar, uma passeata estudantil contra a Revolução deixa 1 civil morto e dezenas de policiais da PM feridos. Em 1º Mai, no comício na Praça da Sé, o Governador Abreu Sodré e sua comitiva foram expulsos da tribuna, que foi utilizada pelos agitadores para ataques à ditadura militar. A 19 Jun, liderados por Vladimir Palmeira, presidente da UNE, 800 estudantes tentaram tomar o prédio do MEC (Rio), ocasião em que 3 veículos do Exército Brasileiro foram incendiados. Em 21 Jun, 10.000 estudantes incendiaram carros, saquearam lojas, atacaram a tiros a Embaixada americana e as tropas da PM, no Rio, resultando em 10 mortos (inclusive o Sgt PM Nélson de Barros) e centenas de feridos. Em 22 Jun, estudantes tentaram tomar a Universidade de Brasília. A 24 Jun, em São Paulo, estudantes depredaram a Farmácia do Exército, o City Bank e o jornal “O Estado de S. Paulo”. A 26 Jun, a VPR explode guarita do QG do antigo II Exército, em São Paulo, com carro-bomba, matando o soldado do Exército Mário Kosel Filho. Em 3 Jul, estudantes portando armas ocuparam a USP, com ameaças de colocação de bombas e prisão de generais. Em 4 Jul, realiza-se a “Passeata dos 50 mil” com o slogan “só o povo armado derruba a ditadura”. Em 20 Ago, morte do soldado da PM/SP, Antônio Carlos Jeffery. Nos dias 2 e 3 Set, são proferidos discursos violentos contra as Forças Armadas, proferidos pelo Deputado Federal Márcio Moreira Alves. Em 7 Set, morte do soldado da PM/SP, Eduardo Custódio de Souza. Em 3 Out, choque entre estudantes da USP e Mackenzie ocasionaram a morte de um deles, baleado na cabeça. A 12 Out, assassinato do capitão do Exército norte-americano, Charles Rodney Chandler; no mesmo dia, durante o XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, SP, a polícia prendeu os participantes, destacando-se Wladimir Palmeira, Franklin Martins, José Dirceu de Oliveira e Silva – este último é o atual Chefe da Casa Civil do Presidente Lula da Silva); foram encontradas drogas, bebidas alcoólicas e o “Woodstock” caboclo deixou uma infinidade de preservativos usados – havia até uma escala de serviço de moças para atendimento sexual; alguns líderes, em acordo com Marighela e Cuba, haviam chegado à conclusão de que o estopim para a luta armada viria da prisão em massa de estudantes, envolvendo comunistas e inocentes úteis, jogaria essa “força de trabalho” nos braços da luta armada. Em 15 Out, estudantes tentaram tomar o prédio da UNE, queimando carros oficiais; Fernando Gabeira participou do ato terrorista. A 23 Out, estudantes depredam o jornal “O Globo”, visto como “agente norte-americano”. A 7 Nov, o Sr. Estanislau Ignácio Correa é assassinado por terroristas que roubaram seu automóvel.

“Faremos um Vietnã em cada país da América Latina”, havia prometido Fidel Castro durante a criação da OLAS. Estava quase conseguindo isso no Brasil, porém, os militares contra-atacaram e editaram o Ato Institucional nº 5 (AI-5), no dia 13 de dezembro de 1968, que permitiu uma reação dura à onda de atentados terroristas que ainda viriam pela frente, muito mais ferozes. Até a decretação do AI-5, houve 84 atentados a bomba, que mataram e feriram militares e civis.

Muitos analistas afirmam que não havia a necessidade da edição do AI-5, que teria ocorrido devido ao destempero verbal do deputado Márcio Moreira Alves, cuja cassação de mandato, exigida pelos militares, o Parlamento negou. Porém, o ano de 1968 foi muito mais do que os impropérios proferidos por Moreira Alves contra as Forças Armadas, como visto acima. O AI-5 foi necessário para aquele momento, que marcou o ponto de inflexão do governo militar, transformando a “ditabranda” – no dizer do próprio Moreira Alves –, que até políticos de situação não acatavam e não respeitavam, em uma autêntica “ditadura”. Não tivesse o Brasil feito o seu elementar dever de casa, hoje estaríamos penando numa Colômbia continental, a exemplo do que ocorre no vizinho país, com os atentados das FARC que já duram mais de quatro décadas.

Para fazer frente à subversão comunista, foi criado em 1967 o Centro de Informações do Exército (CIE) (13), órgão de cúpula da Inteligência da Força Terrestre, para acompanhamento das organizações de esquerda no País, para levantar a estrutura, os líderes, os afiliados e simpatizantes e as organizações paramilitares que tentaram a tomada do poder via luta armada, visando a implantação do comunismo no Brasil. Em 1969, é criada a Operação Bandeirantes (OBAN), em São Paulo, órgão encarregado de combater grupos terroristas de esquerda, como a ALN, a VPR, a VAR-Palmares, depois da expansão da atividade terrorista no Brasil. Em maio de 1970, a OBAN passa a denominar-se DOI-CODI (Departamento de Operações e Informações-Centro de Operação e Defesa Interna). Porém, a OBAN manteve seu nome devido ao sucesso obtido e mística criada – motivo, até hoje, de a esquerda promover campanha de ódio contra aquele órgão de combate ao terrorismo.

Para libertação de terroristas e militantes de esquerda, grupos terroristas passam a seqüestrar diplomatas estrangeiros. O 2º Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), em “frente” com a VPR, celebrizou-se pelo seqüestro do Embaixador Americano Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, fato que deu origem ao livro “O que é isso, companheiro?”, de Fernando Gabeira (um dos seqüestradores, hoje deputado federal pelo PT), e filme de mesmo nome que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1998. O nome “MR-8” é uma homenagem à data de 8 Out 1967, data da morte de Ernesto “Che” Guevara na Bolívia.

Outro grupo terrorista de destaque foi a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Teve como líder maior o ex-capitão do Exército, Carlos Lamarca, que desertou do 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, Osasco, SP, em 1969, roubando 63 FAL, 5 metralhadoras INA, revólveres e muita munição da Companhia onde comandava. O plano era levar mais 500 FAL do depósito de armamento do Batalhão, o que não ocorreu porque Lamarca teve que antecipar seu plano. No dia 22 Jul 1968, a VPR já havia roubado 9 FAL do Hospital Militar do Cambuci, em São Paulo.

Em 26 Jun 1968, a VPR explodiu um posto de sentinela do QG do então II Exército, em São Paulo, matando o sentinela, soldado Mário Kozel Filho. Em 12 Out 1968, a VPR assassinou o capitão do Exército dos EUA, Charles Chandler, projetando-se perante as organizações terroristas nacionais e internacionais. Em 1970, a organização terrorista seqüestrou diplomatas estrangeiros: o Cônsul-Geral do Japão em São Paulo, Nobuo Okuchi, no dia 11 Mar 1970, para libertação do terrorista “Mário Japa”; o Embaixador da República Federal da Alemanha no Brasil, Ehrenfried Anton Theodor Ludwig von Holleben, no dia 11 Jun 1970; o Embaixador suíço no Brasil, Giovanni Enrico Bucher, em 07 Dez 1970, libertado em troca de 70 presos terroristas enviados ao Chile do Presidente marxista Salvador Allende (24 desses terroristas eram da VPR), onde foram recebidos de braços abertos no dia 13 Jan 1971. Nesse seqüestro, participaram Carlos Lamarca e Alfredo Sirkis; Lamarca desfechou 2 tiros à queima-roupa contra o agente Hélio Carvalho de Araújo, que veio a falecer no dia 10 Dez 1970. O seqüestro durou 40 dias e seria o último realizado por organizações terroristas no País.

A VPR possuía sítio em Jacupiranga, SP, próximo à BR-116, para treinamento de guerrilha, depois desmobilizado, quando passou para a área de Registro, no Vale da Ribeira. Uma das ações mais covardes desta organização, ocorrida durante a “Operação Registro”, foi o assassinato a golpes de fuzil do tenente da PM/SP, Alberto Mendes Júnior, em Registro, SP, depois que o mesmo se entregou como refém a um grupo de terroristas, em troca da vida dos soldados de seu pelotão (10 Mai 1970). No mês de setembro, descoberto o crime, Carlos Lamarca emitiu um comunicado 'ao povo brasileiro', onde tenta justificar o frio assassinato, no qual aparece o seguinte trecho:

'A sentença de morte de um tribunal revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, e assim o foi, sendo depois enterrado'.

No início de 1971, a VPR tinha mais militantes no exterior (Cuba, Chile e Argélia – banidos e foragidos) do que no Brasil. Carlos Lamarca morreu em Brotas de Macaúbas, interior da Bahia, em 17 de setembro de 1971, ao resistir à prisão. Como recompensa por estes e muitos outros atos criminosos, a família de Lamarca, embora já recebesse pensão do Exército Brasileiro, foi “presenteada” com uma indenização de mais de 100 mil dólares (11 Set 1996), doada pela famigerada “comissão dos desaparecidos políticos”, criada no primeiro Governo FHC. Com essa ignomínia, o 11 de setembro deveria ser instituído como o “dia da traição”, como já sugeriu o Deputado Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército, que se notabilizou na década de 1980 por ameaçar colocar bombas em quartéis, devido aos baixos vencimentos dos militares.

A Ação Libertadora Nacional (ALN) – uma lembrança da antiga Ação Nacional Libertadora (ANL), de Prestes, que promoveu a Intentona Comunista, em 1935 – era um grupo terrorista, cujos fundos eram obtidos por assaltos e dinheiro recebido de Cuba. Somente a partir de 1969 o Agrupamento Comunista de São Paulo (AC/SP) passaria a utilizar a denominação Ação Libertadora Nacional.

O AC/SP havia sido criado em 1967 pelo terrorista Carlos Marighela, após este ser expulso do PCB, depois da Conferência da OLAS, em Cuba. Sua obra “Minimanual do Guerrilheiro Urbano” foi traduzida para vários idiomas e foi o “livro de cabeceira” dos grupos terroristas “Brigadas Vermelhas”, da Itália, e “Baader-Meinhoff, da Alemanha (“... os “tiras” e policiais militares que têm sido mortos em choques sangrentos com os guerrilheiros urbanos, tudo isto atesta que estamos em plena guerra revolucionária e que a guerra só pode ser feita através de meios violentos”. - trecho do “Minimanual”).

Marighela foi morto pela polícia em São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969, depois de resistir à ordem de prisão. A morte do terrorista repercutiu no Brasil e no exterior. Com a morte de Marighela, assumiu o comando Joaquim Câmara Ferreira, o “Toledo”, que viajou a Cuba com Zilda Xavier para receber instruções de Fidel Castro.

Junto com o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), a ALN assassina o industrial Henning Albert Boilesen, diretor do Grupo Ultra, no dia 16 de abril de 1971 (Sebastião Camargo, da empresa Camargo Correia, era também alvo para seqüestro e “justiçamento”, mas prevaleceu a escolha de Boilesen, porque era considerado “espião da CIA” e patrocinador da OBAN). Terroristas da VAR-Palmares, da ALN e do PCBR assassinam o marujo da flotilha inglesa que visita o Rio de Janeiro, David A. Cuthbert, de 19 anos, no dia 08 de janeiro de 1972; nos panfletos, os terroristas afirmaram que a ação era em solidariedade à luta do IRA contra os ingleses.

Em 1971, a ALN divide-se em duas facções: o Movimento de Libertação Nacional (MOLIPO), fundado pelo serviço secreto cubano (José Dirceu de Oliveira, atual Chefe da Casa Civil do Governo Lula, era um dos integrantes), e a Tendência Leninista (TL). Em 1972, a ALN/SP assassina o gerente da firma F. Monteiro S/A, Valter Cesar Galatti, ferindo ainda o subgerente Maurílio Ramalho e o despachante Rosalino Fernandes. Em 1972, terroristas da ALN/GB, do MOLIPO e da ALN/SP assassinam o investigador Mário Domingos Pazariello, o soldado da PM/GO, Luzimar Machado de Oliveira e o cabo da PM/SP, Sylas Bispo Feche; a ALN/GB assassina em 1972 Íris do Amaral. No dia 21 de fevereiro de 1973, a ALN formou um grupo de execução, integrado por 3 terroristas, que assassinaram o proprietário do Restaurante Varela, o português Manoel Henrique de Oliveira, acusado de ter denunciado à polícia, no dia 14 de junho de 1972, a presença de 4 terroristas que almoçavam em seu Restaurante, 3 dos quais morreram logo após (na verdade, os terroristas mortos estavam sendo seguidos pelo DOI-CODI). No dia 25 de fevereiro de 1973, terroristas da ALN, da VAR-Palmares e do PCBR assassinaram em Copacabana o Delegado Octávio Gonçalves Moreira Júnior.

Pelo extenso “currículo” de Marighela, seus familiares receberam mais de 100 mil dólares de “indenização”, outorgada pela “comissão dos desaparecidos políticos”. Além de Marighela, outro terrorista de destaque foi Carlos Eugênio Sarmento da Paz, que confessou ter praticado em torno de 10 assassinatos. Jessie Jane Vieira de Souza, outra “militante” da ALN, que participou do seqüestro de um avião, é hoje diretora do Arquivo Público do Rio de Janeiro. Com o auxílio do Movimento Comunista Internacional (MCI) e de padres dominicanos, como Frei Beto – atual guru do MST, de Lula da Silva e de Fidel Castro –, a ALN tinha um sistema de propaganda no exterior, a Frente Brasileira de Informações (FBI), que fazia sistemática campanha difamatória contra os governos militares do Brasil.

Os exemplos citados (MR-8, a VPR e a ALN) foram importantes grupos terroristas que atuaram no Brasil, principalmente na área urbana, porém muitos outros se destacaram durante os “anos da matraca”, que podem ser acessados no site do TERNUMA (www.ternuma.com.br). Os nomes dos militares e civis mortos pelo terrorismo de esquerda podem ser vistos no livro de Ustra, “Rompendo o Silêncio”, site http://www.livrorompendosilencio.hpg.ig.com.br/index.htm

Na área rural, tem destaque a Guerrilha do Araguaia. “Já nos idos de 1969, os Órgãos de Segurança que combatiam as ações do MCB nos grandes centros urbanos, suspeitavam da existência de um ‘Trabalho de Campo’ que estaria sendo realizado pelo PC do B na região Norte do Estado de Goiás, hoje Estado de Tocantins, e conhecida como ‘Bico do Papagaio’ ” (SOUZA, 2002: 131).

“A propósito, como relata Gorender em seu ‘Combate nas Trevas’ (pg. 207 e 208), ‘o PC do B, a partir de 1967, fixou à margem esquerda do Rio Araguaia um grupo de militantes com treinamento na China: Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão), João Carlos Haas Sobrinho, André Grabois, José Humberto Branca e Paulo Mendes Rodrigues. Paulatinamente, sobretudo a partir de 1970, chegaram outros militantes e o total atingiu 69, dispersos ao longo de um arco, estendido de Xambioá até Marabá’ ” (AUGUSTO, 2001: 415-6).

Para desbaratar o foco guerrilheiro, neutralizado definitivamente em 1974, foram realizadas pelas Forças Armadas duas operações de Inteligência e duas operações militares. Durante a primeira operação militar, foi preso, no dia 18 de abril de 1972, José Genoino Neto (“Geraldo”), atual presidente do Partido dos Trabalhadores (PT).

Desertaram do Araguaia Elza de Lima Monerat e João Amazonas de Souza Pedroso, ambos em 04 de abril de 1972; Angelo Arroio e Micheas Gomes de Almeida em meados de janeiro de 1974. Quatorze guerrilheiros foram presos e cinqüenta e oito foram considerados mortos, pois os corpos de muitos deles jamais foram encontrados. A esquerda sempre gostou de fantasiar seus feitos na Guerrilha do Araguaia. Leia em Ternuma “Os 10 mitos do Araguaia” (www.ternuma.com.br/araguaia.htm).

Como vimos, durante as três tentativas de tomada do poder, os comunistas aliciaram muitos militares brasileiros. Para a Intentona Comunista, em 1935, foram adestrados, principalmente, os “tenentes” revolucionários das décadas de 1920 e 30, que assassinaram, friamente, colegas de farda enquanto dormiam. Durante o conturbado Governo Goulart, foram aliciados tanto oficiais-generais (“generais e almirantes do povo”), quanto militares de baixa patente, como subtenentes, sargentos, cabos e soldados. O resultado foi a mais completa desmoralização da hierarquia e disciplina militar jamais vista no Brasil. Porém, deve-se ressaltar que esses desordeiros, pelo menos, não chegaram a manchar suas mãos de sangue. Durante a terceira tentativa de tomada do poder, porém, muitos militares das Forças Armadas se mostraram tão sanguinários quanto os “tenentes” em 1935, a exemplo do capitão do Exército, Carlos Lamarca, provando quão terrível pode ser uma ideologia assassina por natureza, como é a ideologia comunista.


5. Conclusão

Com a redemocratização do Brasil, a partir da Carta de 1988, o País passa por um estágio ainda indefinido quanto à ideologia que irá se impor na “terra de Macunaíma”. A Constituição de 88 foi feita um ano antes da Queda do Muro de Berlim e três anos antes da dissolução da URSS. Assim, muitos dos artigos que tratam da ordem social e econômica se mostraram defasados da “Nova Ordem Mundial” propalada pelo presidente George Bush, no início da década de 1990 – motivo pelo qual a Carta, já remendada inúmeras vezes, mostra a cara de Frankenstein. Enquanto a Rússia e os antigos satélites de Moscou do Leste europeu fogem do comunismo como o diabo da cruz, no Brasil as esquerdas ainda conseguem hipnotizar muitos ouvintes, atentos ao canto da sereia comunista.

Com a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao Governo central, aprimora-se um projeto já há muito acalentado pelas esquerdas, que é a conquista de todos os setores da sociedade civil – visto, em detalhes, nos vários capítulos deste livro. Tem-se a impressão que no Brasil, aos poucos, está-se firmando um sistema de governo total, não apenas de cunho socialista pregado por Lenin ou Fidel, mas um tipo híbrido de fascismo semelhante ao de Mussolini, na Itália, com o “comunismo” aberto ao capital estrangeiro visto atualmente na China. Mussolini, ao observar as graves conseqüências ocorridas na Rússia, no início da Revolução comunista, com a estatização das propriedades rurais e instalações industriais, acertadamente procurou não interferir diretamente nos meios de produção, desde que os proprietários de terras e os empresários não dificultassem suas ações totalitaristas.

Para conseguir seu intento, as esquerdas brasileiras estão fazendo um caminho inverso ao da China, que primeiro implantou um sistema totalitário comunista e aos poucos se abre para a economia de mercado. No Brasil, parece, junto com a liberdade da iniciativa particular em tocar seus negócios, deverá surgir, no decorrer do tempo, um tipo de governo “popular”, uno, coeso, totalitarista, que começou a se delinear a partir do Governo Fernando Henrique Cardoso e deverá se aprimorar neste Governo do PT.

Por isso, as duas “faces” de Lula da Silva. Na economia, a face “capitalista”, que discursa em Davos. Na política, a face “socialista”, que recebe estrepitosa aclamação no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. A prova disso são os ministros escolhidos por Lula. Na “defesa” (Lula gosta de falar sobre futebol, em suas parábolas), Lula escalou o “cristão-novo” Antônio Palocci no Ministério da Fazenda, Luís Fernando Furlan no Ministério do Desenvolvimento e Henrique Meireles no Banco Central. É a “ala capitalista”, formada por capitães da indústria, para continuar a “tocar os negócios”, ao mesmo tempo em que criam novos tributos para forrar os cofres públicos, com aumento de impostos e juros, espoliando ainda mais a classe média. No “ataque”, Lula colocou os políticos mais retrógrados que poderiam existir no cenário nacional, muitos deles reprovados pela população nas últimas eleições para governadores, mas que, dentro da ideologia socialista, caem como uma luva para o projeto totalitarista brasileiro: para o Ministério das Cidades, Lula escalou Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul, que arrasou a economia gaúcha; para o Desenvolvimento Agrário, a camisa de centro-avante foi entregue a Miguel Rossetto, que sempre foi a favor das invasões criminosas do MST; na extrema-esquerda, Lula escalou Tarso Genro, uma espécie de Comissário do Povo, responsável pelas freqüentes e intermináveis reuniões com vários “segmentos da sociedade”, ou seja, a sociedade petista. Há muitos outros “atacantes” no banco de reserva do time de Lula, prontos para meter o bico das chuteiras nas canelas adversárias. Na falta do que dizer ao grande público, totalmente hipnotizado pelo palavrório oco do presidente, que ainda não desceu do palanque eleitoral, o Governo Lula fez do projeto “Fome Zero” o “Ame-o ou deixe-o” do Governo Médici. É o projeto “China” que se implanta com sucesso no Brasil.

Enquanto isso, as Forças Armadas brasileiras observam a situação como la grande muette (o grande mudo) da doutrinação da antiga Missão Militar Francesa, que aportou por aqui em 1919. Nenhum pouco “mudo” nos últimos 100 anos, desde a Proclamação da República, quando participou de inúmeros movimentos militares, golpes, contragolpes, revoluções e contra-revoluções, o “loquaz” Exército Brasileiro de ontem, hoje assiste passivamente aos acontecimentos, fingindo-se de morto para não desaparecer de vez do cenário nacional. Existe uma verdadeira guerra civil promovida por traficantes no Rio de Janeiro? Tráfico de armas pesadas entrando no Brasil através do Paraguai? O Exército finge que não é assunto de sua alçada, embora a Constituição preceitue que as Forças Armadas são garantidoras dos “Poderes constituídos, da lei e da ordem”. As esquerdas agradecem essa passividade dos militares, querem que se transformem em uma reles milícia nacional, como desejavam os políticos nos últimos anos do Império, ou, no máximo, que as Forças Armadas sejam transferidas para a fronteira e para a costa brasileiras, para combater o “inimigo externo”, que não existe. Com isso, o crime organizado toma conta do País, e já está instalado em altos órgãos do Estado.

Após o porre de poder conquistado em 1964 e mantido por longos 20 anos, e com o fim da guerra fria e da ameaça da Internacional Comunista, o Exército – e, por extensão, as Forças Armadas – estão hoje em estado de “hibernação”, em busca de uma nova identidade. “Tomamos por empréstimo o termo cunhado por Gross, chamamos de ‘hibernação’ a forma pela qual, em atitudes e comportamentos, o Exército se ajuntou ao ambiente hostil e ameaçador de sua existência” (COELHO, 1976: 45). Com um Exército sendo massacrado pelos últimos presidentes, quando recrutas são dispensados no meio do ano por falta de comida; com os últimos caças da Força Aérea caindo seguidamente, devido à obsolescência e por falta de uma manutenção mais rigorosa; com a Marinha de Guerra não podendo sequer prosseguir com seu antigo projeto de construção de um submarino nuclear: é certo que as Forças Armadas, que não estão hoje aptas a defender o País, seja contra um inimigo externo, seja contra o crime organizado encravado em solo nacional, estão hoje completamente sem rumo. Após a Guerra do Golfo (1991), os EUA chegaram a propor que o Brasil acabasse com as Forças Armadas e fizesse parte de uma força interamericana de defesa, presidida por eles.

Enquanto isso, muitos militares da reserva, a exemplo de integrantes do Clube Militar, despendem suas parcas energias num sentimento antiamericano inútil e pueril. Enxergam suas excelências perigos ianques na Amazônia, quando o perigo real é o tráfico de drogas e o contrabando da flora e fauna locais. Temem esses generais que o Brasil perca sua autonomia se conceder um pedaço da base de lançamentos de foguetes de Alcântara aos EUA, como se nós perdêssemos a soberania nacional por termos sedes de embaixadas estrangeiras em Brasília, onde também não podemos entrar, a não ser como convidados. Enquanto isso, a Amazônia é espoliada e deixamos de receber 30 milhões de dólares anuais pela negação de Alcântara aos americanos. É o nacionalismo burro e xenófogo atuando a pleno vapor, já abordado pelo magistral Roberto Campos – o saudoso “Bob Fields” das esquerdas.


Notas:

(1) “Cólquida” é um país imaginário, onde se banhava “Fulana”, criação do poeta Carlos Drummond de Andrade. Macunaíma, o “herói sem caráter”, é uma rapsódia brasileira de autoria do escritor modernista Mário de Andrade. Jeca Tatu é personagem típico do Brasil rural e atrasado, de autoria do escritor Monteiro Lobato.

(2) Confira site do Clube Militar, http://www.clubemilitar.com.br.

(3) Retirado do Marechal Mascarenhas de Morais, in “Memórias”, Livraria José Olympio Editora, Rio, 1969, Vol I.

(4) Citação retirada de Capistrano de Abreu, in “Capítulos de História Colonial”, Editora Universidade de Brasília, série “Biblioteca Brasileira”, 1963.

(5) O embaixador Meira Penna, presidente do Instituto Liberal de Brasília, comenta o pensamento de Gustavo Corção em “As fronteiras da técnica”, Editora Agir, Rio de Janeiro, 1953.

(6) Carta do coronel Pantaleão Pessoa, do Estado-Maior de Góes Monteiro, transcrita em Hélio Silva, “1932 – A Guerra Paulista”, Civilização Brasileira, Rio, 1967, pg. 154).

(7) Carta do general Góes Monteiro a Getúlio Vargas, transcrita em Hélio Silva, op. cit., pg. 165.

(8) Juarez Távora, 2º comandante da ESG – entrevista, Rio, 8 Out 1968.

(9) Referência a Eliezer R. de Oliveira, “As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969)”, Vozes, Petrópolis, 1976.

(10) O autor do presente ensaio foi quem realizou o trabalho fotográfico, com um aparelho chamado “boroscópio”, utilizado tanto para inspeção como para fotografia do interior dos canhões.

(11) A Coluna Prestes foi um movimento político-militar de origem tenentista, que entre 1925 e 1927 se deslocou por 13 Estados brasileiros, pregando reformas políticas e sociais e combatendo o Governo do Presidente Arthur Bernardes. Depois de andar 25.000 km em território nacional, os integrantes remanescentes refugiaram-se em San Mathias, Bolívia. Documentos do Marechal Juarez Távora e relatos recentes comprovam que a “Marcha” não foi conduzida pelo “Cavaleiro da Esperança”, mas por “cavaleiros do apocalipse”, que impuseram o terror por onde passaram, com roubos, estupros e execuções de quem não cooptou com o bando armado. A esse respeito, veja as reportagens “Marcha dos horrores” (revista “Veja”, 9/6/1999) e “Os algozes da Coluna Prestes” (jornal “Correio Braziliense, 20/6/1999).

(12) O levante assassinou 1 (um) tenente-coronel (Misael de Mendonça), 2 (dois) majores (João Ribeiro Pinheiro; Armando de Souza e Mello), 4 (quatro) capitães (José Sampaio Xavier; Benedicto Lopes Bragança; Danilo Palladini; Geraldo de Oliveira), 1 (um) 2º tenente da reserva Lauro Leão de Santa Rosa – convocado), 1 (um) 1º sargento (Jaime Pantaleão de Morais), 1 (um) 2º sargento (José Bernardo Rosa), 2 (dois) 3º sargentos (Caroliano Ferreira Santiago; Abdiel Ribeiro dos Santos), 1 (um) 1º cabo (Luiz Augusto Pereira), 13 (treze) 2º cabos (Alberto Bernardino de Aragão; Pedro Maria Netto; Fidelis Baptista de Aguiar; José Harmito de Sá; Clodoaldo Ursulano; Manoel Biré de Agrella; Francisco Alves da Rocha; João de Deus Araújo; Wilson França; Péricles Leal Bezerra; Orlando Henriques; José Menezes Filho; Manoel Alves da Silva) e 2 (dois) soldados (Luiz Gonzaga de Souza, da PM/RN; Lino Victor dos Santos, da PM/PE).

(13) Atualmente, a mesma sigla, CIE, designa o Centro de Inteligência do Exército.


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TAVARES, A. de Lyra. “O Brasil de Minha Geração – Mais dois decênios de lutas – 1956/1976”. Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1977.

USTRA, Carlos Alberto Brilhante. “Rompendo o Silêncio”. Editerra Editorial, Brasília, 1987.

WAACK, William. “Camaradas”. Companhia das Letras, São Paulo, 1993.


Brasília, maio de 2003.

(*) O autor é ensaísta e militar da reserva. Ex-auxiliar de Adido Militar no Cairo (1990-92), escreveu “Egito – uma viagem ao berço de nossa civilização”, Editora Thesaurus, Brasília, 1995. Articulista de Mídia Sem Máscara (www.midiasemmascara.org), publica regularmente em Usina de Letras (www.usinadeletras.com.br), onde tem uma obra virtual, “Arquivos ‘I’ – uma história da intolerância”, link “Artigos”, trabalho ainda em andamento.



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