CHAPADA DIAMANTINA, UM PARAÍSO PERTO DO CÉU
TERRA DE GRANDES NOMES DA LITERATURA BRASILEIRA
(Morada Eterna de Afrânio Peixoto)
Moura Lima
“O vento frio da manhã açoita-me os cabelos, e, estático, do meu mirante de rocha, estendo o último olhar para aquele cenário deslumbrante, onde os nevoeiros escuros seguem rentes, por cima dos serrotes e morros, parecendo que uniam a Chapada ao firmamento”.
Moura Lima
A Chapada Diamantina quer o diga, quer o não diga, ostenta a fama de ser a região mais encantadora do Brasil. Do painel do meu carro, que rola pelo asfalto da BR 242, sentido Salvador, vou concentrado e em velocidade moderada para melhor observar a beleza da paisagem, que se prodigaliza ao longe. Assim que entro no coração da Chapada, ora subindo, ora descendo, mas sempre serpenteando os morros, e bem no alto de uma curva sinuosa que me oferece uma visão ampla, posso constatar essa verdade, de que a Chapada é realmente o lugar mais bonito do meu país. E onde os meus olhos alcançam na linha do horizonte, só avisto panoramas arrebatadores, como os verdes boqueirões; o perfil azulado das serranias, que nos desenham a silhueta da cordilheira; dos gigantescos monólitos; dos nevoeiros que passam por cima dos montes, inspirando-nos mansidão e bordejando, no espaço mágico, sonhos e esperanças de eternidade.
Não obstante, a observação inicial, além, projeta-me no espaço visualizado, blocos imensos de granito, em geral cinzento-ardósia, que desafiam a gravidade das alturas; são todos esculpidos em paredões talhados a prumo, que parecem catedrais góticas, e insinua-me forma invisível de uma procissão de monges rezando. E todas essas formas geométricas da natureza se proliferam na multiplicidade das garganta, desfiladeiros, depressões, precipícios e abismos profundos.
Deslumbrado com a paisagem arrebatadora que se estende pelos grotões e a imensidade do vale do Pati, Gerais do Vieira, Capão, Morro do Castelo, Cachoeira da Fumaça e Cachoeirão, entro, de forma decidida, no trevo de Lençóis. A 12km de percurso, por uma estrada asfaltada, cheia de curvas e bastante perigosa, muito das vezes cortada na própria rocha, chego à histórica cidade de Lençóis. A outrora capital das lavras diamantinas, a Vila Rica da Bahia, o portal obrigatório de entrada da Chapada Diamantina, chegou a ser um dia produtor mundial de diamantes, posição hoje ocupada por Angola.
A cidade de Lençóis, segundo a versão dos antigos, surgiu por volta de 1844, quando, então, o senhor Casusa Prado, um pioneiro destemido, vindo de Mucugê à procura de diamantes, depois de muita luta, descobriu-os na região, e, enchendo os seus piquás com os carbonatos, que dariam para suprir as despesas iniciais, mandou o seu escravo Pedro Ferreira vendê-los na Chapada Velha. Mas o pobre escravo, com uma riqueza daquela às mãos, foi preso por suspeita de assalto nas estradas e ajoujado ao tronco. O povo, conhecendo a história, partiu á procura da nova lavra. E dentro de pouco tempo, quem chegava do alto da serra podia ver, lá embaixo, os tetos brancos das barracas estendidas, parecendo uma “cidade de lençóis”. E desse fato curioso, adveio o nome da cidade.
Mas há uma outra versão que diz que não foi assim, e é baseada na correnteza do rio, que desce, correndo e espumando como se desenrolasse, serra abaixo, um pano branco imenso, no trecho da cidade, ao longe, que parecia lençóis. Daí o nome do rio, e, finalmente, da vila.
No apogeu de sua grandeza, no século XIX, Lençóis teve, também, a sua arrogante aristocracia, que se dava ao luxo de passear e educar os seus filhos na Europa e adotava as mais recentes modas provenientes de Paris.Era a força dos diamantes, do ouro, que jorravam do seu rico solo e regiões.
Lençóis, neste período de sua realeza, teve também o seu príncipe afro – baiano – Dom Obá II D’África, que nasceu na vila, no ano de 1845; era filho de africanos forro e neto do rei africano Alaáfim Abiodum, do império Oyo.Lutou na guerra do Paraguaio e pelas suas bravuras, foi declarado oficial honorário do exército brasileiro.Era amigo e protegido de D.Pedro II. Viveu no Rio entre 1875 e 1890, onde se tornou uma figura folclórica, pois andava pelas ruas, no seu porte agigantado, de mais de 2 metros de altura, que impressionava, e como mandava o estilo da nobreza da época, de cartola, fraque, luvas brancas, bengala luxuosa e de óculos com aro de ouro reluzente. E uma de suas manias exóticas era fazer discursos públicos, numa linguagem, misturada com latim, brasileirismos e o dialeto africano Ioruba, que causava boas gargalhadas no povo.
Com esses pensamentos, que me transbordava da mente, adentro-me pela cidade, através de uma avenida irregular, a Senhor dos Passos; logo viro à esquerda e atravesso a ponte do rio Lençóis, que corta longitudinalmente o centro, saindo-me à Praça dos Nagôs, subo pela avenida principal, que é calçada de pedras, aliás, toda a cidade, e vou observando o casario colonial, herança da arquitetura portuguesa, um pouco desleixado, reclamando pintura e investimento público. E chego à conclusão de que todas as cidades históricas do Brasil são semelhantes, em razão dessa linhagem arquitetônica. Por exemplo, a cidade de Goiás, antiga capital do Estado de Goiás, tem uma semelhança enorme com Lençóis, inclusive na localização topográfica, entre morros, com o rio Vermelho cortando o centro da cidade.
Não obstante as comparações de ordem histórica, que me levam a respirar história e mais história, volvo à esquerda por uma rua estreita, chamada de Baderna, e saio na praça do Rosário, onde está edificada a igreja Senhor dos Passos, que dá nome à praça. É um templo pobre, sem o luxo das igrejas de Salvador, que me faz pensar que, na época da riqueza dos diamantes, os grandes da terra – os abastados -, não deram a mínima para as coisas do céu. Do lado direito encontra-se a Fundação Cultural Afrânio Peixoto.Paro o meu carro e entro na fundação, onde sou bem recebido pela diretora. Faço as apresentações de praxe e deixo patente a satisfação da minha visita cultural a Lençóis, e passo a autografar a minha obra literária, começando pelo romance Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, depois Chão das Carabinas e Negro-d’Àgua-Mitos e Lendas do Tocantins.No final, repasso, juntamente com a minha obra, para o acervo, o livro de ensaio, Moura Lima: A Voz Pontual da Alma Tocantinense, da renomada crítica literária brasileira, Moema de Castro e Silva Olival, hoje uma das maiores vozes da cultura do Brasil mediterrâneo, deixo também , o livro Moura Lima – Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins, do critico literário piauiense Francisco Miguel..
A gentil diretora agradece-me as doações e, entusiasticamente, vai mostrando-me a biblioteca, onde encontro os livros dos escritores da Chapada, que, por força da vocação, tornaram-se grandes nomes da Literatura Brasileira, como o de Afrânio Peixoto, filho de Lençóis. Foi professor, ensaísta, romancista, orador, cientista, possuindo uma cultura polimorfa. Dono de um estilo castiço, de fulgurante imaginação criadora, traz em sua obra os costumes sertanejos de sua terra natal, naquilo que tem de mais original. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupou a sua presidência e durante a sua gestão, obteve a atual sede da casa de Machado de Assis. Autor de Bugrinha, Maria Bonita, Fruta do Mato e outros.
Mário Ribeiro Martins, de Ipupiara, antigo Jordão ou Fundão de Brotas. Foi alfabetizado em sua terra natal, e peregrinou estudando por Morpará, Xique-Xique, Bom Jesus da Lapa e, finalmente, no Recife, onde se licenciou em Filosofia Pura pela Universidade Federal de Pernambuco; depois se formou em Ciências Sociais pela mesma universidade, e, não satisfeito, ganhou o mundo, fez viagens culturais a Portugal, França e Inglaterra. Na Espanha especializou-se em Educação Moderna, Sociologia, e Administração em Madrid e Alcalá de Henares.
Retornando ao Brasil, tornou-se brilhante professor universitário, formando-se logo depois em Direito e ingressando no Ministério Público Estadual de Goiás, onde se aposentou como Procurador de Justiça. Mário Martins é membro de várias agremiações culturais pelo Brasil afora, e também do exterior; ficou bastante conhecido, como um dos mais notáveis dicionaristas do país. Autor de vasta obra literária, que o coloca na galeria dos grandes vultos da literatura brasileira, notadamente no campo da sociologia, da filosofia e da história, destacando, dentre elas, Gilberto Freyre, O Ex-Protestante,O Coronelismo no Fundão de Brotas (ensaio), o Dicionário Biobibliográfico de Goiás,Dicionário Biobibliográfico do Tocantins e o grande Dicionário Regional do Brasil, lançado recentemente via-internet, site www.usina de letras .
Herbert Sales, de Andaraí, autor do imortal romance Cascalho, que retrata os tipos regionais das lavras e o horripilante quadro social dos garimpos. Herbert Sales cursou o ginásio em Salvador, no internato do Colégio Antonio Vieira. E, ao declarar ao professor, ter nascido em Andaraí, este perguntou-lhe – De Andaraí? Quantos você já matou?
O livro Cascalho, apesar do sucesso e dos aplausos de Mário de Andrade, causou aborrecimentos em Andaraí, pois as pessoas se sentiram retratadas. Houve ameaças dos moradores, que, segundo se afirmava, pretendiam matar o autor. Herbert Sales, diante do perigo, então resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro, e a decisão foi acertada, pois se tornou um grande vulto da literatura brasileira e membro da Academia Brasileira de Letras.
Américo Chagas, de Palmeiras, autor dos livros Cangaceiro Montalvão e O Chefe Horácio de Matos. Era médico, historiador e ensaísta de largos recursos, no campo da pesquisa regional das lavras.
Porém, após a visita à biblioteca, subo para o pavimento superior, que é dedicado ao patrono da instituição, e, ali, encontro todo o acervo e relíquias pessoais de Afrânio Peixoto, como a sua correspondência, o fardão de posse na Academia Brasileira de Letras e o espadim.Vejo que tudo está em ordem e preservado, mas o prédio, em razão da notória importância da obra literária de Afrânio Peixoto - para a cultura nacional -, está a exigir uma boa reforma e adequação às modernas técnicas bibliotecárias.
Retorno ao pavimento térreo, agradeço à simpática diretora pela acolhida e prossigo a minha visita pela cidade.
Já no meu carro, desço pela rua principal e, na praça do comércio, vejo na esquina, uma negra bojuda, retinta, vestida de branco, nos traje de uma baiana típica, vendendo acarajé. Aqueles bolinhos sedutores da culinária afro-baiana, feitos de massa de feijão-fradinho, fritos no óleo – de – dendê, e que se servem com molho de pimenta malagueta, cebola e camarão seco. Paro o meu veículo e peço-lhe um acarajé, e ela abri-se num sorriso de alegria e perguntou-me:
- Com emoção ou frio?
Não entendo o linguajar baiano, mas não dou o braço a torcer, e digo-lhe com firmeza:
- Com emoção!
Num piscar de olhos, a alegre baiana serve-me, e, com vontade, vou-me ao acarajé; daí a pouco as lágrimas saem-me pelos cantos dos olhos, acompanhadas de fogo pelas ventas, como se eu fosse um dragão!
A lição baiana foi-me amarga, mas compreendi, que, com emoção, quer dizer – com muita pimenta malagueta; já o frio é o acarajé sem pimenta. E com a boca afogueada, ainda ouvindo a gargalhada zombeteira da baiana, vou para o casarão que pertenceu ao poderoso senhor feudal sertanejo, coronel Horácio de Matos, e de lá, daquela fortaleza, fico a observar a beleza da cidade serrana e o movimento pacífico da boa gente lençoense pelas ruas, com a chegada do Ministro da Cultura, o cantor baiano Gilberto Gil. De longe me chega aos ouvidos o canto afro- nostálgico de uma mãe negra, que acalenta nos braços o filho, na porta de um casebre:
Mucurututu,
Da beira do telhado,
Leva este menino,
Que não quer ficar calado!...
Na praça adjacente, vejo um grupo animado de baloeiro inflando um balão, que logo sobe majestoso e colorido para o céu. Aí, num átimo histórico, projeto-me para o ano tenebroso de 1892, e vejo essa bela região se transformar num sangrento palco de guerra sertaneja, na terra do coronelato, dos jagunços, dos mocozeiros, mandioqueiros, bocas-vermelhas e sebanceiros, onde se destacaram os violentos chefes sertanejos, coronel Augusto Felisberto de Sá, chefão de Lençóis;Militão Rodrigues Coelho,de Fundão de Brotas,hoje Ipupiara,que passou a dominar toda a região de Ipupiara até Barra do Mendes,era um adversário feroz do coronel Horácio de Matos; Heliodoro de Paula Ribeiro, de Cochó do Malheiro, a duas léguas de Palmeiras; Clementino de Matos, de Chapada Velha, que foi mais tarde sucedido pelo seu sobrinho, o coronel Horácio de Matos, que fez tremer a Chapada, no comando de mais de cinco mil jagunços; e tamanho era o seu poder, que chegou a obrigar o presidente Epitácio Pessoa a propor-lhe um acordo de paz para a região conflagrada.
Horácio de Matos, em 1926, foi convocado pelo Presidente Artur Bernardes, ao lado dos coronéis Franklin Lins de Albuquerque, de Pilão Arcado, e de Abílio Wolney, de São José do Duro, hoje Dianópolis, no Tocantins, para combater a Coluna Prestes pelos sertões do Brasil. E assim o fez, até a internação da coluna invicta na Bolívia. De retorno a Lençóis, foi nomeado intendente. Com o advento da Revolução de 1930, foi preso e conduzido para Salvador. Era um homem poderoso que, mesmo na desgraça, conseguiu se livrar da cadeia. E numa manhã de céu claro, em Salvador, no largo Acioli, quando passeava com sua filha Horacina, foi assassinato à traição, com três tiros de revólver pelas costas.
O coronel Heliodoro de Paula, do Cochó do Malheiro, era o homem mais rico da Chapada Diamantina, e, quando passava por Lençóis, exibia a grandeza de sua riqueza com uma grande cavalhada, composta dos melhores animais da região. No meio das centenas de animais iam sempre dois burros chucros, bravos, para serem montados pelos melhores peões da cavalhada, que os açoitavam a rabo de tatu e a esporadas; assim, iam à frente do cortejo, aos saltos, corcorveios e gritos da peonada, a fim de chamar a atenção do povo para a passagem do rico, riquíssimo nababo das lavras diamantinas.
Mas essa epopéia do feudalismo sertanejo, feroz, teve também os seus monstros sanguinários, que atuavam nos pequenos povoados. Eram os chefetes comandados pelos poderosos chefões de Lençóis. Vejamos um exemplo dos atos desses cascas - grosssas.
Na Vila da Estiva, hoje Afrânio Peixoto, o chefe patriarcal era Pedro Mariano, que representava com mão-de-ferro os três poderes: legislativo, executivo e judiciário. Pedro Mariano era analfabeto e tinha sob o seu comando um grupo de jagunços, que lhe obedecia e defendia o seu feudo – o seu matadouro humano - como cão de guarda.
A justiça desse alforjado dos coronéis era sumária – simplesmente pertencia ao primeiro que apresentasse a queixa - e a sentencia condenatória, o fuzilamento do acusado.
Pedro Mariano mandava os seus cacundeiros executarem a vítima, normalmente à traição, e tinha um prazer sádico de ver o cadáver e de contar, às gargalhadas, com toda calma, os orifícios das balas.
E no meio dessa barafunda infernal, marcada pelo ódio e as trevas, onde o sangue das vitimas corria a céu aberto, surgiu o herói da Chapada – o valente Montalvão – um filho do Norte de Goiás, hoje Tocantins, da Vila de Conceição, que, fugindo de perseguições, por ter matado o delegado de policia de Natividade, Major Delfino, como vingança pela morte de seu padrinho Joaquim Lino Pereira Póvoa, que fora enforcado no ato de sua prisão, com uma toalha, dando como causa mortis colapso cardíaco, adotou de coração o sertão da Bahia. Era um mulato de caráter nobre e de muita coragem, que fez os desafetos de seu patrão, coronel Heliodoro de Paula, tremerem com a simples menção de sua presença. E um de seus maiores feitos foi a sua entrada secreta em Lençóis, que estava guarnecida por mais de mil jagunços, com um pequeno grupo de cabras, destacando-se entre eles Manoel Afro, José Cunegundes e João Baio, com a missão de arrasar a casa do coronel Felisberto Augusto de Sá, e, até mesmo, se possível, matá-lo, como vingança pela destruição do reduto do coronel Heliodoro – o Cochó do Malheiro.
E, numa noite fechada de breu, Montalvão entrou sorrateiramente na vila, pelo Tomba-Surrão, e foi direto para a casa do chefão de Lençóis, onde quebrou tudo e cortou os móveis a facão, e matou alguns jagunços. O coronel Felisberto Augusto de Sá só não foi morto, graças à artimanha do coronel Doca Medrado, hóspede da casa, que entreteve Montalvão com prosa, dando, assim, tempo para o coronel Felisberto fugir, todo borrado nos cueiros.
Montalvão, depois de terminar a sua missão, saiu tranqüilo da vila, sem ser importunado, pela estrada do Capão.
O herói da Chapada foi morto à traição, numa armadilha planejada pelo chefe de Quemadinho João Sapucaia, com o tenente Alcides José de Lima, que simulavam amizade com Montalvão, e o convidaram para um jogo de baralho em Machado Portela.
A empregada da pensão onde se realizava o jogo trouxe-lhe uma garrafa de vinho, já preparada com uma droga sonífera. Assim que Montalvão tomou a segunda dose, tombou para o chão em sono pesado. E o tenente, sem demora, a mando de João Sapucaia, descarregou o revólver à queima – roupa em seu corpo.
Montalvão, no estertor da morte, com os estampidos dos tiros, levantou-se e disse, na sua voz cavernosa, de cabra macho:
-Não é assim que se mata homem, seus cabras cornudos!
Não ficou ninguém na sala macabra. Os seus assassinos abriram as barbas no mundo, numa correria de doidos, de mais de três léguas paridas, e foram bater em Quemadinho, sem olhar para trás, julgando haverem perdido os tiros.
E, ali, do casarão assombrado, contemplo a hoje pacífica Lençóis, que já foi uma terra violenta de mineradores, que se disciplinou na miséria aceita, e não passa de um mundo decadente e esgotado, que só tem a oferecer a beleza de sua paisagem e o coração alegre de sua boa gente.
No outro dia, com o sol brilhando por cima dos montes, despeço-me da hospitaleira Lençóis, e prossigo viagem para Andaraí, Mucugê, Igatu e Rio de Contas – a terra do Barão de Macaúbas.
Já em Rio de Contas, fico impressionado com o centro histórico, é como se viajasse no túnel do tempo três séculos, pois o ciclo do ouro deixou um legado de casarões, igrejas e prédios públicos. E o que chama a atenção é a tranqüilidade de suas ruas coloniais, são largas e floridas; as belezas de suas cachoeiras impressionam o visitante, como a do Fraga, a ponte do Coronel, a Estrada Real, e também, o Pico das Almas – terceira maior elevação do Nordeste -, que oferece uma vista espetacular da Chapada Diamantina, e é circulado pela única estrada asfaltada, que é uma atração, pois é pintada de verde!
Ao amanhecer, já com o sol dourando o Pico das Almas e a imensidão da Chapada, com a alma leve e a paz dos justos, naquele clima agradável de montanha, dou um adeus à cidade de Rio de Contas e prossigo a minha viagem com destino a Salvador – terra de Jorge Amado. Mas, antes de seguir de rota batida, assim que chego ao Morro do Pai Inácio, marco de referência da Chapada, paro, para os registros fotográficos. E, lá do alto, vislumbro mais uma vez a imensidão da Chapada, que é um verdadeiro museu de rocha, que levou mais de um bilhão de anos para se formar; antes era tudo mar, praia, mangues e dunas.De lá para cá, desde então, o vento, as chuvas torrenciais, as águas dos rios e cachoeiras têm contribuído, de forma mágica, para esculpir as belezas da paisagem.
O vento frio da manhã açoita-me os cabelos, e, estático, do meu mirante de rocha, estendo o último olhar para aquele cenário deslumbrante, onde os nevoeiros escuros seguem rentes, por cima dos serrotes e morros, parecendo que uniam a Chapada ao firmamento. E, em sinal de despedida, digo a mim mesmo:
A Chapada Diamantina é um paraíso perto do céu!
*(Moura Lima é escritor regionalista, advogado, pós-graduado em língua portuguesa, membro da Academia Tocantinense de Letras e Piauiense, é autor de vasta obra literária.)e-mail j.mouralima@zipmaill.com.br