É difícil engolir os velhos argumentos, sempre demagógicos, de que a democracia é entendida por isso e por aquilo. Coisas já cansativas de se ler e ouvir de homens, cujas pretensões parecem descortinar um futuro colorido e cheio de esperanças. Principalmente próximos às eleições.
Como não observo apenas a política de campanário, vou mais longe na geopolítica, tentarei fazer minha triagem socioeconômica do crime, como conseqüência de fatores políticos insustentáveis e profundamente arraigados habitualmente em nossa pobre cultura coletiva. O leitor atento e reflexio, sem as paixões de ser contra ou a favor o enunciado pelo ensaísta, vai entender um ponto de vista, talvez ainda não pensado, que, com modéstia (sem a falsa), coloco para àqueles apreciadores de um bom raciocínio, um bom pensamento lógico, apesar de ilógico em nosso país.
A História hoje não poupa detalhes, que a princípio eram escondidos, ou relegados a um segundo plano, mas que contêm e sempre contiveram o conteúdo pragmático que nos dá a sensação de 'coisa errada'. Isto porque a lei sempre impôs seus limites, mas anteriormente a favor dos poderosos do passado. Hoje, estamos a cada dia acessando os porões da História, limpando a poeira, rebuscando a verdade que nossos avós não nos contaram. E cada dia mais surpresos com essa verdade mentirosa dos velhos historiadores, os quais continuam a mentir em seus textos didáticos, mas já desconfiados por alunos com elevado espírito de argüição.
Se a lei ainda impõe limites, então parece ter sido provado, que os direitos dos pobres, deserdados e miseráveis sempre inexistiram em nosso país, porque ela a lei, impôs limites do ter e do não ter. Do ser e do não ser. Por exemplo: do ser brasileiro e do não ser brasileiro, mesmo nascendo no Brasil. Quem tem os poderes que o dinheiro confere é brasileiro. Quem não tem, não é brasileiro. Como se fosse o dinheiro a verdadeiro identidade que certifica ser ou não ser brasileiro. O próprio Estado (nação) burla, ou burlou os supostos direitos dos menos favorecidos, quando incapacitou-os por decreto a terem uma renda irremediavelmente exígua e que nunca satisfez à mínima sobrevivência deles. Daí uma boa porcentagem entra no crime para sobreviver, ou na melhor das hipóteses, para ter o que fazer, ou o que comer. E crime neste caso vai de um simples favor político, até o que podemos imaginar de gravíssimo. Muitos são mortos. O crime se agiganta e se organiza e tem início a repetição da História.
Nasceu, portanto, em muitas regiões a vocação pelo crime que não existia, enquanto cidadãos são domiciliados pelas esperanças. Mas, os criminosos no Brasil, conforme a 'velha e mentirosa História', são caçados 'de acordo com a lei'. No passado, as forças legais tinham um costume macabro de cortarem as cabeças dos criminosos. Depois da batalha de Canudos, formaram-se filas enormes de milhares de homens, mulheres e crianças, andrajosos, descalços, famintos para a cruel decapitação. A República não considerou aqueles miseráveis como brasileiros. E como miseráveis, eram os primeiros produtos bem acabados de uma estranha política democrática. A seguir veio Lampião e o cangaço. Mesmo destino. Depois tivemos a Revolta do Contestado no Sul. Milhares também tiveram suas cabeças separadas do corpo. É estranho que um país de tão propalada cristandade não respeite os vencidos. Ou pelo menos, inteligentemente procure entender o que levaram 'seus filhos' a praticarem o crime. A decapitação era apenas um detalhe. Detalhe político. Servia como exemplo aos que se aventurassem por 'aquele caminho'. Os políticos da época morriam de medo da própria incompetência. E existia a fome, como existe hoje. E se existe a fome, em qualquer época é porque existe a incompetência dos que governam, como sempre houve.
(Jeovah de Moura Nunes)
publicado no jornal 'INFORMATIVO TOTAL' da cidade de Picos, no estado do Piauí, em 05.setembro.2003