Dogville é, reduzindo-se ao extremo, um drama comum, sobre uma garota que, fugida de gangsters, acaba refugiada em uma vila pobre. As pessoas discutem sobre mantê-la, ela ajuda essas pessoas para receber sua compreensão. Algumas visitas da polícia, procurando-a, parecem confudir a opinião da cidade, e ela trabalha mais, ela cede cada vez mais.
Até que, no nono capítulo, ela é levada a decidir sobre o destino da cidade e de seus habitantes.
Sim, capítulos. Dogville tem nove capítulos e um prólogo, possue narrador, não contém efeitos especiais; as casas do filme não possuem paredes, tão pouco portas; ele possue um único cenário - e moitas, árvores, o cachorro - são desenhos no chão. O que deixa o filme mais centrado no que tem a dizer do que tem a mostrar.
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Ou, talvez, os motivos não sejam tão somentes estes. Logo no início, o narrador atenta ao fato de que a cidade possuía um Elm Street, que não possuía um olmo, mas ninguém se importava com isso, ela servia como rua. Em outra parte, um personagem afirma que não pode colocar um nome na cidade de seu livro, pois isto não seria universal, não seria eterno - não serve; há coisa mais universal, mais adaptável do que, simplesmente, não possuir um conteúdo tangível? O cachorro que se vê, é o cachorro que você imagina. As plantas são suas plantas. A decoração das casas é a sua decoração.
No entanto, as pessoas são reais; foi a frase que me veio à cabeça quando o filme terminou, e são exibidas diversas fotos. Pessoas e suas vidas e suas casas e mais pessoas. As pessoas existem, por todo lado, essas idéias existe, em todo canto - a cidade não é importante.
Talvez esses sejam os motivos.
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Se as pessoas são importantes, essas são algumas delas:
Temos um rapaz, filósofo, escritor (sua única obra foi um folha na qual escreveu: grande? pequeno?; isso deve resumir Dogville e suas ações. Pergunta padrão sobre tudo). Ele é a Moral sobre a cidade, ou a tentativa da Moral. Não sabe defendê-las direito, apesar de que sabe que tem que defendê-las. Quando se vê com os mesmos erros que os outros, tenta eliminar aquela que lhe mostrou, assim como os outros.
A mulher da Igreja diz as horas. Toca o sino e avisa quando as coisas tem que acontecer, vive esperando que um novo padre (Jesus?) apareça - e é dito: 'ninguém virá'. Ela não ousa tocar no orgão da Igreja, mas quando outra pessoa move os pedais, está tudo bem. Não sabe pra onde ir se não lhe apontam a direção.
Uma empregada que diz não poder ter um empregada, mas aceita. Uma família, pais e tantas crianças - e eles se odeiam. Uma criança que sabe que a pessoa que o tratar bem terá o bem querer da mãe dele - que quer apanhar, pois senão não respeitará a pessoa. O homem cego que finge não ser, trancando-se em casa. Fala sobre todos os assuntos, tudo o que não vê. Ele mostra à recém-chegada como a sombra da Igreja, em certo horário, segue exatamente até uma loja.
A menina, única jovem, desejada por todos da cidade, que fica feliz quando a outra chega e lhe tira as atenções. Esta confessa que foi egoísta aceitando a menina da cidade, só aceitou por conta de que um fardo lhe saía das costas - e, numa análise ampla, fez do modo que todos fizeram. Depois destes, resta-nos a família que pega vidros de segunda mão e trabalha neles, retirando excesso, até que parecem de primeira linha. Parecem ser perfeitos, mas são fragéis - Dogville se explica no ínfimo.
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O nome da menina é Grace. Um personagem diz que se alguém dá algo para aquela mvila, vão tirar tudo o que podem, até o fim. Tirar tudo o que podem da menina, arrancar o que puderam pegar da Graça. O narrador afirma que ela veio como um presente.
Ela aceita tudo o que pedem, trabalha cada vez mais. Tudo o quer é aceitação das pessoas. É a perfeita encarnação do 'vire a outra face'. Pode-se ter tudo dela o que se pedir. O único relacionamento real é o com o garoto filósofo, pois 'ele não exige nada'. Mas ele queria exigir, só não sabia como.
A história caminha assim, até que a cidade já teve tudo o que podia ter, acorrenta a menina e a entrega. Ela reencontra os gangsters, discute suas ações com a cidade. Antítese do que ela fazia. Se aceitarmos Grace num sentido religioso, ela oscila entra Deus e o Diabo - modos de ver uma mesma coisa, tanto que, quando a luz da Lua se põe sobre as pessoas, ele tem outra opinião, diferente da que teve quando o Sol as tocava.
O cachorro da vila é o única que sobrevive.
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A conversa final é o julgamente. O Apocalipse. Disse para levar em sentido religioso porque pensei em Jesus o tempo todo. Aquele é o Evangelho, de alguma forma, e o Messias queima a todos no final. O dilúvio, sem sê-lo.
Mas essa é minha Dogville, o conteúdo que eu dei aos contornos. Não sei o que outros podem enxergar.
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b.m. - http://www.eutenhoumblog.blogger.com.br