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Ensaios-->Discriminação pelas Afinidades -- 13/09/2004 - 16:11 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Discriminação pelas afinidades
Uma identidade possível

Prof. Dr. Luiz Carlos Assis Iasbeck



As estreitas relações entre os estudos da comunicação e da semiótica nos têm proposto uma série de conseqüências epistemológicas para a pesquisa nesses dois campos da ciência. Algumas delas, notadamente as relacionadas à identidade, tornam-se bastante intrigantes justamente pela amplitude que proporcionam ao entendimento de alguns paradigmas comuns.

Quando dizemos que alguém ou uma certa empresa pretende adotar uma identidade; quando queremos adaptar nossa identidade às exigências de um certo contexto; quando afirmamos que temos um problema ou uma crise de identidade ou, ainda, quando afirmamos que a identidade de uma empresa está em fase crescente ou decrescente, estamos tomando o conceito de identidade não de forma errônea, como afirmam Jorge Etkin e Leonardo Schvarstein em “Identidad de las Organizaciones” (1995), mas explorando possibilidades interpretantes que esse conceito repercute.

O estudo da identidade se confunde com o estudo das características elementares e fundamentais de qualquer ser, seja ele um existente individual, seja um grupo familiar, social ou mesmo uma organização. Identidade e Organização são, conforme nos dizem Maturana e Varela (1995), representações de um mesmo objeto que com eles se confunde. São, portanto, signos icônicos, para usarmos aqui um termo da teoria geral dos signos de Charles Sanders Peirce. Por isso, qualquer referência ao ser das organizações é uma referência aos seus traços identitários.

Entretanto, na análise desses traços, temos de considerar que nem todo problema diagnosticado como de “identidade” terá, necessariamente, ligação com características imanentes do objeto estudado. Ele pode estar ligado às condições de “percepção” desse objeto, por parte do observador. E essas condições incluem tanto as limitações dos sentidos quanto os interesses de todas as espécies que se antepõem à observação.

A identidade percebida não é a mesma identidade de uma organização ela mesma. Mas, de que valeria discutirmos a identidade sem levarmos em conta as “distorções”, os “desvios” e as “incongruências” que ela proporciona?

Três Modos de Identidade

Justamente por esse motivo, fomos buscar em três fontes diferentes, três modos de identidade, ou seja, três possibilidades de abordagem da questão da identidade:

a) a identidade como signo de si mesma, entendida como unidade de substância;
b) a identidade em relação a um outro existente, compreendida como competência substitutiva, e
c) a identidade como padrão de reconhecimento, aceita como convenção, a partir de clichês e demais estereótipos da cultura.

Não por acaso, tais abordagens nos remetem aos três níveis de densidade significativa, inscritos em Peirce como primeiridade, segundidade e terceiridade. Quando traduz a si mesma, a identidade é representada no signo como qualidade, sensação de integridade; quando surge da confrontação entre atributos físicos e brutos nos objetos, fenômenos ou idéias, ela é percebida pelas afinidades que destaca no contraste com as diferenças. Quando arbitrada pelo hábito da repetição, pelo uso e pelos códigos culturais, surge como critério, como símbolo, como paradigma.

O primeiro modo de identidade foi formulado por Aristóteles, quando, em sua Metafísica (V, 9, 1018), afirma que “ o ser é idêntico a si mesmo”, ou seja, não existe a possibilidade de dois existentes constituírem identidade absoluta e permanecerem como dois. Segundo tal conceituação, a predicação de um ser corresponde a sua essência. Como acreditava Aristóteles, tudo o que não é substância está desautorizado a caracterizar a identidade de um ser.

O segundo fundamento pode ser encontrado na arquitetura filosófica de Leibinz, quando afirma que “idênticas são as coisas que podem ser substituídas umas às outras” (apud Abbagnano 1992:641). O princípio da não-contradição está apoiado numa relação de equivalência no qual as afinidades não se fundem nem se confundem: elas coexistem em lugares e momentos diferentes, sem prejuízo da constatação de sua existência. O argumento de Leibniz leva em conta – como em Peirce - que o signo incorpora interpretantes imediatos que independem do interpretante mental. Como os interpretantes são múltiplos (para Peirce, alcançam o infinito), inumeráveis são as condições nas quais um signo pode substituir um outro em algum aspecto ou de algum modo, sem perder suas características fundamentais e sem necessitar de mais determinações do objeto dinâmico.

O terceiro critério de identidade nos chega através do filósofo alemão da Escola de Viena, F. Waismann . Para ele, a identidade só pode ser estabelecida e reconhecida como tal com base num critério convencional. Aqui não há características ou atributos do objeto ou dos interpretantes do signo que definam a existência de um ser. Diferentemente das concepções anteriores, em Waismann temos a necessidade de estabelecer parâmetros de relacionamento entre signos para determinamos o quanto de identidade eles mantêm entre si. Segundo tal concepção, a identidade não apenas se dá no “atrito” entre elementos colocados em comparação, mas no grau aproximação desses elementos em relação a um critério previamente dado. Tais critérios são dados, normalmente, pela cultura quando definidos seus padrões de comportamento, valores e crenças, referenciais de juízo.

Identidade e Discriminação

Assim, tudo indica que a questão da identidade necessita estar fundamentada em dois conceitos entre os quais oscila ou polariza: as afinidades e as diferenças. Esses mesmos conceitos são fundamentais para que possamos entender a comunicação humana. Afinal, “tornar comum” é, em primeira análise, estreitar afinidades (o que há em comum) em meio às diferenças (o incomum).

Á distinção entre dois elementos, denominamos “discriminação”. Discriminar é, pois, separar pelas diferenças, identificar cada um dos atores desse julgamento e reconhecer suas peculiaridades. Desse modo, discriminar e identificar são termos que designam operações que valorizam as diferenças na medida em que lhes dá um caráter de arbítrio.

Se a identidade necessita das diferenças para ser quantificada e qualificada, a discriminação se alimenta dessas mesmas diferenças para apartar e proporcionar identificação.

O senso comum consagrou para o signo “discriminação” uma conotação pejorativa, ou seja, um interpretante imediato de caráter negativo na cultura, associado ao desprezo, ao preconceito e à segregação. Porém, toda operação discriminadora corresponde a uma operação identificadora, na medida em que as diferenças são o critério de aproximação ou de distanciamento.

Três Modos de Discriminação

Considerando os três modos de identidade aqui apresentados, poderíamos, paralelamente, falar de três modos de discriminação: pela alteridade, pelo confronto e pelo juízo de valor. Todos eles estão presentes nas teorias semióticas de diversas vertentes.

A discriminação pela alteridade, presente nas relações opositivas, fundamentais ao pensamento Saussuriano (langue/parole), desenvolvido por Louis Hjmslev e continuado por Algirdas Greimas, é essencial aos processos estruturantes da ordem e, portanto, à anulação do caos.

A discriminação pela oposição ou pelo confronto aparece nas teorias dos semioticistas eslavos (Lotman, Ouspensky, Toporov, V.V. Ivanov) e nos demais estudiosos da chamada semiótica da cultura, dentre os quais destacamos o alemão Harry Pross e o tcheco Ivan Bystrina. Podemos percebê-las, claramente, nas categorias invariantes da cultura na forma de binarismo, oposição, polaridade, conotação e assimetria, nas caracterizações dos textos abertos e fechados e nas experiência pré-predicativas que explicam o sistema invariante das conotações culturais.

A discriminação pelo juízo aparece nos estudos de Peirce sobre a percepção e em Giles Deleuze, dentre outros, que se dedicam a estudar a estrutura dos sistemas e das organizações. Nesses casos, a discriminação se torna imperiosa na formulação de juízos devido a uma limitação lógica: os sentidos não podem captar todos os feixes perceptivos emitidos pelo objeto dinâmico, selecionando alguns em detrimento de outros (Peirce) e os sistemas de significação se formam a partir de diferenças organizadas, agrupadas de forma heterogênea (Deleuze). O que vai determinar tanto a escolha de feixes perceptivos quanto os critérios de heterogeneidade que entram e saem de uma cadeia sistêmica são juízos de valor comandados por interesses e desejos nem sempre reconhecíveis.

Aqui também reconhecemos as categorias peirceanas de primeiridade, segundidade e terceiridade.

A primeiridade se manifesta na discriminação por alteridade, uma vez que o outro não é senão um duplo no qual se reflete e refrata o ser em sua imanência. A alteridade, portanto, nos remete a nós mesmos. É, em última análise, a imposição da alteridade que nos leva a afirmar ou negar sensações e qualidades que se impõem pelo signo. Em Sausurre, essa alteridade é fundante. Nos estudos de Greimas e Fontanille sobre as paixões, ela é o eixo estruturante de uma continuidade/descontinuidade do sentido.

A segundidade se clarifica nas oposições binárias, nas quais o confronto e a complementaridade apenas são caracterizados como tais pelo resultado das relações que os pólos mantêm entre si. Ainda que assimétricas, pela desproporcionalidade das forças que atuam em cada um dos pólos, há uma relação de causa e conseqüência que precisa ser resolvida de forma dialógica.

A terceiridade se impõe na categorização dos juízos que provém das relações analógicas entre objeto percebido e interpretante conhecido; entre afinidades eletivas e diferenças compatíveis.

Discriminação pelas afinidades: uma outra identidade.

A questão da diferença, tão cara às pesquisas semióticas, faz com que deixemos de lado as indagações sobre as semelhanças, as analogias, sobre a unicidade e as afinidades. Não obstante, boa parte dos homens sonha – cada vez mais – com um mundo igual, globalizado, sem grandes diferenças, onde todos se identifiquem e se compreendam independentemente de fronteiras que atestem diferenças.

Seria o mundo das afinidades uma utopia semiótica? Seria, então, a comunicação apenas uma atividade humana apaziguadora de conflitos e rompimentos?

Na base das discriminações raciais, religiosas e sociais, dentre outras, o que atua como fundamento e critério para formulação dos juízos de inclusão ou exclusão não é a óbvia constatação das diferenças, mas a falta de uma perspectiva na descoberta de afinidades.

Harry Pross, estudioso alemão da comunicação, nos diz que para sermos bons comunicadores precisamos desenvolver duas grandes virtudes: a humildade, para irmos ao encontro dos outros, e a tolerância, para reconhecermos que os outros não são exatamente como gostaríamos que fossem.

A tolerância não extingue a diferença, mas a transforma substancialmente proporcionando uma espécie de afinidade conjugável, tal como vimos no conceito de identidade pela substituição de Leibniz. A humildade não requer a sublimação das diferenças que impedem a aproximação, mas resulta do reconhecimento sincero da condição precária de um “eu” solitário que necessita do outro para afirmar-se como alguém, tal como vimos no primeiro conceito de identidade, de Aristóteles.

Em ambos os casos, podemos também falar de uma espécie de discriminação pelas afinidades, uma possibilidade que surge dos dois primeiros modos que estudamos: quando se discrimina pela alteridade abre-se a brecha da reflexividade, que nos conduz ao reconhecimento de um vazio existencial a ser preenchido pelo outro; quando discriminamos por oposição, podemos reconotar tal relação em complementaridade, sem anular a condição do conflito. Assim, o complementar elege afinidades e proporciona entendimento.


Na base de tais possibilidades, as terceiras categorias elencadas – tanto da identidade quanto da discriminação – nos conduzem ao modo de fazer que responde, de certa forma, às indagações que postulamos.

A identidade como padrão de reconhecimento mediante um parâmetro qualquer exige uma boa disposição para buscar uma medida que possa aproximar as diferenças a ponto de torná-las comparáveis, analógicas.

A discriminação pelo juízo supõe o reconhecimento da ação de interesses e motivações no apartamento ou na união de diferenças.

Não é por outro motivo que o filósofo tcheco Vilém Flusser afirma que o conhecimento necessita das diferenças para promover afinidades. Ao dizer que “o incomparável é inconcebível”, Flusser parece concordar conosco no fato de que os processos analógicos não são recursos imotivados do conhecimento ou predestinados à constatação das diferenças, mas também – e ao contrário – ocasiões de compatibilizações.

Ocasiões, portanto, de discriminação pelas afinidades.


Referências bibliografia

ABAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Fundo de Cultura Econômico. México: 1986
BYSTRINA, Ivan. Semiotik der Kultur. Tübingen : Sttauffenbourg. 1989
DELEUZE, Giles. Diferença e Repetição.Graaal. Rio de Janeiro:1988
ETKIN, Jorge et SCHVARSTEIN, Leonardo. Identidad de las Organizaciones. Invariância y Cambio. Paidos. Buenos Aires, Argentina:1995.
FLUSSER, V. Filosofia da Caixa Preta. Relume Dumará. Rio de Janeiro:2002.
GREIMAS, A. e FONTANILLE, J. Semiótica das Paixões. Ed. Ática. São Paulo: 1993
MATURANA, Humberto e Varela, Francisco. A Árvore do Conhecimento. Editorial Psy. Campinas, Brasil: 1995.
PEIRCE, C.S. Semiótica e Filosofia. Cultrix. São Paulo: 1987
PEIRCE. C.S. Semiótica. Ed. Perspectiva. São Paulo: 1998.
PROSS, Harry. Estructuras Simbólicas del Poder. Gustavo Gilli. Barcelona: 1987.
SANTAELLA, Lúcia. A Percepção. Uma Teoria Semiótica. Experimento. São Paulo: 1995.
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