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Ensaios-->A Arte no Horizonte da Publicidade -- 14/09/2004 - 00:02 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Arte no Horizonte da Publicidade

Luiz Carlos A. Iasbeck





Não é nova – tampouco original – a discussão sobre o estatuto artístico das produções publicitárias. Entretanto, o tema não tem sido suficientemente abordado a ponto de dispensar novas reflexões e/ou propor outras leituras acerca do fazer artístico publicitário.

Quando nos dedicávamos a pesquisar os slogans publicitários – objeto do livro “A Arte dos Slogans” (Ed. Annablume, São Paulo: 2002) – não era raro encontrarmos formas poéticas em textos assumidamente publicitários, o que não nos impedia fruí-lo tal como se frui uma obra de arte plástica ou tecnológica. Esses pequenos textos não apenas faziam explodir leituras para além da peça; eles nos propunham incondicionável adesão ao objeto que anunciavam, na medida em que transferiam para eles o prestígio que a concepção artística lhes legava.

Assim, percebíamos que o poder de persuasão da peça publicitária aumentava exponencialmente com a inserção de textos cujo caráter transcendia a óbvia função de anunciar ou propagar. E não se tratava de mera transposição de textos poéticos recontextualizados, mas de textos inéditos, de puro caráter imaginativo/criativo, pensados para preencher uma função de convencimento e sedução.

Afora a presença de textos verbais, o apelo publicitário pelas obras plásticas na ilustração de peças de campanha, ainda que não demonstrasse intenção de fazer arte ou de levar o fruidor a epifanias ou estados de êxtase, produzia efeitos muito próximos daqueles que nos acometem as obras de arte. E isso foi aferido junto a consumidores, leitores e telespectadores de anúncios publicitários.

Verificamos, então, que tais produções parecem pretender, tão-somente, chamar atenção e injetar prestígio ao produto ou serviço anunciados. Mas teriam elas caráter estético? As concepções “artísticas” nas peças publicitárias, principalmente aquelas que nos emocionam, que afetam nossa sensibilidade, são artísticas porque conseguem fazer-nos voltar a atenção às possibilidades de leitura que a peça e o produto oferecem? Nesse caso, o que lhes tira ou outorga o estatuto de “arte”?
Arte Visual, Arte Verbal

As peças publicitárias, sejam elas concebidas para a mídia impressa (jornais, revistas, panfletos, outdoors, folders, rótulos, etiquetas, embalagens), sejam para a mídia eletrônica (rádio, televisão, cinema, vídeo), são hoje, basicamente, constituídas de texto escrito (ou falado) e imagens (estáticas ou animadas).

Embora os primeiros anúncios fossem exclusivamente escritos , foi com o advento da técnica de reprodução de imagens que a publicidade ganhou maior espaço na mídia e assumiu maior eficácia em suas funções.

A polêmica envolvendo texto/imagem ou, antes, entre poesia e pintura remonta à antiguidade. Eustáquio Barjau, analisando o fragmento 361 da Epístola aos Pisões, de Horácio, nos diz que ele foi interpretado da seguinte maneira: 'toda obra poética é bela na medida em que dela se possam extrair quadros'. Também em sua Poética, Aristóteles fala que 'os pintores podem, assim como os poetas, imitar os homens, suas características, tais como são ou melhores do que são.” .

Em 1766, o iluminista alemão Gotthold Ephrain Lessing publicou 'Laocoonte - sobre as fronteiras da poesia e da pintura' onde, no rastro da estética da mimesis de Aristóteles, afirmava que o que distingue a condição das artes é a natureza dos signos que utilizam: as artes plásticas se definem pela espacialidade e dispõem de signos naturais, ao passo que a poesia tem como condição a temporalidade, expressando-se por signos arbitrários. Dessa forma, caberia às artes plásticas representar os corpos físicos e à poesia, as ações, os comportamentos desses corpos. Porém, Lessing não se mostrou tão interessado em delimitar as fronteiras entre as duas modalidades de arte. O que ele pretendia era demonstrar a interpenetração desses discursos, fato capaz de explicar contaminações recíprocas e frutíferas a ambos.

Se esta porosidade parece ser ponto pacífico, quase inquestionável, quando estudamos a publicidade, o mesmo não parece ter-se dado quando das primeiras pesquisas ditas 'semióticas' sobre o assunto.

O primeiro estudo semiótico da publicidade, o artigo 'Rethórique de L Image', de Roland Barthes, datado de 1964, acabou mesmo por ser um tratado sobre a percepção da imagem, deixando a publicidade num segundo plano. Ao contrário de Lessing, Barthes entendeu que o duplo registro – verbal e visual – tinha por objetivo complementar-se, mas não reciprocamente em dosagens iguais. Para ele, a imagem, ao proporcionar uma explosão dos sentidos, gera inúmeras possibilidades de conotação, razão pela qual o texto verbal deveria funcionar como ancoragem, ou seja, como filtro, elemento estabilizador e direcionador da significação pretendida pelo emissor. Barthes referia-se, evidentemente, a um texto de caráter fortemente referencial, que funciona de forma afuniladora de sentido, à maneira de uma legenda. Sabemos, porém, que grande parte dos textos escritos da publicidade utilizam-se de vários mecanismos retóricos. E se a retórica da imagem tem a sua força, também é desejável que o registro verbal seja analisado e investigado nos possíveis cruzamentos com a retórica da imagem, que a ele se justapõe em contigüidade espacial. É justamente aí que se dá um terceiro elemento gerador de significação para todo o conjunto:
“O contato entre texto e imagem constitui um híbrido especial. A parte textual tende a fazer funcionar a mensagem na órbita dos 'jogos de linguagem '– no sentido wittgensteniano do termo. A composição icônica, por seu lado, polariza a mensagem numa vertente 'representativa'. O resultado não é uma coisa nem outra senão um composto especial que conserva algumas virtudes do representativo e outras próprias da esfera da linguagem verbal”. (Perez Tornero, 1982:76)
É importante notar também que o registro visual não pode ser entendido apenas como a imagem fotográfica, desenhada ou encenada. A análise de Barthes tem como endereço a fotografia. Porém, os demais aspectos visuais, como o design gráfico, o layout ou a diagramação dos elementos da peça, o posicionamento do anúncio na página impressa, a concepção e a composição da peça como um todo, a assinatura do anunciante e, eventualmente, sua marca não constituem aspectos periféricos na visualidade mas elementos de capital importância no processo de significação.

Não se trata, pois, de precisar qual dos dois registros é o mais importante ou o determinante da significação. Faremos, aqui, um breve apanhado do que alguns autores desenvolveram sobre a questão da visualidade e do texto, quando se referem à possibilidade de uma arte publicitária, entendendo, contudo, que ambos funcionam em estreita consonância e em diálogo intenso nas peças publicitárias.

Se os tomássemos separadamente, muitos textos escritos sequer fariam sentido. Nosso propósito é analisar os textos visuais e os textos escritos enquanto textos de um discurso maior, mais geral. Essa contaminação se dá ora por iniciativa do registro verbal, ora pelo registro visual, a depender daquele que mais fortemente necessita ser representado – seja por analogia, seja por dessemelhança – para atingir seus objetivos comunicacionais, persuasivos ou não.

Arte à Venda

A hipótese de que é possível à publicidade fazer arte nos leva a examinar a possibilidade da convivência de valores estéticos numa linguagem assumidamente comercial. Segundo Winfried Nöth (1987), as opiniões sobre o relacionamento entre publicidade, arte e poesia são bastante divididas, uma vez que os critérios utilizados nos juízos dessa natureza estão calcados não só na produção dos anúncios, como também na finalidade deles.

Paul Valéry, por exemplo, denunciava a publicidade como “uma das grandes doenças do nosso tempo (...) insulta nossos olhos, falsifica todos as marcas, arruína as paisagens e corrompe qualquer qualidade e toda crítica”. (apud Nöth 1987:54). O poeta, ensaísta e crítico não admitia que a atividade comercial invadisse um território tão sagrado quanto o da arte, profanando-o com interesses mercantilistas.
Porém, os profissionais da área não vêem o assunto dessa maneira. Alguns publicitários que se auto-denominam “criativos” definem suas criações como trabalhos artísticos. Nos escritórios publicitários há sempre um “diretor de arte”, que cuida de “criar a peça, executar o layout”. O trabalho desse “diretor”, longe de coincidir com o que Valéry entendia por fazer artístico, dirige-se muito mais à produção do que à concepção e á elaboração propriamente dita da peça publicitária. Eis como um profissional da área fala sobre seu trabalho com arte:
“Um diretor de arte é responsável pelo conteúdo e pela forma aparente. O anúncio tem um texto, um título, geralmente, que é lido. Mas ele é lido, não tem outra forma de percepção. Pode ter duas, três conotações,mas ele é somente lido. Tem muitas outras informações que são passadas para quem está vendo o anúncio de muitos outros jeitos”.(Marcelo Fedrizi, diretor de arte da agência 10 Propaganda, Porto Alegre RS)
Com certeza, esse diretor de arte concorda com o filólogo e lingüista Leo Spitzer que desenvolveu, em 1948, na John Hopkins University, uma tese na qual demonstrava ser a publicidade - “picture with text” – uma forma de arte, uma vez que possui formatos estéticos. Ele não hesitou em denominar a publicidade uma arte popular.




Produção: LEIAUTE PROPAGANDA
Cliente: DONADELLI

Porém, o semioticista Winfried Nöth reluta em aceitar essa tese. Segundo ele, a publicidade pode ser relacionada com a arte – e com muitas ressalvas – quando se apropria de alguns formatos artísticos, ou quando ela mesma pretende fazer arte. No primeiro caso, Nöth questiona a transferência de valor entre objetos artísticos e produtos comerciais:

“A linguagem comercial usa as obras de arte visuais como um signo cuja função é oferecer um produto. Apesar de possuírem nesse contexto um estatuto indicial, a arte é quase sempre representada nas peças publicitárias como um ícone do produto. A contigüidade entre o objeto estético e o produto resulta numa transferência de sentido. O sentido transferido (...) leva consigo um valor, notadamente comercial. A linguagem poética não pode assumir tal função” (Nöth 1987:54)

No segundo caso, Nöth é mais enfático ao demonstrar que não há possibilidade de se afirmar que a publicidade faz arte, uma vez que não há compatibilidade de linguagem.

“A linguagem comercial deve ser necessariamente clara e inequívoca quando define sua proposição, ao passo que o sentido da arte é complexo e semanticamente indeterminado. Em outras palavras, arte é mensagem aberta e a linguagem comercial possui semanticamente mensagens fechadas”.(Nöth, 1987:73)

O crítico de arte inglês, John Berger, autor de “Modos de Ver”, uma das publicações mais importantes sobre a popularização da obra de arte pela sua reprodução massiva nos meios de comunicação, aborda a questão a partir das imagens publicitárias:

A publicidade recheia nosso mundo com imagens (...) nenhum outro gênero de imagem nos defronta com tanta freqüência. Em nenhuma outra forma de sociedade, na história, houve uma tal concentração de imagens, uma tal densidade de imagens visuais” (1999:131)

Para Berger, entretanto, essa invasão de imagens tem propósitos bem definidos. Elas são claramente dirigidas a finalidades mercantis e não podem fazê-lo de maneira dissimulada sob pena de não atingirem seus objetivos.

“A publicidade não é meramente um conjunto de imagens competindo umas com as outras;é uma linguagem ela própria, que sempre está sendo usada para fazer a mesma proposição geral (...) ela sempre faz uma única proposta” (1999:131-132)

Essa proposta não pode ser equivocada ou não pode provocar dúvidas no público ao qual se dirige. Ela não pode perder os referenciais do momento e tem pressa de ser assimilada e introjetada. Por isso, precisa falar no tempo presente, apesar de não explicitá-lo, preferindo dissimulá-lo num futuro próximo e imediato.

“As imagens publicitárias pertencem ao momento (...) contudo nunca falam do presente; freqüentemente referem-se ao passado e sempre falam do futuro” (1999:132)

Assim como Nöth, Berger só admite que possa haver arte na publicidade quando as peças estampam obras de arte conhecidas e famosas para dar autoridade ao produto:

Na publicidade há muitas referencias a obras de arte do passado. Às vezes, a imagem é um franco pastiche de uma pintura conhecida. Imagens publicitárias se utilizam freqüentemente de esculturas ou pinturas para emprestar dignidade ou autoridade às suas mensagens (1999:136-137)

E, como formulando um juízo final sobre o tema do nosso debate virtual sobre a relação entre arte e publicidade, Berger sentencia:

“É um erro pensar na publicidade suplantando a arte visual (...) ela é a forma derradeira e moribunda daquela arte”. (1999:141)


O professor e publicitário Celso Japiassu tem consciência de que não é possível fazer arte quando o interesse comercial se sobrepõe às possibilidades de exploração estética. Ele diz:
“A criação publicitária é um campo onde a criatividade é exercitada com objetivos puramente comerciais. É utilitarista porque precisa convencer as pessoas a comprarem e, mesmo no nicho da propaganda institucional, política ou de utilidade pública, está procurando sempre convencer alguém a fazer ou acreditar em alguma coisa” (Celso Japiassu., in “ Como seríamos Brilhantes sem os Anunciantes”, 2002)


Arte Desinteressada

Porém, seria o caso de nos perguntarmos se a obra de arte está isenta de intenções e de interesses persuasivos, uma vez que esse é o critério decididamente leva tantos críticos e pensadores a considerada “não-arte”. Ela prescinde do convencimento e do interesse da recepção?

Para tentar responder a essas indagações, temos de ir aos conceitos mais amplos de onde deriva o conceito de “arte”. A arte é uma produção estética e estética é, segundo Benedito Nunes, “o que é sensível, o que se relaciona com a sensibilidade”. A experiência estética, para Kant, é baseada na intuição ou no sentimento dos objetos que nos satisfazem, independentemente da natureza que eles possuem. Diante deles temos uma atitude contemplativa, de caráter desinteressado (apud Benedito Nunes 1999:13)

A liberdade para que o objeto artístico fale por si mesmo e evoque tantas quantas imagens for capaz de evocar no intérprete ou fruidor é uma das características mais fortes dos objetos estéticos. Hegel confirma a importância desse atributo da obra de arte, referindo-se aos interesses que orientam a produção do objeto artístico:

“... o interesse artístico se distingue do interesse prático do desejo pelo fato de deixar seu objeto subsistir livremente em si mesmo, enquanto o desejo o destrói ao colocá-lo a seu serviço.” (Hegel, Cursos de Estética. Edusp:1999: 59)

Não há como duvidar de que a publicidade é movida por um interesse prático, imediatista e intrinsecamente ligado ao desejo de quem a produz e de quem a consome como produto cultural. Assim, colocado a serviço do desejo, seu objeto não pode veicular interesse artístico, constituindo – ao menos – uma possibilidade frustrada de realização artística.

Restaria, então, à publicidade , o serviço pragmático da comunicação, ainda que Berger afirme que o mundo dos anúncios é um mundo ficcional no qual sequer existe “acontecimento”:

“A publicidade é desprovida de acontecimento. Ela se estende até onde nada está ocorrendo (...) A experiência é impossível em seu seio. Tudo o que acontece, acontece fora dela.” (Berger, 1999:155)

Possibilidades Artísticas

A contemporizar tais radicalismos, o austríaco Ernest Gombrich, uma das maiores autoridades mundiais em crítica de arte, em, seu livro A História da Arte, parece reconhecer que a publicidade faz arte na modernidade, assim como o fizeram os primeiros hominídeos com as pinturas rupestres:

“Nada existe que se possa dar o nome de Arte. Existem somente os artistas. Outrora eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas” (1999:15)

Assim, Gombrich parece nos desobrigar de todo esse trabalho de pesquisa para nomear o fazer publicitário como fazer artístico. E releva a discussão a um plano quase insustentável, afirmando que não há arte que mereça ser arte “com A maiúsculo”

“Não prejudica a ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas em tempos e lugares diferentes (...) Arte com A maiúsculo não existe” (Gombrich: 1999-15)

As “pinturas nos tapumes” a que se referiu Gombrich, nos remetem à arte do grafismo que ilustra muros, paredes e fachadas de prédios privados e públicos nas grandes cidades, revelando uma dimensão artística inquietante e transgressiva que existe de forma latente nos grupamentos urbanos. Mas também nos remetem aos out-doors e aos cartazes de toda natureza que infestam os espaços públicos.

Se a publicidade recebe grandes influencias da pintura e das demais artes plásticas, ela também influencia artistas das mais diversas tendências e escolas, desde seu advento. Gombrich comenta que:

“Não é por acaso que essa pintura (de Ferdinand Hodler) nos lembra de cartazes, pois o método que a Europa aprendeu no Japão mostrou-se particularmente adequado à arte da propaganda. Foi antes da virada do século que o talentoso seguidor de Degas, Henri de Toulouse Lautrec (1864-1901) recorreu a uma idêntica economia de meios para a nova arte do cartaz” (Gombrich: 553-554)

Ao admitir a “Arte da Propaganda”, cuja origem primeira estaria no oriente, Gombrich nos lembra que alguns grandes nomes da pintura do século XIX e do início do século XX, inspiraram cartazes, os primeiros anúncios, conforme nos ensina A. Moles:

“O cartaz comporta um conteúdo semântico e funcional – promover a venda de alguma coisa – e um conteúdo estético puro, que não se liga diretamente ao precedente, e que, para o arquiteto constitui um campo de interesse especial.” ( Moles, 1974:231)

Esse “conteúdo estético” é justificado por Moles como aquilo que causa prazer aos olhos e proporciona uma espécie de “gratuidade artística”, veiculando valores emotivos e sensibilizando leituras conotativas. Porém, o autor reconhece que tais atributos escapam ao processo de produção consciente do criador desses cartazes. É como se eles incorporassem – independentemente ao autor – atributos estéticos do ambiente e “no” ambiente.

Com ou sem intenção, equiparando-se ou não ao estatuto das escolas de arte, a publicidade parece desfrutar de algum espaço de contemporização no mundo das artes visuais. Porém, em relação à poética, em relação aos textos, motivo primeiro de nossa curiosidade por essa pesquisa, o que podemos dizer?

O Poético, o Publicitário e o Artístico

Sabemos que o poético não é exclusividade da linguagem verbal, sendo esta apenas uma das formas possíveis de sua configuração. Mas, sabemos também que a função poética só se instaura em “linguagens”, sistemas organizados de códigos dos quais o homem se utiliza para se relacionar com o mundo exterior e até consigo mesmo.

A modalidade verbal mais conhecida de inscrição do poético é a literatura e, especificamente, a poesia. As frases de efeito do texto publicitário não se caracterizam como literatura e muito menos como poesia. Elas parecem estar a serviço de uma faceta do comportamento humano que exige fórmulas condensadas e sintéticas de comunicação dirigida a finalidades específicas.

Poderíamos, assim, englobar sob esta caracterização todas as formas econômicas e altamente persuasivas de se transmitir alguma informação. E foi neste contexto que verificamos a existência de incisivas marcas poéticas, capazes de conferir ao texto publicitário algumas características comuns a tantas outras obras de arte da literatura.

Da mesma forma como ocorre com as representações visuais, a finalidade a que se prestam essas fórmulas frasais levanta outra questão intrigante: seria a publicidade uma forma poética vulgar? Poderíamos considerá-la poética, não obstante servir a interesses meramente consumistas? É poética uma estrutura verbal que possui intenções objetivamente definidas a priori ? Uma insinuação metafórica altamente denotada perde o caráter poético?

Como vimos em “A Arte dos Slogans” (Iasbeck, 2002) , muitos slogans de boa qualidade artística, que operam com metalinguagens e figuras de linguagem bem elaboradas, de certa forma, atestam que o poético não é apenas o que emociona, mas também o que emulsiona o espírito do homem, alargando-lhe as potencialidades de percepção e de comunicação. Essa característica (levar à ação) tão cara à publicidade está no cerne dos objetivos comerciais dos anúncios e, ao mesmo tempo em que possibilita o atingimento de suas finalidades, sensibiliza os padrões estéticos de um público disperso e heterogêneo, social e culturalmente.


Artista , Artesão ou Artífice?

Assim como o artesão nem sempre tem consciência de que em sua produção estão inscritos os signos de uma comunidade, de uma cultura, de uma identidade social, assim também o publicitário não é capaz, muitas vezes, de se dar conta da dimensão sócio-cultural das concepções criativas presentes no anúncio que elabora.

O homem de propaganda está constantemente sintonizado com necessidades prementes e imediatas que devem ser satisfeitas para agradar ao cliente, ao anunciante e motivar o consumidor, propiciando o tão ansiado retorno comercial. Para tanto, empenha-se em produzir uma comunicação publicitária com a qual seu público-alvo se identifique, capaz de corresponder às expectativas desse público, ou pode ousar aquilo que o meio publicitário tanto celebra como genialidade em concursos e festivais no mundo inteiro. Evidentemente, aqui os problemas são encarados de forma diversa, demandando decisões administrativas, políticas e negociais, questões bem distantes daquelas que ocupam a maioria dos teóricos.

A originalidade dos apelos, o que comumente se denomina 'criatividade' em propaganda, resulta quase sempre de transgressões à hierarquia dos códigos, à organização standard da linguagem (seja ela escrita, sonora ou visual), a estereótipos consagrados. Porém, grande parte dessas novidades se institucionalizaram na linguagem, incorporando-se ao acervo das modernas técnicas de publicidade como eficazes mecanismos retórico-persuasivos. Umberto Eco assim se manifesta sobre a função da originalidade nos anúncios publicitários:
“... um publicitário responsável (e dotado de ambições estéticas) sempre tentará realizar o seu apelo através de soluções originais e que se imponham pela originalidade, de modo que a resposta do usuário não consista apenas numa reação do tipo inconsciente ao estímulo erótico, gustativo ou tátil desencadeado pelo anúncio, mas também num reconhecimento da genialidade, reconhecimento que reverbera sobre o produto, impelindo a um consenso que se baseie não só na resposta do tipo este produto me agrada, mas também este produto me fala de modo singular e, por conseguinte, este é um produto inteligente e de prestígio.” (Eco, 1987:157)
Mas será a genialidade apenas resultado de transgressões originais?

O dado novo e surpreendente que tanto valoriza os anúncios – fazendo com que o prestígio advindo do discurso recaia sobre o produto anunciado – constitui apelo tão enfático que até poderíamos dizer sem exageros que o consumidor não compra o produto, mas leva para sua casa o discurso do produto.

Ao articular novidades e inventar o inusitado, o publicitário está, na realidade, fabricando – como um operário – a tessitura da trama social que revitaliza o universo das linguagens e enriquece os repertórios da cultura. Reduzir sua função a um hábil anunciador de mercadorias é deixar de lado o contexto semiótico do qual ele recolhe os signos, detonando novas semioses .

Em última análise, porém, cabe ao publicitário produzir anúncio. É esta sua função profissional, é dela que ele, como simples artesão ou artífice, sobrevive. Embora tal conclusão não resolva o problema levantado no início desse texto, pelo menos fornece a ele contornos mais definidos, deixando em aberto a questão inicial. É sempre bom, entretanto, ressaltar aqui o que diz Robert H. Srour:
“... a prática não é exclusiva das atividades voltadas para a sobrevivência: pensar é um modo particular de intervir na realidade. (...) A prática cognitiva integra um conjunto articulado de práticas que se poderia denominar prática social. (...) Ao lado da prática ideológica que gera evidências retóricas não susceptíveis de demonstração, podemos localizar, no mesmo âmbito cultural, a prática cognitiva, cujos produtos são conhecimento.” (apud Santaella Braga, 1980:34)
Não são muitos os estudiosos interessados em pensar o “saber” publicitário. A primazia do modus operandi, do fazer material sobre o pensamento, talvez não nos dê muito espaço para expandir a discussão sobre o estatuto artístico da publicidade. Porém há muitos que admitem – e exploram – a competência da publicidade em “fazer sonhar”. Ainda que com interesses mercantis, ela precisa alimentar-se da cultura que a produz e dela necessita. É por isso que Berger afirma:

“A publicidade é a vida dessa cultura – uma vez que sem ela o capitalismo não poderia sobreviver – e este é, ao mesmo tempo, o seu sonho” (1999:156)
“O sonho é sempre pessoal para o sonhador. A publicidade não fabrica sonhos. Tudo o que ela faz é propor a cada um de nós que ainda não somos invejáveis, mas poderíamos ser.” (1999:151)






Referências Bibliográficas

ECO, Umberto. A Estrutura Ausente, coleção Estudos n.6, Ed. Perspectiva, São Paulo:1987
GOMBRICH, E.H. A História da Arte. 16º Edição LTC. Rio de Janeiro: 1999
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética.Edusp. São Paulo: 1999.
IASBECK, Luiz Carlos A. A Arte dos Slogans. Ed. Annablume. São Paulo SP.
MOLES, Abraham. O Cartaz. Ed. Perspectiva. São Paulo: 1974.
NÖTH, Winfried. Advertising, Poetry and Art: Semiotic reflection on Aesthetics and the Language of Commerce, in “Ars Semeiotica Vol. 10. Gunter Narr Verlag . Tübingen: 1987.
NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. Ed. Ática. São Paulo 1989.
PEREZ TORNERO, J.M. (1982), Semiótica de la Publicidad, Editorial Mitre, Barcelona BERGER, John. Modos de Ver. Ed. Rocco. Rio de Janeiro: 1999
SANTAELLA, M.L. Produção de Linguagem e Ideologia, Cortez Editora, São Paulo: 1980.
SPITZER, Leo. American Advertising Explained as Popular Art, in Spitzer “Essays of American and English. Ed. Anna Hatcher. Henri Peyre, Foreword. Princeton, NJ: Princeton UP: 1962.
ZAYAS, E. C. La Imagen Fija en la Publicidad, in: Revista FACE Vol 1 n.2, Julho/dezembro 88, EDUC, Editora da PUC SP. pp 51-65 (1991



Sites da Internet citados
http://www.umacoisaeoutra.com.br/marketing/cannes.htm
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