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Ensaios-->Incomunicação no Cotidiano da Mídia -- 14/09/2004 - 00:16 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Incomunicação de Massas no Cotidiano da Mídia

Congreso FELS – Buenos Aires 2002


Autor:
Prof. Dr. Luiz Carlos Assis Iasbeck
Instituição:
UPIS – DF e FAC/UnB – Brasília (DF) - Brasil
Área Temática:
Estereótipos, enunciados fixos, sintagmas congelados nos discursos sobre o cotidiano.

Resumo

& 61446;O avanço irrefreável das tecnologias de comunicação tem disponibilizado ao mercado de consumo uma infinidade de novos equipamentos e serviços. & 61447;As telecomunicações deveriam estar possibilitando, dessa maneira, a realização do sonho ancestral de uma sociedade mundializada, a utopia da globalização. & 61448;Paradoxalmente, porém, não é isso que temos observado. & 61448;A deterioração qualitativa no intercâmbio de conhecimentos entre os povos, entre grupos sociais e profissionais, entre empresas e entre os cidadãos tem se dado se forma avassaladora. & 61449;O fenômeno da incomunicação – termos usado por Otávio Paz e por alguns estudiosos da semiótica da cultura para designar os desencontros provocados pela impossibilidade da não-comunicação (Watzlawick) - ganha espaços em diversos setores da atividade humana, acirrando conflitos e tornando irremediável a convivência tolerante e respeitosa entre oposições e opositores. & 61450;Os meios de comunicação, justamente aqueles lugares privilegiados nos quais a novidade (news) deveria arejar a tendência ao tédio, à monotonia e à rotina autofágica, são os que mais sucumbem a esse tipo de stress comunicativo. & 61451;Resistindo às pressões da crescente complexidade do mundo atual, a mídia tem se nivelado cada vez mais por baixo do repertório médio de seus públicos, oferecendo leituras pasteurizadas, de baixo teor crítico, e apelando - sem escrúpulos - para as formas fixas de pensamento e expressão.& 61452;Neste trabalho, oferecemos um estudo desses fenômenos, bem como um ligeiro panorama crítico de algumas modalidades de estereótipos, aqui entendidos como interpretantes sígnicos limitados e resistentes à infinitude da semiose, tal como nos ensina Charles Peirce em sua Teoria Geral dos Signos.


A Incomunicação de Massas no Cotidiano da Mídia



1 - O avanço irrefreável das tecnologias de comunicação tem disponibilizado ao mercado de consumo uma infinidade de novos equipamentos e serviços.

1.1 Dos primórdios da primeira revolução industrial à revolução industrial na América do Sul passaram-se quase dois séculos. Desde então as máquinas dominaram a cena da produção, substituindo braços e mentes, numa velocidade espantosa e surpreendente, sobretudo para os países do terceiro mundo, acostumados a receber com considerável atraso, os resultados da evolução tecnológica que acontecia na Europa e no norte da América. Os espetáculos sangrentos presenciados por todo o mundo nos dois conflitos de proporções mundiais da primeira metade do século XX abriram o caminho tecnológico para o desenvolvimento da comunicação, especialmente para as pesquisas que pretendiam encurtar distâncias otimizando os recursos de telecomunicação.

1.2 A popularização da televisão, no início da segunda metade do século, não deixou dúvidas de que esse seria o caminho do desenvolvimento para os novos tempos. Surpreendidos com as possibilidades que a eletrônica abria para o encurtamento das distâncias, Marshall McLuhan previu o encurtamento do mundo, a paroquialização do planeta e perda da intimidade nas suas obras pioneiras da década de 60/70. Ele sabia que “qualquer tecnologia cria, gradualmente, um ambiente humano totalmente novo”, como bem alertou na introdução à segunda edição de Understanding Media .

1.3 Os equipamentos que essa nova tecnologia proporcionou são, em sua maioria, invasivos: permitem a intromissão na vida e na rotina das pessoas, coletivizando o que antes era exclusivo e escancarando o era sutilmente insinuado. Essa idéia de “coletivização” antecede em muito a noção de “rede” (web), hoje excessivamente desgastada, embora bastante pertinente para descrever o conjunto de vínculos que atam individualidades.

1.4 McLuhan tinha, também, presente os problemas que uma revolução nas comunicações pode causar na vida das pessoas. Era ele quem afirmava que “cada nova tecnologia cria um ambiente sócio-histórico-econômico considerado corrompido e degradado”, mas nenhuma revolução científica anterior tinha proporcionado tamanha repugnância contra as fórmulas passadas:

“todas as culturas e todas as eras possuíram se modelo favorito de percepção e conhecimento e rendiam a receitá-lo para tudo e para todos. A característica de nosso tempo é sua repugnância contra todas as fórmulas impostas” (introdução à primeira edição de Understanding Media, p. 21).


2 - As telecomunicações deveriam estar possibilitando, dessa maneira, a realização do sonho ancestral de uma sociedade mundializada, a utopia da globalização

2.1 Os novos modelos que surgiam com a disseminação da TV e com a popularização do jornalismo on-line praticado pelo rádio foram moldados sobre a crença de uma nova redenção, de uma nova era responsável por reunir os fragmentos que o conhecimento especializado tinha disseminado:

Após três mil anos de explosão, por meio de fragmentação e tecnologias mecânicas, o mundo ocidental implode. Hoje, após mais de um século de tecnologia elétrica, estendemos o nosso próprio sistema nervoso central num amplexo global, abolindo o espaço e o tempo, ao menos no que se refere ao nosso planeta ( idem, p.19)

2.2 McLuhan pensava de maneira lógica, diagnosticava seu tempo com rara sensibilidade semiótica e lançava as sementes daquilo que se realizaria com o advento e a popularização da telemática. A revolução eletrônica, sucessora da revolução elétrica, acelerou drasticamente a velocidade das mudanças, reduzindo os prazos de aperfeiçoamento de máquinas e, conseqüentemente, atropelando a ordem natural que até então vigorava entre homem e tecnologia. A partir de então, a técnica jamais se submeteria às demandas e aos problemas surgidos da exploração humana. Proclamou sua independência, invertendo os papéis da dependência: agora, ao se auto produzir e reproduzir, faz com que seus “usuários”, ex-exploradores, se esforcem para manter em dia as “novidades” que cada passo a frente proporciona.

2.3 O avanço das telecomunicações, a massiva disseminação e popularização de meios informatizados de produção, transmissão, recepção e armazenamento de dados tornaram urgente a necessidade de repensarmos a “aldeia global”, já anunciada por Mc Luhnan mas de conseqüências imprevisíveis para os modos de vida até então institucionalizados.

2.4 “O incomparável é incompreensível”, afirmava o filósofo tcheco Vilém Flusser na introdução da coletânea de instigantes críticas sociais de nosso passado recente, que ele denominou “Pós-História” . A velocidade das mudanças instigada pela disponibilização de meios de telecomunicação exige que reciclemos, periodicamente, nossos estoques de experiência. Não podemos permitir que esse acervo caia no esquecimento ou se estresse na memória, impedindo-nos de promover as analogias necessárias à compreensão da avalanche de novidades que os tempos atuais nos oferecerem. Que outra maneira teríamos de acompanhar as mudanças senão ativando a memória para melhor absorver os estímulos da novidade? A essa absorção corresponde, também, uma certa dose de esquecimento.

2.5 O esquecimento é condição para que possamos lembrar. Sem esquecimento não há reminiscência e, conseqüentemente, não há cultura. Paul Zunthor, estudioso da oralidade, afirma que “nossas culturas só se lembram esquecendo ... rejeitam sempre uma parte do que, no dia-a-dia, tornaram experiência” . Também os pesquisadores russos da Semiótica da Cultura nos lembram que as culturas precisam esquecer para absorver novidades provenientes da sua corresponde não-cultura. São essas contribuições que arejam qualquer cultura e impede que amadureçam e se deteriorem em torno de suas experiências e crenças auto centradas:

Descritas do ponto de vista externo, cultura e não-cultura aparecem como esferas mutuamente condicionadas que necessitam uma das outra. O mecanismo da cultura transforma a esfera externa em interna, ou seja, desorganização em organização, ignorantes em iniciados, pecadores em santos, entropia em informação. Pelo fato da cultura não viver somente da oposição das esferas internas e externas, mas também de se movimentar entre elas, ela não somente luta contra o caos externo, mas dele também necessita; ela não somente o destrói, como continuamente o cria. Uma das ligações entre cultura e civilização (e caos ) consiste no fato de que a cultura considera estranhos — em favor de sua antípoda — certos elementos desgastados que se tornam clichês e funcionam na não-cultura. Assim, na própria cultura a entropia aumenta à custa da máxima organização. (Tese 1.2.0 - Lotman et alii, 1988)

2.6 O intenso trânsito comunicativo entre cultura e não-cultura, além de levar ao descarte de valores desgastados e à adoção de novas crenças e convicções, promove uma certa “crise” no interior das culturas. Entretanto, absorver contribuições de fora de maneira descontrolada pode ser politicamente perigoso, principalmente se o intercâmbio não mantiver equilibrado o fluxo de estímulos-resposta. O fenômeno da globalização, sensível na dimensão das trocas econômicas entre culturas e nações já nos deu mostras de que não é viável integrar e dominar ao mesmo tempo, embora seja essa a tendência de toda cultura expansionista.

3 - Paradoxalmente, porém, não é isso que temos observado. A deterioração qualitativa no intercâmbio de conhecimentos entre os povos, entre grupos sociais e profissionais, entre empresas e entre os cidadãos tem se dado se forma avassaladora

3.1 O desejo de unificação, sonho ancestral do homem, animal solitário que precisa vincular-se a tudo e a todos para superar simbolicamente sua precária situação existencial, não nos parece realizável a despeito do avanço de tecnologias que possibilitam o intercâmbio rápido e intenso de informações entre culturas, entre cultura e não-cultura. O que presenciamos hoje é, por um lado, um aumento sensível de redundância e, por outro, de um acentuada dose de incomunicação, o que acelera o processo de empobrecimento das trocas e, em seguida, do arsenal das culturas.

3.2 O intercâmbio do conhecimento tem sido bastante estimulado pela disseminação de mídias poderosíssimas e de seu crescente (e assustador) aumento da capacidade de armazenar, disponibilizar e buscar informações. A Máquina Universo, de Pierre Levy, revolucionou em três ou quatro décadas os ritmos e os espaços da vida cotidiana, aliviando a memória de trabalho das pessoas e oferecendo a (ainda) insegura segurança de que nada mais se perde, desde que armazenado em tecnologias digitais.

3.3 Como é possível guardar quase tudo, protela-se o descarte para o momento inevitável, cada vez mais adiado pelo aperfeiçoamento da tecnologia de armazenamento. Os computadores domésticos de hoje já armazenam 80 gigabytes de informações, o que corresponde a cinco vezes a capacidade de armazenamento dos primeiros computadores utilizados na sede secreta do exército norte-americano há algumas décadas atrás. A sensação de deter a memória, de preservá-la para uso imediato a um toque de teclado, tem levado as pessoas a acomodar o esquecimento em tecnologias, o que seria bastante interessante se, em contrapartida, tal atitude não levasse aos des-critério na seleção do que pode ser apropriado.

3.4 Se, por um lado, o acúmulo de informações inúteis ou de pouca ou nenhuma utilidade, desprovidas de valor estético e/ou ético não ocupa espaço a ponto de exigir decisão de armazenamento ou circulação nos meios virtuais, por outro, representa um estoque de baixo nível a disposição daqueles que não sabem selecionar o que pode render um bom diálogo capaz de instigar o aprimoramento e o arejamento de sua cultura particular, da cultura de seu grupo e demais sistemas nos quais interage.


4 - O fenômeno da incomunicação – termos usado por Otávio Paz e por alguns estudiosos da semiótica da cultura para designar os desencontros provocados pela impossibilidade da não-comunicação (Watzlawick) - ganha espaços em diversos setores da atividade humana, acirrando conflitos e tornando irremediável a convivência tolerante e respeitosa entre oposições e opositores.


4.1 O termo incomunicação tem sido usado por alguns de estudiosos da comunicação para designar as situações em que a comunicação não cumpre sua função de tornar comum o incomum ou mesmo quando, paradoxalmente, o emissor fala para si mesmo, não possibilitando o fluxo emissão – recepção – resposta. Lucien Sfez utiliza o termo tautismo para designar as situações em que a comunicação ganha conotação tautológica, dirigindo-se a si mesma sem cumprir o ciclo vinculador entre emissor e receptor.

4.2 incomunicação não é, portanto, um defeito de comunicação ou um problema de qualidade. É a ausência da comunicação que, em essência, dirige-se ao outro, ainda que ele seja intermediado por tecnologias interativas. Norval Baitello Jr refere-se às tecnologias da comunicação como altares que se erguem entre os indivíduos; para ele, esses altares ao capitaliarem para si mesmos os fins comunicativos do qual seriam mediadores, também promovem a incomunicação. Nesses casos, a incomunicação chega às massas.

4.3 A mídia que viabilizou a aldeia global vislumbrada por Mc Luhan deve à globalização a prometida integração planetária, pois o que podemos observar hoje é uma fragmentação ainda maior das culturas e dos saberes. A complexidade nunca esteve tão bem assentada nos bancos acadêmicos e nas categorias profissionais, cada vez mais especificamente técnicas. Diante de tal reversão de expectativas, poderíamos nos perguntar se esse fenômeno – por alguns conhecido e divulgado à exaustão como pós-modernidade – não está sendo fartamente alimentado pela incomunicação de massas. E mais: poderíamos nos perguntar, nesse momento, a quem interessa tal estratégia.

4.4 Por alguns segundos, tal insinuação pode nos remontar à década de 70 do século passado, quando a televisão – mídia emergente – era acusada de alienar os indivíduos e, com isso, impedir a formação da consciência crítica e o exercício da faculdade de decidir. Não foram poucos, também, os que exorcizaram a TV, mas que logo depois entenderam tratar-se de uma nova tecnologia irreversivelmente instalada no modo de vida das pessoas. Ao trazer seletivamente para dentro o espaço de fora, a mão invisível do editor passou a controlar respostas e a administrar a natureza da interação. No caso, um arremedo de interação, uma vez que a resposta não chega ao emissor (ou à emissora) senão tratada, filtrada por pesquisas interessadas em satisfazer os desejos da produção.


5 - Os meios de comunicação, justamente aqueles lugares privilegiados nos quais a novidade (news) deveria arejar a tendência ao tédio, à monotonia e à rotina autofágica, são os que mais sucumbem a esse tipo de stress comunicativo.


5.1 Vicente Romano, semioticista espanhol, ao se debruçar sobre o estudo dos meios de comunicação, desenvolvendo algumas idéias defendidas pelo comunicador alemão Harry Pross, afirma que o estudo dos meios não se justifica apenas para entendermos os seus mecanismos de funcionamento, mas – sobretudo - para compreendermos em que condições eles proliferam. Isso porque “tudo o que tem a ver com informação e com a comunicação está relacionado também com o poder, a violência e a impotência ... o objetivo do seu estudo está em descobrir as condições de liberdade ou de falta de liberdade do homem na comunicação pública”. (Romano: 1993:61-62).

5.2 Os meios são classificados por Romano em primários (aqueles em que a interação é desintermediada), secundários (aqueles nos quais há uma máquina amplificando a emissão) e terciários (aqueles nos quais uma máquina é necessária para a emissão e outra para a recepção). As características das diferentes tecnologias utilizadas interferem diretamente na relação interativa, uma vez que o acesso a elas e as condições em que elas podem ser ajustadas e reajustadas é que vão determinar as relações de poder.

5.3 A televisão, mídia terciária por excelência, assim como o computador conectado a uma rede, são poderosos instrumentos capazes de simular interações nas quais o receptor tem a ilusão de estar interferindo na produção. As estratégias comunicativas traçadas de antemão, ao proporcionarem ao receptor a sensação de participação (e, portanto, pertencimento) levam-no a se comportar na direção pretendida pelo emissor-manipulador.

5.4 O script está pronto. Entrevistado na TV o povo, o cidadão comum parece seguir fielmente a trilha já conhecida de todos. As afirmações dos repórteres e entrevistadores são confirmadas ou reconfirmadas, de acordo com as insinuações que as perguntas normalmente estereotipadas já carregam em si mesmas: “sem dúvida”, “com certeza”, “perfeitamente” são as palavras clichês utilizadas para iniciar uma resposta para a qual só resta a concordância; “ na verdade”, “na realidade”, “ propriamente dizendo” são outras formas suaves de esboçar alguma resistência – também clicherizada – às indagações do profissional da mídia. Este profissional, por sua vez, aprendeu a falar segundo a cadência que marca a identidade da empresa, oferece alternativas binárias excludentes para que seus interlocutores sejam breves e decisivos em suas respostas. O tempo da mídia é caro e só pode ser usufruído por quem tem o poder de utilizá-la a serviço de seus próprios interesses.

5.5 O período em que vivemos atualmente no Brasil está farto de casos que ilustram o tempo perdido com discursos absolutamente vazios, para confirmar e reconfirmar o que todos já sabem ou podem supor. No período que antecede as eleições presidenciais, a TV impõe-se ainda mais à opinião pública, formatando tempos, espaços, tomadas de câmera, iluminação e efeitos especiais, tudo a serviço de um discurso previamente arranjado para sensibilizar. É a incomunicação conduzindo as massas às previsíveis e inevitáveis escolhas coletivas, sem um mínimo de consciência política ou poder de crítica. É nesse sentido que Vicente Romano afirma ser a mídia – especialmente a terciária – tão importante para assegurar as estruturas de poder.

5.6 Assegurar que a rotina do cotidiano preserve e cristalize significados e instaure clichês imperturbáveis, este parece ser o grande objetivo de todo e qualquer instrumento de dominação. O modelo de eficiência obtido pela TV não lhe é próprio. Foi herdado do rádio – como afirma Ferrari Nunes em sua dissertação de mestrado sobre a voz no rádio – e transmitido aos produtores de informação em rede na Internet.


6 - Resistindo às pressões da crescente complexidade do mundo atual, a mídia tem se nivelado cada vez mais por baixo do repertório médio de seus públicos, oferecendo leituras pasteurizadas, de baixo teor crítico, e apelando - sem escrúpulos - para as formas fixas de pensamento e expressão.

6.1 Esse modelo está calcado em arquétipos e estereótipos, compartilhados regionalmente e distribuídos globalmente. Algumas formas fixas de pensar e reagir, exibidas à exaustão para o grande público exposto às mídias terciárias, terminam por determinar como devem se comportar aqueles que querem ser aceitos pelo grupo. A irrefreável tendência a “pertencer”, motor de qualquer ato de comunicação, não deixa escolhas a quem quer estar “por dentro” e não tem como reagir às pressões absorventes do grande grupo.

6.2 Sintoma irrefutável dessa tendência é o formidável poder aglutinador das frases feitas e dos chavões, expressões cujos sentidos – cristalizados – não podem girar em torno de mais de um interpretante, normalmente incapacitado para se proliferar em novas semioses. Tognoli, em sua dissertação de Mestrado intitulada “A Sociedade dos Chavões”, afirma, apoiado em Husserl e Lorenzer, que os chavões são expressões dessimbolizadas “pelo parco universo verbal a simbolizar a realidade e os fatos”. Que eles existam e sejam importantes – como economia de expressão ou ferramenta de identificação - para uma determinada parcela da população não se pode questionar. O que nos interessa ressaltar é que o uso de chavões pela mídia como “componentes insubstituíveis no processo de feitura da informação” reduz drasticamente as possibilidades exploratórias dos objetos a que eles se prestam a representar, afunilando, para o receptor, perspectivas de exercício do pensamento crítico e do poder de decidir pela melhor (ou mais adequada) interpretação da notícia.

7 - Neste trabalho, oferecemos um estudo desses fenômenos, bem como um ligeiro e breve panorama crítico de algumas modalidades de estereótipos, aqui entendidos como interpretantes sígnicos limitados e resistentes à infinitude da semiose, tal como nos ensina Charles Peirce em sua Teoria Geral dos Signos.

7.1 Vejamos, então, alguns clichês e chavões utilizados cotidianamente pela televisão e pelos jornais. São frases, palavras e expressões que não podem suportar multiplicidade de interpretantes. Por isso conduzem o interlocutor ao silêncio ou à incomunicação, tal como a situamos aqui.
A sangue frio ---
Abriu as comportas
Abrir o jogo
Acenar com possibilidades
Ajuste de contas
Ao pé da letra
Apertar o gatilho
Apagar incêndio
Aos trancos e barrancos
Atingir em cheio
Bala perdida
Braço armado
Batata quente nas mãos
Caça às bruxas
Carregar nas cores
Carreira meteórica
Cair por terra
Cartada decisisva
Chumbo grosso
Cavar a sepultura
Crivar de balas
Corpo a corpo
Cultivar idéias
Curto e grosso
De corpo e alma
De ponta a ponta
Despencar dos índices
Dias contados
Dias de Glória
Dose cavalar
Driblar a lei
Duras penas
Ensaio geral
Enxurrada de votos
Exame de consciência
Faturar alto
Fazer o que se pode
Fechar negócio
Filtrar informações
Forjar idéias
Fundo do poço
Guardar no bolso do colete
Ganhar corpo
Hora da verdade
Jogar pá de cal
Lançar mão
Limpar o nome
Lei do mais forte
Lavrar idéias
Mão na roda
Meias verdades
Meias palavras
Morrer de amores
Pano de fundo
Passe de mágica
Pé de igualdade
Peça-chave
Passaporte carimbado
Pisar em brasas
Poder de fogo
Precisão cirúrgica
Pôr na mesa
Primeiros passos
Rachar ao meio
Renovar esperanças
Rios de lágrimas
Ritmo de festa
Ranger os dentes
Sair pela porta dos fundos
Sacudir a poeira
Seguir à risca
Sentir na pele
Sexto sentido
Sob o signo
Sujar a barra
Surtir efeito
Sob fogo cerrado
Sob a batuta
Tábua de salvação
Tempo hábil
Tiro no escuro
Trazer à tona
Tiro de misericórdia
Trocar tiros
Trazer na bagagem

Bibliografia

BAITELLO Jr. Norval. O Animal que Parou os Relógios. Ed. Annablume. São Paulo. 1997
BEHAR, Lisa Block de. El Lenguaje de la Publicidad. Siglo Ventiuno Editores. Buenos Aires. 1994
FERRARI NUNES, Mônica Rebecca. A Memória na Mídia – A Evolução das Memes de Afeto. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, PUC/São Paulo, 1998.
FLUSSER, Vilém. Pós-História – vinte instantâneos e um modo de usar. Livraria Duas Cidades: São Paulo.1983.
IASBECK, Luiz C.A. A Arte dos Slogans. Ed. Annablume. São Paulo. 2002.
LÉVY, Pierre. A Máquina Universo – Editora Piaget. Lisboa. 1995
LOTMAN, Yuri et alli (1979) – “Tesi per un analisi semiotica della cultura”, in La Semiótica nei Paesi Slavi. Milano: Feltrinelli. A cura di Carlo Prevignano. Pp 944-1020
Mc LUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem ( Understanding Media). Cultrix: São Paulo. 1974.
ROMANO, Vicente. Desarrolo y Progreso – Por uma ecologia de la comunicación. Teide Editorial. Barcelona,. 1993
TOGNOLLI, Cláudio Júlio. A Sociedade dos Chavões. Dissertação de Mestrado. ECA/USP. São Paulo, 1992
VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico. Editora 34. Rio de Janeiro. 1994
ZUNTHOR, Paul. “L´Oubli et la Tradition, in Politiques de L´Oubli – Le Genre Humain. Paris: Seuil, p. 106. Citado por Ferrari Nunes em “A Memória na Mídia”, tese de doutorado. PUC/SP,1998



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