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Ensaios-->O Dinossauro, por J. O. de Meira Penna -- 19/09/2005 - 10:44 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tendo em vista as dificuldades políticas por que, novamente, passa o país, numa sucessão de “maior crise de nossa história” que, periodicamente, atordoa o Brasil desde o 15 de novembro de 1889, estou oferecendo aos amigos e colegas da lista-l, em anexo, o texto do capítulo 11 de meu livro já esgotasdo O DINOSSAURO (T. A. Queiroz Editora, S. Paulo 1988).

Não obstante já velho de 17 anos, o problema levantado, sobre a burocracia brasileira, não parece haver sido resolvido. Depois de um princípio de des-estatização ao tempo do Presidente Collor, mantido em parte pelo Presidente FHC, o peso do dinossauro empreguista continua a deter o desenvolvimento do país nos seus “três poderes” e aos níveis federal, estadual e municipal – sendo o municipal talvez o pior dos três.

Cordial Abraço

Meira Penna

www.meirapenna.org

*******************

Capítulo 11

O DINOSSAURO
(ensaio sobre a burocracia brasileira)

José Osvaldo de Meira Penna (*)

O Brasil é o país das certidões, dos documentos carimbados com firma reconhecida, dos “processos” tão pesados e lentamente elaborados quanto o Antigo Testamento, das filas intermináveis no suplício medieval dos guichets. É o país onde o processo de aposentadoria de um velho e cansado funcionário, que tudo deu pelo Estado, sofre a via dolorida de, pelo menos, 193 encaminhamentos (se devemos dar crédito a um ministro do Planejamento), antes de ser despachado em favor do beneficiário. Outro ministro certa vez apresentou, na televisão, dezenas de metros de formulários, colados uns ao lado dos outros, para ilustrar qual a documentação necessária a um processo de exportação: verdadeira jibóia destinada a estrangular o afoito que pretendeu vender ao estrangeiro soutiens de senhoras.

O Brasil é um país onde o requerente tem de provar que está vivo, eis que maior crédito é dado ao atestado de óbito do que ao corpo do defunto. Certa vez, um diplomata aposentado que vivia no exterior e tinha trimestralmente de enviar ao Tesouro prova de que ainda permanecia vivo – recebeu seus proventos em janeiro e recebeu em julho; mas não conseguiu receber em abril – porque se esquecera, no segundo trimestre, de enviar o atestado necessário. Como explicar esse culto ao papelório e essa crueldade burocrática, à luz da tese de que somos essencialmente um povo bom, afetivo, cordial e não um povo intelectual, cerebrino e amigo das letras?

Vejam os seguintes casos, noticiados por uma jornal do Rio, em julho de 1986: Iraci, portadora de síndrome labiríntica crônica, necessitava com urgência do medicamento argentino Tanakam, mas só o obteve após oito meses de luta. O auxiliar de almoxarife Carlos Palhares de Azevedo morreu em 1905 e seus herdeiros tentam até hoje, 81 anos depois, corrigir a pensão a que têm direito. A professora universitária Maria das Graças Figueiredo da Luz, sob a proteção de leis, reivindica o direito de transferência do Rio Grande do Norte para a Bahia e hoje, nove meses depois de iniciado o processo, só conseguiu obter dezenas de assinaturas em seus documentos.

Precisa-se aqui de um “cartão de leitor” com dois retratos 3x4 para se consultar um livro na Biblioteca Nacional – o que denuncia evidente desconfiança para com o cidadão alfabetizado. No Brasil, o passaporte, a contragosto concedido pela polícia para que seja válido e faça fé perante as autoridades dos países amigos, não é aceito aqui mesmo como documento de identidade válido e fiel. Aliás, o brasileiro nato que deseja passaporte para viajar tem que comparecer à Delegacia de Estrangeiros.

No Brasil, também vigora (ou vigorava até recentemente) a “declaração de próprio punho” – por incoercível desconfiança para com as máquinas de escrever. E também só agora é aceita como autêntica a cópia xerox por antiga desconfiança para com as máquinas fotográficas ou fotocopiadoras. Demora-se no Brasil quinze dias para obter um atestado de bons antecedentes porque todo cidadão, até prova em contrário, é considerado mentiroso e salafrário... Neste nosso país um doente, à morte, que dá entrada no Hospital do INAMPS, tem previamente de apresentar contra-cheque, fotografia e certidão de casamento. Um candango que precisa obter uma carteira de identidade no INI de Brasília tem que tirar fotografia com paletó e gravata: só assim se “identifica”... Um cadáver de brasileiro, embarcado no exterior para ser enterrado no abençoado torrão natal, deve ser legalizado, pagar emolumentos consulares e ser despachado com a classificação: “espécimen de história natural”, sem o que não vencerá a barreira do Aquerontes alfandegário. Nessa barreira, uma escultura metálica de Mary Vieira foi certa vez embargada porque classificada como sobressalente de automóvel com similar nacional, sem licença de importação. Dois elefantes doados pela Índia para o jardim zoológico do Rio também não atravessaram o Styx. Pudera! Enorme esforço é empreendido pelo Estado para o desenvolvimento de nossas inesgotáveis potencialidades turísticas – e no entanto este mesmo Estado ergue, em suas repartições, uma barreira de desconforto, impolidez e terror destinada a afugentar o mais entusiástico admirador de Copacabana e das Cataratas do Iguaçu. Barreiras fiscais internas, denominadas “Barreiras do Inferno”, compartimentam ainda o país, semelhantes às que dividiam a Europa antes da Idade da Razão (no Rio Reno, existiam em fins do século XIV, sessenta e quatro estações para pagamento de portagem). Seu objetivo, no entanto, é pesar os eixos dos caminhões e cobrar um imposto dito “de Circulação”...

Mal de muitos consolo é: visitando o Brasil em 1832 – uma experiência inolvidável para ele e para a ciência, pois aqui se inspirou antes de escrever A origem das espécies – Charles Darwin teve que obter um passe, a fim de penetrar no interior. Sua experiência foi semelhante à de outro famoso colega, “um tal barão de Humboldt”, que também, no alto rio Branco, se deparou com a desconfiança do burocrata brasileiro. Eis o que escreve Darwin em seu Diário: “Passou-se o dia procurando obter passaporte para minha expedição pelo interior. Não é nada agradável a gente submeter-se à insolência de funcionários públicos, mas se submeter aos brasileiros, que são tão desprezíveis no espírito como miseráveis no corpo, chega a ser intolerável. A perspectiva, porém, de ver uma floresta que é habitada por belas aves, macacos, preguiças e lagos onde moram jacarés, fará qualquer naturalista lamber o pó que acaba de ser pisado até mesmo pelo pé de um brasileiro”... Como explicar esse caráter agressivo da burocracia patrimonialista, num país que se orgulha de ser tolerante e ambiciona desenvolver-se racional e legalmente, segundo o modelo democrático?

O Brasil é o país onde o casamento é tão caro e impõe tais exigências que a maioria da população (mais de 50% segundo o IBGE) abstém-se da formalidade. Exige-se, entretanto, certidão de estado civil para obter o título de eleitor. Por quê? Este próprio autor, quando solteiro e ansioso por contrair justas núpcias, teve a experiência de solicitar Dispensa de Proclamas a fim de mais rapidamente poder embarcar e assumir o posto para o qual fora nomeado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República – e soube finalmente das proclamas dispensadas pelo Meritíssimo Senhor Juiz uma semana depois de casado...

Em Bauru, ocorreu certa vez que uma menina, chamada Denise, não podia ir para a escola porque fora registrada, ao nascer, como Dionísio: engano de cartório. Devendo ser menino quanto, na realidade, era menina, as escolas locais se recusavam a aceitá-la, alegando erro de identidade. Isso quando a lei reconhece o direito à educação pública a toda criança, independentemente de sexo. Conheci um cidadão que se chamava Wangner. Estranhando o sobrenome, perguntei-lhe certa vez se sua família era de origem alemã. Explicou-me que não: seu pai, amante de música romântica, lhe havia escolhido o nome de Wagner, mas o funcionário boçal do Registro Civil enganou-se e escreveu Wangner, e assim meu amigo passou a carregar, pelo resto da vida, o patronímico peculiar. Um outro exemplo divertido dessa interferência abusiva de amanuenses ignorantes e prepotentes com um dos patrimônios mais sagrados da pessoa humana – o próprio nome – pode ser registrado em São Paulo onde descobri dois nisseis, filhos de japoneses, o primeiro, um homem, cujo nome Akira foi corrigido para Akiro, e a segunda, uma mulher cujo nome, Emiko, foi corrigido par Emika. Akiro e Emika, em japonês, nada significam. Em português tampouco. Se realmente todo feminino tivesse que terminar em a e todo masculino em o, então deveríamos dizer a mapa, a programa, a esquema, o canção, o constituição, o informação, etc. A estupidez burocrática pode ser aquilatada por essa flagrante violação de um dos mais fundamentais e legítimos direitos humanos, o dos pais darem aos filhos o nome que desejam – direito frequentemente abusado, mas que certamente não cabe a um representante subalterno do Estado o privilégio de violar. Que mesmo um assunto tão essencialmente ligado à nossa vida, ao nosso destino, e tão absolutamente dependente da opção de nossos pais, - esteja sujeito ao arbítrio prepotente ou incompetente da burocracia, eis que simboliza o grau extremo de subserviência ao dinossauro a que chegamos!
Um outro caso, noticiado na imprensa antes das eleições de 86, foi o de dois gêmeos, Almir e Alcir. Os títulos eleitorais dos dois irmãos foram bloqueados no Serpro, que julgou falso o recadastramento, alegando “dupla inscrição” da mesma pessoa. Naturalmente, os funcionários daquela repartição puseram a culpa nos computadores quando , na verdade, a cretinice é do programador do Serpro que não aventou a hipótese de duas pessoas, do mesmo sexo e com a mesma cara, nascerem dos mesmos pais no mesmo dia - pois o que é isso senão o caso dos gêmeos univitelinos? Na circunstância, um órgão do Estado resolveu, por estupidez de seus funcionários, que os dois gêmeos não têm direito de votar... Pois o fato é que, no Brasil, o Serviço Público não é vulgarmente considerado uma organização para prestar e receber serviços, mas para prestar e receber favores. Quanto mais boçal o empregado público, mais demora em atender às partes. Com ar de profundo enfado e soberba importância, o calhorda se comporta como se estivesse proporcionando enorme cortesia e obséquio a esse mesmo público humilde que, precisamente, o sustenta com o produto dos impostos e do trabalho.

E nosso país, a principal tarefa do burocrata-tipo é o “engavetamento” dos processos (espécie de limbo das repartições); a principal função dos arquivos, perder os maços; o principal propósito dos encaminhamentos, desencaminhá-los; a principal responsabilidade dos chefes, despachar o processo para cima, até perder-se nas mãos olímpicas do mais alto colocado na hierarquia. Conta-se a história de um venerável diretor de repartição a quem a muito custo se tentou convencer de mandar incinerar um vasto arquivo de processos, já inteiramente concluídos e imprestáveis. Resistiu muito. Mas acabou concordando. Impôs apenas uma condição inapelável: que de cada documentos ser destruído se tirassem duas cópias... Conta-se também que uma ilustre figura da administração pública costumava despachar processos difíceis com a decisão: “arquive-se na pasta e aguarde-se”... É a decisão chinesa de tipo taoísta: wu-wei, “não-atividade”, “não-interferência”, “deixe como está para ver como fica”... Nas prateleiras de um Tribunal de Justiça encontraram-se processos não julgados do tempo do marechal Deodoro da Fonseca: eram ações levantadas por prejuízos causados a particulares durante o levante do Rio Grande do Sul, em 1891! O ministro da Administração, Aluísio Alves, disse há pouco tempo a uma revista de grande tiragem: “passou por mim um processo com 114 carimbos. Era um problema simples. Um grupo de funcionários do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem pedia determinadas vantagens nesse processo, que perambulava de seção em seção há vários anos. Acontece que os funcionários que examinavam o caso achavam melhor passar a responsabilidade de decidir para outras pessoas. Isso era comum. Ocorre que havia o terror de ser investigado pela Divisão de Segurança e Informações, de ser tachado de esquerdista ou de corrupto, mas felizmente o medo acabou...”
As comunicações entre as repartições públicas brasileiras lembram aquele diálogo de surdos: “Vai chover?” – Não, vai chover” – “Ah! Pensei que fosse chover...” Diálogo de surdos. Também desejo deliberado de confundir, de ludibriar, de driblar, quando são as leis e regulamentos redigidos com tão notória falta de precisão que só se pode atribuí-la à intenção oculta de facilitar escapatórias e permitir aos homens do Foro a volúpia das filigranas jurídicas, das expressões bizantinas e das chicanas da advocacia. É preciso dar o que fazer aos bacharéis e administradores que continuam sendo o produto mais inflacionário de nossas universidades.

***

Há uma placa na parede: “é proibido cuspir”. O transeunte cospe na placa. Na estrada há outra placa: “preserve a sinalização”. A placa serve para tiro ao alvo de moristas armados. Um sinal na calçada: “estacionamento proibido”. Todo o mundo ali estaciona e de preferência os automóveis com placa branca, inclusive juízes e legisladores. Quando um caminhão conduz o aviso: “velocidade máxima controlada, 60 km/h” – podemos nos certificar de que estará trafegando a 80 ou 100 kms horários. Fujamos dele! Qual é o semáforo ou sinal vermelho que é hoje respeitado? Cuidado ao atravessar a rua... A administração decide, por motivos de economia e de decência, acabar com a pletora de carros oficiais, chapa branca, em Brasília e proibir o uso de “chapa fria”, em automóveis de propriedade do Estado. Quem é então o primeiro carro, nessas condições, que é descoberto pelos repórteres da televisão e filmado em flagrante delito? O do próprio Procurador Geral da República, o magistrado especialmente encarregado de defender os interesses do Estado. A proibição do uso de carros oficiais durou só dois meses. Hoje, 20.000 chapas frias andam por aí. O fato é que a lei no Brasil não costuma ser levada a sério. Se Montesquieu nos visitasse, ficaria abismado com o modo como aqui apreciamos o Espírito das Leis. Há cem mil leis, ou mais, e “ninguém se exime alegando desconhecer a lei”. Só nos últimos 21 anos foram produzidos 42.887 textos legais. Além disso, o artigo 153, § 1º da Constituição, determina “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”. Mas, seria o Brasil o país em que estaria Rousseau pensando quando escreveu o seguinte trecho (nos seus “Manuscritos de Neuchatel”, citado em Brasil, sociedade democrática, edit. H. Jaguaribe, p. 402)? “Si l’on me demandait quel est le plus vicieux de tous les peuples, je répondrais sans hésiter que c’est celui qui a le plus de lois. Lá volonté de bien faire supplée à tout, et celui qui sait écouter la voix de sa conscience n’em guère besoin d’autre; mais la multitude des lois annonce deux choses également dangereuses, et qui marchent presque toujours ensemble: savoir que les lois sont mauvaises et qu’elles sont sans vigueur.“ Rousseau aí recordava um princípio encontrado em Tácito: Corruptissima República, plurimae leges.
A Constituição é a lei maior, a mais respeitável, e já se reúne uma Constituinte para elaborar o texto de mais uma Carta Magna, a oitava ou nona, não sei bem. A qual seguirá o destino de suas antecessoras – o de ninguém levá-la a sério... A Constituição afirma (art. 160) que “a ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base...I – na liberdade de iniciativa”. Diz mais que seu objetivo é “a repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros” (inciso V). Dispõe ainda (art. 163) que “são facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade... quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia em regime de competição e de liberdade de iniciativa.” E o artigo 170 conclui, triunfal: “às empresas privadas compete, preferencialmente, com o estímulo e o apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.” Mas qual o governante e o legislador que, nestes últimos 20 ou 30 anos, se preocupou com esses dispositivos? Não é verdade que, contrariando tão solenes declarações, já mais de 40 ou 50% da economia do país se submete ao controle do Estado? Cabe então ao Estado possuir fábrica de tecidos? Um banco falido? Uma companhia de ônibus? A indústria de cinema nacional? Cabe ao Estado, como ocorre, abusar do poder econômico, controlar preços e salários, impor monopólios, eliminar a concorrência, aumentar arbitrariamente seus lucros? Mas a famosa concentração de renda contra a qual tanto se brada – para culpar o capitalismo – já porventura não se está realizando às escâncaras, concretamente, em benefício da burocracia e de seus parasitas, que controlam o Dinossauro da economia social-estatizada? O fato é que a maioria dos integrantes da Constituinte é composta de ideólogos reacionários, obstinados, míopes e empenhados em manter o poder do Estado patrimonialista, empreguista e clientelista. De seus esforços poderá sair um aborto de constituição marxista-lenista, destinada a agravar a concentração de renda nacional nas mãos da velhíssima Nova Classe de burocratas, ideólogos e políticos populistas.

Querem outros exemplos de dispositivos constitucionais que não são cumpridos? O artigo 162, por exemplo: “Não será permitida greve nos serviços públicos...”. Ou o artigo 97: “Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”... de preferência para quem é primo de Dona Carmen. Pois na verdade só 4% dos funcionários públicos federais foram recrutados em concursos democráticos, baixando essa percentagem para 2% nos poderes legislativo e judiciário (as únicas exceções se registram no Itamaraty, nas Forças Armadas e no Banco do Brasil. Os artigos 33 e 35 falam em decoro parlamentar e em subsídios, ameaçando com a perda do mandato: mas algum deputado jamais perdeu o mandato por votar duas vezes ou receber jetons sem comparecer às sessões? E o que dizer do artigo 166 que, declarando livre a associação profissional ou sindical, não aceita o tipo de domínio político dos sindicatos por quem ocupa o Ministério do Trabalho? Ou o artigo 82, que se refere aos “crimes de responsabilidade”... É uma pilheria!

O artigo 180 proclama que “o amparo à cultura é dever do Estado”. A verdade é que, invariavelmente, as verbas de cultura, em todas as áreas da administração, são as primeiras a serem sacrificadas quando se trata de reduzir os gastos públicos. O ensino público será gratuito, promete o artigo 176 (III), “para quantos... demonstrarem efetivo aproveitamento e provarem falta ou insuficiência de recursos”. Mas quando saio de minha aula na Universidade de Brasília verifico que a grande maioria dos alunos, pertencentes quase todas a famílias da classe burocrática patrimonialista, sem haverem demonstrado aproveitamento efetivo, embarca em seus automóveis particulares, alguns de luxo, nada pagando pelas aulas que dei. O artigo 177 determina o caráter “supletivo” do sistema de ensino federal. Balela! O que estamos assistindo é ao progressivo controle do ensino federal pela hipócrita intelligentsia estatizante de esquerda, empenhada em impor à nação a sua própria ideologia nacional-socialista ou pseudo-marxista. Com isso também violando o artigo 153, § 8º, que proclama: “é livre a manifestação de pensamento”, etc. Restringindo, porém: “Não serão toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes”... O parágrafo comina isso tudo mas a realidade é que campeia a pornografia, a propaganda da luta de classes, a exaltação da falta de vergonha. E é a própria diretora de um filme pornográfico e sacrílego que se vê arvorada em mentora da Nova Censura; e uma estatal, a Embrafilme, a financiadora dos filmes contrários à moral e aos bons costumes.

É fácil de verificar, caros leitores, após o exame perfunctório que fiz da Constituição, que não se pode levar muito a sério, nem a Constituição presente, nem as passadas, nem a futura. Ninguém respeita a lei. E o que é triste é que haja tanta gente iludida, ingênua, esperançosa, ou pouco inteligente, que ainda conte com a Nova Constituição como uma panacéia, um instrumento soteriológico ou a base macumbeira para uma nova democracia no Brasil. É pena! Sendo o país da fúria legiferante, a única lei no Brasil inexistente, segundo a observação famosa de Capistrano de Abreu, o velho sábio, é aquela que mandaria cumprir todas as demais – sendo que a mais poderosa é, de qualquer forma, a Lei do Menor Esforço. E tendo leis abundantes, oferece muitas que lembram aquele dispositivo do código criminal do Império, o qual impunha severas penas sobre quem conspirasse para mudar, pela força, o regime vigente... e dobrava a pena de quem chegasse a fazê-lo!

***

Possui o Brasil, no Ministério das Relações Exteriores, o orgulho de seu serviço público. A carrière conseguiu mesmo, na opinião imparcial de ilustres estrangeiros, invejável reputação entre as melhores do mundo. No entanto, como ex-burocrata do Itamaraty, permito-me falar. Também por uma questão de honestidade. Não estamos mais na época daquele Secretário Geral que detestava as máquinas de escreve e exigia de todo secretário amanuense que tivesse boa caligrafia. As notas deviam ser redigidas a mão, em papel de linha d’água manufaturado na Inglaterra, e todas as folhas amarradas com elegante cordãozinho verde-amerelo. Hoje, a tendência é para as máquinas, os computadores e os secretíssimos aparelhos criptográficos. Mas há poucas datilógrafas, poucos programadores e é mais fácil, nos corredores da Casa em Brasília, topar com um embaixador agregado do que com um técnico em computação em atividade.

Ao tomar posse no cargo de secretário geral do Ministério das Relações Exteriores em março de 1985, o embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima propôs um programa obediente à “diplomacia de resultados”. Consistiria, entre outras coisas, em abrir o trabalho do Itamaraty no sentido de que “a política externa do país não seja um feudo de alguns, mas possa recorrer à riqueza de interesses, de atores e meios de ação que se encontra na própria sociedade que a diplomacia representa”. A proposta era sumamente interessante. A sociedade brasileira é rica de interesses, de atores e de meios de ação. O problema, porém, consiste em saber fazer as opções entre aqueles interesses, meios e atores mais capazes de atender às exigências do progresso do país. Isso comporta, inclusive, a necessidade de reprimir os interesses pessoais de atores para os quais a diplomacia representa, não a sociedade brasileira, mas um meio de vida sem qualquer responsabilidade, um clube fechado ou mesmo uma simples companhia de turismo. Em viagem que realizei em 1985 pelas Europas e América, pude comprovar e reforçar a constatação com a qual me familiarizei em mais de 40 anos de carreira: o Itamaraty carrega um enorme peso morto, produzido pela tendência insopitável do país ao empreguismo estatal. A carrière representa, de certo modo, a elite da Nomenklatura brasileira, a fina-flor, o café-soçaiti da Nova Classe. Sem desmentir a observação irônica de um velho amigo e colega britânico, para quem seria o Itamaraty o que de mais próximo a um clube inglês ele encontrou, fora da Inglaterra – devo admitir que a instituição configura a forma mais elegante e refinada que o Estado-Supermãe ziraldiano inventou para proteger, aquinhoar e alimentar seus filhotinhos. Em poucas palavras: o Itamaraty dispõe de interesses, de atores e de recursos, mas muito mal distribuídos e aproveitados. O que predomina é o interesse do pessoal, e não o da nação. E talvez por isso tanto se fala, em discursos, em defender o interesse nacional. Um exemplo imediatamente ilustra aquilo a que se quer chegar. A Nigéria é hoje um dos principais mercados do país. Econômica, cultural e eventualmente do ponto de vista político, temos enormes obrigações naquela maior nação da África Ocidental, com a qual nosso comércio em 1984 ultrapassou a casa dos 1,5 bilhões de dólares. A Embaixada brasileira em Lagos dispõe, contudo, de apenas meia-dúzia de funcionários: trata-se de um chamado “posto de sacrifício” e ninguém deseja para lá ser designado. Posso atestar essa situação pois sofri quase dois anos, como primeiro embaixador em Lagos. Justifica-se que o funcionalismo diplomático repugne em servir num posto climática e existencialmente tão pouco aprazível. Na Inglaterra, ao contrário, registrei o número de 170 membros da Nomenklatura entre diplomatas, adidos de diversas armas e ministérios, militares das comissões de compra (e venda), funcionários do IBC, IAA, Banco do Brasil, etc., etc. Isso sem contar com o pessoal subalterno, telefonistas, motoristas, guardas, mordomos que recebem também em dólares, como justa recompensa dos salários ínfimos que perceberam durante anos de leal serviço no Brasil. Londres é reconhecidamente uma das maiores cidades e centros culturais do mundo – e a vida ali oferece atrativos que só o mais tapado burocrata não saberá apreciar.

Mas, o que dizer de Paris? A França pode haver perdido algo do prestígio imperial que outrora exercia sobre o espírito brasileiro, mas não reduziu seu poder de atração sobre os anseios da Nova Classe. Já o Zé Fernandes de A Cidade e as Serras proclamara os encantos do pavé de bois na Cidade da Luz, onde se congregam os Príncipes da Grã-Ventura para saborear a “delícia de viver” – como dizia o Jacinto... Não possuo dados precisos sobre o número de privilegiados que ali não tanto “servem” o país quanto saboreiam as mencionadas delícias – de grande variedade certamente... O número daqueles que só comparecem à Embaixada para receber, mensalmente, o contra-cheque de seu salário não é irrisório. É o mínimo que se possa dizer. Conheci um ministro-conselheiro que foi rapidamente despachado de Paris por haver tido a ousadia de exigir de algumas prestigiosas Marias Candelárias a assinatura diária do ponto...

Em Nova York, onde se concentram quatro embaixadores brasileiros, notei que a Lista Diplomática da ONU registra trinta nomes nas páginas reservadas a nosso país. Só três outros Estados superam o Brasil entre os 160 que compõem o organismo e junto a ele mantêm representantes: os EUA, por motivos óbvios, pois é dono da casa; a URSS, dois terços de cujo staff são agentes da KGB; e a China que, com um bilhão de habitantes, necessita de empregos para sua enorme população. É curioso notar que nem a Índia, nação líder do Terceiro Mundo vitimada por um social estatismo comparável ao nosso, mantém em Nova York tantos funcionários quanto o Brasil. Nem o Canadá, nação muito rica que é vizinha da sede da ONU. Nem o Japão, que é a segunda maior potência econômica do mundo. Nem o próprio México, em cujas pegadas de social-estatismo corrupto gloriosamente trilhamos. Vale registrar que não por acaso o México, cuja dívida externa segue de perto a nossa (98 bilhões contra 104 bilhões de dólares), possui 29 funcionários onusianos para os nossos trinta. Talvez o subdesenvolvimento técnico e a baixa qualidade do pessoal seja compensada, no subemprego, pela quantidade, mas a hipótese mais plausível é que se trata de empreguimo mesmo! Já existem na carreira diplomática 133 embaixadores, entre os do quadro, os agregados, os comissionados, os “especiais” e os aguardando designação. A maioria deles jamais exerceu qualquer chefia de missão no exterior. Na recente “reforma” da carreira diplomática, sob a administração Abreu Sodré, mais dez vagas foram abertas! Por outro lado, há apenas 98 terceiros-secretários, no cargo inicial da carreira. Hierarquicamente, é uma figura geométrica esdrúxula: o vértice da pirâmide é maior que a base. Puro Kafka!

Além de Kafka, é também inflação. Em certa época, possuía o Brasil mais marechais que todas as potências da II Guerra Mundial, inclusive a URSS. E mais almirantes que navios na esquadra. E mais odontólogos do que os Estados Unidos e o Canadá juntos (sendo também campeão de cáries dentárias). Por que não teríamos mais embaixadores do que secretários e datilógrafos? Os EUA, que são a mais rica e poderosa nação da Terra, só dispõem de seis embaixadores de carreira. O Brasil, que pretende ser uma grande potência ou talvez a maior de todas as Repúblicas de Banana do Terceiro Mundo, terá nove embaixadores na América para representar nosso poder, nossas virtudes cívicas, nossa sabedoria políticos e nossos dons de poupança... Eis o quadro de prodigalidade, desperdício, abuso e privilégio com que se deparou a “diplomacia de resultados”.

Foi também no Itamaraty que, certa vez tive a sorte de pescar esta verdadeira pérola para meu colar de estórias sobre a burocracia brasileira: havíamos assinado um acordo com a Suíça para dispensar de visto os passaportes dos nossos respectivos nacionais, em viagem de turismo. Pois bem, continuávamos a exigir o comparecimento aos consulados brasileiros dos cidadãos suíços que procuravam o Brasil, de maneira que seus documentos pudessem ser estampados com um carimbo especial que anunciava, triunfante: “Está dispensado de visto”!... Acrescentando generosamente: Grátis. Quantas pérolas, para o colar, existirão como essa?

***

O Brasil é um país onde, segundo consta, ainda existem 20 milhões de analfabetos. Isso significa aproximadamente 15% da população. Os analfabetos, contudo, não possuem escolas mas direito ao voto... Sendo um país onde a Educação é um dos mais graves desafios que enfrenta, é também aquele que levanta os maiores obstáculos à revalidação de diplomas de curso superior nas universidades dos países mais avançados. Com tantos analfabetos, temos também mais professores que os Estados Unidos. Há cerca de um milhão de professores atuando no ensino de primeiro grau, mas 45% desses mestres não possuem curso superior. São leigos na matéria. Certo ministro da Educação confessou-me que, no Pará, encontrou uma vez crianças “lendo” cartilhas de cabeça para baixo, porque a professora era analfabeta. “Parece anedota, mas não é!”...

Exemplos desse tipo poderiam ser oferecidos ad nauseam. Em algumas regiões rurais do Nordeste (é outro ministro da Educação que nos informa, em 1985) o número de professores leigos atinge o índice de 87%! Relembre-se que o regime de 1964 proclamou, com alarde, que o problema do analfabetismo ia ser resolvido pelo MOBRAL – movimento então considerado o mais gigantesco empreendimento de alfabetização realizado no mundo ocidental...

Entretanto, uma CPI na Assembléia Legislativa gaúcha detectou que apenas 40 mil professores estão em salas de aulas, enquanto outros 60 mil ocupam funções administrativas ou estão cedidos para outros órgãos.

Outros dados são mais lamentáveis. O ensino cria um gargalo dificilmente transponível. De cada cem crianças em idade escolas, 26 não chegam a iniciar o percurso para cima ou empacam na primeira série. Só doze pulam para o segundo grau e apenas quatro terminal o ciclo de instrução pré-universitária. O índice de reprovação na primeira série é de 50%, o que leva a pensar que uma proporção muito maior de adultos pertence à categoria de “analfabetos funcionais”. É entre esses que são recrutados os professores. Deva-se dizer que a culpa dessa miséria não pode só ser atribuída ao governo ou às circunstâncias, tais como a falta de escolas ou a dificuldade de transporte em áreas de baixa densidade populacional. O incentivo da merenda escolar e do leite do presidente Sarney não é suficiente para convencer o país da obrigação de dar educação aos filhos. É um círculo vicioso. Enquanto não for criada uma “mentalidade educacional” e um presidente não se decidir a dar “cinquenta anos de educação em cinco”, não será fácil atacar o mal pela raiz. Ora, a educação de primeiro grau e o controle da natalidade representam os dois primeiros passos, sine qua non, para a eliminação dos bolsões de miséria. Os sessenta porcento das verbas federais de educação geradas pela benemérita emenda Calmon deveriam ser encaminhadas ao ensino de primeiro grau e não ao ensino universitário. Este favorece, como se sabe, principalmente os filhos da classe burocrática patrimonialista dominante e exploradora.

Interessante é também registrar que existem pouco mais de 120.000 professores universitários para uma população de 1.400.000 estudantes. São 45.000 professores federais, 13.000 estaduais e 47.000 de estabelecimentos isolados, com 52.000 pertencentes a estabelecimentos de ensino particular. O resultado demonstra que a proporção é de um professor para pouco mais de dez estudantes, o que corresponderia a uma taxa excepcional em outros países (nos EUA a proporção é de um para doze). O que ocorre, entretanto, é que a proporção de professores por aluno aumenta assustadoramente em certas escolas de elite, nas grandes capitais. Na Faculdade de Medicina de São Paulo, por exemplo, encontramos quase um professor para dois alunos . Não se objete que o número considerável de professores se justificaria pelas atividades de pesquisa, porque não seria verdade. A explicação é que nessa área do ensino superior também se registra um descarado empreguismo.

País dos paradoxos, no Brasil os efeitos úteis são às vezes contrários à lógica aparente. É assim que, certa vez, no Maranhão, cortaram em um terço o número de eleitores e houve democratização. Também cada vez que diminui a extensão da rede ferroviária há progresso. A explicação, por mais estranho que pareça, é que, no primeiro caso, se suprimiram os eleitores fantasmas; no segundo, os ramais antieconômicos. Há também muitas cidades do Nordeste em que se registram mais atestados de óbito é imprescindível para enterrar os mortos, ao passo que a certidão de nascimento – para os caipiras que são pobres e geram muitas crianças com poucas perspectivas de sobrevivência – é cara de mais e difícil de obter. O elevado preços dos cartórios e da Justiça é responsável pelo fato de que, ao que parece, somente 55% das 4,5 milhões de crianças que nascem a cada ano serem registradas aos primeiros dias de vida, como manda a lei, nos 2.392 cartórios de Registro Civil existentes. As demais permanecem sem existência legal. Como trezentas a quatrocentas mil morrem, de qualquer maneira, antes de completar o primeiro ano de vida, pode então acontecer o resultado paradoxal mencionado acima. O não-registro no período de quinze dias após o parto acarreta uma multa de 100% que agrava a falta de incentivo aos pais para legalizarem o nascimento do filho. Esse me parece ser um dos exemplos mais flagrantes do conflito entre país real e país legal, para o qual os sociólogos insistentemente apontam, porém sem resultados.

O Estado Cartorial, de que falavam Hélio Jaguaribe e os ilustres mestres do antigo ISEB, onera justamente os pobres. Acontece que o abuso favorece as caixas de assistência dos advogados, a OAB, as caixas de assistência do ministério público, procuradores, membros da Assistência Judiciária, Associação de Conselheiros dos Tribunais de Conta e outras entidades no gênero. Todas elas, ilegalmente vejam bem, se locupletam com o esbulho, cobrando uma taxa sobre todo ato realizado nos ofícios de Registro Civil, Registro de Imóveis, etc. O Cartorialismo é promovido pelo próprio poder judiciário! Hélio Jaguaribe, infelizmente, não fala disso e propõe um reforço do regime social-estatizante.

Também no Brasil vigora o reverso da antiga fórmula famosa que deu origem à democracia representativa: “não pode haver taxação sem representação”. Entre nós, o Congresso é mais generoso com os dinheiros públicos do que o Executivo e uma das grandes preocupações doa Atos Institucionais, no período do regime militar, era conter a fúria perdulária dos congressistas. O empreguismo, como veremos em outra seção, é a principal característica, o vício de nascença dos Estado cartorial jaguaribeano.

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O espetáculo nacional apresenta curiosidades e incoerências que às vezes, nos enchem de grande perplexidade. Vejam, por exemplo, o seguinte caso: nascem aqui certa de quatro e meio milhões de crianças por ano. O índice de natalidade talvez ainda ultrapasse os 4%, elevadíssimo e próprio de país subdesenvolvido (o índice é de 4% e não de 2,5%, como afirma sua eminência reverendíssima, o cardeal d. Eugênio Sales, em artigo publicado no Jornal do Brasil, quando confunde índice de natalidade com índice de aumento demográfico, ignorando aparentemente que o segundo é o resultado da diferença entre o primeiro e o índice de mortalidade). Dos quatro e meio milhões de bebês nascidos vidos, mais de 300.000 morrerão antes de alcançar cinco anos. Milhões serão abandonados. Milhares se transformarão em trombadinhas e, eventualmente, em marginais, assaltantes e assassinos. Tenho lido denúncias na imprensa sobre o número grotesco de molequinhos sem família, abandonados aos deus-dará, sem educação, sem escola, sem assistência de nenhuma espécie. Um dado que li alhures, e obviamente excessivo, registra a cifra de 26 milhões de crianças abandonadas em nossa terra – cifra que, mesmo se reduzida a 10% do total alegado, ainda constituiria um escândalo, uma vergonha para o país. Pois bem, eis o paradoxo: assim como o nacionalismo uterino se rebela contra uma política necessária, urgente e racional de controle da natalidade, esse mesmo extravagante sentimento mal dirigido de patriotismo age no sentido de dificultar o processo de adoção. Uma combinação indecente de burocracia e ideologia nacionalista. Vou contar um episódio que tive ocasião de testemunhar e que me encheu de espanto e de indignação.
Uma senhora, nossa amiga, se interessou no sentido de encontrar pais adotivos para o quinto filho natural de sua empregada doméstica. O interesse da patroa e da doméstica coincidiu com o de uma senhora européia, com mais ou menos 40 anos de idade, casada com um empresário abastado, uma de cujas indústrias se localiza no Brasil. A senhora européia (a quem dou o nome de Verena), não podendo ter filhos, veio ao Brasil com o fim precípuo de receber a criança recém-nascida, para adoção plena de conformidade com todas as exigências legais. Mas aí começou o drama ou tragicomédia inacreditável. O dinossauro burocrático levantou a cabeça e reagiu emocionalmente sob o impacto do sentimento de xenofobia: com que então uma estrangeira se atreve a roubar de nossa pátria amada, idolatrada, um desses preciosíssimos fruto do útero nacional?! A reação do dinossauro foi lenta – com sempre acontece com esses animais antediluvianos, notórios pela dureza de sua carapaça, rudeza de seu sistema nervoso e insignificância do poder cerebral. Tudo foi feito para dificultar o processo de adoção – como se o intuito deliberado do establishment jurídico-policial fosse mesmo reservar para o vasto depósito de menores abandonados mais um candidato à marginalização.

O pretexto invariável para a criação de dificuldades é a existência de um tráfico de crianças. Muito bem: esse tráfico existe. Mas será que por causa de um episódio em cem de aproveitamento ilegal de crianças, em processo de adoção, se deve investigar e perseguir como criminoso ou mafioso cada bem aventurado e benemérito estrangeiro que deseja fazer uma adoção? Em nosso emperrado sistema, paga o justo pelo pecador. A parte é antecipadamente considerada com desconfiança: até prova em contrário, supõe-se que mentiu, que roubou, que sua intenção é perversa. No caso, a criação de dificuldades para vender facilidades exigiu a presença de Verena durante dois meses e meio nesta terra selvagem de Pindorama, mesmo porque a Justiça brasileira entra em recesso durante o Natal. Depois em férias de verão para gozar a praia. Depois, vai brincar de carnaval – 40 dias em que não se pode ser atendido porque o meritíssimo senhor juiz de menores quer tomar férias e não deseja que o substituto decida por sua conta. A via crucis da senhora Verena encheu um “processo” com dúzias de documentos, requerimentos, alvarás, atestados, exames, reconhecimentos de firma, registro em cartório, cópias xerox, despachos, transcrições, encaminhamentos, provas e contraprovas, etc., etc., etc., tudo como se heróico ministro Hélio Beltrão jamais houvesse passado pela Secretaria de Desburocratização. No final das contas, a adoção custou a dona Verena uns trinta e poucos milhões de cruzeiros (ou seja, ao câmbio de fevereiro de 1985, cerca de oito mil dólares), inclusive passagem de avião, permanência no Brasil, despesas de advogado e administração, com uma gorjetinha aqui e outra acolá para evitar que a máquina ainda mais se prolongasse ou que uma tranca fosse perversamente introduzida para arrebentá-la. Isso tudo sem falar na angústia da mãe adotiva que, já de posse da criança, só mesmo no fim chegou a ter certeza de que o juiz e o curador consentiram na adoção e a autoridade policial concederia o passaporte do pimpolho. Na verdade, o parto burocrático foi, para a mãe adotiva, muito mais longo e doloroso do que o parto da mãe natural – sem falar no fato de que esta irresponsável gananciosa se livrou de um peso indesejado, possivelmente com algum lucro... Calculem só: oito mil dólares, se aplicados a cada uma das crianças nascidas no Brasil este ano, equivaleriam a 40 bilhões de dólares, o suficiente para resolver várias vezes o problema da crianças abandonada e marginalizada, sua educação de primeiro grau, sua alimentação e sua saúde. Por aí se pode ter uma idéia da percentagem relativa do investimento efetuado por Verena em benefício da infância brasileira. Um investimento retribuído de maneira tão pouco generosa pelo dinossauro socialisticamente enfadado.

A incoerência e irracionalidade da reação de nacionalismo uterino não poderia ser mais flagrante. Só comparável, de fato à resistência cega, obstinada, irracional, incoerente, imbecil ao remédio mais evidente e mais imediato para o problema de maternidade indesejada: o controle da natalidade!

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Mas, por falar em serviços públicos. A desorganização é talvez um dos nossos traços nacionais mais característicos – e daqueles que mais impressionam os estrangeiros. Possuímos em nossa linguagem popular uma palavra típica, intraduzível: bagunça. Notemos de início que a aviação e o tráfego rodoviário não padecem dos mesmos males que afetam as estradas de ferro, a marinha mercante e os sistemas de comunicação. Por que? Porque nesses meios de transporte maior latitude foi deixada à iniciativa privada, havendo menos necessidade de organização coletiva. A concorrência elimina os incompetentes, como foi o caso da Panair. Mas logo que começam a crescer as campanhas de aviação, já se notam os sinais de burocratização, como se se tornassem, insensivelmente, repartições públicas ineficientes.

Possui o Brasil duas metrópoles gigantes, o Rio e São Paulo. Antes do fim do século estarão entre as maiores do mundo, podendo São Paulo ultrapassar os trinta milhões de habitantes. Notabilizam-se essas cidades, não obstante os sinceros esforços de alguns entre os mais notáveis prefeitos e governadores (Pereira Passos, Carlos Lacerda, Faria Lima), pelo funcionamento permanente caótico de seus serviços públicos. Outrora, cantarolava-se:

Rio de Janeiro
Cidade que nos seduz:
De dia falta água,
De noite falta luz.

Quando é resolvido o problema da eletricidade, surge o dos telefones. Facilita-se o tráfego, cavam-se buracos. Tapam-se estes, escorregam as montanhas, caem os elevados. Abre-se um túnel, “obra do século”, para trazer água, e logo desmorona seu interior, entupindo o fornecimento. Vasam irregularmente os encanamentos. Constróem-se vias expressas, viadutos, trevos, numa demonstração de excepcional talento urbanístico. É então a sujeira das ruas, o colapso da limpeza público, e desaparecimento dos doze mil garis, a invasão dos ratos, a volta da febre amarela, o dengue. Assim se transforma a beleza em feiúra. No momento, foram pelo menos resolvidos, no Rio e São Paulo, os problemas de água, luz e telefone. Mas permanecem os do transporte coletivo, da limpeza urbana e, sobretudo, da segurança nas ruas e nas casas. Em troca dos serviços públicos à beira do colapso, os administradores constróem fachadas de escolas, sambódromos e expedem lindas promessas, empacotadas em comunicados cor-de-rosa onde se anunciam o eterno “empenho na solução de tão angustiante problema da família brasileira”... Que será do Rio e de São Paulo quando, daqui a 15 ou 16 anos, terão dobrado de tamanho?

Construir é fácil, requer imaginação, dinheiro e contratos com empreiteiros particulares. Conservar é difícil, requer atenção, cuidado, responsabilidade. Os mosaicos de pedra branca e preta, célebres nas calçadas cariocas, são também simbólicos: as pedras andam invariavelmente soltas para tropeço dos transeuntes. Os relógios públicos não numerosos, às vezes enormes como o da torre da Central – mas ninguém se lembra de mantê-los pontuais ou mesmo de lhes dar corda. Brasília, a cidade do futuro, a “nova capital”, é também uma das mais sujas do planeta: lama, pó, detritos e lixo sobre os gramados. O relaxamento é um traço característico da administração, Em Brasília deparamos, na Ceilândia, com a mais formidável favela do país: mas os construtores de Brasília se diziam todos socialistas...
As prefeituras das cidades brasileiras gostam de fazer obras grandiosas, admiráveis, excepcionais. Quando o Fundo de Participação reservou uma percentagem substancial para os municípios, estes, sentindo-se eufóricos, desandaram do Amapá ao Chuí e do Acre ao Cabo de São Roque a plantar chafariz com repuxo na praça municipal. Ninguém pensa em bueiros e esgotos entupidos. Bueiro e esgoto não fazem cartaz. Não são monumentos ostentatórios que permitem festas com faixas, bandeiras, discursos, hino nacional, placas comemorativas e prestígio eleitoral. Os municípios têm o governo que merecem...

O Rio de Janeiro é uma cidade dos trópicos úmidos onde chove muito. Desde o tempo de Estácio de Sá que se sabe disso. Mas só após algumas centenas de mortos, governo e população começaram a tomar providências conjuntas para combater as enchentes, a erosão provocada pelo fogo das matas e a ameaça de deslizamentos. Dizem que o relaxamento, a anarquia e a falta de acabamento das cidades são indícios de subdesenvolvimento. Mas no Brasil atingem a verdadeiros prodígios de refinamento – como se um gênio maligno se houvesse dedicado com ardor sádico a atrapalhar, complicar, dificultar, enganar, adiar aborrecer, torturar. E em alguns casos mesmo, a matar.
Colapso dos serviços públicos. Caos. Lembram o tohu-bohu bíblico: “No princípio a terra era sem forma e vazia, e as trevas cobriam a face do abismo”... Vejam os correios! Nos países organizados, como a Suíça e o Canadá, as comunicações por via postal, telegráfica ou telefônica são consideradas o próprio sistema nervoso da nação, a base do progresso, o orgulho, o privilégio, a menina dos olhos do serviço público. Na Suíça, o ônibus dos Correios tem precedência, nas estradas, sobre qualquer outro veículo e não há lugar nos Alpes que seja inacessível à simpática e onipresente figura do carteiro. Contou-me um colega que, em Saigon, duas horas depois de desastrosa “ofensiva Tet” de princípios de 1968, já funcionavam os telefones públicos – consertados antes mesmo que fossem retirados os cadáveres. No Brasil, em plena paz, pode ocorrer que 50.000 cartas não sejam entregues a seus destinatários até que um dia, como anunciaram os jornais, alguém as descubra na repartição, empilhadas num canto, já envelhecidas. Eu próprio recebi um Sedex com dez dias de atraso. Mas a quem reclamar? Numa cidade chamada Araguacema, no Pará, a agência do Correio fechou, certa vez, com um cartaz anunciando que os funcionários tinham tomado “férias coletivas”... Entretanto, nem sempre se pode culpar os Correios porque o brasileiro, notório por seu péssimo hábito de não responder às cartas de amigos e clientes (insto não é aqui considerado falta de educação!), prefere atribuir-lhe seu doloso silêncio. No Brasil, é eminentemente válido o ditado popular: “quem quer vai, que não quer manda”. A palavra escrita tem pouco efeito, porque é abstrata, porque a presença humana concreta é essencial para desencadear a ação. Nenhuma decisão pode ser forçada sem o efeito moral da presença da pessoa interessada sobre aquela de quem depende a decisão. Lembro-me que, há alguns anos, quando nos visitou Aldous Huxley a convite da Divisão Cultural do Itamaraty da qual eu era chefe, enviei um telegrama a mestre Gilberto Freyre pedindo-lhe que, no Recife, acolhesse nosso ilustre hóspede. Gilberto Freyre recebeu um telegrama quando Huxley já se encontrava em Apipucos. Quatro dias depois. O nosso sociólogo, escrevendo sobre o encontro para revista O Cruzeiro, acusou-me de, como diplomata, ignorar o Brasil e a ineficiência dos Correios e Telégrafos. Mal sabia ele que, só no Itamaraty, o telegrama havia demorado dois dias para ser despachado, porque de tantos vistos de autoridades superiores necessitava!

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O problema da prodigiosa ineficiência é realmente velho. A burocracia emperrada já existia. Herdamo-la de Portugal, como vimos em seção anterior. No tempo de Dona Maria I, a reação contra o esforço modernizador de Pombal é bem descrito numa modinha ou quadra que se refere aos vários ministros da época:

O negócio de propõe,
duvida El-rei nosso Senhor;
Atrapalho o Confessor,
Angela a pagar se opõe.
Nada a rainha dispõe,
Martinho murra esturrado,
Ayres não passa de honrado,
e o Visconde em conclusão
pede nova informação,
fica o negócio empatado.

O emperramento data talvez da trasladação da Corte Real portuguesa para o Brasil em 1808, premida pelas botas dos soldados de Junot. Dizem que dez mil pessoas teriam acompanhado o Regente, futuro D. João VI. A sede do Vice-Reinado tornou-se, subitamente, a capital do império colonial lusitano e era preciso arranjar emprego para todos os fidalgos necessitados. Cabia ao mesmo tempo dar as aparências da grandeza da Corte e chusmas de palacianos foram nomeadas para essa ou aquela sinecura, indo encher os belos palácios neoclássicos que construía Grandjean de Montigny.
Meio século depois, Joaquim Nabuco descreveu os partidos políticos brasileiros como “cooperativas de empregos ou seguros contra a miséria”.

Acrescenta Joaquim Nabuco, em O Abolicionismo: “O funcionalismo é... o asilo dos descendentes das antigas famílias ricas e fidalgas, que desbarataram as fortunas realizadas pela escravidão, fortunas a respeito das quais pode dizer-se, em regras, como se diz das fortunas feitas no jogo, que não medram, nem dão felicidade. É além disso o viveiro político, porque abriga todos os pobres inteligentes, todos os que têm ambição e capacidade, mas não têm meios, e que são a grande maioria dos nossos homens de merecimento. Faça-se uma lista dos nossos estadistas pobres, de primeira e segunda ordem, que resolveram o seu problema individual pelo casamento rico, isto é, na maior parte dos casos, tornando-se humildes clientes da escravidão, e outra dos que resolveram pela acumulação de cargos públicos e ter-se-ão, nessas duas listas, os nomes de quase todos eles.”

A mesma opinião sobre o que hoje se chama “fisiologismo” é ecoada por Sílvio Romero, no livro Provocações e debates: “O recurso geral é a política, sob todos os aspectos grosseiros de que se costuma revestir, a verdadeira politique alimentaire, tão cruamente descrita pela escola social de Le Play e seus eminentes discípulos. Os partidos, as associações ou agrupamentos quaisquer nas freguesias, nos municípios, nas comarcas, nas províncias, hoje Estados, na União, todas as instituições, todos os cargos públicos em número incalculável, não têm outro destino, não têm outra função: seu fim é fornecer meios de vida a uma clientela infinita. O Estado não tem por fim próprio a manutenção da ordem, a garantia da justiça, ou, se quiserem, a ajuda de certos empreendimentos elevados; seu papel preponderante, e quase exclusivo, é alimentar a maior parte4 da população à custa dos poucos que trabalham e isto por todos os meios, como seja, as malhas dum funcionalismo inumerável. Quando não são os empregos diretos nas repartições públicos, muitos deles inúteis, são as comissões para os influentes, as pensões, as gratificações sob títulos vários, as obras públicas de toda a casta e milhares de outras propinas. Nessas condições, não é de estranhar que a política preocupe muito os brasileiros, mas é a política que consiste em fazer eleições para ver quem vai acima e ficará em condições de fazer favores”. Mais recentemente, observa Gilberto Amado em A margem da história da República: “Se estudarmos o fenômeno do funcionalismo que apresenta no Brasil o aspecto de um novo coletivismo, não sonhado pelos comunistas, pois assenta no tesouro público, veremos que ele tem, a bem dizer, a sua origem na escravidão. Foi ela que, tornando abjeto o trabalho da terra, obrigou a encaminhar-se para os empregos do Estado os filhos dos homens livres que não podiam ser senhores e que não queriam igualar-se aos escravos. Sendo o trabalho ocupação de negros, os mestiços e os brancos julgar-se-iam desonrados nele... O bacharelismo foi o primeiro capítulo da burocracia. Dele é que nasceu essa irresistível inclinação ao emprego público que o novo regime não pôde conjurar, antes acoroçoou, porque, não tendo criado o trabalho, nem a instrução profissional, não pôde evitar que se dirigissem para os cargos públicos os moços formados nas academias, inaptos à lavoura, ao comércio, aos ofícios técnicos.”

Dos partidos monárquicos, disse Oliveira Viana que eram apenas “clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do poder”. Dos partidos republicanos também se dirá, em termos mais ou menos idênticos, a mesma coisa, conforme acentua Hermes Lima. João Camilo de Oliveira Torres assinalou que a finalidade do Estado é “o bem particular dos amigos do grupo dominante”. O tempo passa – o problema permanece. Isso porque a ausência de distinção entre a esfera do interesse privado e a esfera do interesse público constitui um dos traços mais característicos do sistema de autoridade tradicional patrimonialista, vigente em nossa terra.

O Programa Estratégico de Desenvolvimento, apresentado pelo Ministério do Planejamento, em 1968, fez o seguinte Diagnóstio da Administração Pública Federal – confessando na linguagem ponderada e eufemística que convém a um documento oficial, exatamente a mesma coisa: “Constitui ponto pacífico a observação de que os procedimentos administrativos no âmbito federal estão viciados por erros de muitos anos. Com o aumento das funções do Estado e o crescimento de sua estrutura administrativa, houve a necessidade de criar-se um sistema complexo de órgãos públicos, que passou a funcionar através de um emaranhado de normas jurídicas e técnicas, redundando na desordem estrutural e de funcionamento que, de há muito, vem exigindo corretivo. Com efeito, a baixa produtividade do setor público, sobretudo no que diz respeito à lentidão e à complexidade do funcionamento da máquina burocrática, acarreta profundas repercussões do desenvolvimento... Os fatores da lentidão e do alto custo dos serviços públicos são facilmente identificáveis, entre outras coisas, pelo alto grau de centralização, do poder de decidir, pelo exagero do formalismo jurídico-burocrático, pela desarticulação dos serviços públicos federais com os serviços estaduais e municipais”. Em artigo publicado num livro da AERP, o ministro Hélio Beltrão acentua que “o Brasil nasceu sob o signo do cartório, da ata, do registro e da certidão. Disto decorre uma certa inclinação a só acreditar que uma coisa realmente acontece depois que se transforma em documento escrito. Essa tendência foi exacerbada na administração pública, onde prevalece o princípio oposto ao da presunção da veracidade. Perante a administração pública, suas leis e regulamentos, vigora a estranha presunção de que uma pessoa está sempre mentindo até prova em contrário...

Essa presunção mórbida conduz ao absurdo do exigir-se do honesto a prova de que não é desonesto; de atropelar-se o contribuinte com exigências fúteis...”

Quase vinte anos se passaram, o diagnóstico é o mesmo mas não houve terapia. O mal parece muito profundo para permitir tratamento. Isso provavelmente porque não interessa nem à burocracia, que ocupa o poder, nem aos intelectuais, que ambicionam ocupar o poder, corrigir o que se passa. O social-estatismo continua a dominar na teoria e na prática. Gilberto Freyre chamou de intectuários os intelectuais de esquerda que pretendem se transformar em funcionários. Como se pode esperar aliás que os políticos, os parlamentares, os altos funcionários, oriundos quase todos da Nova Classe, imunes por outro lado ao imposto de renda, invocando seus privilégios e imunidades antidemocráticos para se safarem das restrições universais que o Estado impõe – como se pode esperar que esses parlamentares e esses ocupantes dos altos escalões do Executivo sejam os defensores dos empresários privados e dos contribuintes da classe média contra o Estado?

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Na Suíça, existe um único carro oficial, na capital, Berna. É do Cerimonial do Departamento Político Federal, utilizado unicamente para transportar o Embaixador, na entrega de credenciais, ou o ilustre visitantes estrangeiro em cerimônia oficial. Em Brasília, existiram 2.300 carros de chapa branca, segundo o Ministério da Administração. Seria interessante fazer uma estatística do número total de veículos automóveis existentes em todo o território nacional e de propriedade do Estado em todos os níveis... Quantos? Meio milhão? Um milhão? Vinte mil, pelo menos, com chapa fria.

Tudo realmente se estatiza em nosso país, tudo cai sob o domínio leviatânico do Estado patrimonialista. Havia antigamente três coisas, três coisas únicas que o brasileiro levava a sério, contrariando o famoso julgamento pessimista do general de Gaulle: o futebol, o jogo do bicho e o carnaval. O futebol pouco a pouco se enreda nas malhas oficiais daquilo que deverá um dia transformar-se no Ministério dos Desportes. O jogo do bicho – um trabalho imenso é feito para legalizá-lo ou, por outra, para retirá-lo de um controle pelo ilícito semi-policial para um lícito governamental, depositando-o eventualmente no colo protetor do Estado que dele então retiraria boa renda. Quanto ao carnaval, ouçamos o que nos tem a dizer o engenheiro Sérgio Quintela, membro da Comissão de Estudos Constitucionais, industrial de renome e presidente do PFL do Rio de Janeiro: “... o Estado vem, crescentemente, assumindo o comando a responsabilidade de coisas que, genuinamente, deviam ser conduzidas no âmbito dos indivíduos. Hoje é difícil dizer ser o carnaval é uma festa popular, um evento oficial ou, pior que isto, a mistura das duas coisas, sem que se saiba exatamente onde começa uma e termina a outra. A Escola de Samba é uma pessoa jurídica de direito privado, subvencionada com recursos públicos; e o desfile das escolas é uma promoção organizada e regulamentada pelo Estado, realizada em um próprio estadual, doublé de escola pública e local de espetáculo popular. Finalmente, é o Estado (e não o público) que diz qual das escolas (de samba) é a melhor. Na verdade, por força da obstrução dos canais de representação e de um pragmatismo perverso, que perdeu a noção de recato e do direito, o Estado brasileiro estendeu sua soberania aos desejos e costumes dos cidadãos.” (no JB de 10-10-85).

O professor Thomas J. Trebat estudou o caso do Estado como empresário numa obra com título Brazil’s State-owned Enterprises e subtítulo A case study of the State as entrepreneur (Cambridge Universit Press, 1983). O mestre na Universidade de Venderbilt e da Universidade do Texas em Austin chega a um resultado relativamente otimista sobre a eficiência das quase 600 empresas públicas que encabeçaram o desenvolvimento econômico do Brasil até seu atual resultado de um PNB de cerca de trezentos bilhões de dólares anuais, o que nos colocaria em sétimo lugar entre as potências do mundo livre. É verdade que as comparações de Trebat se relacionam quase sempre com outros países em desenvolvimento, principalmente na América Latina. É provável, certo, que nossa administração pública seja mais eficiente e menos corrupta que a mexicana, ou a peruana, ou mesmo a argentina. Não é muito pretender! Trebat aceita a tese de que a empresa estatal desempenhou um papel de primeiro plano no esforço para conseguir a emergência do Brasil como nação industrial. Mas o mesmo resultado não teria sido possível pelo recurso à iniciativa privada, nacional estrangeira, perguntamos nós? A discussão pode ser ociosa, mas o fato é que os outros países conseguiram sobrepujar sua situação de subdesenvolvimento, sem recorrer a uma intervenção tão maciça do Estado na economia. Estamos agora mesmo assistindo ao desempenho admirável do países da Ásia Ocidental como a Coréia, Taiwan, a Malásia e Singapura, que estão conseguindo esse sucesso pela confiança depositada na empresa privada.

Trebat de qualquer forma condena a defesa ou a crítica do empresariado estatal em bases exclusivamente ideológicas. Chego a concordar com esse ponto de vista pragmático mas me pergunto se o momento realmente não chegou, em nosso país, para reavaliarmos a intervenção do Estado na economia. Tudo indica, aliás, que a uma tal reavaliação já está se procedendo na presidência Sarney, embora fique também certo que as proclamações de amor à iniciativa privada se encontram frequentemente na boca de ideólogos fortemente comprometidos com o socialismo. Até um dirigente do Partido Comunista se abalou a elogiar a iniciativa privada: melhor faria se abandonasse sua sovietofilia... O professor americano opina no sentido de que as elites latino-americanas, ao levar em consideração as grandes desigualdades econômicas e culturais reinantes no continente, temem a empresa privada capitalista como suscetível de agravar tais desigualdades. Em toda parte, como no Brasil, o temor do enriquecimento dos empresários tem tido como consequência o enriquecimento ilícito dos capitalistas de Estado, o que quer dizer, dos burocratas patrimonialistas. Ao ponto de vista de Trebat poderíamos então acrescentar que são essas mesmas elites intelectuais privilegiadas as que vão administrar as empresas estatais e, desse modo, mantêm seus privilégios desiguais. O fato é que, se estivéssemos todos dispostos a aceitar o inevitável agravamento inicial das desigualdades, que acompanha a revolução industrial incipiente, lançaríamos as bases de um bem-estar econômico futuro de que participaria toda a população. Trebat, no entanto, não se estende sobre as raízes psicológicas, culturais, religiosas e históricas da desconfiança em relação às leis do mercado, da ojeriza ao conceito de lucro e do medo quase paranóico a toda concorrência capitalista. O emérito professor conclui no sentido de que terá o Brasil de reformular a sua estratégia econômica se desejar continuar a crescer com sucesso o resto desta centúria.

Também parece claro, afirma ele, que de novo a performance das companhias públicas terá um papel determinante no desempenho econômico de nosso país.

Um problema frequente na economia estatal brasileira é o incoercível ímpeto de autonomia das autarquias. Essa autonomia seria evidentemente um fator que consideraríamos positivo, se as autarquias competissem livremente no mercado contra outras autarquias, trabalhando no mesmo terreno. Mas tal não é o caso: as empresas estatais são monopolíticas. O governo pode pretender reduzir as despesas de custeio da empresa ou limitar seus lucros em benefício dos usuários industriais – em benefício do povo em suma. A diretoria da empresa resiste a tais intervenções. Pede subsídios maiores ou procura fazer lucros e distribuí-los entre seus diretores e funcionários. Verifica-se nestes últimos anos que a fiscalização das estatais é às vezes deficiente ou reduzidíssima, enquanto a própria empresa autárquica não se sente sujeita aos controles naturais existentes numa empresa capitalista em economia de mercado: os do próprio mercado onde atuam diversos concorrentes. Se a FEPASA, por exemplo, não dá lucro, não vamos imaginar que seus diretores reduzam por isto seus próprios salários, que ponham na rua o excesso de funcionários ociosos ou que declarem falência: o Estado estará sempre lá para ser sugado e mamado e, evidentemente, para sugar e mamar o contribuinte. O resultado dessa curiosa situação é que a tal empresa estatal, feita em última análise para o benefício do consumidor ou do usuário, acaba levando o que há de pior no socialismo e no capitalismo. Do capitalismo, leva o desejo de lucro, sem o corretivo da eficiência pela competição do mercado. Do socialismo, o subemprego, a ociosidade, a ineficiência, sem o benefício do interesse social para o povo.
Alfred Stepan, o conhecido brasilianista já mencionado anteriormente que dirige o Departamento de Relações Internacionais da Universidade da Colúmbia, em Nova York, investigou as origens do social-estatismo na América Latina em um trabalho sobre o Peru: The State and Society, Peru in comparative Perspective (Princeton University Press, 1978). Assevera Stepan, em sua procura das bases filosóficas do papel social do Estado na América Latina, que o corpo de idéias social-estatizantes tem raízes que podem ser atribuídas a Aristóteles, através do direito romano, à concepção medieval de direito natural, e à filosofia social católica contemporânea, formando uma visão “orgânico-estatista” coerente do papel do Estado na sociedade. Foi essa visão que influenciou as reações daqueles que são responsáveis pelo aparelho decisório (decision makers), na América Latina, às crises econômicas e sociais. A idéia central da visão orgânica-estatal da sociedade inclui uma ênfase sobre a comunidade política harmoniosa. Esta constituiria “o centro moral da visão orgânico-estatal” e o conceito de uma “obrigação moral” do Estado de alcançar o Bem Comum. O tema de Stepan é o mesmo que estudaremos mais adiante sob o signo do “Mal latino”. Certamente o social-estatismo brasileiro tem também origens na Escolástica da Igreja Católica e no desejo do clero e, por sua “opção preferencial pelos pobres”, manter o domínio que exerce sobre a população modesta. É um caso de libido dominandi...

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Monstro antediluviano, foi a burocracia brasileira erguida como instituição patrimonial com seus castelos, cercados de bastiões, fossos e pontes-levadiças. Neles habitam os grandes barões do Estado cartorial, a aristocracia sobre a soberba dos “altos funcionários”, duques e marqueses poderosos com sua enorme clientela de gordas escriturárias e magricelas serventes famintos que suplementam o salário-mínimo com gorjetas e comissões. Sobrevivem o foro, a enfiteuse e o laudêmio. Sólidos como o Pão de Açúcar, resistem ao sopro de renovação os direitos adquiridos, que são muitos: o direito ao cargo para o qual foi nomeado sem concurso, por ser filho de fulano ou primo de dona Carmen; o direito à promoção por ser amigo de beltrano; o direito à reclassificação, por ser amante de sicrano.

O Brasil ainda não atingiu à Idade da Razão. O brasileiro é o “homem cordial”, o “homem erótico”, o homo ludens, o homem “amigo” de Bernanos – talvez mesmo o “homem bom” de Cassiano Ricardo. Mas à também o “homem cartorial”, que assim se chama por haver sido, outrora, descrito e classificado pelo professor Cartorius e outros filósofos ès-ciências administrativas contratados pelo ISEB. Algumas figuras exponencias de nossa hierarquia burocrática merecem um tratamento especial em nossa análise, juntamente com suas idiossincrasias. Temos em primeiro lugar o alto funcionário. Um de suas principais características é seu ar de importância. O alto funcionário possui sempre, como o descreve Machado de Assis na pessoa do Conselheiro Aires, “o calor do ofício, o sorriso aprovador, a fala branda e cautelosa, o ar da ocasião, a expressão adequada, tudo tão bem distribuído que é um gosto ouvi-lo e vê-lo”...

Vou contar uma anedota tirada de minha experiência diplomática, para ilustrar comparativamente a importância de alto funcionário brasileiro. Eu estava servindo no Canadá, como jovem segundo secretário de nossa embaixada em Ottawa, quando certa vez recebemos um telegrama urgente do Itamaraty pedindo empenho em obter informações do Governo do Domínio sobre o embarque de algumas centenas de milhares de toneladas de trigo – antes que o gelo fechasse os portos canadenses. Não sendo especialista em assuntos econômicos e recém-chegado ao país, atrevi-me entretanto a telefonar para o Ministério do Comércio Exterior (Trade Department), afim de obter uma audiência com um qualquer dos diretores de serviço, habilitado a fornecer a informação solicitada, de vital interesse para a alimentação do nosso povo. Com grande surpresa minha, ao invés de ligarem com alguma secretária encarregada dos appointments, puseram-me imediatamente em contato, pelo telefone, com o vice-ministro, senhor Bull – um dos funcionários mais graduados da alta administração canadense, uma vez que o trade é fundamental para a economia do país. Ainda um pouco atônito, transmiti-lhe os termos da solicitação apreensiva de meu governo. Com a maior simplicidade, Bull me respondeu, fornecendo exatamente os dados de que carecíamos. Assim, meia hora depois de recebido o urgente telegrama do Itamaraty, partia a resposta para o Rio com o completo esclarecimento da situação. Imaginem simplesmente, meus leitores, por contraste, que o secretário da Embaixada em Maracangalha pretende obter em Brasília (por telefone!), do chefe do gabinete do Ministro da Fazenda, do secretário geral da Seplan ou de algum diretor geral de Carteira do Banco do Brasil, uma informação dessa ordem!

Na burocracia brasileira o que vale é o status. O mandarim tem que se dar ares de importância. A Persona é importantíssima” e o conceito de manter a face. Carro oficial com chapa branca, casa na península ou apartamento funcional na Asa Sul, esposa bem vestida pela moda francesa, casamento com a presença do senhor presidente da República. Reina, sobretudo em assuntos de interesse financeiro, uma atmosfera de solenidade, de mistério: os menores problemas se transformam em enigmas insondáveis. Cria-se uma barreira intransponível, se não existe um mínimo de intimidade pessoal entre os interessados. E os mais simples processos crescem com a complexidade e profundidade da metafísica de Kant, ou de alguma equação da teoria da Relatividade einsteiniana.

O alto funcionário, por outro lado, não gosta muito de tomar decisão que exija longo e frio julgamento, firme resolução, ação radical. A decisão só é alcançada quando a situação se tornou realmente intolerável e não há outra saída, senão “descascar o abacaxi” e “quebrar o galho”. Mas se trata então de uma reação passional automática, acompanhada de muita agitação, debates, às vezes uma confusão generalizada.

A combinação do desejo de se dar ares de importância com a relutância em tomar decisões, em seu próprio nível, tem como consequência a pressão tremenda exercida no sentido de empurrar todos os expedientes para cima, para os ministros de Estado e para o presidente da República. Ministro Passarinho, quando tomou posse no Ministério da Educação, descobriu que nada menos de 77 pessoas despachavam com o ministro: “Napoleão, que era um gênio, despachava apenas com sete. Mas a diretora do Museu Villa-Lobos também não abria mão de seus direitos: só despachava com o ministro”. O ministro também descobriu que devia assinar até os aceites para que um material escolar fosse desembarcado no porto. Se não assinasse, a Universidade responderia pelos custos. O que tudo isso quer dizer é que os trâmites que sofre um expediente na máquina burocrática e a sorte que lhe é reservada nos escalões da hierarquia não dependem de sua importância intrínseca, mas são determinados pelo prestígio relativo do funcionário que dele fica encarregado. Se se trata de uma abacaxi, o expediente é imediatamente expelido. Se não vale para realçar a importância do funcionário, é engavetado. Mas se pode servir para “despacho com o ministro”, então é imediatamente aureolado de um conteúdo místico. Em relação à parte, o que vale é o futebol: o burocrata inteligente é aquele que sabe driblar o interessado. Pelé é sempre promovido...

Para defender o status de altos funcionários, a burocracia criou uma série de intermediário, o principal das quais é o “chefe de gabinete”. A função desse é essencialmente a do cão Cérebro: barrar a entrada. Sobretudo aos chatos. Ai daquele que não possa colocar com suficiente ênfase e força de convicção, para penetrar no augusto recinto, a clássica pergunta: “O senhor sabe com quem está falando?”... Uma outra classe de intermediários é o despachante. Trata-se de um prodígio biológico: o parasita dos parasitas. Quando não se pode recorrer a esse espécime burocrático, há que utilizar uma das técnicas especiais de penetração na burocracia. O funcionalismo criou o que já foi chamado “a indústria de dificuldades para vender facilidades”. Contra essa indústria, o recurso é o jeito. O trêfego e vivo Macunaíma, manhoso e cheio de velhacarias, aparece com seu saco de surpresas que sugerem a saída com uma brilhante sugestão salvadora. Toda a técnica pegajosa e açucarada do Eros é então utilizada para impô-la à situação, sobrepujando o obstáculo. A relação pessoal que se estabelece entre o funcionário e a parte sobrepõe-se dos dispositivo legal ou à inércia burocrática. Eros vence Anankê, a necessidade. É o jeitinho...

O húngaro Peter Kellemen, em seu divertido livrinho Brasil para principiantes, conta-nos a sua primeira experiência com autoridades brasileiras e com a nossa noção peculiar da santidade da lei. Passou-se o episódio quando foi obter um visto no Consulado do Brasil, para entrar em nosso país. O Cônsul logo aconselhou-o a fazer uma declaração falsa – que era “agrônomo”, ao invés de médico, como de verdade. Isso era uma maneira de “dar um jeito... e facilitar o contorno das leis de imigração, pouco favoráveis aos médicos. Conclui nosso autor (que acabou aprendendo a lição bem demais!) o brasileiro “é um povo onde as leis são reinterpretadas; onde regulamentos e instruções do governo já são decretadas com um cálculo prévio da percentagem em que são cumpridos; onde o povo é um grande filtro das leis e os funcionários, pequenos e poderosos, criam sua própria jurisprudência. Ainda que seja esta jurisprudência não coincida com as leis originais, conta com a aprovação geral, se é ditada pelo bom senso.”

A massa passiva do funcionalismo, que se poderia chamar o tecido adiposo formado de glicerina e ácido graxo de nosso Dinossauro, é a Maria Candelária. Constitui a classe média visceral da burocracia. Sentada o dia inteiro, notável pela sua esteatopígia, conversa ela com as colegas sobre as peripécias da última novela de rádio e as fofocas da repartição – enquanto se estende a fila do público desesperado pelos corredores da repartição e até o portão do Ministério.
Abaixo de todos, na escala hierárquica, temos a figura melancólica do contínuo. Sua missão é difícil de definir em qualquer sociedade que acredite em desenvolvimento e eficiência. Ele simplesmente existe. É expressão do subemprego generalizado com que o social-estatismo caritativo procura liquidar com esse horroroso crime do capitalismo que é a concorrência e o desemprego. O contínuo aparece num corredor ou numa portaria, ao lado de um gabinete, geralmente sentado com um olhar vago de indiferença. Às vezes fica de pé, respeitosamente, quando passa um alto funcionário. Abre-lhe a porta. Carrega papéis e mensagens de um lado para o outro. Tem o importante encargo de fazer café, levar a aposta da loteria esportiva, comprar cigarros e, ocasionalmente, o de receber propinas para desencravar processos perdidos em alguma gaveta ou obter assinaturas do chefe. Em troca, pede emprego para o filho...

Eis as personagens principais da repartição pública. E o ambiente? Sem dúvida é o Brasil muito grande. Faz muito calor. E Deus é brasileiro! O suor corre pelas costas e pela testa, pingando em cima dos maços e dos processos. Lá longe está a praia. Que delícia! Não se pode combater a tentação do Paraíso tropical com excessiva autoridade fascista, egoísmo, capitalista e puritanismo calvinista. Há que recomendar tolerância, facilidades, boa vontade... Já em carta datada de 1558 e dirigida e el-Rei Dom Sebastião, escrevia Men de Sá: “Esta terra não se deve nem se pode regular pelas leis e estilos do Reino. Se Vossa Alteza não for muito fácil de perdoar, não terá gente no Brasil”... não se pode de fato exigir o cumprimento da lei, a ordem no serviço, a presteza do despacho, a pontualidade no horário, a cortesia na janelinha, o método no trabalho, a responsabilidade na decisão – com a praia ou a piscina tão perto, as sereias seminuas tão atraentes, as ondas tão refrescantes. Aparece logo, dentro de nós mesmos, um fantasminha maroto, evocado com um ectoplasma pela mediunidade de Maria Candelária, que gritará como o fez Macunaíma logo ao nascer: “Ai, que preguiça! Diabo que vele quem trabalha”...

Desde muito cedo foi o governo do Brasil bom-moço e complacente, na terra abençoada do “homem bom”. Há que perdoar o crime, abafar o escândalo, fechar os olhos perante a irresponsabilidade, esquecer o deslize, readmitir os demitidos, anistiar os terroristas, deixar aberto o ponto, não perturbar o boçal nem sacudir o indolente. Não se deve punir, aposentar, demitir, pois isso é antipático, impopular. Mas vale nomear, promover, conceder férias e licenças, aumentar os vencimentos e outorgar novas gratificações: é mais simpático, gera popularidade e atrai o voto. O homem cordial anseia pela popularidade e exala simpatia. O melhor que há a fazer na repartição é esperar pacientemente em ótimo bate-papo. Se o serviço público é composto de 50% pelo menos de funcionários que não fazem absolutamente nada, a não ser obter seu sustento mensal da prodigalidade de um Tesouro inflacionário e da tolerância de uma administração munificente – não nos devemos preocupar porque Deus é brasileiro e vai resolver todos os problemas!

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Para ilustrar os problemas da burocracia em nossa terra, me permito, com a devida vênia dos leitores condescendentes, relembrar um dos períodos mais lamentáveis de minha carreira burocrática, que constitui na passagem de pouco mais de dois anos pelo Ministério da Educação e Cultura (1971-73). Qualquer pessoa que tenha transitado pelo serviço público terá sofrido experiências semelhantes ou piores. Meu relato visa apenas instruir as verdadeiras circunstâncias amiúde enfrentadas numa repartição que, seja dito a bem da verdade, é uma das mais mediocremente organizadas da administração federal. Comecei minhas atividades no MEC ostentando o título de presidente da Comissão de Relações Internacionais. Era missão da mesma Comissão assegurar os contactos com a UNESCO e outros organismos internacionais: hoje em dia quase todos os ministérios, em Brasília, possuem órgãos paralelos, frequentemente ocupados por diplomatas e destinados a atender ao relacionamento com o exterior no âmbito de sua competência. O meu trabalho na comissão revelou-se frustrante: o órgão colegiado não possuía membros, eu não dispunha nem mesmo de datilógrafa, não existia arquivo e o poderoso confuciano secretário geral do Ministério, cioso de suas prerrogativas (ou ciumento), organizou a sua própria seção de relações internacionais, esvaziando a Comissão e prescindindo a fornecer os dados técnicos essenciais ao desempenho de minhas funções. Desisti do trabalho, ou melhor da sinecura, e fui nomeado diretor geral da Embrafilme. Nessa estatal me demorei três meses. Ali, deparei-me com uma situação insólita. Sem conseguir nomear um diretor executivo, enfrentei sozinho o diretor administrativo. Foi criado um impasse. A Embrafilme financiara pornochanchadas do tipo “Assim nem a cama aguenta”, muito embora fosse um órgão de um Ministério dito de Educação e Cultura, repito Educação e Cultura. A Censura proibia a exibição dos filmes. Em outras palavras, um órgão do Estado financiava uma produção que outro órgão do Estado arruinava. Outros filmes patrocinados pela estatal eram de qualidade tão sórdida que os exibidores se recusavam a comprá-los. Resultado, os malfadados produtores, que haviam obtido crédito para a execução de suas obras imundas, não podiam comercializá-las e desse modo não estavam habilitados a pagar as promissórias devidas à Embrafilme. Nesse ponto crucial intervinha o diretor administrativa. Através do gerente financeiro da empresa, de quem era sócio e que também participava da firma de advocacia encarregada de levar a juízo o protesto das letras, esses respeitáveis funcionários pretendiam locupletar-se com polpudas comissões em todos os casos de execução judicial dos produtores inadimplentes. Em matéria de estupidez e safadeza burocrática, poucos exemplos semelhantes conheço: apesar da sujeira em que havia sido obrigado a pisar ao longo de minha própria carreira, não estava preparado para assistir silencioso a esse tipo de transação e preferi afastar-me da empresa. Graças a Deus, pois assim não cheguei a enfrentar o pior, que eram os próprios parasitas do Estado, a classe dedicada à elaboração de filmes do mais baixo calibre moral e artístico. Exerci então outros afazeres sem grande significação. Mas, finalmente, deprimido, escarmentado e revoltado contra mim mesmo por me haver envolvido, voluntariamente e em momento de inspiração aberrante, com esse monstrengo do serviço público que é o Ministério da Educação, retornei ao Itamaraty.

A gota d’água foi um incidente provocado indiretamente por um personagem duplamente ligado ao MEC e ao Ministério das Relações Exteriores. Tratava-se de um cavalheiro, um verdadeiro gênio da bajulação e da picaretagem, italiano de origem e carregando o título de “ministro para assuntos econômicos” do Itamaraty, embora nada entendesse de economia. Também possuidor de alguns conhecimentos jurídicos, primários aliás, era na época diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Terminaria a vida como Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores, um cargo que foi outrora preenchido por sumidades como Clóvis Bevilaqua, Levy Caneiro, Hildebrando Accioly e Haroldo Valladão. Ao morrer, a família promoveu-o a “Embaixador”, com cujas honras foi enterrado...
Naquela ocasião, estava eu tentando obter, no Rio de Janeiro, o meu diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais por terminação de curso em 1939 – diploma que havia descurado de retirar em época oportuna, em virtude de não me ser útil na carreira diplomática. O documento se me tornava agora imprescindível para o exercício de atividade docente na Universidade de Brasília, conforme projeto que acariciava. Durante mais de três meses meu procurador no Rio tentou, inutilmente, obter o tal diploma na Faculdade de Direito. A indústria de dificuldade para vender facilidades funcionava, porém, a pleno rendimento: me exigiam provas infinitas de quitação com o serviço militar, de terminação de curso secundário, além de levantarem toda espécie de objeções oriundas de pequenas discrepâncias na grafia de meu nome no curso primário. Pensei comigo mesmo: se eu, embaixador, assessor do próprio Ministro da Educação, funcionário público então com ais de trinta anos de serviço, encontrava tamanhos obstáculos e chicanas para arrancar o documento da Faculdade, o que não deveria ser então a via crucis de um pobre estudante sem pistolão que tivesse terminado o curso e desejasse, com urgência, exercer a sua profissão na advocacia! Naquele momento exato, a imprensa anunciou um escândalo de derrame de diplomas falsos da mesma faculdade. Indignado, reclamei do Ministro e escrevi uma carta ao Jornal do Brasil, que foi publicada. Para terminar a conversa: O Ministro julgou nossa convivência impossível. Retirei-me, aliviado, e fui removido para a Embaixada da Noruega onde encontraria um clima mais frio, porém mais honesto...

Quero terminar este pequeno interlúdio memorável sobre experiências pessoais com o Dinossauro, relatando o caso estupendo de um outro parasita e charlatão do serviço público que exemplifica às escâncaras o baixo nível moral, comumente vigorante no funcionalismo brasileiro. Esse cavalheiro exerceu durante anos a função de “adido comercial” em Paris. Era regiamente pago em dólares, numa quantia apenas pouco inferior à do embaixador de quem dependia. Na realidade, seu sucesso em manter-se na Cidade Luz, sólido com a Torre Eiffel, se devia unicamente ao exercício pouco recomendável da profissão de cáften. Arranjava mulheres (e que mulheres!) para todos os magnatas da burocracia botocuda que freqüentavam Pigalle, Montmartre ou o Quartier Latin. Diziam que seu principal protetor era o então vice-presidente da República... O personagem, segundo corria, nem era mesmo brasileiro: nascera no sul da Itália, ou na Apúlia mais precisamente. Um legítimo Cagliostro (Cagliostro, o mais famoso de todos os picaretas do século XVIII, que conseguiu até mesmo ludibriar Goethe). Certa vez, esse charlatão dos pobres mostrou-me com orgulho, por ocasião do Natal, o resultado de sua “esfalfante” atividade em benefício da “eficiente promoção comercial brasileira em França”: era uma sala de Chancelaria no boulevard Montaigne, apinhada de lindos pacotes, bem embrulhados com cordão verde-amarelo. Caixas de marrons-glacês que destinavam a todos os seus protetores brasileiros – políticos, deputados, generais, ministros, jornalistas, empresários, membros da Academia Brasileira de Letras, toda aquela vasta e poderosa clientela graças à qual mantinha, ano após ano, sua permanência em Paris como Maquereau, ou alcoviteiro de alto coturno.
Estou certo de que tipos dessa ordem existem e experiências como a minha ocorrem em todas as partes do mundo. O burocrata espertalhão é figura familiar em qualquer lugar ou nação. O que é peculiar à vida política e administrativa brasileira é a freqüência singular do aparecimento de finórios desse tipo que, graças às suas técnicas sicofânticas imensamente refinadas de cordialidade e prestação de serviços pessoais, conseguem galgar os mais altos escalões da hierarquia do Estado.

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Há mais de 50 anos (1931), o conde Hermann von Keyserling visitou-nos no decurso de uma viagem “filosófica” à América do Sul, no gênero que costumava realizar. Dessa visita surgiu a obra Meditações Sul-americanas. O livro é imperdoavelmente esquecido e até hoje não foi publicado em português. Keyserling quase desaparece, injustamente, do rol dos grandes pensadores do século. É curioso notar, entretanto, que algumas das observações que fez sobre nosso país ainda são absolutamente válidas e constituem, em certos casos, algo do que de mais profundo se tem dito sobre nossa cultura em gestação e sobre nosso “caráter nacional”. Tais observações às vezes coincidem de modo admirável com as do Retrato do Brasil, de Paulo Prado (1928), e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda (1936) – o que me leva a crer que tenha apreciado longas conversas com aqueles estudiosos de nossa psicologia coletiva, quando Keyserling passou por São Paulo. Aqueles autores eram então jovens e já brilhantes. Provavelmente, foi de tais tertúlias que explodiram algumas das instituições presentes nos três livros mencionados.

Há um ponto que merece nosso especial interesse. Keyserling, que era de nobreza bálta, alemão de sangue e cultura, mais russo ao nascer, fez a certa altura a observação de que o Estado brasileiro muito lhe parecia assemelhar-se ao Estado russo. “O aparelho do Estado é um organismo à parte”, escreve ele. “O alto funcionário brasileiro se parece como um irmão ao da Rússia Tzarista. Mas o Brasil se revela perfeito e seguro naquilo mesmo em que a Rússia era imperfeita e vulnerável; e de tal modo que, poucos dias depois de minha chegada ao Brasil, já me podia dizer que se a Rússia houvesse sido governada como o Brasil, o povo jamais teria feito a revolução.” O paralelo traçado por Keyserling é de alta pertinência. Em ambos os países, de grande extensão territorial, baixa densidade demográfica e grau acentuado de subdesenvolvimento, o Estado desempenhava um papel de vanguarda, como desempenha até hoje, ainda que sempre ineficiente, no esforço pela industrialização e progresso material. Uma diferença profunda, contudo, distingue esses dois monstros antediluvianos, esses dois Leviatãs grosseiros e açambarcadores. “No Brasil, mais do que em qualquer outro lugar”, escreve Keyserling, “segue a arte de governar caminhos semelhantes aos da diplomacia da fêmea, a qual tudo refere ao primordial, e tal é precisamente a razão de seus êxitos.” O filósofo alemão fala do Brasil em termos de Delicadeza. Com essa palavra portuguesa como título do capítulo em que mais se demora no Brasil, ele acentua que, ao contrário do Estado russo – useiro e vozeiro no uso do knut, do ukase e da Sibéria para a reeducação dos recalcitrantes –, o Estado brasileiro era todo suavidade, discrição e delicadeza na imposição de sua autoridade. Naquilo em que a Rússia se mostrava brutal, reina no Brasil a consideração mais refinada, e tudo que poderia alimentar algum descontentamento é encoberto de maneira a torná-lo invisível. Essa última observação me lembram o admirável sistema chocante, que adotamos para a eliminação dos criminosos: em vez da pena capital, a execução sumária pelos esquadrões da morte na calada da noite... Keyserling observa ainda, divertido, que se um dia o comunismo tomar conta do Brasil, as autoridades ficarão com pena dos burgueses capitalistas e terão a delicadeza de lhes restituir as casas e usinas desapropriadas ou, pelo menos, arranjar-lhes emprego na nova Nomenklatura...

Todos nós concordamos sobre o paternalismo absorvente que se mantém como um dos traços mais salientes de nossa política, através das peripécias históricas – Revolução “liberal” de 1930, “Estado Novo”, “Nova República” de 1945, “Revolução” de 1964 e “Nova República” de 1985. O patrimonialismo paternalista implica o filhotismo, o nepotismo, o compadrio, a parentela, o clientelismo, o empreguismo, o “fisiologismo” e tantas outras tantas expressões de designam formas diversas do mesmo fenômeno fundamental. Em poucas palavras: a confusão entre o público e o privado. A situação em que, quem não tem pai-padrinho-patrão-patrono não tem vez... O paternalismo do Estado brasileiro deveria, na realidade, ser designado como maternalismo. O nosso Dinossauro é do sexo feminino... É a “mamãezada”, essa admirável expressão nordestina que designa, precisamente, a falta de moralidade no serviço público, mas segundo o julgamento de um crítico que já evoluiu suficientemente para uma concepção ética do império da lei numa Herrschaft weberiana do tipo racional-legal.

Estive lendo sobre os 2.200 funcionários da Câmara Municipal de Niterói – mais do que os que servem ao Itamaraty em Brasília. Sobre os salários dos 78 mil cruzados das datilógrafas da câmara de São Paulo. Sobre a Gaiola de Ouro do Rio. Sobre as mordomias mais escandalosas e os trens da alegria do Congresso Nacional. Sobre os abusos dos empregos remunerados em dólar no exterior. Na verdade, o Estado brasileiro às vezes se apresenta como uma ama de leite, um vasto asilo de desamparados, um ogro filantrópico, um gigantesco instituto de previdência social, cuja única função é proporcionar alimento para seus filhotinhos... a serem pagos pela máquina inflacionária. Estamos no estágio que foi atingido em fins do século XVIII pelos principais países avançados europeus – no momento em que se tornavam modernos. Duzentos anos de atraso!


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(*) Breve biografia do Embaixador Meira Penna:

José Osvaldo de Meira Penna nasceu no Rio de Janeiro no dia 14 de Março de 1917. Pela Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), obteve o título de Bacharel em Ciências Jurídicas. No ano de 1938 ingressou na carreira diplomática por intermédio de concurso público para o Instituto Rio Branco. Fez cursos de especialização na Universidade de Columbia, em Nova York, e no Instituto C. G. Jung, de Zurique. No ano de 1965 fez o Curso Superior de Guerra da ESG, tendo cursado posteriormente diversos cursos de especialização nessa instituição. Como diplomata de carreira, J. O. Meira Penna ocupou diversas funções, dentre as quais: Vice-Cônsul em Calcutá¡, Índia, e Shangai, China (1940-1952); Segundo Secretário em Ankara, Turquia, e Encarregado de Negócios em Nanking, China (1947-1949); Secretário em Ottawa, Canadá¡, Secretário e Conselheiro da Missão Brasileira das Nações Unidas (1953-1956) e membro da Delegação Brasileira a várias Assembléias das Nações Unidas, e da Conferência Geral da UNESCO em 1958; Chefe da Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores (1956-1959); Cônsul Geral em Zurique, Suíça (1959-1964); Embaixador do Brasil em Lagos, Nigériria (1964-1965); Secretário Geral Adjunto para o Planejamento e da Europa-Oriental e Ásia (1966-1967); Embaixador do Brasil em Israel e em Chipre (1967-1970); Presidente da Comissão de Assuntos Internacionais do MEC, Diretor Geral da Embrafilme e Assessor do Ministério da Educação e Cultura (1971-1973); Embaixador do Brasil em Oslo, Noruega e na Islândia (1974-1977); Embaixador do Brasil em Quito, Equador (1978-1979); e Embaixador do Brasil em Varsóvia, Polônia (1979-1981). Meira Penna foi conferencista de cursos da ADESG (1971-1973); tem ministrado regularmente conferências sobre psicologia social no Instituto C. G. Jung em Zurique e conferências sobre diversos temas na Escola Superior de Guerra e no Conselho Técnico da Confederação Nacional da Indústria e do Comércio. Tem colaborado com o trabalho dos Institutos Liberais de todo o Brasil, sendo atualmente o presidente do Instituto Liberal de Brasília. José Osvaldo de Meira Penna é um dos quatro brasileiros vivos que tem a honra de ser membro da Mont Pelerin Society.

Meira Penna é autor de vasta obra composta, até o presente momento, dos seguintes livros: Shangai: Aspectos Históricos da China Moderna (1944), O Sonho de Sarumoto: O Romance da História do Japão (1948), Quando Mudam as Capitais (1958 / 2ª Edição revista e ampliada: 2002), Política Externa, Segurança e Desenvolvimento (1967), Psicologia do Subdesenvolvimento (1972), Em Berço Esplêndido: Ensaios de Psicologia Coletiva Brasileira (1ª Edição: 1974 / 2ª Edição revista e ampliada: 1999), Elogio do Burro (1980), O Brasil na Idade da Razão (1980), O evangelho segundo Marx (1982), A Ideologia do Século XX: Ensaios sobre o Nacional-socialismo, o Marxismo, o Terceiro-mundismo e a Ideologia Brasileira (1ª Edição: 1985 / 2ª Edição revista e ampliada: 1994), A Utopia Brasileira (1988), O Dinossauro: uma Pesquisa sobre o Estado, o Patrimonialismo Selvagem e a Nova Classe de Burocratas e Intelectuais (1988), Opção Preferencial pela Riqueza (1991), Decência Já! (1992), O Espírito das Revoluções: Da Revolução Gloriosa à Revolução Liberal (1997), Ai, que dor de cabeça!: Alguns dados informativos e sugestões para aqueles que sofrem de enxaqueca (2000), Urania: Onde se discute a conquista do espaço, a ficção científica, os discos voadores, E.T.s, a pluralidade dos Mundos Habitados e a solidão do homem (2000), Cândido Pafúncio: Numa historia contada por um idiota (2001) e Da Moral em Economia (2002). Além desses dezenove livros, Meira Penna é autor de centenas de artigos publicados em jornais e revistas no Brasil e no exterior.


Algumas opiniões acerca do Embaixador Meira Penna:

“O embaixador Meira Penna é um homem de grande cultura, que já leu todos os grandes clássicos e modernos do pensamento liberal, e que fez do liberalismo uma doutrina viva. É também um formidável polemista” (Mário Vargas Llosa).

“Desenvolvendo grande atividade intelectual desde a juventude, o embaixador aposentado José Osvaldo de Meira Penna realizou uma obra grandiosa, que acredito venha a merecer consideração detida num dos nossos cursos de pós-graduação em pensamento brasileiro ou ciência política” (Antonio Paim).

“O embaixador Meira Penna alia a sua inteligência e a sua vasta erudição - histórica, filosófica, sociológica, política e econômica - a uma notável capacidade de combater. Polêmico, freqüentemente agressivo em face a posturas contrária a sua - especialmente a socialista e nacionalista -, ele é uma figura ímpar no panorama intelectual brasileiro, sempre pronto a denunciar ilusões ou imposturas” (Roque Spencer Maciel de Barros).

“Meira Penna é um reconhecido intelectual, articulista e polemista, já escrevera diversas obras de fôlego, introduzindo muitos temas então inéditos ou pouco abordados, como o patrimonialismo selvagem” (Cândido Prunes).

“O embaixador José Osvaldo de Meira Penna é um dos intelectuais brasileiros que mais tem contribuído para a formação de uma literatura liberal em nosso país” (Og F. Leme).

“Meira Penna é um expoente da pequena ala de intelectuais liberais do Itamaraty que não se deixaram contaminar pelas ideologias coletivas: o solidarismo romântico, o nacionalismo e o socialismo. Essas ideologias antiliberais, que desconhecem o papel da concorrência na promoção da eficácia econômica e do pluralismo político, impregnaram várias gerações itamaratianas. E, como convé a celebre entropia de um país subdesenvolvido, degradaram-se em manifestações folclóricas: antiamericanismo de salão, socialismo de balcão e terceiro-mundismo de ocasião”. “Meira Penna, como liberal engajado e espadachim ideológico, sempre sofreu discriminação por parte de mesquinhas igrejinhas no Butantã da Rua Larga. Foi um talento subaproveitado. Prosperam mais, para usar a verbologia de Platão, os 'filodoxos' (amigos de opiniões) do que os 'filósofos' (amigos da sabedoria)” (Roberto Campos).

“Meira Penna está muito atento aos problemas colocados pela inserção do catolicismo na economia da modernidade, além de preocupado com a fundação de uma Ética social” (Ubiratan Borges de Macedo).

“Meira Penna escreveu o melhor livro de psicologia social brasileira (Psicologia do Subdesenvolvimento) e a melhor defesa da economia liberal que existe em português (Opção Preferencial pela Riqueza), além de uma notável análise da burocracia estatal (O Dinossauro), de um esplêndido painel das Ideologias do Século XX e de muitos outros livros que não ficam abaixo desses”. “Poucos escritores de tamanho valor foram, no mundo, tão injustamente depreciados pela mídia, tão sistematicamente excluídos do debate público e reduzidos a falar para um pequeno círculo de leitores e admiradores” (Olavo de Carvalho).





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