Um dos maiores filósofos metafísicos foi Tomás de Aquino, do qual já tive oportunidade de falar:
“Italiano pelo pai, Landolfo, conde de Aquino, e normando pelo lado da mãe, Teodora, Tomás nasceu em Roccasecca, no sul do Lácio, em 1221. Teve sua educação primária na abadia de Montecassino, para onde foi levado na esperança de que contribuísse para o brilho do sobrenome da família. Com efeito, o abade de Montecassino era um poderoso feudatário. Mas, devido às contínuas guerras entre o Papa e o Imperador, a abadia foi logo reduzida a um estado de abandono desolador e de triste decadência”. (Reale-Antiseri in 'História da Filosofia”, I, p. 553).
Tomás morreu em 1274, mas até hoje é referência para a Igreja Católica e para todos os pensadores cristãos.
Profundamente religioso, Tomás de Aquino procurou não deixar a razão de lado, a ponto de se discutir se existe ou não uma razão autônoma da fé, ou seja, uma filosofia distinta da teologia (I, p. 554). Para ele, o objeto primário de suas reflexões é Deus, não o homem ou o mundo, tanto que a diferença entre a filosofia e a teologia é que a primeira oferece um conhecimento imperfeito das mesmas coisas que a teologia está em condições de esclarecer relativamente à salvação eterna.
Em sua 'Summa contra gentiles', que pode ser entendida como 'Exortação contra os gentios' (descrentes ou pagãos), Tomás escreveu:
“Há algumas verdades que superam todo poder da razão humana, como, por exemplo, as verdades de que Deus é um trino. Outras verdades podem ser pensadas pela razão natural, como, por exemplo, as verdades de que Deus existe, de que Deus é uno, e semelhantes”.
Mas, ao mesmo tempo em que ele coloca a fé em Deus como princípio, não descarta a razão, ao dizer: É necessário recorrer à razão, à qual, todos devem assentir”.
Ele considerava que a razão é uma força natural que não se contrapõe à fé: que, embora colocasse Deus acima de tudo, acreditava, também, que o homem goza de certa autonomia: e esta autonomia é que dá ao homem os instrumentos para a realização da fé, concluindo que “o saber teológico nem suplanta o saber filosófico, nem a fé substitui a razão, pois a fonte da verdade é única”.
Existe, no entanto, uma realidade maior: existe um mundo e existem seres e coisas. E existe vida nesses seres, daí voltar a perguntar: o que é a Vida e toda a sua importância, acrescento? Afirmar, buscando o uso da paixão, que o universo e a vida foram criados por Deus infinito não responde o principal problema, a meu ver, sobre esse considerado dom: a vida. O que ela consiste? Sempre considero simplista demais afirmar que tudo é Deus.
Afirmo, primeiramente, que a vida não é um dom, mas um atributo natural do ser.
Ao repassar as diversas teorias engendradas pelos filósofos anteriores e posteriores a Cristo, veremos que nenhuma delas deu essa resposta, ficando a cargo da ciência que, até agora, se perdeu em combinações biológicas, conseguindo explicar o corpo, mas não a Vida em si.
Para explicar Deus e a existência do mundo, Aquino concebeu como provas “os cinco caminhos”, descritos em minúcia pelos Autores da 'História da Filosofia', quais sejam: a) o caminho da mutação; b) o caminho da causalidade eficiente; c) o caminho da contingência; d) o caminho dos graus de perfeição; e e) o caminho do finalismo.
Não é propósito deste livro debater as profundidades dos pensamentos filosófico-religiosos, mas rever esses pensamentos à luz de nossa própria existência, tendo, para este autor, que o “caminho da causalidade eficiente” tenta, pelo menos, aproximar-se da lógica, para, ao fim, cair nas mesmas idéias metafísicas onde Deus é o princípio de tudo. Dizia ele, citado pelos referidos Autores (I, p. 563):
“a) o caminho da mutação;
O primeiro caminho, que é o mais evidente, é aquele que parte da mutação. Com efeito, é certo e sabido pelos sentidos que algumas coisas sofrem mutações neste mundo. Ora, tudo aquilo que muda é movido por outros, já que uma coisa não muda se não for, em potência, aquilo no qual se conclui a mutação, ao passo que, ao contrário, sendo em ato, move (ou seja, provoca mutação). Com efeito, mover quer dizer levar da potência ao ato. Ora, uma coisa não pode ser levada a ato senão em virtude de um ente que seja em ato; por exemplo, aquilo que é quente em ato, como o fogo, torna quente a madeira, que é quente em potência, e assim a muda e altera. Mas não é possível que alguma coisa seja ao mesmo tempo ato e potência sob o mesmo aspecto. Ela só pode sê-lo sob aspectos diversos: aquilo que é quente em ato não pode sê-lo também em potência, mas é, ao mesmo tempo, frio em potência. Assim, é impossível que, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, um ente seja origem e sujeito de mutação (movens et motun), ou seja, mude-se a si mesmo. Portanto, tudo aquilo que muda deve ser movido por outros”. (cf. 'História da Filosofia”, I, p. 562).
Mutação é metamorfose, mudança de um estado para outro; é substituição, mudança de estrutura, de sorte que Deus, que nada era, passou a ser tudo após o aparecimento do universo, no aparecer do homem, pois, sem este, ninguém estaria aqui para conceber esse fenômeno natural, nem mesmo pensar Deus, pois o homem pensante não existiria. De sorte que Deus, se existissem todos os demais seres e coisas fora o homem, também não existiria. E é nesse sentido que Descartes, ao dizer que “penso, logo existo”, deixou claro, talvez sem essa certeza, de que Deus só existe porque o homem existe e pensa.
A engenhosa teia costurada por Aquino esbarra, de princípio, no seguinte embaraço: nem tudo que muda é movido, necessariamente, por outros, porque a mudança de um estado para outro depende das próprias condições naturais do ser mutante. Exemplo: um camaleão muda de cor todas as vezes que procura fugir de algum perigo, tomando a cor que lhe camufla. Mas seu mimetismo não é movido por outros, mas por ele próprio, por suas condições naturais. Tanto, que ele muda se sua natureza considerar melhor para protegê-lo. E natureza não é ato nem potência (Aristóteles), figura criada pelas Idéias filosóficas e que hoje não pode ter guarida numa filosofia racional. Potência é o estado no qual um ato pode ser produzido ou modificado; mas será sempre preciso que esse estado reúna condições para ser produzido ou modificado, de sorte que eu (ou meu ato em potência) não pode não ser realizado ou mudar aquilo que, por suas condições naturais, não pode ser mudado.
O universo seria uma potência que o ato de Deus mudou, no conceito de Aquino. No entanto, para ser algo em potência, seria necessária a sua existência. E é isso, entre outras coisas, que o “caminho da mutação” não explica.
“b) o caminho da causalidade eficiente.
O segundo caminho parte da natureza da causa eficiente. No mundo das coisas sensíveis, nos defrontamos com a existência de uma ordem de causas eficientes. Não é caso conhecido (e, na verdade, é impossível) de uma coisa que seja a causa eficiente de si mesma, porque, para tanto, deveria ser anterior a si mesma, o que é impossível. Ora, não é possível ir ao infinito na série das causas eficientes, porque em todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa das causas intermediárias e as intermediárias são as causas das últimas, podendo as causas intermediárias serem várias ou uma só. Ora, anular a causa significa anular o efeito. Por isso, se não houver uma causa primeira entre as causas eficientes, não haverá nem causa intermediária, nem causa última; mas, se fosse possível ir ao infinito nas causas eficientes, não haveria causa eficiente primeira, nem efeito último, nem causas eficientes intermediárias, o que, evidentemente, é falso. Por isso, é necessário admitir uma causa eficiente, à qual todos dão o nome de Deus”.
Ao mesmo tempo em que Tomás de Aquino não admite a existência de uma coisa que seja causa de si mesma, “porque, para tanto, deveria ser anterior a si mesma, o que é impossível”, crê na existência de um ser anterior a tudo e que seria a “causa eficiente”, não deixando de empregar o sofisma para fundamento de suas idéias. Não foi coerente e, portanto, ilógico.
Mas como ele se aprofundara no estudo da lógica, não conseguiu se desligar de certa coerência, entretanto, ao formular a teoria da causa eficiente. No entanto, para chegar a Deus, ele deixou de lado a lógica e se aprofundou na metafísica, pois que sua lógica era metafísica, como é a lógica de todas as crenças voltadas para o surgimento do universo, com uma infinitude de galáxias, de astros, de seres e coisas.
A causa primeira por ele concebida, “à qual todos dão o nome de Deus” o destaca de todos os demais filósofos cristãos, que vêem em Deus não só a causa primeira, mas, verdadeiramente um ente metafísico, anterior ao universo e que se fez por si mesmo. Mas essa “causa primeira”, a ser admitida como verdade, só poderia ter como efeito a Vida, e não o universo. Admitir um Deus antes da existência do universo, não seria admitir uma causa eficiente primeira, mas anterior, o que seria impossível, como, aliás, ele mesmo chegou a admitir.
Se há impossibilidade de haver uma causa anterior a si mesma, não podemos admitir, salvo por pura dialética ou sofisma, a existência de um Ser anterior à existência do universo.
“c) O caminho da contingência.
Na natureza, encontramos coisas que têm a possibilidade de ser e não ser, pois constatamos que se geram e se corrompem e, conseqüentemente, lhes é possível tanto o ser como o não ser. Mas é impossível que existam sempre, pois aquilo que pode não ser, em algum tempo não o é. Por isso, se tudo pudesse não ser, em algum tempo não haveria nada de existente, pois aquilo que não existe só começa a existir por meio de alguma coisa que já existe. Por isso, se em algum tempo não tivesse havido nada de existente, teria sido impossível para qualquer coisa começar a existir e, assim, também nesse caso, nada existiria, o que é absurdo. Por isso, nem todos os entes são puramente possíveis, devendo necessariamente haver alguma coisa cuja existência é necessária. Mas toda coisa necessária tem a sua necessidade causada por outra – ou não. Ora, é impossível ir ao infinito nas coisas necessárias, que têm sua existência causada por alguma outra coisa, como já foi demonstrado a respeito das causas eficientes. Por isso, não podemos deixar de admitir a existência de algum ente que tenha em si mesmo a sua própria necessidade, não a recebendo de qualquer outro, mas que causa em outras coisas a sua necessidade. E a isso todos os homens chamam de Deus”. (Obra cit., I, p. 564).
O “pecado” de Aquino está nesta proposição:
“ Por isso, se tudo pudesse não ser, em algum tempo não haveria nada de existente, pois aquilo que não existe só começa a existir por meio de alguma coisa que já existe. Por isso, se em algum tempo não tivesse havido nada de existente, teria sido impossível para qualquer coisa começar a existir e, assim, também nesse caso, nada existiria, o que é absurdo”.
Em primeiro lugar ele afirma que antes de existir alguma coisa (não ser), já existiria alguma coisa (Deus). Deus seria aquilo que já existiria, pois que, se ele não existisse, nada existiria, o que me parece ilógico porque não posso acreditar que algo exista no nada.
É claro o seu esforço de crer que tudo o que existe deriva de Deus, um Ser único capaz de tudo criar, sem que fosse preciso ser criado. É um pensamento profundamente místico-religioso e que, por isso, pode ser respeitado por aqueles que também colocam a fé acima da razão.
Se a não-existência fosse considerada absurda, não encontraria também um amparo racional; pois se o universo existe, poderia também não existir; e não existindo, não haveria ninguém para achar absurdo. E se existisse sem o homem também não haveria ninguém para falar em Deus. Ou seja: Deus só existe porque o homem existe. Diz ele:
“Por isso, nem todos os entes são puramente possíveis, devendo necessariamente haver alguma coisa cuja existência é necessária. Mas toda a coisa necessária tem a sua necessidade causada por outra – ou não. Ora, é impossível ir ao infinito nas coisas necessárias, que têm sua existência causada por alguma outra coisa, como já foi demonstrado a respeito das causas eficientes. Por isso, não podemos deixar de admitir a existência de algum ente que tenha em si mesmo a sua própria necessidade, não a recebendo de qualquer outro, mas que causa em outras coisas a sua necessidade. E a isso todos os homens chamam de Deus”. (Idem, p. 564).
Essa construção não deixa de ser engenhosa, mas impossível de ser demonstrada. Por que, 'necessariamente', a existência de algum ente, quando a própria natureza possa ter-se criada e criadora, sabendo-se que tantas coisas têm sido descobertas ainda hoje, seja em nosso mundo terreno, seja em outras galáxias que Aquino nem sonhava existirem? Mas sua construção tinha Deus como fim e, por isso, nem ele, nem os demais filósofos católicos, partiram dos meios para chegar ao fim – Deus -, mas do fim para chegar aos meios.
“d) O caminho dos graus de perfeição.
O quarto caminho diz respeito à gradação que se pode encontrar nas coisas. Entre os entes, há os mais e os menos bons, verdadeiros, nobres e semelhantes. Mas, ‘mais’ ou ‘menos’ são predicados de coisas diversas, que se assemelham de modo diverso a algo que é o máximo, como se diz que uma coisa é mais quente quando mais de perto se assemelha àquilo que é quentíssimo. Dessa forma, existe algo que é verdadeiro, nobre e bom em grau máximo e, conseqüentemente, algo que, em grau máximo, é ser, já que aquilo que é máximo na verdade é máximo também no ser, como está escrito na Metafísica. Ora, o máximo em cada gênero é a causa de tudo naquele gênero: por exemplo, o fogo, que o máximo no calor, é causa de todas as coisas quentes, como está dito no mesmo livro. Por isso, deve haver algo que, para todos os entes, é a causa do seu ser, de sua bondade e de toda outra perfeição. E isso é chamado Deus”. (Ibidem, I, p. 565).
Essa construção é puramente metafísica, e sua comparação com um fenômeno não metafísico – o fogo -, porque derivado de outro fenômeno igualmente não metafísico – a combustão – deixa de ser logicamente aceitável.
Os graus de bondade e de perfeição não podem ser medidos: não podemos achar que alguém possa ser mais ou menos bom do que outro, ou mais ou menos perfeito do que outro, a não ser admitindo – e é isso o propósito do filósofo – que só haja um ser bom e perfeito: Deus.
Todos os atributos de Deus (atribuídos pelo homem), jamais foram objeto de demonstração, ficando no terreno da suposição, e a suposição não constrói porque não chega à verdade.
Se Deus existisse e fosse bom e perfeito, certamente o mundo não seria mau e imperfeito, pois que seria sua obra. E a contrafação a este meu argumento encontra o refúgio do livre-arbítrio do homem. Só que, com esse livre-arbítrio, o homem poderia se espelhar em Deus, sendo bom e perfeito.
Por isso, Aquino diz “deve haver algo”, mostrando que sua construção não passa de uma suposição.
“e) O caminho do finalismo.
O quinto caminho deriva do governo do mundo. Nós podemos ver que as coisas que carecem de conhecimento, como os corpos naturais, agem em função de um fim. E isso é evidente pelo fato de que sempre ou quase sempre agem do mesmo modo, de forma a obter os melhores resultados. Portanto, está claro que não alcançam o seu fim por acaso, mas por intenção. Ora, tudo aquilo que não tem conhecimento não pode se mover em direção a um fim, a menos que seja dirigido por algum ente dotado de conhecimento e inteligência, como a flecha é dirigida pelo arqueiro. Por isso, existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas naturais para o seu fim. E esse ser nós chamamos Deus”. (I, p. 566).
Teríamos que considerar, então, dentro desse pensamento de Aquino, que tudo, ou quase tudo, tem uma finalidade. Os homens só agiriam por um fim, mas sem conhecimento desse fim. Ao passo que Deus, que teria a supremacia desse conhecimento, seria o único ser inteligente que “dirige todas as coisas naturais para o seu fim”.
Em princípio, devo destacar que o homem é um ser dotado de inteligência suficiente para direcionar suas ações em busca de determinado fim. Se tal não acontecesse, a espécie humana já teria sucumbido às catástrofes naturais. Depois, não posso aceitar como racional, mas apenas como crença, que Deus seria o único ente dotado de conhecimento e inteligência suficientes para dirigir todas as coisas naturais para seu fim.
Depois, que tipo de conhecimento? De onde apreendera o conhecimento? Quais os conhecimentos abrangidos? Se formos estudar as fontes do conhecimento, mesmo nas modestas linhas que anotamos, veríamos que nem mesmo um Ser, com todos os atributos (derivados do próprio Homem) teria conseguido abarcar todos os conhecimentos, ainda hoje em fase de evolução.
O universo teria um fim? Os seres e as coisas teriam um fim? Que fim?
Existe, ainda uma contradição no pensamento de Tomás de Aquino quando ele ora afirma que só Deus teria conhecimento e inteligência, ora admite que “o homem é natureza racional, isto é, um ser capaz de conhecer: Ratio est potissima hominis natura.” E acrescentam os autores da História da Filosofia:
“E é justamente essa concepção de homem que encontramos na base da ética e da política do Aquinense. Antes de mais nada, o homem conhece o fim ao qual cada coisa tende por natureza e conhece uma ordem das coisas no cume da qual está Deus como Bem supremo. Naturalmente, se o intelecto pudesse oferecer a visão beatífica de Deus, a vontade humana não poderia deixar de querê-la. Mas, aqui, em baixo, isso não é possível. Na vida terrena, o intelecto só conhece o bem e o mal de coisas e ações que não são Deus. Assim, a vontade é livre para querê-los ou não querê-los. Esse é o sentido da ratio causa libertatis. E é exatamente no livre-arbítrio, na liberdade do homem (que não é de forma alguma reduzida pela presciência de Deus, que prevê aquilo que é necessário e aquilo que propriamente será livre, isto é, devido unicamente à liberdade humana), que Tomás vê a raiz do mal, concebido, como em Agostinho, como falta do bem”. (I, pp. 566/7).
Há uma passagem que pode resumir o contraste entre a razão e a fé, que encontramos em São Boaventura, cuja biografia foi citada pelos autores da 'História da Filosofia', pp. 575/6, e da qual retiro o seguinte resumo:
“Nascido em Civita, hoje distrito de Bagnoregio, por volta de 1217-1218, Boaventura (secularmente, Giovanni Fidanza) estudou filosofia na Universidade de Paris (1236-1238), laureando-se em artes em 1242-1243. Ingressando aos vinte e cinco anos ordem franciscana, estudou teologia com Alexandre de Hales, conseguindo em 1253, a licenciatura e o magistério (título que só lhe seria reconhecido em 1257, devido à oposição dos mestres parisienses contra os mendicantes). Ensinou no Estúdio parisiense na qualidade de bacharel bíblico e sentenciário (1248-1252) e, depois, de mestre-regente (1253-1257), sucedendo ao co-irmão Guilherme Melitona”.
Com esse acervo de conhecimentos adquiridos em seu ambiente de estudo e de ofício, Boaventura não poderia deixar de plasmar suas idéias filosóficas em Deus.
“Admitimos que o homem tenha o conhecimento da natureza e da metafísica, que se eleve até as substâncias mais altas, e admitimos que, aí chegando, o homem se detenha: é impossível ele não cair em erro se não for ajudado pela luz da fé e não crer que Deus é uno e trino, poderosíssimo e ótimo ao extremo da bondade (...). Foi por isso que essa ciência (Filosofia autônoma) precipitou e obscureceu os filósofos (pagãos), já que eles não possuíam a luz da fé (...). A ciência filosófica é caminho para outras ciências, mas quem quer se deter nela cai nas trevas.
O problema de Boaventura, portanto, não é o de rejeitar o uso da razão e de toda filosofia, mas sim o de distinguir ‘entre uma razão e uma filosofia ou teologia cristã e uma filosofia não cristã, entre uma razão que é instrumento da fé para a visão beatífica (...) e uma razão que, encerrando-se em uma auto-suficiência própria, nega o sobrenatural em si mesma”. (T. Gregory). (Cf. obra cit., I, p. 578).
Dentro desse conceito filosófico-cristão, pois, não há lugar para meu pensamento filosófico-não-cristão, fundado exclusivamente na razão e não na fé. E creio, também, que o acordo razão e fé não existe em São Boaventura, ao contrário de outros filósofos cristãos, entre os quais Agostinho e Tomás de Aquino.
Todas essas asserções filosófico-teológicas resultaram na necessidade da distinção entre um e outro mundo das idéias, tendo Escoto tentado fixar o âmbito de cada um.