GRANDES PENSAMENTOS(35)
HÁBITOS BREVES
Gosto dos hábitos que não duram; são de um valor inapreciável se quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados, sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza que é feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saúde física, e, de uma maneira geral, tão longe quanto posso ver nela, de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou aquela coisa se vai satisfazer duradouramente - porque o próprio hábito breve acredita na eternidade, nesta fé da paixão; imagino que sou invejável por ter descoberto tal objeto: devoro-o de manhã à noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delícias me penetram até à medula dos ossos, não posso desejar mais nada sem comparar, desprezar ou odiar.
E depois um belo dia, aí está: o hábito acabou o seu tempo; o objeto querido deixa-me então, não sob o efeito do meu fastio, mas em paz, saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devêssemos gratidão e estendemo-nos a mão para nos despedirmos. E já um novo me aguarda, mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fé - a indestrutível louca... e sábia! - em que este novo objeto será o bom, o verdadeiro, o último... Assim acontece com tudo, alimentos, pensamentos, pessoas, cidades, poemas, músicas, doutrinas, ordens do dia, maneiras de viver. Em compensação, odeio os hábitos que duram, parece-me que tiranos se aproximam de mim para inquinar o meu ar vital com o seu hálito, logo que os acontecimentos se orientam de tal maneira que parece deverem sair deles hábitos definitivos: por exemplo, devido a uma função social, à freqüência constante do mesmo meio, de uma residência determinada, de um gênero de saúde exclusivo. Confessarei até que, no mais fundo da minha alma, estou grato às minhas misérias físicas, à minha doença e a todas as minhas imperfeições, porque me deixam mil portas de saída que me permitem escapar aos hábitos definitivos. O que me seria, para falar verdade, mais insuportável, o que verdadeiramente me aterraria, seria uma vida totalmente despojada de hábitos, uma vida que exigisse uma improvisação constante; isso seria o meu exílio, seria a minha Sibéria.
(Friedrich Nietzsche, in 'A Gaia Ciência')
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