BAGG AVE : SONETOS E ROCK N ROLL
Eis que me chega pelo correio mais um pequeno grande livro. Trata-se do Bagg Ave , publicação do poeta paulista Jayro Luna, editado e prefaciado pelo autor, com 44 páginas contendo 33 poemas abordando o homem e suas relações com a sociedade, através da música. Fiquemos com o primeiro texto do livro:
CAVALEIRO MENESTREL ERRANTE
“Em cest sonet coind’ e leri
Fau motz e capuig e doli,
E serant verai e cert
Quan n’aurai passat la lima”
Arnaut Daniel
Sou cavaleiro menestrel errante
Que vaga pelos vales da cidade,
Sou da aventura um eterno seu amante
Que também ama e canta a liberdade;
Sou cavaleiro menestrel errante,
Brasão vinil em trinta e três rotações,
De espada elétrica, acordes vibrantes,
Cantando os romances das gerações;
De armadura em desaire, jeans azul,
Vou sob os céus da América do Sul
Montado em dragões contra o rei e sua filha!
Sou cavaleiro menestrel errante,
Que em rocks canta o amor agonizante,
Trago em meu coldre um rádio de pilha!
Não conheço o autor nem outras publicações do mesmo, sequer alguns dados biográficos, por isso restringirei-me a tecer comentários tão somente ao conteúdo bagg aviano.
No Bagg Ave, o autor vai buscar sua temática na música, e nesse caso, a música é o Rock N Roll... E o rock (a música) é muito mais do que uma música (o rock), é toda uma relação socia/sensual, é toda uma filosofia, é todo um jeito de (vi)ver o Mundo, e Jayro vai fundo.
Jayro nos fala das gerações roqueiras e dos seus valores, desde o tênis e a calça lee aos discos dos grandes astros e seus conflitos existenciais. Pelos textos bagg avianos, percebe-se que o autor percebeu que a sociedade capitalistacomputadorizada está aí, firme e forte, com suas redes/rédeas e infinitas relações, e sacou (como muitos) que o Rock como tudo, é transformado em consumo e as vitrines são milhões. Que o Rock é o marketing, é a batida, é a alienação. O Rock é bailes para garotas e garotos nos fins de semana. É o rebelde e revolucionário, é o alternativo/artesanal.
ARTESANATO
Estilete ágil, finas mãos,
Esteira ou barraquinha rústica,
Euforia numa multidão,
Solitária aquarela acústica.
Rebeldes cabelos compridos,
Amor ácido em bijouterias,
Primitiva arte livre dos
Prêmios, bilhetes de loterias!
Em colorida feira hippie
Espalha-se um odor estranho,
Púrpura, azul, um velho jeep,
Batas, sacolas, cintos, banhos.
Corantes, luz dum sol intenso,
Pontos, traços, cortes em couro,
Gravar em metal – seda, incenso,
Bronze anel, imitação de ouro...
Camisetas com mil estampas,
Posters febris, tudo às pampas!
Jairo brinca com as palavras e seus sons-significados-significantes, e seus poemas têm música como toda a poesia, e a esta música alia outra música, a música cantada/tocada vinda da relação homem-instrumento. Então as onomatopéias, melopéias, metonímias e aliterações dançam entre línguas claras e metáforas e os pensamentos são em versos, em prosa, imagens e muito mais, pois como o próprio autor declarou: 'sobre a discussão se o soneto já morreu ou se o que vale são os versos livre ou a forma estudada do poema concreto, prefiro ficar com a posição do Chacrinha: - Vale Tudo !'
Acontece que o vale tudo de Jayro é pra valer mesmo, e as formas utilizadas por ele, (percebe-se) são fruto de pesquisas e trabalho. Há poemas figurativos, concretos, palavras cruzadas, sonetos e alguns que eu, nem ousaria tentar definir. A forma mais utilizada, porém, é a do soneto, e são sonetos na mais pura forma tradicional (catorze versos dispostos em dois quartetos e dois tercetos), sonetos que matariam Petrarca de inveja. Ainda tem o soneto inglês, formado de três quartetos independentes e um dístico, com rimas em abab/bcbc/cdcd/ee.
LE BAL
Crack! Crash! Stroom! Blum! Stroll!
Lonely lonely lonely long time;
Bola louca colore o show,
Coisa estranha que tão bem cai-me.
Vrum! Íon! Win! Who! Room! Spoom! Flash!
Ruído rebel, mascar chiclet.
Rasga, singra, a flecha me fleche;
Vôa foguete, explode asa pan air!
Led Zep, Deep Purple, Betlestones,
Cabelos molhados aos sóis,
Gotas brilhando à luz néon-ônix;
Sabbath, Iron, AC/DC, Big Boys!
Dedos agitados no ar:
Guita imaginária a tocar!
Sonetos e rock n roll, quem imaginaria?
Ao meu ver, aí é que reside em Jayro, a originalidade, com conteúdo (tema) e forma nada originais, ele origina algo novo , interessante, como por exemplo no soneto 'Flash Back', onde as rimas foram realizadas nas línguas inglesa e portuguesa: 'músical' com 'know-how'; 'tacape' com 'seven-up'; 'moleque' e 'flash back'.
Os exemplos não ficam por aí, e estas linhas não pretendem fazer apologia ao Bagg Ave, apenas externar uma das mais gratas surpresas que eu tive neste início de 1985, dentro da chamada produção alternativa/independente.
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Douglas de Almeida, Revista Sem Perfil, edições tupyanarkus, ano 1, número 1, Salvador, BA--set/out,1985, p. 22-24.