O quadragésimo terceiro ano da implantação do regime militar no Brasil se aproxima, e até agora, por incrível que pareça, não estamos vendo os jornais e a televisão em nenhuma ação midiática para lembrar a data. Acostumou-se apenas a rotulá-lo, pura e simplesmente, entre “revolução” pelos que a fizeram e “golpe” pelos que estavam em trincheira oposta. Nem um nem outro. Revolução não fora pela falta de participação popular no bojo da sua ação, só recebendo apoio popular com as extensas marchas da CAMDE após o desfecho final. Também não é certo chamá-lo de golpe. Os militares de 1964 foram extremamente legalistas para uma revolução, pormenor que não foi obedecido em 1930, com a chamada “Revolução Liberal”, desfechada por Getúlio Vargas, no Rio Grande e pelo presidente Olegário Maciel, em Minas Gerais. Acredito que a melhor denominação para 1964 seria “movimento militar”, iniciado e levado a termo na caserna, sem participação popular e com apoio tácito de alguns governadores [MG, SP e PR], para interromper um ciclo político que os militares achavam funesta ao país.
É possível que 1964 tenha sido gestado ainda em 1954 com o suicídio de Getúlio Vargas na madrugada de 24 de agosto. A camisa ensangüentada do presidente sacrificado pela sanha udenista em acusá-lo, pela tribuna do parlamento e pelas paginas dos jornais, no financiamento do jornal “Zero Hora” de Samuel Wainer e no envolvimento de sua guarda no atentado ao Major Rubens Vaz, terminou por colocar no meio popular um sentimento de ódio domável, latente, que acabaria por levar Juscelino Kubstheck [*1902 – †1976] à presidência como herdeiro político indireto do “caudilho dos Pampas”. Tal qual como a camisa ensangüentada de Abraão Lincoln [*Kentucky, 1809 - †.Washington, 1865], nos Estados Unidos da América, que elegera 4 presidentes sob sua legenda, o coração de Vargas foi decisivo na eleição do governador mineiro.
A própria posse de JK foi conturbada por setores direitistas da UDN, infiltrados na caserna, que acusavam o presidente Vargas de tentar dar um golpe e implantar no Brasil uma “republica sindicalista”, copiada dos moldes da Argentina sob Juan Domingo Perón. Não fosse a ação decisiva do deputado pessedista José Maria Alckmin, no parlamento, e do marechal Henrique Lott, no Exercito, Juscelino não teria tomado posse — pois o grupo contava com o apoio decidido do deputado Carlos Luz, que substituíra interinamente o presidente João Café Filho. Depois, já em pleno governo, as revoltas de “Aragarças” e de “Jacareacanga”, entre 1956 e 1959, é a prova concreta de que o ambiente estava contaminado pelos ventos autoritários. Domados pela energia no nascedouro das rebeliões, foram anistiados logo depois pela índole conciliatória de JK. A lógica política “kubstheckiana” aliava muito à psicologia tejucana “de deixar como está para ver como fica”, onde o perdão tinha lugar de destaque. Os sorrisos francos do discípulo de “Esculápio” diamantinense, levado à suprema curul da magistratura brasileira, brotavam do mais recôndito do coração.
Já a eleição do histriônico governador paulista, Jânio da Silva Quadros, para a sucessão de JK, representou de fato a primeira experiência concreta de governo da UDN. Antes, seu discurso urbano em contraposição ao discurso rural e conservador do PSD, infringira-lhe três derrotas: 1945, Eduardo Gomes perde para o marechal Dutra; 1950, Eduardo Gomes perde para Getúlio Vargas; e em 1955, Juarez Távora perde para JK. E essa primeira experiência de governo foi efêmera ao extremo. Nada mais que menos de sete meses. Exatos sete meses pela renúncia intempestiva de Jânio Quadros, no dia 25 de agosto de 1961. A instabilidade do regime se revela logo no veto militar à posse do vice-presidente João Goulart, a quem de direito caberia o cargo – seguido o preceito constitucional. A par do veto militar, o Congresso promove a ascensão do sistema parlamentar, emergencial, para satisfazer as Forças Armadas insatisfeitas. Os deputados Tancredo Neves [MG] e Ulysses Guimarães [SP], pessedistas, é a prova de que o grupo um grupo fora vencido por outra corrente em ascensão, na eterna ronha pessedista x udenista.
De fato a renúncia de Jânio Quadros é um fato mal-explicado na historiografia política brasileira, visto que sequer seus assessores diretos conseguiam penetrar-lhe a bruma psicológica. Nem os historiadores conseguiram desvendar a contento os meandros de seus memorandos, ofícios, cartas e bilhetinhos. Não há comparação entre a carta-testamento de Getúlio Vargas, prenunciadora do suicídio e que redimiu o seu autor, e a carta-renúncia “janista”, eivada de parodoxismos pessoais e desvãos políticos, além de nebulosa quando trata de forças estranhas que o impediam de governar. Se uma apresenta motivos e dá as razões, a outra simplesmente joga com os enunciados da oposição ao governo. Se a missiva de Vargas o eleva; a “janista” nada mais consegue do que ridiculariza-lo perante a Nação. A primeira torna-se sublime pelo sacrifício do presidente imolado, a segunda vira-se em chacota ou em documento caricatural. Em verdade, a perplexidade nacional ao ver a portentosa vitória de Jânio Quadros, impediam os grupos políticos de então tomar atitude de maior vulto em forma de oposição ante o comportamento dúbio e irrequieto do presidente. Parece que todos sempre esperavam pelo próximo passo de Jânio, embora a política externa, por exemplo, não agradasse conservadores nem liberais, pessedistas ou udenistas.
A política externa janista era uma delas. Notadamente detestada tanto por pessedistas quanto por udenistas, JK e Carlos Lacerda, empresariado e industriais, setores esquerdistas e sindicalistas. O alinhamento de visão com paises com propósitos econômicos distintos e diferentes da linha liberal-democrática americana, como por exemplo os paises que tinha aproximação com a África, os paises da Europa, a Rússia e o dialogo ostensivo com Cuba, desagradavam visivelmente aos Estados Unidos da América.
Quando João Goulart assume, após breve interinidade do presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, já sobre o manto parlamentarista e a chefia do regime com o deputado Tancredo Neves — iniciam as manobras e as sabotagens para implantar novamente o presidencialismo nos seus moldes anteriores. Assim o mandato presidencial de Goulart será sempre em defesa do presidencialismo, com apoio aberto de JK, que também desejava voltar ao Palácio do Planalto em 1965. Num espaço de pouco mais de um ano sucederam-se cinco Gabinetes ministeriais [dos quais 2 não foram aprovados pelo Congresso: o deputado mineiro Santiago Dantas e o senador paulista Auro de Moura Andrade].
As reformas de João Goulart são decididamente anti-populares no que tange a reforma agrária, as relações do trabalho e sua influencia no meio sindical que controlava desde o segundo mandato de Getúlio Vargas. As “Ligas Camponesas”, do agitador Francisco Julião, também foram fatores desestabilizantes para um país cioso da defesa intransigente da sua propriedade. As agitações de Leonel Brizola, cunhado do presidente e deputado federal, que vinha de governar com métodos pouco ortodoxos, também se tornaram doloroso calo no sapato do presidente. Some-se a isso a nota de desconfiança dada pelo governo de John Kennedy à sua administração, a pregação da TFP [Tradição, Família e Propriedade] de Plínio Correia de Oliveira, a pressão rural contra a Reforma Agrária, a agitação militar dos quartéis sob pretexto de garantia de serem eleitos os sargentos... O “comunismo moreno” infiltrado nos sindicatos, no CGT e na burocracia palaciana, corroendo a ética republicana, também botava a ferver o ambiente político da Nação, culminando no movimento deflagrado em Minas Gerais pela nota incipiente do governador Magalhães Pinto e o embarque das tropas comandadas pelo tejucano Olímpio Mourão Filho. Derrotado o regime e escorraçado o presidente, trataram os militares de institucionalizar o regime que esperavam devolver de volta aos civis dali a dois anos, nas eleições de 1965. Duas correntes se chocam nesse período: os “moderados”, tutelados por Amaury Krûel, cujo expoente será Humberto de Alencar Castelo Branco que presidirá o país até o final do período presidencial iniciado em 1961 e iria até 1966, e que afinal foi prorrogado até 1967; e a “linha dura”, cujo expoente é o Marechal Arthur da Costa e Silva, poderoso ministro da guerra e que sucederá à Castelo Branco e endurecerá o regime.
Vê-se a pretensão de Castelo Branco em trilhar a legalidade na convocação do ex-governador mineiro Milton Campos, então senador, para o Ministério da Justiça da revolução, ou como melhor possa expressar – “movimento militar”. Jurista de nomeada, constituinte de 1935, advogado geral do estado, deputado federal na constituinte de 1946, governador mineiro [1947 – 1951] e senador [1958-1966 e 1966-1972] – Milton Campos havia governado Minas numa época conturbada sob a legenda de “um governo mais da lei do que dos homens”. Era a garantia da serenidade da justiça sob a nevoa que embaça o horizonte nas horas das revoluções.
As eleições de 1965, em que foram sagrados nas urnas Israel Pinheiro [da corrente de JK, em Minas] e Negrão de Lima [antigo ministro do governo JK], fora o estopim que determinou a dissolução dos partidos e se criasse dois mostrengos para o arremedo de democracia que pretendia se criar – ARENA e MDB. A situação sobre os ombros da Arena e a oposição consentida sob os braços do MDB e Ulisses Guimarães.
No plano econômico, o período militar parece ter sido um oásis na história do país. Submergindo de um período inflacionário herdado do período JK e das reviravoltas de Jânio e Goulart, a primeira ação do governo militar sob Castelo foi encomendar às grandes cabeças do momento um Plano para execução. Daí data o grande valor que os militares dariam à profissionais especializados, preparados sob a batuta da FGV, ou da ESG, para os cargos ligados aos assuntos econômicos e fazendários. A esquerda jurássica, viúva chorosa do leste europeu e da antiga União Soviética, simplesmente os tacharam de tecnocratas, em desdenhosa apelidagem. O fato é que o Brasil de vigésima economia no ranking mundial, foi deixado em oitavo lugar no patamar de 1985.
Não há dúvida que a ação política planejada surte efeito a longo prazo. Foi assim sob o mando duradouro do caudilho do sul – Getulio Vargas – que governou por quinze anos ininterruptos e teve por sucessor o seu ministro da guerra [Eurico Dutra]. Dutra, como se sabe, voltou a faixa presidencial para Vargas, que governaria de 1950 a 1955, mas suicidou-se em 1954. Esse hiato de 1954 a 1964 só contou com o período JK [1955-1960] para a redenção econômica do país. Embora o planejamento não seja mantido na ordem do dia política, acredito ser de bom alvitre as ONGs, partidos e entidades de classe começarem à coloca-la na ordem de suas discussões.
Quarenta e três anos após 1964 problemas de ontem ainda constam da agenda econômica e política atual. O tempo ensina, mas parece que os políticos são alunos pertinazes em desaprender todas as suas lições.
Enquanto isso... Pobre Brasil... Pobre povo brasileiro....