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Ensaios-->DISCURSO E TEXTO NOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS -- 21/03/2007 - 17:29 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DISCURSO E TEXTO NOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS

Luiz Carlos Assis Iasbeck
iasbeckk@uol.com.br

Comunicação é processo. É ato, ação que se dá no tempo e envolve interlocutores que se expressam e recebem impressões, num ciclo dinâmico, alimentado pela reciprocidade. Um processo no qual a “resposta” assume cada vez mais um papel determinante.
Houve um tempo em que se estudava comunicação com foco no “emissor”, naquele que tem a iniciativa de transmitir a informação. A tradição formatou uma cultura midiática centrada na percepção enganosa de que o emissor determina não apenas a existência do processo comunicacional mas também sua eficácia. Algo compreensível, se entendermos que a “comunicação de massa” convive muito mal com a interatividade. Atualmente, apenas, a mídia tem se reposicionado, abrindo os olhos para importância do “outro” no processo da comunicação. E tal reposicionamento não surgiu de uma tomada de consciência das conseqüências negativas da arrogância dos auto-denominados “comunicadores”, mas de uma urgente necessidade de sobreviverem às novas tecnologias da comunicação.
Enquanto a mídia tradicional, aquela que se plasmou no Brasil a partir da década de 50, atravessava comodamente décadas de hegemonia, numa convivência harmônica de formatos, veículos, objetivos, as tecnologias da comunicação começaram paulatinamente a alterar o equilíbrio dos fluxos comunicacionais, privilegiando o receptor, o outro, aquele que, no mais, era considerado “massa”.
Não resta dúvida de que a popularização do uso dos computadores e o advento da Internet foram determinantes nesse processo. A passividade do interlocutor das mídias foi substituída pela exigência de qualidade, pelos direitos do consumidor, enfim, por uma nova postura mais impositiva, que estimulou a concorrência das mídias e a corrida pela atualização tecnológica. Quanto mais tecnologias assumiam, maior a necessidade de interatividade, maior a presença e a premência constrangedora do “outro”.
Num ambiente conturbado e pouco definido em termos de tendência, uma direção surgiu como inequívoca: as novas tecnologias estavam exigindo a abertura do discurso exclusivo das mídias, forçando a inserção, nesses discursos, de textos que outrora eram relegados à coluna do leitor ou a alguma concessão para as “fontes”.
Hoje temos revistas “feitas” exclusivamente pelos leitores; a nascente TV digital está prestes a revolucionar a linguagem televisiva, excessivamente centrada nas intenções do emissor; o rádio renasce fazendo o que sempre soube fazer de melhor: a cobertura on-line e os diálogos com o ouvinte; os jornais e as revistas de papel começam a perder público para suas versões on-line e intensificam-se, como nunca, as campanhas de assinaturas diante da perda substanciosa de leitores.
Mesmo quem não é estudioso de comunicação percebe a mudança e já consegue prever quem vai sobreviver a tais mudanças. Com certeza, permanecerão aqueles que souberem flexibilizar seu discurso, alterando e alternando o fluxo do processo comunicacional. O “emissor” ganha ares de organizador e catalisador enquanto o receptor produz os textos de que necessita ou estimula essa produção apontando caminhos, determinando percursos.
Sem dúvida, vivemos uma nova era da comunicação. Segundo Lúcia Santaella, uma era de “convergência das mídias”, em substituição à hegemonia da “convivência (não seria conivência?) das mídias”.
Para os profissionais da comunicação, não apenas nas mídias tradicionais mas também nas mídias organizacionais, esta pode ser uma dura e necessária passagem, porque ela exige não apenas novas decisões, mas também novas percepções e releituras de antigas convicções. É nesse contexto de crise que os conceitos de “discurso” e “texto” precisam ser retomados, relidos e repensados, ainda que por outras óticas, embora tenham sido, desde outras épocas, inspiradores de arejamento e inovação.



Os lugares do discurso no processo da comunicação

O termo “discurso” deriva do latim discursus, supino de discurrere, o verbo discorrer. É formado pelo radical cursum (de curso, carreira, corrida) e pelo prefixo de origem latina (dis), que indica, segundo Alencar (1944), divisão de um todo em partes, separação de duas coisas, dispersão. Desta forma, discursar e discorrer são praticamente sinônimos, traduzindo, ambos, o sentido de percorrer todas as partes de um assunto, de vários assuntos, um tema, uma opinião.
Assim na etimologia como na linguagem popular, o termo está muito ligado aos textos verbais falados e/ou escritos, ouvidos e/ou lidos em que se destacam as estratégias argumentais, a retórica e a oratória. Nos dicionários, é comumente registrado como “texto falado para um público específico”, em ocasiões solenes, para prestar homenagem, expressar protesto ou agradecimento e proclamar uma idéia, crenças e convicções. O discurso é entendido como um privilégio do emissor.
Na lingüística tradicional, o discurso ganha acepções muito diferenciadas, mais específicas e, às vezes, irreconhecíveis. Winfried Nöth nos diz que:
Benveniste preferiu o termo discurso para as mensagens escritas e faladas (...) enquanto os estudiosos alemães optaram (para tanto) pelo conceito de texto. Também a primeira tradição americana (desde Z. Harris) utilizou o conceito de discurso para este campo de estudo...Barthes e outros restringiram o conceito de texto para mensagens escritas somente. Para aqueles que aplicam esta restrição, as mensagens faladas pertencem ao domínio do discurso (1995:332).

Para a lingüística frasal, a unidade de base do enunciado é a frase e o discurso é considerado como resultado ou como processo – ou operação – de elaboração da frase. Na lingüística discursiva, é identificado com as estratégias de combinações frasais formando “um todo de significação” (Cf. Greimas e Courtés 1982: 126).
Para além de sua aplicação nas comunicações verbais, tanto orais quanto escritas, o conceito de discurso adquire novas nuances se examinado do ponto de vista semiótico/comunicativo.
Na tradição semiótica francesa, a teoria do discurso investiga “a totalidade dos fatos semióticos – relações, unidades, operações – situados no eixo sintagmático da linguagem” (Greimas e Courtés 1989:125-126). O discurso é entendido como “tudo aquilo que é colocado pela enunciação, pois ‘enunciação’ é a colocação em discurso” (idem:127). Evidentemente, capitaneadas pelo emissor, por quem tem a iniciativa e a necessidade de transmitir informação.
As “práticas discursivas” envolvem, portanto, tanto os fatos do mundo verbal (das línguas naturais), quanto os do “mundo natural”, das linguagens não-verbais. Mas é em torno das práticas verbais que o conceito de discurso ganhou maior força, mesmo contemplando outras situações que não exclusivamente verbais. Eni Orlandi, insere nessa concepção uma nova e mais arejada formulação, ligada à tradição inaugurada teoricamente por M. Bakhtin, na qual a interlocução – e portanto o “outro” (ainda que entendido como “contexto”) comparecem como produtores ativos do discurso. Ela assim se manifesta:
O uso que estou fazendo do conceito de discurso é o da linguagem em interação, ou seja, aquele em que se considera a linguagem em relação às condições de produção, ou, dito de outra forma, é aquele em que se considera que a relação estabelecida pelos interlocutores, assim como o contexto, são constitutivos da significação. Estabelece-se, assim, pela noção de discurso, o modo de existência social da linguagem; lugar particular entre língua (geral) e fala (individual), o discurso é o lugar social. Nasce aí a possibilidade de se considerar linguagem como trabalho (1986: 145-146).

Nos trabalhos do russo Mikhail Bakhtin (1988b) o conceito de discurso é estendido às práticas comunicativas sociais, ganhando um largo espectro que o libertará definitivamente dos cerrados paradigmas da lingüística clássica. Passará, assim, a ser considerado como território privilegiado de uma interação que antecede mesmo a participação coletiva, da qual se nutrirá como lugar “de ideologia”.

Numa outra acepção, lembrada por Greimas e Courtés (op.cit.), discurso pode ser empregado para designar um domínio semiótico distinto:
Um domínio semiótico pode ser denominado discurso (discurso literário ou filosófico, por exemplo) em razão de sua conotação social, relativa ao contexto social dado (um texto medieval sagrado é considerado por nós como literário, dirá I. Lotman), independente e anteriormente à sua análise sintáxica ou semântica. A tipologia dos discursos, susceptível de ser elaborada nessa perspectiva, será então conotativa, própria de uma área cultura, geográfica e historicamente circunscrita, sem nenhuma relação com o estatuto semiótico desses discursos (1989:128-129).

Nesse caso, e abrindo um pouco a possibilidade oferecida pelos autores no que diz respeito ao signo verbal, podemos dizer da existência de um discurso empresarial como o espaço de signos pertinentes à atividade das empresas, da mesma maneira que podemos constatar a existência de um discurso publicitário, um discurso político, etc. Afinal, a coleção dos elementos que compõem o texto publicitário, por exemplo, pode contemplar grande diversidade de conotações sociais, uma vez que interage em diversos contextos sociais, inserindo ativamente o receptor.
Caso tenhamos interesse de acrescentar a tal coleção as características sintáticas e semânticas dos diversos textos publicitários (verbais, visuais, animados, impressos, etc.), obteremos, então, uma reunião densamente significativa de elementos que compõem um discurso, proporcionando personalidade mais forte – e compartilhada – a um domínio semiótico peculiar.
Enquanto processo semiótico, lugar onde acontece a ação sígnica, o discurso é, como diz A. Cereda (apud Perez Tornero 1982:26-28), “uma modalidade privilegiada e específica de aplicação de linguagens diferentes; está ligado a enunciados concretos e processos de produção social culturalmente determinados”.
Tornero (1982) exemplifica bem a noção de Cereda para identificar o que venha a ser o discurso, tomado nesta acepção. Porém temos de considerar que o autor está interessado em caracterizar o discurso no domínio da publicidade:
A partir de materias significantes y códigos, cuya existencia es previa a la de la publicidad, se inicia una práctica discursiva – la publicitaria – que se funda en una escritura determinada, mediante la que se combinan signos y códigos para producir ‘porciones significativas o textos. Eses textos – que recrean diferentes sistemas textuales – llegan a generar, en su conjunto, el llamado discurso publicitario (Pérez Tornero 1982:28).

Assim entendido, o discurso da forma a um campo semiótico específico que só se revela como tal pelos textos que produz:
Así, mientras que el texto tiene una materialidad concreta y determinada, el discurso es un ente abstracto realizado por los diferentes textos (op.cit. p.29).

Portanto, as produções textuais de um discurso qualquer constituem a matéria viva que lhe dá sustentação e afirmação, possibilitando ao receptor (o consumidor, no caso da publicidade, ou o estudioso) identificar-se nele e identificá-lo em meio a outros discursos (o discurso policial, religioso, político partidário, o discurso dos economistas, dos sindicalistas, da classe bancária, dos acadêmicos, etc.) Essa identificação corresponde, também, ao reconhecimento dos traços peculiares de cada uma dessas culturas, o que proporciona solidariedade e cumplicidade entre os interlocutores.
Tal concepção presta-se a explicar a íntima ligação entre discurso – e comunicação – e cultura, o que fica ainda mais patente na conceituação de texto cultural, tal como proposto pelo semioticista russo Iuri Lotman e os demais teóricos das escolas de Tartu e Moscou no manifesto “Teses para uma análise Semiótica da Cultura” (Lotman et alii 1979). Para eles, o “texto cultural” – do qual trataremos mais a frente - pertence ao discurso de uma cultura, mas não apenas o representa como também constitui sua própria integridade.
Na semiótica de Charles Sanders Peirce não há um ponto explicitamente declarado de apoio teórico para entendermos o que venha a ser o discurso e como esse conceito se dá na dinâmica comunicativa. Podemos, entretanto, situá-lo enquanto “lugar da produção sígnica”, uma vez que ele só se dá a conhecer através dos textos (agregados sígnicos) que produz e do qual é produzido. Na Teoria Geral dos Signos de Peirce , o signo é sempre um primeiro que se apresenta à interpretação porque não temos acesso ao objeto ou fenômeno que ele representa, senão através do elemento mediador, que é ele mesmo, o próprio signo. Há, porém, uma relação de causação entre o signo (representamen) e seu objeto (representatum), que imprime na representação os fundamentos que irão caracterizá-lo.
Se entendemos o discurso como uma coleção de textos e estes como conjuntos articulados de signos, podemos também inferir que é na produção do discurso que os signos são “arquitetados” de modo a produzirem – na interpretação de uma mente receptora – o sentido (sensação, relação de causalidade ou hábito) desejado pela intencionalidade do emissor. Se nos perguntarmos, por exemplo, sobre quem produz o discurso publicitário ou jornalístico, qual instância “arranja” os signos – que mesmo não lhes sendo isoladamente exclusivos irão caracterizá-la – em textos peculiares e representativos, seguramente não poderemos localizá-los apenas numa empresa jornalística, numa agência publicitária qualquer, num departamento de marketing de alguma empresa ou numa entidade representativa de classe.
Essa instância (ou esse “quem” do discurso) resulta de tradições consolidadas, de processos históricos de aperfeiçoamento e afirmação de identidade, do cruzamento interdisciplinar entre os diversos saberes imbricados no discurso.
As práticas culturais são, por origem e por excelência, instâncias produtoras de discursos. A comunicação social, como uma prática cultural das mais significativas da modernidade é, portanto, importante produtora de discurso, mas não sua exclusiva criadora. Veremos, adiante, que as Organizações sociais ( as empresas, as instituições públicas, os grupos formais de interesse) consolidam práticas culturais a partir de sua atuação na sociedade, sendo, também, produtoras (e inventoras) de seu modo próprio de dizer e responder.
A teoria de Peirce nos leva ainda a considerar a produção discursiva como ação reflexa e refratária da percepção. Para essa semiótica, todo signo é constituído a partir de determinações limitadas que recebe do objeto ou fenômeno que representa. Essas determinações funcionam, num primeiro momento, apenas como algo que se apresenta ao nosso reconhecimento. Peirce as denomina “perceptos”:
Digamos, então, para os propósitos da lógica, qualquer coisa deve ser classificada sob a espécie da percepção quando, num conteúdo qualitativo positivo, forçar-se sobre nosso reconhecimento sem qualquer razão. Haverá um campo mais vasto de coisas que compartilham o caráter da percepção, se houver qualquer material cognitivo que exerça uma força sobre nós, tendendo a nos fazer reconhecê-lo sem qualquer razão adequada (CP 7.618-23apud Santaella 1993a:56-57).

Num momento seguinte – ou muitas vezes concomitantemente – atua sobre os dados percebidos o que Peirce denomina “juízo perceptivo”:
Nada podemos saber sobre o percepto a não ser pelo testemunho do julgamento de percepção, exceto o fato de que nós sentimos o golpe do percepto, a reação dele contra nós. (...) Mas no momento em que fixamos nossa mente sobre ele e pensamos sobre o menor detalhe dele, é o julgamento perceptivo que nos diz o que nós assim percebemos. Por esta e outras razões proponho considerar o percepto, tal como ele é imediatamente interpretado no julgamento de percepção, sob o nome de percipuum (CP 7.643, apud Santaella 1993a:59).

Dessa forma, o signo não é formado na percepção simples e direta dos fenômenos e coisas mas a partir da “interpretação” do que é percebido, em forma de valor. A constatação dessa instância nos permite afirmar que o signo, substrato dos textos e do discurso é também um texto e, em algumas situações, o próprio discurso.
Nesse ponto, é necessário deixar claro que ao entendermos a construção do discurso como uma atividade de produção de signos via textos, estamos promovendo um corte, para efeitos didáticos, na teoria dos signos de C. Peirce. A semiose (ação do signo) se dá numa interação quase simultânea entre produção, recepção, interpretação de modo que em muitos casos seria praticamente impossível – senão recorrendo a um impreciso e abrupto estancamento do processo – entendermos como se dá produção e recepção, expressão e impressão, discurso e imagem. Ou seja, na teoria de Peirce, o outro não é alijado do processo de produção; ao contrário, ele é seu formulador ativo.
Não desconhecendo os diversos usos do termo “discurso”, sua vinculação com as demais ciências e áreas do saber que dele se utilizam, optamos por entendê-lo (e estendê-lo) como uma coleção de textos que alguém ou alguma Organização se utiliza nos processos comunicacionais para se anunciar, ser reconhecida, provocar preferência, adesão ideológica, instigar respostas, etc. A proliferação interpretante que o discurso aciona (provoca, instiga) através de seus textos é que faz completar o ciclo da dinâmica comunicativa.
2 – O Discurso como Texto
Além de a noção de texto ser essencial à compreensão do discurso, ela é igualmente importante para entendermos outros dois conceitos com os quais interage nos processos comunicacionais: a imagem e identidade. Tanto na caracterização da identidade quanto na formação da imagem, a presença do “outro” é decisiva: não há identidade nem imagem estruturadas somente pelas intenções do emissor. Ambos são conceitos relacionais e, portanto, pertinentes ao estudo dos processos da comunicação.
“Texto” é um conceito estruturante, que permeia a compreensão da comunicação, onde, quando e com quem ela aconteça. Por isso, faz-se necessário estudar algumas de suas características.
Segundo Winfried Nöth (1995), os estudos sobre o texto iniciaram-se centrados na comunicação verbal, com a hermenêutica, passando pela retórica (inclusive a estilística) e pela crítica literária (principalmente pela poética), que hoje podem ser considerados ramos da semiótica do texto, sem que com isso percam a estreita ligação que mantêm com a filosofia e a estética.

2.1 – As ciências do texto verbal e o estudo dos textos culturais.
A hermenêutica – a arte da interpretação, precursora e ao mesmo tempo contemporânea da semiótica do texto – atingiu seu apogeu nos trabalhos de Santo Agostinho e tem suas raízes na filosofia, na teologia e no estudo da lei. Hermes, o mensageiro dos deuses e o inventor da fala e da escrita, inspirou esta ciência, assim como tutelou – segundo a mitologia grega – todas as atividades comunicativas entre os homens, entre os deuses e entre homens e deuses.
A hermenêutica se ocupa, em última análise, da produção de sentido centrada no emissor e incialmente englobava tanto a arte da adivinhação (mântica) quanto a arte da interpretação. Enquanto a primeira cuidava da investigação do sentido em objetos que aparentemente nada revelavam, a segunda estudava os múltiplos sentidos que se desprendem daquele sentido primeiro detectado nas escrituras, trabalhando seus três níveis ou estágios: o da littera (estrutura gramatical), do sensus (significados primeiros e imediatos) e da sententia (nível exegético dos significados profundos, das revelações). Esses três níveis, que se desprendem gradativamente do sentido literal e ganham novos significados, evidenciam a preocupação de, no estudo dos textos, abordar-se tanto sua estrutura interna quanto as relações extratextuais, que foram estudas com o nome de intertextualidade.
Segundo Nöth (1995), a tradição hermenêutica destaca dois problemas centrais de interpretação do texto: o círculo hermenêutico e o ideal da compreensão correta. Pelo primeiro, o entendimento dos textos e a aquisição do conhecimento de modo geral não se dá nem pela indução nem pela dedução, dois mecanismos centrais de raciocínio; ele apenas é possível pelo levantamento de hipóteses e especulações circulares (os aspectos particulares só podem ser interpretados em função do conjunto textual e esse todo só pode existir a partir de um entendimento de suas partes). Já o ideal da interpretação correta não considera o princípio da polifonia, da participação ativa do intérprete na recriação dos sentidos e valoriza sobremaneira a identificação das intenções do autor.
No primeiro caso (da circularidade hermenêutica), o leitor tem uma certa função ativa na medida em que reconstrói o texto segundo predisposições históricas; no segundo, o esforço de reconstrução está dirigido à descoberta das intenções originais, única verdade a ser admitida. Uma técnica interpretativa altamente difundida ainda hoje e que reconhece e valoriza a arrogância do emissor nos processos comunicacionais.
Na produção do discurso organizacional e na administração dos textos que compõem esse discurso, essas duas preocupações constantemente se alternam. Os textos construídos com o indisfarçável propósito de conquistar a confiança dos leitores e do público em geral, normalmente exageram na explicitação de seus propósitos, evitando que, dessa forma, o receptor possa participar ativamente de sua interpretação, desestimulando a interação; por outro lado, textos mais sutis instigam o destinatário a descobrir novos significados, podendo tornar-se perigosos àqueles que se consideram os signatários da comunicação (os “comunicadores”) ou altamente atraentes, por evocar a participação, captando a atenção e o interesse do público.
A retórica – a arte da persuasão – mantém estreita ligação com a Semiótica por privilegiar a ação dos signos nas relações políticas, sociais e econômicas, ou seja, em seu caráter pragmático. Segundo Nöth, há quem considere a Semiótica do texto como a moderna sucessora da retórica (e da estilística), uma vez que, em sua origem, a retórica era a arte e a teoria do discurso público. Com o tempo, tornou-se a arte da eloqüência, desviando-se assim de seus objetivos pragmáticos. Aristóteles distingue a retórica (arte da persuasão) da lógica (dialética), alegando que, embora ambas utilizem métodos racionais de argumentação, a lógica procura convencer através de conclusões necessárias ao passo que a retórica convence pelas provas evidentes, muitas vezes calcadas em exemplos factuais ou ficcionais, deduzindo através de silogismos incompletos (ou entinemas, considerados por Aristóteles como o mais eficaz dos modos de persuasão).
A estilística não se confunde com a retórica: ela se dirige ao “ornamento” do texto, sua expressão léxica e sintática e sua integridade gramatical. Para Nöth, “a retórica, com seu interesse no efeito do discurso sobre o público e a estilística, com seu foco na unicidade textual, centram-se em diferentes fases da pragmática do texto, ou seja, a recepção e a produção textual” (1995: 339).
A retórica, hoje, é definida por Kenneth Burke como “o uso consciente ou inconsciente das estratégias verbais e não-verbais para se atingir a identificação entre os homens” (apud Nöth 1995:340). Trata-se, pois, da mesma antiga arte de argumentar, agora entendida como estratégia comunicativa, orientada para a alteridade, para o público. Este conceito aproxima as antigas concepções das atuais necessidades de comunicação, e, de certa forma, dos esforços da comunicação empresarial e do marketing. A retórica publicitária, por exemplo, tem provado ser mais eficiente na medida em que consegue produzir a sensação de cumplicidade entre produtores e consumidores.
A estilística ganhou também uma nova acepção, destacando-se aquela de caráter pragmático que a identifica com a integração do indivíduo, enquanto produtor, ao texto (“o estilo é o homem”). Nesse sentido, as características estilísticas são consideradas como “signos indiciais do autor e seu tempo”, abrangendo não apenas a “forma” como também as estratégias de superação do amorfo para o estruturado (cf. Nöth 1995:344).
O discurso organizacional – notadamente, mas não unicamente, nos textos verbais, escritos e falados – utiliza-se constantemente de artifícios retóricos para convencer e conquistar a simpatia (e a preferência) dos públicos. O estilo do texto institucional – que aparece de forma mais contundente nos textos verbais, mas que também está presente na gestualidade formal, na arquitetura, no design dos móveis, etc. – recheado de ornamentos que a tradição e a cultura preservam, evidencia um discurso auto-referencial, centrado nas intenções e estratégias de seu produtor e pouco afeto à efetividade da recepção. Já nos textos publicitários, cuja finalidade é persuadir o leitor para que consuma produtos e serviços, os artifícios retóricos sobressaem com grande evidência: a incidências de “casos”, testemunhos, comparações, demonstrações, a presença de argumentos simples, precariamente fundamentados, são alguns desses artifícios.
Essa retórica, entretanto, não é exclusiva de algum discurso organizacional tomado isoladamente, uma vez que se comunica diretamente com uma série de outros discursos, como, por exemplo, o discurso político e o religioso. O cruzamento entre textos e discursos diferentes é essencial ao funcionamento dos sistemas comunicativos (e textuais).
Os argumentos de caráter retórico são, pois, aplicáveis – por exemplo – na comunicação ao cliente, mas plenamente dispensáveis em textos institucionais, cuja finalidade seja apresentar balanços patrimoniais e sociais, justificar resultados, divulgar políticas e estratégias aos seus públicos e nas comunicações internas que não sejam de caráter motivacional.
O que observamos, entretanto, é a tendência de os produtores do discurso optarem por textos barrocos, recheados de recursos estilísticos, que retardam ou mesmo inviabilizam a eficácia da comunicação, pois não consideram os outros:centram-se apenas nas necessidades estéticas de quem o produz.
Além da hermenêutica, da retórica e da estilística, a crítica literária e a semiótica da literatura fornecem contribuições muito profusas e diversificadas ao estudo do texto. A literatura entendida como “estado da arte” parece ter um fim em si mesma, marcada que é (principalmente no caso da poesia) pela metalinguagem, pela auto-referencialidade e pela auto-reflexibilidade. Do ponto de vista pragmático, os estudos literários contribuem para o estudo dos textos quando propõem discussões sobre a intencionalidade do autor e a interpretação do leitor. A maior parte das teorias da recepção que conhecemos nasceu da crítica literária (como as teorias construídas por Wolfgang Iser e M. Bakhtin).
Por serem plurifuncionais e articularem variadas intertextualidades, os textos literários de qualquer gênero constituem a fonte privilegiada dos estudos semióticos, com reflexos imediatos no estudo de todas as demais práticas culturais.
Na base do caráter polissêmico da literatura (trabalhado por Bakhtin) está o princípio da conotação ou das codificações secundárias (Cf. Lotman, 1978), segundo o qual signos portam e transmitem mensagens que possuem um conteúdo primário e outros secundários .
Maria Corti (apud Nöth, 1995) resume essa teoria, que nos parece de grande importância para entendimento das variações do texto, da seguinte forma:
Todo texto pode suportar uma quantidade incalculável de decodificações ou desestruturações; essencialmente todo texto é muitos textos já que a verdadeira natureza de sua complexidade polissêmica impede leituras repetitivas idênticas, ainda que no mesmo contexto cultural. Isso explica [...] porque em nossa era surgiu a concepção de leituras como variações de uma invariante básica, ou seja, o texto (Apud Nöth 1995:351-352).

A polifonia é uma característica dos textos artísticos (e não só da literatura), na medida em que, neles, ela ocorre de forma densa, por meio de uma arquitetada seleção de signos (formas e conteúdos) que possibilitam a proliferação, em escala imprevisível e improvável, da significação.
Os textos oficiais que se pautam pelo planejamento e controle das atividades de uma Organização, evidentemente não podem trabalhar nesse sentido, pois os resultados fugiriam ao controle do administrador; por isso, ao contrário, procuram estreitar o âmbito da significação, muito embora sejam constantemente objeto de múltiplas interpretações.
De modo geral, essa preocupação vale para todos os textos do discurso organizacional, pois seus objetivos devem ser sempre identificáveis com o mínimo de “distorções” conotativas. É o que podemos facilmente verificar nas empresas em áreas como “serviço de atendimento ao cliente”, relações públicas, ouvidoria ou ombudsman e nas assessorias de imprensa: elas trabalham comumente desfazendo “mal-entendidos”, expurgando possíveis leituras diversas daquela(s) intencionada(s) pela comunicação oficial. E os profissionais dessas áreas sabem muito bem o quanto custa administrar as “variações” interpretativas em torno das possíveis intenções do autor.
As demais discussões sobre o conceito de texto são muito amplas e participam igualmente da tradição consolidada sob a denominação de “semiótica do texto”. Aí localizam-se uma série de disciplinas ligadas à lingüística, tais como a análise textual (ou discursiva), o processamento textual (ou discursivo) a teoria do texto, a teoria do discurso e a ciência dos textos. Porém, como quase todas elas abordam o texto em seu sentido mais específico – o verbal –, julgamos desnecessário estender considerações sobre suas contribuições à noção ampliada de texto cultural.

2.2 – Texto, Textualidade e Intertextualidade
O que a lingüística denomina “textualidade” tem aplicações tanto no conceito de texto quanto no de discurso, tal qual o entendemos e nos propomos a estudar neste pequeno ensaio. Etimologicamente, “texto” está na origem de “tecido”, ou seja, uma trama. Textualidade é o estudo das características dessa trama, sob o ponto de vista de sua organização interna (semântica e sintática), não obstante alguns autores considerarem que o estudo da coerência interna dos textos demanda um entendimento mais amplo de suas relações externas.
Nöth salienta, entretanto, que, apesar de aparentemente simples, a questão da textualidade em lingüística levou a uma série de confusões sobre o objeto das pesquisas:
Um vez que textualidade “não é uma propriedade inerente de certos objetos, mas, ao invés disto, uma propriedade atribuída aos objetos por aqueles que os produzem ou os analisam” (Petöfi 1986: 1080), não é surpreendente que semioticistas do texto não tenham sido capazes de chegar a uma conclusão sobre uma definição e critérios de seu objeto de pesquisa (1995:331).

Essa questão vai perder muito de sua importância quando o conceito de texto, herdado da lingüística, passa a ser utilizado, em sentido mais amplo, como mensagens culturais de qualquer código. É isso que ocorrerá a partir dos trabalhos de Iuri Lotman e do grupo liderado por ele, que elaborou as teses eslavas (Uspenski, Toporov, Pjatigorskij e V.V.Ivanov), de M. Bakhtin, de Walter Koch e dos trabalhos de Paul Bouissac sobre cultura e gestualidades . A partir desses estudos, o conceito do texto extrapolou a linguagem verbal, estendendo-se a quaisquer formas de produção cultural – as artes cênicas, musicais, plásticas – e ao comportamento simbólico do homem em todos os tempos, nas suas mais diversas manifestações.
Nessa perspectiva, “Bakhtin, citado por Todorov, chama o texto de primary datum das ciências humanas: ‘o texto é a realidade imediata, realidade do pensamento e da experiência, na qual este pensamento e estas disciplinas podem constituir-se. Onde não há texto, não há nem objeto de dúvida, nem pensamento’” (apud Nöth 1995:331).
O conceito de “textualidade” configura o texto como um recorte da realidade operado pela razão para que o pensamento possa realizar sua investigação, pois, como diz T.S. Eliot “o homem não pode suportar muita realidade”. A necessidade de tais recortes, segundo E. Morin, está diretamente relacionada à deficiência da razão humana para processar analogicamente o conhecimento, condicionada que está aos sistemas digitais, lineares e seqüenciais como os da linguagem verbal, cujas estruturas, segundo Lotman, foram especialmente herdadas dos sistemas modalizantes primários . Morin reconhece a origem de tal impossibilidade no condicionamento à lógica dos paradigmas:
Todo conhecimento opera por seleção de dados significativos e rejeição de dados não significativos: separa (distingue) e une (associa); hierarquiza (o principal, o secundário) e centraliza (em função de um núcleo de noções mestras). Tais operações que utilizam a lógica são, de fato, comandadas por princípio supralógicos de organização do pensamento ou paradigmas, princípios ocultos que governam a nossa visão das coisas e do mundo, sem que disso tenhamos consciência (1990:14-15).

Tais ponderações são importantes para que possamos situar fora das idiossincrasias do produtor ou do receptor a natureza interativa dos processos comunicacionais. É o próprio texto que demanda relações circulares, laterais e extratextuais, evocando a necessidade de produtores e receptores interagirem na busca da significação e na exploração dos sentidos.
A noção de texto, tal como estudada por Lotman em “A Estrutura do Texto Artístico” (1978) e por Lotman et alii no manifesto “Teses para uma Análise Semiótica da Cultura” (1979), compreende a textualidade como uma incursão em recortes necessários. Por ser um recorte, o texto possui características que permitem individualizá-lo e, inclusive, abstraí-lo, para efeito de estudo pormenorizado, do sistema no qual está integrado. Essas características são descritas por Lotman como:
a) caráter estrutural – uma organização interna segundo a qual os códigos processam a significação, e que transforma o texto, ao nível sintagmático, num todo estrutural;
b) delimitação – as fronteiras que demarcam os domínios de um determinado texto, criando oposições com os signos que não pertencem ao seu conjunto;
c) expressão – a forma como o texto realiza um sistema e lhe dá conformação material.

Porém, se por um lado tais características dão aos textos feições próprias e possibilitam que eles funcionem como “sistemas invariantes de relações”, mesmo quando possuem alta complexidade, por outro lado, Lotman adverte que um texto não deve ser considerado completo fora do conjunto de suas ligações extratextuais, ou seja, “do conjunto dos elementos fixados no texto com o conjunto dos elementos a partir dos quais foi realizada a escolha do elemento utilizado num dado texto” (1978:102). Em outros termos, Lotman alerta para o fato de que o texto não deve ser entendido como sistema fechado.
Sistemas abertos e sistemas fechados são expressões associada à Teoria dos Sistemas – surgida nos anos 50 com Ludwig von Bertalanffy, a partir de estudos sobre a interação que os organismos vivos mantêm com o seu ambiente. Essa teoria está presente de forma marcante nos estudos sobre o texto empreendidos pelos semioticistas da cultura, assim como vários dos princípios da Teoria da Informação que com ela se associam (tais como homeostase, assimetria, redundância, entropia e neguentropia). Edgar Morin (1990) diz que a maior contribuição da teoria de Bertalanffy para as ciências e as humanidades foi a demonstração de que:
qualquer sistema só pode ser compreendido incluindo-se nele o meio, que lhe é simultaneamente íntimo e estranho e faz parte dele próprio, sendo-lhe sempre exterior (1990:33).

É, de certa forma, apoiada nessas idéias que a noção de intertextualidade ganhou força na semiótica do texto, convocando maior participação do receptor nos processos interpretativos dos diversos textos que constituem o discurso.
Primeiramente, a intertextualidade foi postulada por Júlia Kristeva, semioticista de influências pós-estruturalista, num trabalho sobre o dialogismo e a polifonia em Bakhtin, publicado em 1966 . Em sua formulação, “cada texto é construído como um mosaico de citações; cada texto absorve e transforma outros textos”, acrescentando que “a noção de intertextualidade recoloca a questão da intersubjetividade” (apud Jardine 1986:387). Esse cruzamento necessário de textos, segundo Nöth, “não pode ser confinado às influências literárias (....) ele compreende todo o campo das linguagens contemporâneas e históricas, assim como está presente em todos os textos” (1995:323). E acrescentamos: em todas as relações comunicativas.
A urgência da interatividade se faz presente, antes dos eventuais desejos do emissor ou do receptor, pela própria natureza do texto. Surge da impossibilidade de se desconhecer as ligações extratextuais que dão sentido a um determinado texto e que, segundo Lotman, os caracteriza como sistemas abertos. É esta preocupação constante dos semioticistas da cultura, presente, inclusive, nas primeiras teses de seu manifesto (Lotman et alli: 1979):
Nenhum sistema de signo possui um mecanismo que o permita funcionar isoladamente (tese 1.0.0);
... a Semiótica da Cultura é a ciência da correlação funcional dos diversos sistemas de signos (idem).

Vemos aí que o texto é, em si mesmo, um sistema de signos que interage com outros textos através de mecanismos de caráter comunicativo, participativo. Não obstante ser passível de estudos isolados (à maneira de recorte), por possuir características que o individualizam, cada texto só produz sentido num sistema (ou num discurso) quando estabelece relação funcional com outros textos. Essa relação se dá entre os signos que compõem um texto e o ambiente externo, do qual esses mesmos signos foram extraídos para compor aquele conjunto invariante de relações. A interação e a complementaridade de funções entre os diversos textos de um sistema e as relações entre os diversos sistemas é por excelência o objeto de estudo da Semiótica da Cultura e fundamentam – profundamente – os processos comunicacionais.
O discurso organizacional, visto então segundo a lógica da Semiótica da Cultura, pode ser considerado tanto como um grande texto quanto um sistema cultural (sistema discursivo – discurso empresarial – discurso da imprensa). Por ser um sistema, comporta diferentes textos em sua constituição, textos que, por sua vez, se articulam segundo códigos específicos de cada linguagem. Além de diferentes entre si, o número e a qualidade desses textos varia segundo a faceta ou o aspecto pelo qual o discurso é percebido ou estudado.
É preciso observar também que cada texto particular de um discurso pode, por sua vez, decompor-se em textos menores. E mesmo considerando-se as múltiplas probabilidades de ocorrência de textos e sub-textos, a composição total de um discurso é sempre provisória e única em cada ato perceptivo (num dado momento, num dado lugar), estando sujeita a transformações dinâmicas pelo acréscimo de outros signos, advindos ou obtidos de uma nova informação, uma nova experiência direta ou indiretamente ligada à empresa.
Além da possibilidade de os textos se decomporem, temos ainda de levar em conta que cada texto, tomado isoladamente, comunica-se com outros tantos textos em tantas outras situações que podem não dizer respeito - sequer indiretamente – ao seu objeto primordial. Tal “intromissão” é possível porque o texto está sujeito a distorções e refabricações por parte das circunstâncias de cada observador, em algum momento, em algum lugar.
É com essa espécie de “desfunção” que Lotman se preocupa quando afirma que cada elemento de um texto mantém relação com um conjunto de outros elementos que não estão presentes no texto sob análise.
Mesmo diante de tal complexidade, os textos que interagem num discurso podem ser estudados isoladamente, como vimos, segundo sua estrutura (o processamento da informação específica), sua expressão (o conjunto de signos que compõe o repertório de um texto) e sua delimitação (até onde a informação contida num texto se distingue de outra informação, etc.).
Esse tipo de exame textual pode nos levar a clarear certas “razões” aparentemente irracionais como, por exemplo, qual é o limite de tolerância de um cliente de uma empresa a um atendimento displicente, que tipo de reações são desencadeadas quando um equipamento eletrônico não funciona, qual sentimento é despertado no consumidor quando tem de enfrentar burocracias para resolver um problema que não foi criado por ele, etc.
Só a análise da recepção desses textos pode determinar – e explicar - o grau de concorrência de cada um deles no discurso da Organização e, dessa forma, tornarem-se menos surpreendentes ou inexplicáveis. Mas esta é uma possibilidade de aplicação dessas incursões teóricas no aprimoramento das relações comunicativas nas Organizações, o que não é objeto deste ensaio, mas pode ser levado a efeito em outra oportunidade.
Em síntese: o discurso resulta da reunião de diversos textos que contemplam, em sua estrutura interna, o processamento da informação que será comunicada; sua expressão é constituída pelos signos que arregimenta em um dado repertório, bem como pelos modos e paradigmas segundo os quais esses signos se articulam; a delimitação de cada um dos textos e do discurso como um todo se estabelece no limite das diferenças mantidas com os demais textos e discursos, ao nível pragmático .
3. Os textos da Alteridade no discurso do outro

À guisa de conclusão provisória, que não se fecha nos argumentos apresentados, mas que se abre às possibilidades exploratórias abertas pelas novas tecnologias da comunicação, podemos localizar a interatividade dos processos comunicacionais na própria natureza de seus conteúdos informacionais. Os signos que dão forma aos textos e que, por sua vez, constituem discursos carregam em si mesmos determinações intra e extra-textuais. Não podem, desta forma, encerrar sentidos ou determinar, sem grandes chances de erro, interpretações inequívocas.
A convocação do outro à participação ativa na construção do sentido não é mais um capricho dos emissores conscientes das vantagens democráticas da adesão social às causas que desejam propagar ou às ideologias que intentam inculcar. Trata-se de um movimento natural e que nunca foi abolido fora da ingênua e arrogante pretensão do poder que o papel de “emissor” investe aquele que tem a iniciativa nos processos comunicativos.
As diversas teorias do discurso, as teorias semióticas do texto e as incursões no terreno da intertextualidade deixam claro que as novas tecnologias da comunicação não inovam ao provocar a convergência das mídias, mas revolucionam os processos comunicacionais ao não permitirem mais aos “comunicadores” a primazia do processo, em detrimento da participação ativa dos seus interlocutores. Ao inserirem em seu modo de produção a participação do outro, as novas tecnologias atam definitivamente os elementos desse processo, num irreversível avanço que parece ter como direção uma nova valorização do efêmero, do individual, do egoísmo primordial que, de resto, nunca abandonou os protagonistas desses processos.
Contribuem, assim, para resolver um grande problema que dificulta a proliferação de novas linguagens em ambientes interativos, mas abrem, por outro lado, grandes incertezas quanto ao desenvolvimento dessas mesmas linguagens. Os novos caminhos não sinalizam sínteses, nem reduções que possam nos consolar com explicações simplistas. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias não nos preparam para a complexidade das novas relações na medida em que simplificam os critérios de produção e de uso, de modo a facilitar e otimizar os custos mercantis de produção e de consumo.
De qualquer forma, não há como estudar os processos comunicacionais da contemporaneidade sem confrontar os valores que eles herdaram da tradição monopolística dos meios de comunicação de massa com aqueles que imperiosamente nos colocam em crise em tempos de intensa interatividade.
E se houver sínteses possíveis, elas serão sempre provisórias, porque é da natureza da comunicação avançar constantemente em direção à novidade, à geração de novos sentidos. A permanência cíclica e redundante em torno de valores cristalizados tem levado, muito rapidamente, à inoperância e à esclerose múltipla, veículos de comunicação e sistemas informacionais que acreditam bastar-se pelo auto-abastecimento dos seus meios de produção e pela satisfação cega de seus produtores.
Os estudos da comunicação antecipam tendências e podem evitar grandes desacertos. Não possuem, por certo, o poder de mudar – quando diverso – o curso do desenvolvimento mercadológico e tecnológico na área da comunicação. Ao invés de aliar-se a esses movimentos, proporcionam condições para pensarmos e repensarmos seu uso, sua utilização e, deste modo, propormos novas prospecções.
Por isso, o conhecimento é das formas mais eficientes de transformar a realidade.

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