A cadeia da desordem: insubordinados, os controladores de vôo desobedecem aos oficiais, que respeitam a ordem do presidente, que desrespeita a hieraquia militar e recua
Por Hugo Studart e Rodrigo Rangel
Quarta-feira 21 de março, 20 horas. O ministro da Defesa, Waldir Pires, chega ao bar Azulejaria, um dos mais badalados de Brasília, para um encontro secreto com sete sargentos controladores de vôo. Eles haviam solicitado audiência formal, mas Waldir explicou que não queria confusão com o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito. Por isso, propôs o encontro heterodoxo. Marcou no apartamento de um assessor, mas faltou luz. Acabou num bar, tomando vinho e cerveja com os sargentos. Pires disse que não havia a mínima chance de se concretizar, com menos de dois anos, a desmilitarização reivindicada pelos controladores. “Tememos que essa informação chegue ao restante da tropa”, avisou um dos sargentos. “A revolta vai ser grande.” Waldir saiu. Os sargentos ficaram. Ali mesmo, foi decidida a radicalização.
CAOS ANUNCIADO
Sexta-feira 30 de março, 6 horas. Agentes do Centro de Inteligência da Aeronáutica observam a chegada dos controladores ao Cindacta 1, em Brasília. Eles sabiam que naquele dia haveria um movimento radical. Mas o comandante Saito não avisou o ministro Waldir. O movimento começou quando entrou o turno das 14 horas. A turma anterior não saiu e iniciou uma greve de fome. Às 17 horas, o caos era completo. Waldir chegou ao aeroporto, deu entrevistas dizendo que estava tudo bem e embarcou para o Rio. Foi o último a decolar.
O MOTIM
Brasília, 18h37. Os controladores invadiram a sala de controle e tomaram todas as posições. Dentre eles, três dos que estão sendo investigados por suspeita de falhar no acidente do vôo 1907 da Gol. O caos se alastrou para os centros de controle aéreo de Manaus, Recife e Curitiba. Um oficial entrou e avisou que o comandante da unidade, coronel Carlos Aquino, queria falar com os líderes. “Se ele quiser, então que venha aqui”, respondeu um sargento. Minutos depois, Aquino foi lá e perguntou quem eram os quatro sargentos mais antigos da tropa. Disse que prenderia os quatro – e que os demais deveriam voltar ao trabalho. “Então vai ter que prender todos”, respondeu um deles. Não poderia. Havia dezenas de aviões no ar. Saito deu ordens para só prender depois que todos os aviões aterrissassem.
A CONTRA-REBELIÃO
Eram 20h quando oficiais baseados em Brasília, Rio de Janeiro, Recife e Manaus começaram a trocar telefonemas nervosos. Saito queria prender 18 cabeças da rebelião. Chamou quatro promotores para lhe dar suporte legal. A logística foi preparada. Os hotéis de trânsito da FAB serviriam de cadeia. Ônibus foram deslocados para levar os amotinados. A Polícia da Aeronáutica foi mobilizada. “Se entrar, alguém vai morrer”, avisou um controlador, por celular, a um colega militar do lado de fora.
A CONTRA-ORDEM
Por volta das 21 horas, Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete do presidente, telefonou para o comandante Saito. Disse que gostaria de conversar com ele. “O que o sr. vai fazer?”, perguntou o assessor. “A primeira coisa é colocar todos os aviões no chão”, explicou. “Depois vou assumir o serviço.” Por fim, avisou que iria prender os amotinados. Carvalho então alcançou Lula em pleno ar. Do avião, o presidente deu uma contra-ordem. Através do assessor, mandou o comandante da Aeronáutica abortar a operação. E o afastou da crise. Quem estava em Brasília?, quis saber Lula. De ministro importante, só Paulo Bernardo, do Planejamento. Às 22h30, Bernardo chegou ao Cindacta, em companhia de Erenice Guerra, subchefe da Casa Civil. Saíram de lá quase 1 hora da manhã, com a promessa de Bernardo de desmilitarização imediata do controle aéreo, e de que não haveria punição para os amotinados.
A REAÇÃO MILITAR
23 horas. Saito discutia com os mais próximos sua vontade de pedir demissão. A notícia se espalha. “Como vai ser se não houver mais hierarquia?”, disse um brigadeiro. O almirante Júlio Moura, comandante da Marinha, presta solidariedade e diz que o acompanharia em qualquer decisão. Logo depois o comandante do Exército, general Enzo Peri, disse o mesmo. Às 10 horas de sábado, começou uma reunião do alto comando da Aeronáutica. Todos os nove brigadeiros quatro-estrelas estavam lá. Saito anunciou que pediria demissão. Anunciaram, um a um, que se demitiriam juntos. Menos um: o brigadeiro José Américo dos Santos, segundo na hierarquia. Foi então que o clima mudou. Um brigadeiro deu a idéia de Saito resistir. Queria que a força entrasse de prontidão e, armada, cumprisse a lei militar, passando por cima de Lula. “Mas ele é o comandante-em-chefe das Forças Armadas”, argumentou Américo. “Ele é o comandante, mas nem ele está acima do Regulamento Disciplinar”, decretou Saito.
LULA VOLTA ATRÁS
Na tarde de 31 de março, Saito relatou sua decisão aos comandantes da Marinha e do Exército. Deixou claro a Gilberto Carvalho que nenhuma das três forças aceitava mais Waldir Pires na Defesa.
Lula retornou de Washington na tarde de domingo. No início da noite, recebeu os comandantes no Palácio da Alvorada. Diante de Lula, não exigiram a cabeça de Waldir. Mas exigiram respeito à hierarquia e à disciplina. O presidente respondeu que estava sendo mal informado dos acontecimentos, por isso afastara Saito da crise. No dia seguinte, já no programa Café com o presidente, Lula passou a atacar os controladores. A semana terminou sem que ele decidisse nada de concreto sobre o caos aéreo. Nem quem será o novo ministro da Defesa.