Em benefício dos que têm memória curta e dos que gostariam de esquecer, cabe lembrar que Trofim Denisovich Lysenko foi o agrônomo que formulou, por três décadas, a política agrícola da União Soviética. Ganhara notoriedade com palestras sensacionalistas sobre biologia e a partir de 1935 denunciou oficialmente, com o aplauso de Stalin, as descobertas de Mendel e Morgan como “desvio fascista da genética”, um erro que feria a lei de Hegel de transformação da quantidade em qualidade. Contra toda evidência empírica reunida em pesquisa de biologia, Lysenko continuou a sustentar que características adquiridas por uma espécie no meio ambiente podem ser herdadas, com transformação gradativa de uma espécie em outra.
Astuto político, Lysenko expulsou biólogos competentes de instituições e isolou-os em prisões como inimigos do estado. No cárcere morreu de maus tratos o geneticista Nikolai Vavilov. Como recompensa pelos serviços ao partido comunista, Lysenko foi nomeado presidente da Academia de Ciências da URSS e lá ficou por 24 anos a usar seus poderes para expurgar de todos os livros escolares, todas as enciclopédias, todos os cursos universitários qualquer referência à pesquisa genética que corria no resto do mundo. A descoberta, em 1953, da estrutura da molécula de DNA e de sua função em genética nada significou para Lysenko e correligionários do credo marxista. Foi o pesadelo de Orwell tornado real, mas a realidade da bomba nuclear em relações internacionais não permitiu a Lysenko usar a Academia de Ciências da União Soviética para sustar, à maneira nazista, o estudo da “física judaica” de Einstein. Tal despropósito poderia ter acontecido, dada a estrutura do poder na URSS. Lenin, bacharel de direito formado por faculdade provinciana, escreveu um ensaio contra duas obras basilares da ciência, Principia Mathematica de Russell e Whitehead e as leis da termodinâmica, consolidadas por Kelvin, ataque com repercussões duradouras. Dois russos laureados com o prêmio Nobel em economia, Wassily Leontief e Leonid Kantorovich, foram repudiados em seu país, ainda que suas contribuições versassem sobre questões matemáticas úteis à análise econômica quantitativa. São todos exemplos do patrulhamento exercido pela “ciência” marxista sobre os temas tão neutros quanto a tabuada. Equivale à “ciência” ariana dos nazistas.
A agricultura soviética, já combalida pela coletivização stalinista de terras, foi assolada pela praga do obscurantismo que vedou o uso de fertilizantes e sementes híbridas por razões ideológicas. Da catastrófica queda do rendimento da lavoura adveio a deficiência alimentar crônica que desolou a União Soviética até seu fim, que até hoje desola Cuba e ameaça a continuidade da dinastia Sung no trono da Coréia do Norte.
As conquistas da bio-tecnologia passaram ao largo de países comunistas. Lysenko, falecido em 1976, não viveu o suficiente para pronunciar anátemas contra sementes transgênicas, mas seu fantasma continua a rondar a lavoura muito além das antigas fronteiras do império soviético. Apesar do descrédito universal das doutrinas totalitárias seus adeptos continuam sua pregação antiliberal e anticientífica sob rótulos diversos. Uns se agregaram em partidos neo-fascistas ou anarquistas. Os comunistas, por sua vez, viraram em membros de partidos verdes ou ativistas ecológicos, mas mantêm o mesmo discurso contra os trustes e o imperialismo yankee. O que mudou foi o demônio de plantão: antes era o alegado monopólio de petróleo da Standard Oil e hoje é a Monsanto, por sua posição de destaque em bio-tecnologia.
Os ativistas verdes parecem inconformados com a aproximação da vitória da humanidade sobre o flagelo da fome. Foram contra os avanços na produção de alimentos que na segunda metade do século XX dotaram 5 bilhões de seres de dieta acima da mínima, de 2000 calorias diárias quando em 1950 menos de um bilhão a tinha. Continuam a se opor aos avanços que ampliaram em muito a eficácia da pesquisa genética que criou sementes transgênicas, formuladas para alcançar melhor rendimento ou para resistir melhor a pragas ou à seca. Contra elas os comunistas voltaram sua habilidade panfletária de outrora, dos tempos do Agitprop, desta vez com recursos que o Cominform nunca teve: o dinheiro do lobby de agricultores europeus que sobrevivem graças a US$80 bilhões de subsídios agrícolas (metade do orçamento da União Européia). Para estes qualquer expediente vale para barrar a importação dos alimentos de baixo custo do Novo Mundo, inclusive uma aliança com neo-comunistas, anarco-sindicalistas e toda sorte de paranóicos.
É inegável o sucesso da propaganda de cunho Lysenkista em explorar a credulidade do europeu médio a ponto de persuadi-lo a rejeitar o que qualificam como maligno, como alimento Frankenstein com genes modificados. Está implícito neste embuste a noção de que átomos e moléculas de ésteres graxos do óleo de soja, por exemplo, possuem atributos espirituais, quando o óleo de soja nem genes tem para serem modificados. Não faz sentido arguir que impõem-se restrições para preservar exportações rejeitadas pelo público europeu pois nada impede a cultura de ambas as variedades; a produção com sementes não-transgênicas, vendidas a preço prêmio para os supersticiosos e a com sementes transgênicas para o consumidor normal de olho no preço.
Tampouco tem consistência o argumento de que os efeitos a longo prazo sobre a saúde não são conhecidos. A rigor, jamais o serão. Nos dez mil anos de agricultura a mão do homem interfere na genética de plantas com o ato de separar, para a próxima safra, sementes de plantas com atributos desejáveis, violando deste modo uma ordem “natural” com conseqüêncais imprevisíveis. A bio-tecnologia o faz com conhecimento de causa, sob condições controladas de laboratório, e não nas condições caóticas sob as quais a floresta amazônica gera modificações genéticas todos os dias, sem protesto de ativistas verdes. Dez mil anos é o prazo desejado pelos protecionistas para continuar a servir sua dieta de alimentos com preço salgado.
Causa espanto a desfaçatez com que o lobby protecionista europeu impinge ao Brasil diretrizes Lysenkistas que restringem a produção com sementes transgênicas e mesmo sua pesquisa. Felizmente seu uso vem se impondo como fato consumado na maneira observada por Meira Penna; este, em suas andanças pelo mundo como diplomata, observou três tipos de regime: o inglês, em que tudo é permitido, salvo o proibido por lei; o suíço, em que tudo é proibido, salvo o autorizado por lei; o brasileiro, em que tudo é proibido, mas ninguém liga. É o caso da lavoura gaúcha que burla, com sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina, a proibição de um governador Olívio Dutra e é surda às arengas do Fórum Social Mundial, o grito de carnaval da esquerda festiva que alegra as ruas de Porto Alegre.
Recente sentença da justiça federal restringe a facilidade com que ativistas antitransgênicos cerceavam a lavoura com simples liminares. Não basta. Há que ser revogado o entulho de medidas que contêm o avanço da produtividade da agricultura e elaborada legislação para agilizar ações de perdas e danos contra militantes que praticam abusos do gênero. É preciso responsabilizá-los pelos prejuízos que causam à coletividade, e sobre tudo aos famintos a serem amparados por um programa de Fome Zero. Chega de Lysenko.