Emoção marca audiência sobre desocupação de terra indígena
Carvílio Pires
Dezenas de produtores rurais lotaram o auditório da Assembléia Legislativa na manhã de ontem. Todos envolvidos no processo de retirada de não-índios da reserva Raposa Serra do Sol, relataram as dificuldades que têm para sair das áreas que ocupam seja por falta de assentamento ou o insignificante valor atribuído para as indenizações.
Presidindo a sessão, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB) abriu espaço aos que quisessem se manifestar. Na maioria dos casos, os discursos lembravam a época da colonização. Dificuldade de transporte, noites insones e mortes por absoluta falta de assistência médica. Mas havia tranqüilidade e até cerca era dispensável.
Não tardava e viam-se homens e mulheres de todas as idades balbuciarem, entalar e chegar às lágrimas pelo o que chamavam de desrespeito com pessoas que nasceram, viveram, morreram e morrem na região. Do jovem Eduardo Adriano Melo, passando por Altamir Queiroz ou a índia macuxi Amazonina Batista.
Em geral, os não-índios protestaram contra o Governo Federal por não atentar para o despovoamento da fronteira e ONGs, que aos poucos vão vendo suas pretensões transformarem-se em realidade. Mais ainda por causa de 'valores humilhantes' pagos como indenizações a moradores tradicionais da região.
Entre os mais exaltados o discurso do tuxaua da comunidade indígena de Vila Pereira (Surumu), José Brazão de Braga. Da etnia Baré, disse que ele e a mulher – que é vice-tuxaua – são discriminados. A eleição deles teria desagradado lideranças do Conselho Indígena de Roraima que não os aceitam como liderança da comunidade.
'Somos índios brasileiros e temos direitos. O artigo 20 da Constituição diz que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios pertencem à União. Como são bens da União nós resistiremos, por enquanto pacificamente. Se houver necessidade, resistiremos de outra forma porque é vontade da população permanecer na Vila Pereira', declarou Brazão.
Comissão diz que situação na reserva indígena é desoladora
Carvílio Pires
A avaliação do processo de retirada de não-índios da Raposa Serra do Sol é coordenada pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB), designado com esta finalidade pelo Senado Federal. Membros da Comissão Especial Externa da Assembléia Legislativa, criada para acompanhar o senador, dizem que a situação na área homologada é desoladora.
Conforme a presidente da Comissão da ALE, Aurelina Medeiros (PSDB), o grupo visitou as localidades de Socó, Mutum, Uiramutã, Água Fria, Surumu, Raposa e Normandia. 'Vimos de tudo. Índios desolados, passando necessidade e sem assistência de saúde. Na Raposa, uma comunidade grande, o médico vai duas vezes por ano', comentou.
Conforme a deputada, pequenos agricultores ainda não foram assentados em outras áreas e não têm como trabalhar. Também há índios querendo que suas casas sejam indenizadas para também saírem. Não-índios casados com índias são forçados a sair da região, fator que cria um rastro de desagregação familiar.
'Comunidades estão isoladas e nem mais comércio existe para lhes vender mantimentos. Vimos idosos até com 90 anos de idade nos perguntando o que seria da vida deles. Há desagregação e segregação. Agora, naquela área já é possível ver o que há muito tempo vimos dizendo que aconteceria', destacou.
A deputada lembrou que desde o início, a classe política, índios contrários à área contínua e produtores sempre defenderam a demarcação de consenso, mas não foram ouvidos. Segundo ela, durante as visitas foram identificadas pessoas que não sabem nem quanto vão receber.
'As indenizações são injustas. A comissão encontrou pessoas que receberam R$ 700,00 de indenização. Outras, pouco mais de R$ 2.000,00. O que as pessoas vão fazer com valores iguais a esses. Vamos encaminhar esse relatório às autoridades esperando que o assunto chegue na Câmara Federal. Ficaremos ao lado dessas comunidades, fazendo com que as autoridades vejam a penúria de índios e não-índios que tradicionalmente também ocupam a área. A nossa intenção é mobilizar todos e tentar mostrar ao Congresso e ao Executivo Nacional o que está acontecendo nesse pedaço do Brasil', declarou Aurelina Medeiros.
Relatório mostrará drama das famílias
Os parlamentares que visitaram a região não escondem o impacto negativo ao se deparar com o cenário de terra arrasada. Conforme o relator, deputado José Reinaldo (PSDB), o relatório final deverá ser concluído na metade do mês de outubro, expondo o drama de não-índios e indígenas incrédulos no próprio futuro.
De acordo com o relator, enquanto o relatório preliminar do senador Mozarildo Cavalcanti deverá ser concluído até o dia 30 de setembro, o da Comissão Externa da ALE, próximo ao dia 15 de outubro. Muitas pessoas ainda serão ouvidas e quando o documento estiver pronto, uma cópia será encaminhada ao senador, para apresentá-lo nas comissões.
'Nós registraremos tudo o que vimos em: Socó, Água Fria, Mutum, Uiramutã, Normandia, Raposa e Surumu. Encontramos localidades pacificadas, como a Raposa, e outras tensas como no Uiramutã e Normandia, por conta da desintegração familiar. Moradores da região há mais de 70 anos, talvez não possam receber um lote de terra por causa da idade. Enfim, são várias situações que a comissão vai avaliar para produzir um bom relatório', declarou José Reinaldo. (C.P)