No dia 20, os paraguaios elegerão um novo presidente. Na campanha eleitoral, tem prevalecido, em maior ou menor grau, um sentimento antibrasileiro, externado em dois aspectos: revisão do Tratado de Itaipu e ameaça aos cerca de 300.000 agricultores brasileiros que vivem no Paraguai.
Disputam a eleição o ex-bispo Fernando Lugo, com o apoio de uma coalizão de movimentos sociais e partidos de esquerda, Lino Oviedo, general aposentado, e Blanca Olvear, do Partido Colorado, apoiada pelo atual presidente, Nicanor Duarte.
Fernando Lugo foi recebido pelo presidente Lula na semana passada. Segundo o candidato paraguaio, o governo brasileiro estaria aberto a rediscutir Itaipu. O Palácio do Planalto desmente qualquer compromisso com o candidato.
O PT e o governador Requião apóiam a candidatura de Lugo, que está à frente de quase todas as (nem sempre confiáveis) pesquisas de opinião pública.
A renegociação do Tratado de Itaipu com o Brasil tem sido um dos principais temas da campanha eleitoral. O Tratado define as regras da utilização da Usina, a remuneração da energia produzida, sua operação e utilização. Assinado em 1973, o documento tem prazo de validade de 50 anos, ou seja, só poderá ser renegociado em 2023.
A reivindicação paraguaia deve ser vista dentro de um contexto mais amplo. Fernando Lugo deveria ser lembrado que, no início da década de 70:
- o governo brasileiro captou vultosos recursos (mais de US$12 bilhões) necessários para a construção da Usina.
- a Ande, a Eletrobrás paraguaia, só se tornou sócia no empreendimento porque o Banco do Brasil lhe financiou os US$50 milhões para o aporte nos US$100 milhões do capital inicial;
- quando as primeiras máquinas de Itaipu começaram a gerar, não havia mercado para a energia produzida;
- por isso e, compulsoriamente, como previa e prevê o Tratado, as empresas distribuidoras brasileiras foram obrigadas a adquiri-la.
O Paraguai, pelo Tratado, tem direito a 50% da energia gerada por Itaipu, mas sua economia só absorve 10% desses 50%. O restante o Brasil compra para seu próprio consumo. Hoje, quase 20% da energia consumida pelo Sudeste brasileiro vem de Itaipu, sem que haja alternativas, pelo menos a curto prazo, de esse panorama se modificar.
Lugo diz que essa energia absorvida pelo Brasil custa cerca de US$2,75 o MWh e quer multiplicar o preço por oito. Esse não é um preço de mercado.
O custo verdadeiro deveria levar em conta os dados financeiros da empresa.
- Segundo o balanço de Itaipu, o Brasil transferiu em 2007, por força do Tratado, diretamente ao governo do Paraguai ou para honrar os compromissos financeiros daquele país na Itaipu binacional, cerca de US$1,5 bilhão, que corresponde ao pagamento de US$41,32/MWh pela 'energia paraguaia' utilizada, ou 14,86 vezes mais do que Lugo afirma que está sendo pago.
- Os consumidores brasileiros ainda pagam em suas tarifas de luz cerca de US$200 milhões ao ano a título de royalties ao Paraguai.
- Os royalties pagos por usinas brasileiras - que no Brasil são denominados de 'compensação financeira' - representam valores bem menores do que os royalties de Itaipu, evidenciando um custo abusivo dos royalties da Binacional (de 2,5 a 4,1 vezes superiores aos pagos pelas usinas brasileiras).
- Cedendo a pressão do governo paraguaio, o governo Lula aumentou de 4 para 5.1 o multiplicador de cálculo de energia comprada pelo Brasil, o que representou despesas adicionais para o Tesouro de mais US$20 milhões/ano.
O governo Lula tem afirmado que não aceitará qualquer modificação no Tratado de Itaipu e que vai manter a mesma linha adotada até aqui com o governo do presidente Nicanor Duarte.
Dada a ambigüidade de algumas declarações feitas por porta-vozes do Planalto depois da visita de Lugo, é necessário que o Brasil se posicione de forma clara diante do Paraguai para evitar o que ocorreu com a Bolívia. Espera-se que não haja confusão entre os interesses ideológicos do PT e a atitude do governo de Brasília.
A energia de Itaipu é uma questão de segurança nacional e não admite tergiversação. Esperamos que os interesses maiores do Brasil sejam defendidos de maneira realmente efetiva e não com a falta de vigor com que foram tratados os problemas da Petrobras no tocante à nacionalização das refinarias e ao aumento do preço do gás na Bolívia.
(*) RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).